quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O Tony Blair da Arte



Antes de ler esta postagem, saiba que, depois desta, o blog entra em recesso e retorna entre fevereiro e março de 2020. Boas férias!

Anthony Douglas Cragg, ou simplesmente Tony Cragg, é um artista plástico britânico que nasceu em 1949. Começou fazendo instalações com objetos descartados e ficou importante ao ponto de receber da Rainha Elizabeth II o título de Sir. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Blood Sugar. Esta formidável obra remete à Infância, num saco de balas coloridas, como jujubas ou as tradicionais balas Soft, encantando os olhos e o paladar das crianças, no modo como é necessário que a pessoa, por mais madura e experiente que seja, nunca deixe de lado esta certa candura infantil, fugindo de se tornar uma pessoa amarga a empedernida – as crianças têm muito o que ensinar aos adultos. Todos os vidros aqui são opacos, na metáfora espírita existencial de que só podemos observar a Vida através de um vidro opaco, muito opaco, tendo este vidro transformado em translúcido só após o Desencarne, nos inevitáveis mistérios da existência, dos labirintos da Vida, sendo tudo, porém, bem simples e fácil: o Bem é sempre agradável; o Mal, desagradável. Mas, como diz Tao, as pessoas estão constantemente sendo seduzidas por atalhos traiçoeiros, confundindo conceitos, ou seja, confundindo Bem com Mal. Esta obra é bem limpa e perfumada, e não podemos ver um só fiapinho de poeira, na limpeza bela que é a Dimensão Metafísica, um lugar em que a vicissitudes materiais se evanescem. Estas placas de vidro, perfuradas pelas garrafas, desfiam a Gravidade, e estão em completo equilíbrio. É o modo como o Vidro mudou para sempre o curso da Humanidade. Podemos ouvir aqui o tilintar de taças sendo brindadas, talvez numa virada de ano, no modo como um artista quer sempre nos brindar e encantar-nos, como num pólo turístico como Gramado, aprumando-se para encantar o turista, arrastando milhões de visitantes todos os anos, num poder magnético, numa economia especializada em encantar, como no deslumbrante complexo de parques temáticos em Orlando, EUA, num lugar mágico onde os adultos se sentem crianças novamente. Aqui, temos uma diversidade, como na diversidade racial, na ilusão que é o preconceito de cor, como vi, hoje mesmo, em uma livraria, para vender o infame livro psicopático hitlerista Minha Luta, um livro que deveria ser proibido em qualquer lugar do Mundo. O artista tem esta função, a de tocar as pessoas, tudo em nome da sensibilidade, da humanidade, do cavalheirismo e da candura fraternal de respeito. A função da Arte é atiçar as pessoas em nome do Bem, da Sensibilidade. As garrafas azuis são um majestoso Céu de Brigadeiro, com aviadores voando pelos Céus, vendo tudo ao redor, no modo como as colônias espirituais parecem ser terras serranas, elevadas, alheias aos orgulhos duros e cruéis do Mundo Material, sendo este sempre flagelado pelas ambições humanas, pois se estou o tempo todo querendo coisas, não posso ter Paz. As garrafas de cor leitosa são as tetas maternas, sempre alimentando e provendo, como um rio desembocando no Mar, como num Rio Nilo, sempre provendo o Egito levando embora as impurezas, lavando as terras dos faraós. É como o leiteiro de antigamente, deixando nas portas das casas as garrafas de leite, em tempos tranquilos, sem tanta violência nem criminalidade, numa época em que podíamos confiar uns nos outros, numa época áurea que nos remete à vizinhança plácida metafísica, no modo como só pode haver felicidade se houver Paz, havendo nas interrupções causadas pelas Guerras o infeliz motor que move a Humanidade, num Ser Humano sempre aguerrido e raivoso, pois, como dia Tao, a Paz é melhor do que a Raiva. A base desta obra é perfeitamente branca, na cor da bandeirinha da trégua, como dois amigos, que, depois de vários anos, decidem restaurar o relacionamento. Esta obra é toda muito leve e agradável, e as peças vítreas parecem pesar menos do que realmente pesam, na deliciosa sensação de flutuação onírica.


Acima, Distant Cousin. A forma parece ser uma motocicleta muito moderna e futurista, e podemos ouvir o roncar do motor, como numa moto na Rua, acordando-nos durante a noite, no modo como o artista quer nos “acordar” para que observemos o Mundo pela ótica deste mesmo artista, como num anfitrião recebendo convidados, numa espécie de “bem-vindos ao meu mundo”. Esta forma remete ao filme O Exterminador do Futuro II, no qual um vilão cibernético toma várias formas, com este aspecto de “prata líquida”, como um metal cromado, na capacidade do artista de pegar este barro primordial amorfo e produzir coisas novas, nesse poder transformação, reinventor de um grande artista, numa pessoa que tem a força para sobreviver e manter-se na crista da onda durante décadas de carreira, no grande desafio que é a reinvenção, pois, se obtenho sucesso, meu desejo básico é me manter em tal momento, sendo muito difícil de tal página ser virada, pois como posso me reinventar se quero permanecer o mesmo? Aqui, é um animal de várias patas, como um boi ou um inseto. Este aspecto metálico e refratário é como um espelho, no poder da reflexão, de uma pessoa meditando e pensando sobre o que é o Mundo, esta esfera tão enigmática, num lugar em que é tão difícil de se manter a Fé, num grande desafio. Aqui, é como uma flor cromada, como na gigantesca flor metálica em Buenos Aires, feita de restos de aviões que lutaram na Guerra das Malvinas, um monumento para nos lembrar das mortes em ambos os lados do conflito, na insensatez que é ceifar vidas em nome de vaidades estatais, pois, infelizmente, o Ser Humano é altamente vaidoso. Esta escultura é elegante, e os pés mal tocam o chão, num retiro, numa renúncia, num resguardo, como nos prédios no desenho Os Jetsons, com enormes estruturas futuristas sendo sustentadas por mínimos pilares delgados, nesse gesto de renúncia àquilo que é vulgar e mundano, numa interferência mínima da Matéria, interferência a qual, na Terra, nunca poderá ser totalmente banida, pois a Encarnação é assim mesmo – um eterno pontinho negro no Sol. Aqui é uma aranha de líquido mercúrio, sempre em processo de transformação, na lei da Dialética, que diz que tudo é processo, como no processo evolutivo espiritual, num espírito que desencarnou muito mais nobre do que encarnou, no modo como a Vida é incessante atividade de aprimoramento e crescimento, rechaçando orgulhosas estagnações do tipo “sou perfeito”. A parte superior lembra um vaso de flores vazio, esperando pelas flores, pela delicadeza, pela feminilidade, numa casa arrumada e perfumada. É o modo como a Vida nos dá um vaso vazio, cabendo a nós encher este vaso do modo como desejarmos, colhendo as consequências de tais livres escolhas, pois qual seria o sentido da Vida se eu não tivesse liberdade para escolher e, assim, crescer neste âmbito autodidata? Aqui, temos uma forma misteriosa, sempre fluindo, como um rio, sempre serpenteando, nas indefinições aquosas de transformação. É como um prato de aço inox sendo derretido, usado para outros fins, no modo como a Metalurgia de Caxias do Sul se desenvolveu com a II Guerra Mundial, num amargo progresso. Aqui, é como uma supernova explodindo para todos os lados, na ambição de um artista em estourar nesse sentido, estando catapultado ao status de estrela, como numa Rainha da Festa da Uva, tendo a cidade aos seus pés, fazendo metáfora com a apolínea hierarquia metafísica, num plano regido por uma rainha de dignidade de fazer inveja a qualquer governante sobre a face da Terra, no modo como tudo no Plano Físico gira em torno do Plano Metafísico, ou seja, só no Pensamento há Nobreza; não há Nobreza na Matéria. Aqui, é um ser misterioso, de forma indefinida, como é o mistério de Tao: você o encara, mas ele não tem face; você vai par atrás dele, mas não vê cauda. É como um peixe fluidio e estranho, sempre indefinido, sempre em processo fluidio, sempre crescendo.


Acima, Ferryman. A peça permite a circulação de ar, como numa agradável casa arejada, ou como numa mágica casa ao ar livre. A peça é leve, translúcida, deixando Tao circular e prover o Mundo, como num rio alimentando vales; como chuvas irrigando terras secas. Esta peça respira, vive, convidando o espectador a respirar fundo e curtir os aspectos mais simples da Vida, os quais nada custam. Aqui, é como se a peça tivesse sido avidamente alvejada, fuzilada impiedosamente, como numa pessoa que se frustrou, levando vários tiros da Vida, tendo que ter força para se reerguer e continuar tocando o baile. É como um artista polêmico e controverso, como Michael Jackson, um homem que sofreu inúmeros ataques em vida, chegando até os tribunais, num artista que, apesar de famoso, célebre e bem-sucedido, foi muito incompreendido. A peça remete à divertida letra de uma canção de Elis Regina: “De tanto levar ‘frechada” do seu olhar, meu peito até parece sabe o quê? ‘Táubua’ de tiro ao ‘álvaro’. Não tem mais onde furar”. É como num flerte entre namorados, com muita paquera visual antes de se chegar aos finalmentes. A peça é como uma esponja fofa, cheia de veios, espalhando espuma, no poder renovador que é um bom banho depois de um dia inteiro de transpiração e sujeira. Aqui, é como uma chapa metálica que foi feita para fabricar moedas, havendo na chapa restante um subproduto que é usado como elemento decorativo. Esta peça procura ser discreta, como num camaleão se adaptando ao ambiente externo, num bicho que parece saber a importância da discrição, pois como um camaleão poderá atacar e comer a presa se esta o ver? A peça nos convida a tocá-la, colocando nossos dedos nos furinhos, numa prazerosa agressãozinha, como na lembrança de infância que tenho do Mercado Público de Porto Alegre, quando eu fincava fundo a mão numa saca de feijão. Esta peça, com seu aspecto leve, parece que vai levantar voo ao menor ventinho que bater, no modo como um artista procura obter tal efeito de leveza, de agradabilidade, como na leveza visual numa capa de revista com o rosto de Gisele, uma estrela que conseguiu obter tal efeito apolíneo, no grande desafio que é a para a pessoa aprender a exalar tal efeito, no modo como todos temos que ser autodidatas, pois, afinal, somos livres, pois a Liberdade é um dos princípios de Tao, o Pai que quer nos ver crescer. Aqui, parece ser um ser marinho, com esse aspecto de esponja, ou como um coral, num Tony Cragg querendo imitar tal fascínio das criaturas as quais a Natureza nos traz, num ecossistema tão rico, tão farto, tão diversificado, fazendo da Terra uma pequena joia rara do Cosmos – como somos ricos neste sentido! Aqui, temos uma certa vulnerabilidade, uma passividade, como uma goleira, que tem que ser defendida por paladinos jogadores, como uma porta, que tem que ser trancada e bloqueada para evitar a entrada indesejada de ladrões e assassinos. Neste sensual vazio, nada pode ferir esta peça, pois uma lança que entrar vai atravessar o meio e chegar ao fundo, e este “coral” sairá ileso, sem sentir uma fincada sequer, no sentido de que o vazio é onde, precisamente, está a sensualidade, e este vazio indefinível é Tao, o copo vazio que pode ser usado para tomarmos água, ou seja, o Mundo é de quem serve a este, e Tao é assim, de suprema serventia, como numa zelosa Madre Teresa, dedicando-se ao serviço dos que necessitam, talvez num espírito, o qual antes de encarnar como madre, deve ter tido uma vida fútil e egoísta, desejando assim, na encarnação posterior, reparar tais erros egocêntricos, tornando-se uma grande altruísta, e Tao é assim, sempre nos dando novas oportunidades para passarmos a borracha em nossos próprios erros e equívocos, havendo em Tao um professor de paciência terna e imensurável, e ter paciência não é importante? Aqui, são como os furos numa bola de boliche, e são exatamente os furinhos o que dá utilidade à bola, convidando-nos a meter o dedo e mergulhar neste delicioso vazio, como no grande largo da beiramar de Capão da Canoa, um espaço vazio e amplo que serve de várias formas ao uso do cidadão.


Acima, I'm Alive. É uma cobra se enrolando, engolindo a própria cauda, formando um anel, um elo, e através de tal vazio central podemos ver a paisagem atrás, numa obra que respira, num Cragg que gosta tanto desses materiais cromados, prateados. É como um caramujo que foi expulso de sua casinha, no trauma que é o nascimento, no choque que é sair do quentinho da barriga materna para o Mundo frio e duro no qual vivemos. É numa busca existencial, num caramujo expatriado que, agora, precisa saber o que fazer da Vida, precisando obter um novo norte, uma nova missão, pois o norte anterior se revelou frustrante e sem futuro. É uma peça elegante, que toca o mínimo no chão, como na elegância do salto alto, como no salto alto de John Travolta dançando a Discomusic em um filme que marcou época. Este resguardo, esta reserva comedida é um espírito querendo se manter puro e sublime, negando os apelos materialistas da Sociedade de Consumo, num espírito querendo consumir o mínimo possível, na sabedoria de que, se não estou o tempo todo querendo coisas, posso ter Paz. Esta superfície espelhada é refratária, adquirindo as cores do ambiente ao redor, no camaleão se camuflando espertamente. Este espelho distorce a imagem, pois não é plano, mas tridimensional. É um espelho que revela o Mundo de forma atípica, como numa visão prejudicada, numa pessoa que está observando o Mundo de forma distorcida e ilusória, longe da fria realidade, como numa pessoa que se refugiou psiquicamente num mundinho de faz de conta para, assim, esconder-se da Vida – é possível fugir desta? Fugir da Vida é o caminho da Loucura, numa pessoa que se refugiou e não quis aceitar a encarnação pela qual a própria pessoa optou antes de encarnar. Aqui, é um elemento amorfo, em constante processo de reformulação, como na brincadeira infantil da massinha de modelar, atiçando a imaginação e treinando a capacidade humana de pegar materiais e fazer coisas, na missão inventiva do artista plástico, num constante caminho de crescimento e depuração, pois quem é mais agradável é superior. Aqui, é um vigoroso peixe nadando por águas familiares, águas que são seu lar. É uma pessoa confortável em sua própria pele, no positivo e necessário caminho da autoaceitação, pois como posso ser feliz se não me gosto? Aqui, é uma lombriga invadindo um intestino, espraiando sua malícia, seu malefício, como num ardiloso sociopata se esgueirando em minha vida, querendo me castrar, manipular-me e controlar-me – saia de perto de mim! Aqui, é um elegante golfinho ou baleia, fazendo seus majestosos nados para fora da água, em oceanos tão cheios de Vida, de vontade de viver, pois só alcança Tao quem o quer; quem tem vontade. É como uma pulseira, no prazer de uma mulher que gosta de se aprumar para o Mundo, saindo de casa impecavelmente arrumada e perfumada, ao contrário de uma professora que tive, a qual, hoje em dia, perdeu toda a autoestima, simplesmente parando de se arrumar, quando que idade não é pretexto para parar de se arrumar. Aqui é como um anel mágico de Tolkien, seduzindo e corrompendo as almas dos homens, os quais são fracos perante o anel, pois é próprio da mazela humana querer ter poder, muito poder. Esta obra é como uma vinheta do mestre digital Hans Donner, dotando a Rede Globo de toda uma identidade visual, num talento de artista plástico, sempre buscando as coisas de forma minimalista e limpa, como se suas obras fossem feita de puro cristal. Aqui, é uma onda desafiadora, desafiando um surfista a embarcar nela, mas talvez seja uma onda perigosa demais, talvez além do que o surfista poderia arcar, no sentido de que é próprio do sábio ter cautela e pensar muito, pensando se tal onda pode ser domada. É uma avassaladora onda de tsunami, deixando rastros de destruição, nas vicissitudes materiais, no modo como as tragédias acontecem para estimular a fraternidade e o altruísmo, como disse Streisand em um concerto: “Será que sempre precisaremos de uma catástrofe para lembrar de que somos pessoas que precisam de pessoas?”


Acima, Mean Average. Esta obra é muito representativa de Cragg, visto que este adora fazer esculturas que imitam a ação erosiva da Natureza, como em rochedos esculpidos por muitos e muitos anos de vento, num Cragg querendo imitar tais forças, na tentativa que qualquer artista tem em ser equiparado a uma força natural titânica, fazendo catarses que causem comoção. Esta majestosa escultura contrasta com a paisagem urbana ao redor, pois, no fundo, temos a ordem da vida cotidiana e, na obra de Arte aqui, temos a força da Natureza correndo solta. É um grande e exótico móvel, esculpido com muita paciência, como na paciência da Natureza, que leva milênios, quiçá milhões de anos para moldar alguma forma natural, como nos interiores de cavernas, moldados por milênios de gotejamento, fabricando esculturas pétreas. Aqui, é como um grande cocô, desculpe a comparação chula, mas um cocô psíquico, catártico, na gloriosa sensação de se colocar para fora todas as feridas de dentro de si, num momento de vômito e desabafo, seguido de alívio, refrescância e renovação. É como um grande cupinzeiro, numa complexidade inexistente em qualquer obra humana, num formigueiro repleto de labirínticos corredores, pelos quais somente as formigas e cupins sabem se locomover. É como na narração no romance brasileiro O Cortiço, com os moradores da favela acordando de manhã cedo, fazendo seus barulhos com as xícaras de café, formiguinhas despertando para uma nova jornada. Aqui, é como um exótico tronco de árvore, só que sem galhos, num tolhimento, uma limitação, numa ação de poda, nas intenções humanas em “domar” a Natureza, os bichos e as plantas. A árvore aqui está castrada, desiludida, frustrada, e tomou um soco psíquico na boca do estômago, como numa pessoa que se frustrou em relação a um projeto profissional ou em relação a um amor passageiro. É um cenário de devastação, como numa pessoa que está beijando o fundo do poço em sua vida, encarando um quadro de devastação existencial enorme, tendo que partir do zero em busca de um movimento de restauração e reconstrução, como nas riquezas descobertas em um sítio arqueológico, em esforços para a reconstituição de épocas que há muito passaram. Aqui, remete um tanto a colunas barrocas, tortuosas, no boom da Moda artística e cultural que foi o Barroco, nas vogues, nas ondas de novidade que varrem o Mundo. As colunas barrocas são como serpentes, gordas, sempre se retorcendo, vivendo sensualmente, esgueirando-se pela mata em busca de alimento. Aqui, é como se um retilíneo tronco de árvore estivesse tomando um terrível choque elétrico, no modo como a Vida vai, vez que outra, trazendo-nos tais choques de realidade, colaborando para que nos tornemos mais humildes e realistas, pois não é insuportável a pessoa arrogante, a qual se acha imune a cometer erros? Aqui, são como dunas verticais, por assim dizer, no modo como o vento da orla vai moldando as dunas, nas mágicas imagens de telenovela Tieta, na sensualidade das paisagens do Nordeste Brasileiro. Então, podemos ouvir aqui o poder sedutor dos ventos, das brisas, num corpo dinâmico que está sempre se movendo e mudando de lá para cá, no fato de que o bioma global está em constante respiro, em constante Vida, sempre respirando, sempre fluindo ciclicamente, como nas rotinas do dia a dia, como tomar banho e sair da cama. Ao fundo aqui nesta foto, um homem de bicicleta para observando a obra, a qual chama a atenção em meio a uma cidade tão normal e rotineira. É um momento em que a pessoa se dá ao direito de fazer uma contemplação, deixando um pouco de lado a insensível correria cotidiana. Aqui, é uma torre, um forte pilar. É como uma grande suruba voluptuosa. É como comida sendo mexida dentro da panela, sempre mexendo e cozinhando. É como um complexo de escadarias arredondadas, como nas traiçoeiras escadarias volúveis na franquia Harry Potter, com escadas traiçoeiras, as quais podem confundir o passante, desafiando este a chegar ao seu destino final, e a Vida pode ser, por vezes, uma escadaria assim, não?


Acima, The Articulated Column. Parecem pratos querendo se equilibrar numa coluna, a qual tem uma aparência frágil, parecendo que vai cair a qualquer momento. É a voluptuosidade de sensuais mulheres indianas no Met, com suas ancas fartas e seios generosos. É como um verme se contorcendo, procurando se movimentar com movimentos sensuais que afetam todo o seu corpo, como num verme que vi certa vez enquanto eu cortava uma berinjela: havia um furinho na berinjela, e de dentro saiu um verme se esgueirando. Mais uma vez aqui temos uma coluna um tanto barroca, e fica difícil para se assinalar algum epicentro aqui, algum centro vertical e retilíneo, ao contrário de colunas retas, nas quais podemos ver claramente onde deve estar o centro vertical. Aqui, é como uma dançarina da Dança do Ventre, encantando o Ocidente com a Cultura Oriental, como nas lendas árabes de tapetes voadores, ou como nos perfumes de especiarias indianas que foram conquistando o gosto do europeu, no enigmático perfume de canela, um perfume sem equiparação, sem similar, como no sabor da fruta como a manga, mandada da Índia para que a Rainha Victoria pudesse provar o gosto do Oriente. Aqui, é como o chocalho no rabo de uma cascavel, assinalando uma longa vida, com vários processos de troca de pele, como na carreira de um artista, acumulando itens curriculares, no termo “penteadeira de puta”, desculpe o termo, como na linha do tempo no Facebook, mostrando uma trajetória e contando uma história. Aqui é como o personagem Chaves equilibrando vários pratos e copos, só que de mentirinha, pois os pratos e copos estavam colados no pau de equilibrista! Aqui temos um desejo de equilíbrio e estabilidade, mas parece que está sendo difícil, pois se trata de um corpo muito dinâmico e fluidio, sem fabricar verdades perenes, permanentes, como no título de um dos álbuns de Marisa Monte: Verdade, uma ilusão. Aqui, a base é mais delgada do que outras partes da escultura, trazendo um enigma: como pode haver aqui equilíbrio? É como na enigmática obra de MC Escher, desafiando o espectador, brincando com as percepções deste, pregando peças bem-humoradas, como numa Ellen Degeneres, a entrevistadora americana que adora pregar peças em convidados, equipe e espectadores no estúdio, numa espécie de “moleque”, aquela porção infantil nossa da qual jamais podemos nos desfazer, pois a jovialidade é uma virtude, como num Leonardo da Vinci, o qual se manteve irreverente até o fim da vida. Com esses pratos empilhados, ficamos nos perguntando como é possível haver equilíbrio aqui. Parece que os pratos querem se libertar uns dos outros, num cenário competitivo, em que cada prato quer adquirir independência e identidade própria, como numa família numerosa, em que os irmãos trilham caminhos diferentes em suas vidas. Aqui, são como pneus de gordura em corpo de alguma obesidade, como no monstro de marshmallow Stay Puft, de Os Caçafantasmas, cheio de voluptuosidade, ameaçando Nova York. Aqui, é um tronco de árvore que foi sendo tolhido, com várias etapas de crescimento, até, depois de muito esforço, conseguir chegar a uma certa altura, no modo como temos que lutar muito para sermos reconhecidos e, chegando ao ponto de reconhecimento, precisamos continuar lutando, pois na Vida não há piloto automático, como numa Madonna, uma guerreira com décadas de carreira, numa artista que sabe que não pode parar, pois, se parar, sabe que virará peça de museu. É como grandes bandas longevas, como U2 e Rolling Stones, tendo que haver muita força e criatividade para que não haja autorrepetição. Aqui, é como uma linguiça, um salame sendo preenchido, numa boa combinação que é salame, queijo e vinho, nos prazeres mundanos os quais não podemos deixar de lado, no pecadinho gostoso da Gula. Aqui, é como uma fábrica de coisas, de vasos, de pratos, numa linha de produção incessante, como cabelo e unhas crescendo, como capim e mato nas estradas, mostrando se, naquele lugar, há uma boa ou má administração, remetendo-me aos impecáveis canteiros de Gramado, em contraste aos horrendos canteiros de uma cidade a qual não mencionarei.

Referência bibliográfica:

Tony Cragg. Disponível em <www.en.wikipedia.org>. Acesso 11 dez. 2019.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Respirando o Ar da Arte (Parte 3)



Falo pela terceira vez sobre o artista francoamericano Arman. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Arsenic and Old Lace. 1999. A cena parece toda com um sapato de salto alto, na sedução que os sapatos exercem sobre as mulheres femininas. Aqui, temos um corte, uma interrupção, como na divisão do Globo Terrestre em latitude e longitude, nas tentativas humanas em impor Ordem ao Caos. Esta poltrona é como um trono, ocupado por um monarca que soube marcar época, em reinados célebres, lembrados para sempre pela História. É como no Meridiano de Greenwich, dividindo tudo entre oriental e ocidental. É o reinado de Elizabeth I, catapultando uma Inglaterra pobre a uma potência rica e respeitada, com ares de excelência que são respirados até hoje pelos ingleses, na altivez da cabeça que usa a coroa, num cargo pesado, como num Obama, o presidente que, no decorrer dos anos de governo, foi adquirindo acentuados cabelos brancos, no provável estresse que é a função representativa, com o Mundo inteiro pressionando o líder para que este seja simplesmente perfeito, como nas expectativas em torno de Elizabeth II, pressionada a trazer uma nova era de ouro à Inglaterra, como o trouxe a antecessora de mesmo nome. Esta peça tem um suporte negro, estabelecendo uma classificação, uma proveniência, dando-nos o aviso de que não devemos chegar muito perto, e que devemos prestar respeito, pois, do contrário, teremos sobre nós a ira de um rei, algo que não desejamos... Podemos ouvir aqui um som de serra elétrica, cortando a poltrona ao meio. A estampa é elaborada, com motivos florais, trazendo uma certa feminilidade à obra, como numa governante que, apesar de ter que ser firme e por vezes fria, nunca poderá perder a delicadeza feminina, pois não queremos como líder uma mulher que não seja mulher. Esta base negra, imprevisível, é como um altar de igreja, sustentando imagens, e é o suporte governamental, nas prerrogativas que cercam a regência de um líder. Este suporte tem como objetivo acentuar algo hierárquico, colocando o líder em uma posição de irmão mais velho, de irmão maior, mais alto, tomando conta dos irmãos menores, nos pais depositando nos filhos mais velhos o poder, a hierarquia para governar os mais jovens, os pequenos. Na base desta estampa estão formatos de aves de asas abertas, no modo como é só em uma terra livre na qual o cidadão é feliz. O bom líder tem que tomar cuidado para não ferir a paz diária do cidadão comum, ao contrário de um certo político, o qual, em clara estupidez, ferrou cidadãos pacatos e trabalhadores. A ave voando é a mente livre, como o arbítrio livre, sentindo-se confortável dentro de si mesmo, pois só há a bondade do prazer e do conforto quando estamos livres. É a liberdade do Pensamento Racional, rechaçando malícias ideológicas, no maior poder que uma pessoa pode ter – o Pensamento, pois os que não pensam passam suas vidas sem ter consciência de suas próprias existências, no modo como os ditadores temem muito a Liberdade, pois como posso explorar e vampirizar um povo que não tem a obrigação de me oferecer a jugular? As ditaduras são perversas e desprezíveis, sendo realmente desinteressantes. O equipamento que corta este “trono” pode ser uma harpa ou uma máquina de tear, e podemos ouvir o som musical do instrumento; podemos ouvir o barulho da máquina tecendo. A poltrona é o trono dentro da casa de cada pessoa, num momento de lazer e descanso, com o cidadão confortavelmente sentado, de pantufas, talvez tomando um drinque relaxante, no merecido descanso depois de um dia de trabalho e estresse. Aqui, é como um pão sendo repartido ao meio para alimentar duas pessoas, no ato de caridade no qual devo ajudar uma pessoa que, realmente, está necessitando. As flores da estampa são perfumadas, no modo como os reinados adquirem para si símbolos pertencentes à natureza de tal reino, como no panteão egípcio antigo, no qual o egípcio via divindades em crocodilos, cobras, escaravelhos, abutres, chacais, gatos etc.


Acima, Diminution du Comfort. 1999. Temos uma progressão, e, conforme vamos olhando para o lado direito da obra, a cadeiras vão ficando mais destruídas. Podemos sentir o som de marcenaria, o cheiro de madeira nova, e podemos ouvir o som do maquinário na empresa. Podemos ver a serragem espalhada pelo chão. É como no carpinteiro São José, pai de Jesus – o Natal está chegando! Aqui, é sempre a mesma cadeira, só que em momentos diferentes. Temos uma dissociação, uma análise que decompõe o objeto, como numa dissecação de cadáver, como cada órgão sendo catalogado. É um trabalho de análise de algum objeto de Arte. É como analisar um filme, analisando cada cena em separado para, por fim, contemplar o objeto em sua totalidade, encontrando traços que permeiem toda a obra. Aqui, é como num caminho de destruição, num descaminho, com a cadeira, antes íntegra e digna de sua função de móvel, sendo destruída, talvez danada aos processos de tempo, talvez num móvel lenta e progressivamente consumido por persistentes cupins. É como se a cadeira estivesse caindo de uma certa altura, espatifando-se ao chão, e é como se tivéssemos aqui uma foto de cada momento do processo de desmantelamento, como num filme. É como uma aranha ou algum inseto sendo morto por um matamosca, livrando o lar de visitantes indesejados. São as vicissitudes da Matéria, pois, enquanto encarnados, estamos cercados de biologia, de bactérias, de muitos bichos e vegetais, de diversos tamanhos, desde microscópicos até de grande porte. Aqui, é um altivo trono sendo desmantelado, como numa Revolução Francesa, destituindo um rei, guilhotinando cabeças, num momento violento de ruptura, com uma longa tradição monárquica sendo suplantada pela forma mais digna de governo que hoje conhecemos, que é a Democracia. É como uma pessoa sendo assassinada, como no chuveiro de Psicose, com vários cortes, numa agressão que se certifica de que o agredido não sobreviverá. Aqui, as cadeiras mais à esquerda estão menos agredidas e mais preservadas, enquanto as da direita estão muito, muito agredidas, talvez num cenário de Guerra, no qual os “peões do tabuleiro”, na posição mais humilde na hierarquia, são colocados na linha de frente, com a função de proteger o rei, o qual está na posição mais resguardada e preservada, nos privilégios em torno dos líderes, privilégios que seduzem aqueles que buscam ter muito poder em vida. É como na ótima e perturbadora letra de uma canção, que diz: “Por que sempre mandamos o mais pobres à Guerra?”. Aqui, é um cenário apocalíptico, como numa Chernobyl, e apenas o rei sobreviveu, acumulando dentro de si o próprio povo, conduzindo este à terra plácida dos desencarnados, a terra mais linda e acolhedora que existe, fazendo da Terra uma cópia tosca e atrasada. Aqui, é como numa festa: a pessoa chega toda a arrumada e, depois de muitos drinques e muita dança, fica toda suada e desarrumada, na sensação gloriosa de suar na pista de dança, no fervo da juventude, no modo como todos precisamos de alguma diversão em meio a um Mundo que tanta disciplina exige de nós. Aqui, é a inevitável danação material, com todas as coisas materiais sendo condenadas a um prazo de validade, no modo como a Matéria não pode ser equiparada à Eternidade Metafísica, à Vida Eterna, que é o maior presente que pode ser dado, numa poderosíssima perspectiva – você já de deu conta de que você jamais findará? É muito poder, e passaremos a Eternidade tentando desvendar o indesvendável Tao. Aqui, é um ciclo, com a cadeira íntegra sendo progressivamente destruída, e, depois da Morte, vem o Renascimento, e a pessoa desencarna com o poder de rejuvenescer e viver jovem para sempre, na danação do corpo físico, na metáfora “vão-se os anéis e ficam os dedos”. O que você prefere ter: anéis ou dedos? O que é mais importante para você: ter boa imagem ou ter felicidade? Você decide. Aqui, é como uma pessoa pegando no sono, desligando-se gradativamente da vigília e se rendendo à necessidade de descanso.


Acima, Maldoror. 1998. O piano está comprometido, avariado, como se os postes fossem árvores que, na força de seu tronco e suas raízes, tivessem invadido um duro muro de pedra. As luminárias são o esclarecimento, a razão, no intento científico de encontrar sentido e razão em coisas as quase jamais foram explicadas, e cada época da Humanidade tem suas próprias definições. O poste vence o jogo contra o piano, o qual se mostra fraco e suscetível, sensível, frágil, no termo “água mole em pedra dura”, ou seja, quem de fato é o vencedor na cena – quem cede ou quem ocupa? Podemos ouvir a dor piano destoando, numa sinfonia confusa e caótica. É como o Modernismo Brasileiro agredindo (elegantemente) os moldes acadêmicos conservadores, num momento que ampliou o leque de percepções do espectador brasileiro. São como as revoluções, como na trágica Revolução Farroupilha, na intenção de desafiar um poder indesafiável, em atos de muita coragem, havendo no cagão – desculpe o termo – a incapacidade para tais desafios, pois a Vida não nos exige coragem? O poste aqui é altamente impositivo, altivo, pouco se importando com o piano ao chão. É o ímpeto, o ímpeto do artista, no modo como a evolução da Arte é altamente dependente de tais transgressões, pois qual seria o sentido de uma Arte que jamais será transgredida? Não é para frente que se anda? Aqui, é como se uma bomba tivesse sido detonada no piano, no termo “boom” para classificarmos artista, ou astros em geral, que tiveram um impulso muito forte, num sucesso muito avassalador e inignorável, no modo como, por exemplo, uma Gisele se impôs frente ao globo inteiro. Aqui, o poste conquistou seu espaço ao Sol, na luta pela Vida, num artista que sabe que, se tiver talento e potencial, precisa ter a força para persistir em uma estrada que parece ser tão inóspita. Aqui, o piano está derrotado, e teve que se curvar ao poste, como num jogador que sabe reconhecer que perdeu a partida para um oponente melhor e mais preparado. O piano está humilhado e destruído, no modo como Arman gosta de tecer tais cenários de devastação, havendo no sucesso de um a infelicidade do outro, numa espécie de canibalismo, num mundo tão competitivo, com tantos e tantos sonhos sendo frustrados todos os dias ao redor do Mundo. As luminárias aqui estão desligadas, talvez repousando e esperando pela noite, na hora em que são úteis. É o avanço das tecnologias, no surgimento da Energia Elétrica, ou no boom da Internet, com as velhas tecnologias virando peças de museu, como na geração que nasceu nos anos 2000, uma geração totalmente digital. É como se este poste estivesse se alimentando, parasitando o piano, como na intenção maliciosa do psicopata, um vampiro de almas que nunca está feliz se os outros estiverem felizes, na pequenez da serpente da malícia, com a víbora sendo esmagada pelos alvos pés de Nossa Senhora. Aqui, temos vitória e derrota lado a lado, no cenário final de uma guerra, com o perdedor admitindo a derrota, havendo ao vencedor a discrição para nunca espezinhar o oponente derrotado, pois, na gangorra da Vida, por vezes estamos por cima, por vezes estamos por baixo, pois não é o Sucesso um amante infiel? Aqui, temos a estrutura piramidal de classes sociais, com impostos sendo pagos pelo cidadão trabalhador, sustentando a máquina governamental com tal dinheiro de impostos, na imposição de punição àqueles que não estão em dia com o “leão”. É como numa pessoa pobre, a qual só consegue pagar as contas, nunca conseguindo acumular algo para concretizar sonhos, como um carro ou a casa própria. É como numa cruel e implacável ditadura, numa nação miserável que investe tudo em militarismo, na insana busca humana por Poder, em orgulhos ascendendo e descendendo a todo minuto ao redor do Mundo, pois um homem de Tao jamais busca, infantilmente, o Poder pelo simples Poder. Aqui, temos uma reviravolta, pois, de um momento para o outro, o então subestimado poste ascende na cena, impondo-se. E o piano jamais pensou que as coisas pudessem ter chegado a tal ponto, e esta é a conduta do homem de Tao, um homem sempre subestimado e imprevisível.


Acima, Parts Conversation. 1999. Arman adora fazer essas progressões, com um objeto sendo gradualmente destruído. É a ruptura entre Era Analógica e Era Digital, nas suplantações tecnológicas, sendo apenas uma questão de tempo até que o Homem pise em Marte (e retorne são e salvo). Aqui, é a curiosidade científica, num corpo sendo aberto e analisado, nos mistérios que desafiam incessantemente a curiosidade dos cientistas ao redor do Mundo, pois a Ciência é altamente universal. Podemos ouvir aqui o som do telefone tocando, atiçando minhas memórias de infância, quando tínhamos que discar o disco pacientemente, trazendo à tona o modo como as grandes invenções humanas nasceram da Preguiça, numa tecnologia que não mais nos exige discar ou digitar sempre que quisermos fazer contato com alguém. O fio é um cordão umbilical, unindo as pessoas, na constante necessidade de comunicação, havendo na Internet uma sofisticação da tecnologia telefônica, num galgar tecnológico muito rápido e frenético, incessante, com novidades senso trazidas constantemente ao público consumidor, nos apelos da Sociedade de Consumo – se você quer ser feliz, tem que consumir... Aqui, temos alguém furioso, dotado de um grande facão, dando golpes vigorosos, raivosos, como se quisesse sepultar as tecnologias obsoletas, pois qual é o uso, hoje em dia, de um videocassete, de um tocafitas, de uma máquina de datilografar? E o artista tenta entender as mudanças de tempos, essa marcha incessante, levando-nos a perguntar até onde o Homem irá – será que ao Infinito? Aqui, é como um biscoito água e sal sendo partido e comido, num fracionamento, no modo humano de fracionar o Tempo em horas, dias, anos etc. Aqui, não há quatro telefones, mas apenas um, num processo autodestrutivo, talvez num suicídio, numa pessoa que não ama a si nem ao Mundo. Nesta cena tão cinzenta, vemos alguns fiozinhos vermelhos, como se quisessem trazer algum calor, alguma persistência de brasa a uma lareira morta e desativada, agonizando para sobreviver, no modo como todos precisamos sobreviver ao sucesso e ao fracasso, na inevitabilidade das vicissitudes, numa Vida que exige coragem de nós. Os fios encaracolados são como serpentes férteis, sensuais, numa forma de Vida tão minimalista e elegante que é a serpente. O fio é a Comunicação que interliga os seres humanos, pois sem Comunicação, o Mundo acaba. É um cordão que limita, havendo um máximo de tensionamento, como o fio que liga o Corpo à Mente, no período de Tempo o qual nos cabe neste linda e ínfima esfera azul. A Internet faz metáfora com a grande rede metafísica, que é a rede que interliga todos os espíritos, todos os irmãos, havendo em Tao a força invisível que serve como um fio, sempre interligando, na sexy ideia de que somos todos conectados, num Universo sensual, liquidiscente e delicioso, no termo “smooth operator” da cantora Sade, ou seja, “operador suave”, como num telefonista que estabelece os contados Universo afora, pois se Tao não fosse eterno, não seria Tao. Aqui, é como se o telefone tivesse dado um grande espirro e desorganizado-se, precisando se recompor, se recolocar, nos inevitáveis espirros da Vida, fazendo com que caiamos e tenhamos a necessidade de reerguimento, num trabalho de força e perseverança, num enorme esforço existencial a ser empreendido. Aqui, é como se o telefone estivesse se despindo, chegando à sensual simplicidade da nudez, numa beleza que não é exatamente sexual, mais, ainda assim, sexy. Aqui, é como um alimento sendo mastigado, processado e digerido, num longo processo de assimilação, como numa esteira de fábrica, montando um carro em várias etapas. Mas, aqui, temos uma “desfabricação”, pois o objeto é partido e desmantelado, ou como se fosse um grande bloco de mármore sendo dinamitado e bipartido para servir para a fabricação de bens de consumo. É como uma nuvem carregada descarregando-se.


Acima, The Spirit of Yamaha. 1997. As motos vêm chegando de modo avassalador, implacável, dividindo o piano em três partes, talvez entre passado, presente e fururo. Podemos ouvir o som dos motores, remetendo-me aos motoboys de São Paulo, numa demanda urbana que faz com que os motoqueiros sejam intermináveis, um atrás do outro, sendo respeitados pelos condutores de veículos que não são motos. É como se estas motos estivessem apostando uma corrida, na inevitável competitividade da Sociedade, num Mundo sempre querendo saber quem é o melhor, quem é o merecedor da glória eterna. Ao contemplar este magnífico trabalho de Arman, perguntamo-nos como ele conseguiu partir o instrumento musical, numa obra de Arte que certamente custou muito dinheiro para ser feita, pois o trabalho exigiu que fossem adquiridos um piano e duas motos. E também pensamos da dificuldade de transporte da obra. Aqui, Arman expõe a função do artista plástico, que é pegar elementos primordialmente dissociados e, depois, associá-los e produzir algo novo. Os faróis das motos são como dois olhos aberto, sempre atentos, iluminando caminhos, no modo como cada um de nós precisa dessa “luz” para que enxerguemos a caminho à nossa frente. É como se uma das motos tivesse se bipartido, como numa ameba se reproduzindo partindo-se ao meio, na velocidade incessante da Vida, numa Vida que se impõe tão poderosamente, como numa ninhada de cachorrinhos nascendo. Aqui, é como se as motos estivessem paradas num semáforo, roncando vigorosamente, num condutor provocando o outro a disputar uma corrida, nos acontecimentos sociais que são os campeonatos, envolvendo nações inteiras, como no Brasil em época de Copa, no Mundo girando em torno do Esporte e da Saúde. Estas motos são como duas lâminas de bisturi, afiadíssimas, no que me remete a um amigo de infância meu, o qual, ao brincar com bisturis, acabou se cortando gravemente. E isso é a Vida – temos que manusear com calma e com cuidado essas “lâminas”, pois quem descuida de sua própria Vida, sofre. Aqui, são como motos que servem de prêmio a algum concurso ou sorteio, nos bens de consumo que se tornam obsessões materialistas, ambições mundanas, pois se não estou o tempo todo querendo, posso ter Paz, ao contrário de uma pessoa que nunca está satisfeita, querendo sempre mais e mais, como num rei infeliz em seu próprio reino, sempre querendo anexar os reinos vizinhos, na estupidez da insensível violência humana – não é virtuoso o homem que prima pela Paz? Como ouvi em um coral no Natal Luz de Gramado: “Jesus é o Príncipe da Paz”. Aqui, é um caminho sem volta, pois o piano jamais poderá ser restaurado e reconstituído, como numa pessoa que faz suas escolhas existenciais, colhendo as “flores” consequentes, pois, como me disse uma grande amiga, a Vida é feita de escolhas. Essas motos são como dois louva-a-deus, comendo avidamente vegetação, servindo de comida a camaleões, na engraçada Cadeia Alimentar, onde todos viram comida de todos, como num baile em que todos bailam na pista de dança, pois Tao é o grande agregador, como num patriarca reunindo a família numa noite de Natal, no nobre poder unificador de Tao, o grande anfitrião. Estas motos passarão e deixarão para trás sua trilha destrutiva, deixando um vestígio nefasto, como numa tropa que passa por uma terra e só deixa rastros de fome e destruição. Este piano é como um óvulo fecundado por três espermatozoides, gerando trigêmeos na barriga da mãe, num convívio familiar que se originou antes mesmo do nascimento. É a fartura da Vida, com muito pasto para o gado, na generosidade de Tao, o alimentador, a teta – somos todos filhos Dele, e Ele nos ama incondicionalmente, sempre desejando o melhor para nós. As motos são como lâminas numa fábrica, cortando madeira, ou papel, no poder transformador dos processos industriais, sempre guarnecendo o Mundo, no prazer de uma pessoa que se sente útil a um Mundo por vezes tão duro.


Acima, sem título. 1999. Mais uma vez, os processos destrutivos de Arman. Aqui, temos no regador o agente renovador da Vida, como numa merecida chuva depois de um longo período de seca. O material metálico é como uma armadura, uma roupa bélica, na proteção de armadura em torno de uma pessoa que sabe dizer “não” e que adquire o controle sobre a própria Vida, adquirindo luz própria, no enorme desafio que é para uma dona de casa se tornar alguém sem ser representada por um homem, na força que as lésbicas têm em se expressar por si mesmas, sendo a estas insuportável ser as “escravas” de alguém. O regador aqui, em sua dureza, é uma arma, remetendo-me a um episódio de Chaves no qual o menino molhar os outros com um regador, só que “sem querer querendo”, como diz o personagem. É como no homem de lata em O Mágico de Oz, ou como o robô C3PO de Guerra nas Estrelas, no modo como o escritor Harari nos alerta para o avanço da Inteligência Artificial, nos prognósticos pessimistas de Matrix, trama na qual as máquinas acabam escravizando e condenando a Humanidade. É a armadura dos arcanjos, espíritos extremamente forte que rechaçam qualquer faca ou bala de arma de fogo, na necessidade de que a pessoa tenha alguma Fé, sempre acreditando na Ressurreição após uma vida cheia de labor e desafios. É a armadura da Mulher Maravilha, blindando a heroína e rejeitando lanças maliciosas ou dolosas, na capacidade da pessoa em ver o Mundo como este realmente é, na clara visão de uma pessoa que trabalha e, de algum modo, mostra ao Mundo alguma inteligência, pois já ouvi dizer: “Tudo o que você precisa mostrar é Inteligência”. Aqui, temos algo muito prateado, na beleza da luz do luar, como um grande prato de prata iluminando noites claras de luar. São como moedas, trazendo gravado o perfil do governante, nos sistemas humanos de trocas, no modo como o Mundo é estruturado em volta de tal dinheiro, na inacreditável infelicidade que se assoberba sobre alguém que é considerado materialmente feliz na Terra, pois, a nível metafísico, não há dinheiro. Aqui, é como uma cortina, com partes ficando mais abaladas do que outras. Aqui, temos uma cena de destruição e, no sentido contrário, reconstituição, num eterno recomeço, no modo como, depois de um momento de trabalho, vem outro momento de trabalho, como num chef de cozinha, cuja “obra de Arte” está fadada à destruição do ato de comer. Aqui, é como num degradante processo de estresse, numa pessoa, gradualmente, perdendo a calma e a esperança, tendo que trilhar um caminho inverso, rumo ao restabelecimento da Fé. Aqui, temos pessoas fortes e, ao lado, pessoas não tão fortes, e é como se um furacão tivesse passado, abalando os regadores mais frágeis, como na história dos Três Porquinhos, com uma casa forte de tijolos, uma casa não tão forte de madeira e uma casa muito frágil de palha, na lição de que precisamos ter os pés no chão e sempre construir uma casa segura, respeitável e forte. Aqui, temos um processo de empobrecimento e desconstituição existencial, num regador que, aos poucos, foi perdendo o controle da situação, chegando a um ponto de miséria, numa vida tão miserável ao ponto da pessoa se refugiar num mundinho de faz de conta, buscando, assim, “enterrar a cabeça” e não ver a realidade, na dureza que é um processo de reconstrução, num longo e enorme processo de reerguimento. Aqui, temos um ciclo intermitente, pois há auge, decadência, morte e renascimento, como me ensinou uma professora mercadológica, a qual disse que os produtos têm um ciclo de vida, num produto que fez muito sucesso mas que, depois, não soube se manter e acabou morrendo, como no Orkut, o site de rede social que teve um boom mas que, depois, acabou morrendo. Podemos ouvir o barulho metálico das peças sendo partidas, num artista que teve que ir a uma fábrica e solicitar o corte dos regadores, nos incríveis esforços que podem ser empreendidos por um artista obstinado em sua Arte, em provas públicas de talento e dedicação.

Referência bibliográfica:

Artworks. Disponível em <www.armanstudio.com>. Acesso 27 nov. 2019.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Respirando o Ar da Arte (Parte 2)



Volto a falar sobre o artista francoamericano Arman. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Selos de Lênin. 1998. Temos aqui um toque de xilogravura, como num “carimbo”, num clichê industrial, reproduzindo a mesma imagem várias vezes. É a máquina da opressão estatal, na qual o cidadão é reduzido a uma pilha alcalina, sendo escravo de um sistema, como na inominável brutalidade que é o trabalho escravo, com irmão explorando e oprimindo irmão. É a ambição comunista de igualar os cidadãos, uma intenção nobre, mas o Inferno não está repleto de boas intenções? Aqui, é uma repetição frenética, obsessiva, querendo fazer uma lavagem cerebral, como numa igreja exploradora, numa instituição malévola que se aproveita da ignorância de um povo, sendo este carente de Cultura Erudita, civilizatória. Lênin aqui ergue o braço num certo fascismo, no inacreditável modo como a crueldade nazista conquistou mentes e corações. É a terrível capacidade humana de homem explorar homem, havendo uma maravilhosa revelação ao Desencarne, pois, a nível metafísico, a hierarquia não é imposta de forma brutal, pois é uma hierarquia baseada em apuro moral, havendo nas hierarquias mundanas uma cópia muito tosca da hierarquia espiritual, pois não é a Terra uma cópia tosca do Céu? Aqui, é como um muro emporcalhado, pichado, vandalizado, com uma mensagem fascista que se apoderou da mente do agente propagador. O braço ereto de Lênin é um aviso, avisando-nos com a intenção de nos amedrontar, pois o maior sonho de um psicopata é ser temido, e não respeitado, pois Amor e Respeito andam juntos, visto que, num coração psicopático, não há espaço para Amor, ou seja, se um psicopata odeia você, não é apenas você... Este braço quer manter o cidadão distante das decisões estatais, privando o cidadão de escolher sues próprios governantes, num sistema que controla a Mídia, no modo como, em uma certa ditadura, autores de blogs não podem entrar em tal país, no medo que o ditador tem da Liberdade, pois se o Povo é livre, não posso controlá-lo... Como é patética a obsessão humana por controle, pois quanto mais Tao você tem, menos controle você quer obter, e só há Paz na vida de quem respeita os outros, ou seja, Respeito não é conversa fiada. Aqui, neste muro de propaganda estatal, temos um excesso, uma saturação, um esgotamento, no modo como o Comunismo se esgotou, mas com uma amarga ironia, pois a Rússia continua sendo, na prática, uma ditadura, com filmes sendo proibidos no país, remetendo-me a uma recente charge do genial cartunista caxiense Carlos Iotti, retratando uma alegre parada gay e, ao lado, uma pessoa aborrecida com aquilo tudo, estando esta pessoa dentro de um armário! Como posso ser feliz se não deixo os outros livres? Estes carimbos bombardeiam o cidadão, com todo um sistema educacional moldado ideologicamente, fazendo da Arte, por exemplo, uma ferramenta de opressão estatal, numa completa insanidade, como, por exemplo, usar Salvador Dalí para fazer tais propagandas, ou seja, um completo desrespeito à inteligência de um artista. Liberdade já! Aqui, temos um exército marchando, com soldados indistintos, como anônimas peças num tabuleiro de Xadrez, num culto à mediocridade, reprimindo talentos brilhantes, traçando um modo governamental que é uma perversidade, um estupro, uma tara inenarrável. Podemos ouvir o barulho da marcha, num dia de feriado com uma grande parada militar, expondo e ostentando armas, as quase são coisas horríveis, pois um homem de Tao, um homem de Paz, nada tem a ver com tais armas – onde está a Consciência do homem que atirou as bombas atômicas no Japão? Aqui, temos um culto à falta de brilho, à falta de talento, num Arman nos alertando sobre tais sistemas opressores. Arman, como todo grande e expressivo artista, quer nos alertar sobre tais correntes aprisionantes, convidando-nos a observar o Mundo de forma mais desapegada, mais fresquinha, mais calma, mais ponderada, pois o homem de Tao age assim, com tranquilidade.


Acima, sem título. 2003. Aqui, temos uma metalinguagem, pois são as Artes Plásticas falando de Música, ou seja, arte falando de arte, no modo como, já ouvi, as Artes estão umas dentro das outras, na universalidade do Ser Humano, na tendência deste em fazer Arte. Os rabiscos no fundo do quadro são incertos, errantes, preparando uma espécie de cama para o instrumento musical, o qual está com um aspecto de ter sido cortado ao meio, no interesse científico em cortas as coisas e analisar por dentro, como dissecar um cadáver, na curiosidade do Ser Humano em desvendar os segredos da Vida, do Mundo, do Cosmos. Podemos ouvir o som musical do instrumento de sopro, talvez numa serenata de um homem apaixonado, no modo como um artista tem que ser apaixonado pelo que faz, pois, do contrário, não encontrará felicidade ou preenchimento existencial. O instrumento parece ter caído e se quebrado ao meio, talvez num ato de repulsa e rejeição, talvez num momento de escolha na vida de uma pessoa, estando esta confrontada: O que é mais importante – sua imagem ou sua felicidade? Numa princesa Diana, amada pelo povo, uma pessoa que mandou a imagem à merda, com o perdão da palavra, e foi tratar de ser feliz – o povo a amou por isso, por essa escolha. Este corte ao meio é um marco na vida da pessoa, com algo dividindo tudo entre antes e depois, como na poderosa passagem de Jesus pelo Mundo, na mente de um homem que, apesar de não ter sido exatamente um erudito em vida, foi a maior mente de todas. Essas pinceladas cinzentas contrastam com um fundo alvo, como se fosse um momento em que a Paz sofreu uma interrupção, como num momento bélico, na eterna tendência humana à Guerra, ao Ódio, ao desentendimento entre vizinhos que deveriam viver em harmonia – o Mundo não vai mudar, mas pode haver uma promessa de um amanhã melhor. São pinceladas apressadas, frenéticas, afoitas, como numa peraltice, numa criança pintando com giz de cera as paredes brancas de uma casa, no fato como uma casa com criança está sempre bagunçada, na enorme paciência que um pai ou uma mãe deve ter. O instrumento está avariado, como um coração machucado, numa pessoa magoada, empedernida, com a impressão de que jamais poderá se recobrar de tal mácula, de tal sofrimento. Mas, felizmente, as coisas passam, e a pessoa pode, aos pouquinhos, ir se reerguendo, numa demanda que exige tempo, pois um prédio não é construído da noite para o dia, como me disse certa amiga: “Não espere ir de zero a cem em piscar de olhos”. E saber esperar não é uma virtude? Este instrumento está precisando de conserto, de carinho, de asilo, como num homem magoado pela namorada, neste homem indo sair com amigos para esquecer um pouco de tal mágoa. É a capacidade do coração em se recompor, numa resiliência, como num elástico que, mesmo esticado, volta depois ao normal, com experiências que fazem com que a pessoa fique mais forte e mais realista, pois ter os pés no chão é uma dádiva. O instrumento está assim, avariado, machucado, depois de uma briga, na melancólica letra da canção: “O cravo brigou com a rosa debaixo de uma sacada. O cravo ficou ferido; a rosa, despedaçada”. O Ódio é o caminho da destruição, e só o Amor zeloso é capaz de sobreviver a tantas tempestades. Este instrumento está numa mesa de cirurgia, sendo avaliado, num médico que tem que saber o que fazer para solucionar tal destruição, talvez numa pessoa gravemente ferida num acidente de carro, passando por um repentino momento de ruptura e susto, numa porrada, num golpe muito forte, no modo como o artista quer ser tal golpe, mas um golpe do Bem, um golpe construtivo e positivo, no sonho em brilhar e ser reconhecido. Temos aqui uma desconstrução, como cada órgão do corpo tendo uma função específica. Aqui, temos o poder contundente catártico, numa entrega do artista ao objeto de Arte, como numa atriz tendo uma catarse em pleno set de filmagem, entregando-se ao personagem e sentindo na pele o que este sente, num ato de ir além do texto e sentir, de fato, a dor, a alegria, a tristeza.


Acima, sem título. 2004. Aqui, temos um estremecimento, um abalo sísmico, como num abalo na vida de uma pessoa, num momento de ruptura, de rompimento. É como num terrível momento de dor, como numa traiçoeira cadeira de dentista. Aqui, é como uma nota musical destoando, desafinando, algo que atinge a beleza de uma canção bem cantada, como nos anos iniciais da carreira de Whitney Houston, depois de tal trajetória ser destruída pelas drogas. É um momento existencial assinalando um lento processo de desequilíbrio e empobrecimento, numa vida que foi, aos poucos, esvaziando-se de sentido e propósito, como numa pessoa que não conclui algo que começou, como finalizar o Ensino Superior. É um quadro com um predomínio sombrio, e apenas umas modestas nesgas de luz, acima no quadro, dão um gostinho vago de esperança, numa pessoa que disse para si mesma: “Calma, pois vais te reerguer”. É um longo caminho de reconstrução, como no processo de reconstrução do World Trade Center, como nas persistentes formiguinhas, restaurando um formigueiro destruído. Aqui, o instrumento musical está esfacelado, danificado, como num choque, caindo de uma boa altura, como numa pessoa que recebe uma notícia chocante, impactante, no termo de Psicologia “colocar o dedo na tomada”, numa pessoa tomando um choque de realidade, como num choque térmico, saindo de uma piscina quentinha para uma piscina gelada, como no choque de regressar do Submundo e reintegrar-se ao Mundo. Aqui, temos uma sinfonia destoante, sem sentido, sem bom gosto, num caos, numa confusão, como numa Whitney – falando nela de novo –, cujas gravações mais recentes mal remetem ao vozeirão potente e saudável de O Guardacostas. É uma tragédia que pode acontecer na vida de uma pessoa, num choque, num susto, como num brutal acidente de carro, num poderoso momento inesperado de ruptura, saindo de uma agradável viagem para um pesadelo pós-traumático, resultando em uma cama de hospital. Este instrumento musical levou esse susto, e é como no gesto rebelde e transgressor do roqueiro em quebrar a própria guitarra no palco, na jovial atitude roqueira, numa arte jovial de muito estilo e atitude, numa atitude que vai além da Música, numa atitude de rebeldia, no modo como, certa vez, alguém disse que precisamos ver mais jovialidade no tapete vermelho das celebridades, pois há muitas celebridades jovens que, ao se aprumar, parecem ter décadas a mais de idade. O marrom aqui é denso, fechado, num céu noturno, na sedução da noite boêmia. Este instrumento está explodindo numa catarse potente, afetando todos ao seu redor. É uma nota poderosa, como no dedo de Deus criando Adão e o Cosmos, como no impacto supremo do Big Bang, a grande explosão que gerou tudo e todos, num Universo em expansão, sempre sendo criado e renovado por Tao, o grande inventor. Esta supernova explodindo é como num grande sucesso de bilheteria, ou numa canção que se tornou megahit, no poder da Arte em causar comoções, atiçando a sensibilidade do público, numa canção sendo exaustivamente executada nas rádios, com momento marcando épocas, no modo como cada década tem lá seus sucessos, seus hits, na ambição (ilusória) de um artista em se manter sempre no topo, uma manutenção que não é possível, infelizmente, sendo necessário que a pessoa tenha a força para virar as páginas, sendo estas doces ou amargas. Aqui, é um cenário de guerra, e o instrumento parece ser o pomo da discórdia, o pomo cobiçado, como no sentimento em concorrer a um prêmio com mais quatro outras competentes pessoas, como no Oscar, num ator, é claro, odiando não levar a estatueta, na inevitabilidade das frustrações... Aqui, é como um sino badalando, espraiando som por toda a paróquia, unindo todos nos horários do dia, numa rotina que faz com que todos dancem a mesma valsa, na obsessão das ditaduras em controlar a vontade de um cidadão.


Acima, sem título. 1987. Aqui, temos um momento libertador, como no orgasmo do salmão, morrendo ao se reproduzir. É no glorioso Desencarne, quando a pessoa de bom apuro moral dá graças a Deus por ter se livrado da vida carnal, ao contrário do sociopata, o qual, por se identificar com a Matéria e não com o Metafísico, quer, a todo custo, voltar ao corpo carnal, sem ver que o Desencarne é um caminho sem volta, pois vão-se os anéis e ficam os dedos... Estes tubinhos explodiram, talvez sob pressão, como, já me disseram, procuradores da República sofrem pressões no labor, ou como nas pressões em cima de um artista bem sucedido, sendo exigido deste que este seja um deus indefectível, algo impossível a um ser humano, pois não somos deuses. Aqui, temos uma metalinguagem, pois é bisnaga falando de bisnaga, havendo bisnagas desenhadas e bisnagas reais, talvez numa relação entre projeto e realização; entre intenção e fato, como numa criança, a qual imagina uma linda janela com flores, mas, ao desenhar, nada mais faz do que borrões, no desafio que é a pessoa expressar o que tem dentro de si. Podem ser bisnagas de tinta, podem ser bisnagas de extrato de tomate, no deleite que é assistir a alguém cozinhando na televisão, num momento de Entretenimento. Aqui, é um vômito catártico, na explosão de uma pessoa que retinha as coisas para si. Podemos ouvir aqui o som de flato, desculpe a sinceridade. É como no Big Bang, que explodiu após um momento em que não mais era possível reter tanta carga. É um descarrego, um alívio, como numa pessoa extravasando sua agressividade, socando um saco de pancadas. É uma gloriosa sensação de descarga, como dar a descarga após as necessidades fisiológicas. É claro que as catarses são saudáveis, necessárias, como num ator se jogando de corpo e alma num personagem, num trabalho amplamente reconhecido e premiado, num momento áureo de carreira, momento que, infelizmente, não é eterno, pois a Vida não é jogo que segue? Aqui, ao invés de usar as tintas para pintar de fato, Arman as tem de modo cru, original, tentando intervir ao mínimo do material, como no termo “morrer na praia”, na pessoa que não conseguiu sobreviver, infelizmente, no modo como há tantas almas talentosas as quais simplesmente na sobreviveram a determinada década, pois a Vida não exige força? A vontade que se tem aqui é a de pegar as tintas e pintar esfuziantemente, com um Arman nos atiçando, nos provocando, como num provocante tira de striptease. São como ovos quebrados, finados, usados para algum propósito culinário, na magia dos ninhos de Páscoa, tão diversos, doces e coloridos, na dádiva que é ter uma mãe zelosa, que faz questão de arrumar os ninhos aos filhos infantes. Aqui, é como um vômito coletivo, com pessoas numa sala de Cinema assistindo ao mesmo momento de Entretenimento, como numa mulher grávida de biquíni certa vez no Brasil, provocando catarses coletivas, no poder do escândalo, da transgressão – poxa, o que há de maléfico em uma grávida de biquíni? Como dizia o querido amigo Fábio Barreto: “Uma sociedade só evolui por meios da transgressão de alguns de seus cidadãos”. E esse é o poder transformador da Arte, pois a Arte não é só leves histórias; Arte é o que há de necessário. Aqui, temos um estupro, e as tampas estão soltas à própria sorte. É numa criança arteira, fazendo mil e uma travessuras, como na filha de um amigo meu, a qual, simplesmente, pintou de batom todo o rosto da própria irmãzinha mais nova. Aqui, é uma cena de alívio, a qual sucedeu um momento de tensão, como em brigas de família, com as coisas sendo ditas, talvez coisas há muito reprimidas, no modo como a regra nas brigas de família é a certa reconciliação após. Arman adora esse aspecto de tinta fresca, fazendo metáfora com o frescor trazido por um artista ousado, no choque social que foi o Modernismo Brasileiro. Aqui, temos uma discussão, e cada bisnaguinha coloca para fora o que está sentindo, num momento de tempestade, em que as dores são externalizadas, ocorrendo, após isso, a bonança da Paz.


Acima, sem título. 1992. Aqui, temos um cenário de confusão, desarmonia e desentendimento, uma característica que assinala tempos de Guerra, quando as nações se desentendem e esquecem que são todas filhas de Tao – a Ambição é amiga da Guerra, ou seja, o Ser Humano, ambicioso como é, está fadado à belicosidade. As “impressões digitais” aqui são de pincéis, em reprodução de xilogravura, havendo aqui uma grande guerra para ver quem tem o falo maior, numa competição infantil, na arrogância humana desta se achar o centro do Universo. O fundo é negro e pessimista, imprevisível, e, apesar de sabermos de que há conflito, não sabemos quem vai ganhar, como na esfrega que Elizabeth I deu na Invencível Armanda Espanhola. Então, o luto toma conta, e é a cor da Guerra, e celebrar uma vitória é como marchar sobre os cadáveres de seres humanos, como na Guerra das Malvinas, a qual deixou mortos em ambos os lados – quem é de fato o vencedor da Guerra? Os pincéis aqui fazem uma bagunça acinzentada, movendo-se para todos os lados, numa certa falta de norte, de sentido, como numa bússola estragada, sem ter a dignidade de apontar para onde vamos, no desnorteamento destrutivo que é a Guerra, deixando rastros de fome e destruição – não há Beleza na Raiva. Neste quadro, traços vermelhos e verdes lutam para se impor, como se quisessem trazer alguma cor a um cenário tão melancólico. O vermelho é o sangue derramado, as vidas perdidas de rapazes que tinham uma vida inteira pela frente. É o sangue que um doador dá, pensando em um irmão que poderá precisar do fluido, num ato de solidariedade e fraternidade, como numa pessoa que resolve ser doadora de órgãos, como no recém falecido apresentador Gugu Liberato. É o persistente trabalho de Filantropia, com pessoas que decidem combater as abismais diferenças sociais do Brasil e do Mundo, como grandes astros e estrelas que se tornam ativista das Nações Unidas, numa intenção nobre que é a intenção de Caridade. Neste quadro, temos frestas verdes que lutam para persistir, como gramíneas que brotam depois de um terreno ser arrasado por uma tropa, na estupidez humana em desrespeitar o que é belo. É a força da Natureza em se regenerar, na Vida lutando para se impor e para superar obstáculos, dando-nos uma bela lição de vida, inspirando-nos a contornar nossas próprias amarras existenciais. O verde é a consciência ecológica que tanto está marcando nossa época, na nefasta perspectiva de arrasarmos a única morada que temos, pois para onde mais iremos? Aqui, é como um majestoso lustre de cristal caindo e se espatifando em muitos pedaços, numa cena absolutamente fora de conserto ou arrumação, como num psicopata que frustra, e muito, as expectativas de uma pessoa de bom coração – nada de errando em erradicar psicopatas, expulsando estes de nossas vidas para sempre. Aqui, é uma terra de ninguém, uma selva, num lugar sem regência ou hierarquia, como numa nação em plena turbulência política e social. É o que Tao diz: quando a Virtude é perdida, o Caos toma conta, pois a confusão reina e ninguém ouve ninguém. Neste muro pichado e vandalizado, cada um quer deixar sua marca, mas o excesso gráfico impede isso, e este muro, outrora limpo e bem pintado, revela um lugar sujo e feio, como dizia o mestre comunicador Tatata Pimentel: “Porto Alegre está pichada de cabo a rabo”. Arman quis deixar aqui uma cena carregada, pesada, numa mensagem confusa, cheia de meandros labirínticos traiçoeiros, cheia de pistas falsas, como numa pessoa existencialmente perdida, não conseguindo vislumbrar alguma pista, alguma seta, alguma orientação. E quando a pessoa está perdida, só ela mesma pode encontrar a porta de saída de tal labirinto. Esses cabos de pinceis são como muitos tentáculos de polvo, num ser complexo, exótico e belo, encantando com sua curiosa composição, nesta esfera tão rica em Vida que é a Terra. Os cabos são como patas de aranha, caminhando vagarosamente, tecendo lentamente sua teia, sabendo que não se fazem as coisas em um piscar de olhos.


Acima, sem título. 1994. Aqui, temos uma sinfonia, uma harmonia, pois os pincéis parecem estar em consonância, marchando pela mesma direção. Aqui, temos uma alegria multicolorida, como num prisma decompondo a luz em um leque de cores mágicas e atraentes. São como vários amigos correndo na mesma direção, num momento de diversão, em que uma turma de colégio se reúne no aniversário de algum coleguinha da classe. Aqui, não temos distinção, mas comunhão, e a convivência é harmônica e amigável, como num jardim com vários amigos reunidos. É como no momento do parabéns, na hora de se homenagear alguém, num mágico momento festivo que busca imitar os salões de nobre amizade do Plano Metafísico. Outra leitura aqui é a de uma competição, com todos os pincéis partindo da mesma linha, numa competição que mostra de uma forma clara quem chega por primeiro, nas inevitáveis classes sociais mundanas, classes que, a nível metafísico, desaparecem, pois a verdadeira hierarquia está baseada em apuro moral. Nesta linha de chegada, nesta faixa branca ao topo do quadro, está a recompensa ao vencedor, num merecido descanso, como numa pessoa que, depois de uma encarnação cheia de provações, recolhe-se ao Metafísico, descansando, numa espécie de aposentadoria, reencontrando entes queridos e reorganizando a própria mente, adaptando-se à nova vida no Céu, a morada de todos nós. Aqui, é como a variedade de raças humanas, ou raças caninas, felinas etc. É como no apelo colorido das campanhas publicitárias da marca de roupas italiana Benetton, com lindos jovens de várias raças e miscigenações, mostrando como é bela a mistura e como é doente a ideologia da pureza de raça, como no Nazismo. Arman adora nos trazer este aspecto de tinta fresca, mais uma vez, com as tintas sempre fluindo, sempre vivas, liquidiscentes, na eterna fluidez dos processos, havendo no fim de um processo o início de outro processo. É como uma foto de turma de colégio, na inevitável competição, com os alunos de notas maiores figurando no rol superior, no rol dos que deixam orgulhosos e satisfeitos os professores. Aqui, temos uma ironia, pois há amarelos em todos os níveis, azuis em todos os níveis e vermelhos em todos os níveis, como pessoas que, apesar de serem da mesma raça, têm desempenhos diferentes, o que mostra que ser desta ou daquela raça nada significa, rechaçando para sempre as teorias doentias de pureza racial. Aqui, são iguais todos os pincéis, ou seja, todos têm o potencial para atingir a excelência moral, mas são poucos os que fazem valer tal potencial, na questão de Igualdade entre nós, pois todos somos anjos em potencial. Este fundo branco está quase todo tomado, e esta faixa branca é importante para fazer contraste com a parte pintada, no sentido de que só reconhecemos a Beleza porque conhecemos o oposto, que é o feio, num trabalho de discernimento. O artista traz o atelier para a obra, colocando nesta o instrumento de trabalho, numa declaração de Amor ao ofício. É como as folhagens de uma exuberante planta, no encanto que a Flora Tropical exerce sobre os europeus, com noites tropicais enluaradas, como na Natureza tão exuberante do Rio de Janeiro. São os pincéis aqui que dão o aspecto de tinta fresca. É como um arcoíris sendo pintado no céu, nos mistérios naturais que incentivaram o Homem a construir deificações, baseadas em elementos da Natureza, como no panteão egípcio antigo. É como um grande salão carnavalesco, com seus confetes multicoloridos em um momento em que as dores são esquecidas, assemelhando-se aos salões luxuosos metafísicos. Imagina-se Arman indo a uma loja de materiais e comprando inúmeros pincéis, talvez surpreendendo os atendentes, os quais deviam se perguntar o porquê da aquisição de tantos instrumentos. Podemos ouvir o som de carros apostando uma corrida, na diversão competitiva dos Esportes. Podemos ouvir aqui um burburinho de festa, com muitas pessoas vibrantes falando ao mesmo tempo.

Referência bibliográfica:

Artworks. Disponível em <www.armanstudio.com>. Acesso 20 nov. 2019.