quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Respirando o Ar da Arte (Parte 3)



Falo pela terceira vez sobre o artista francoamericano Arman. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Arsenic and Old Lace. 1999. A cena parece toda com um sapato de salto alto, na sedução que os sapatos exercem sobre as mulheres femininas. Aqui, temos um corte, uma interrupção, como na divisão do Globo Terrestre em latitude e longitude, nas tentativas humanas em impor Ordem ao Caos. Esta poltrona é como um trono, ocupado por um monarca que soube marcar época, em reinados célebres, lembrados para sempre pela História. É como no Meridiano de Greenwich, dividindo tudo entre oriental e ocidental. É o reinado de Elizabeth I, catapultando uma Inglaterra pobre a uma potência rica e respeitada, com ares de excelência que são respirados até hoje pelos ingleses, na altivez da cabeça que usa a coroa, num cargo pesado, como num Obama, o presidente que, no decorrer dos anos de governo, foi adquirindo acentuados cabelos brancos, no provável estresse que é a função representativa, com o Mundo inteiro pressionando o líder para que este seja simplesmente perfeito, como nas expectativas em torno de Elizabeth II, pressionada a trazer uma nova era de ouro à Inglaterra, como o trouxe a antecessora de mesmo nome. Esta peça tem um suporte negro, estabelecendo uma classificação, uma proveniência, dando-nos o aviso de que não devemos chegar muito perto, e que devemos prestar respeito, pois, do contrário, teremos sobre nós a ira de um rei, algo que não desejamos... Podemos ouvir aqui um som de serra elétrica, cortando a poltrona ao meio. A estampa é elaborada, com motivos florais, trazendo uma certa feminilidade à obra, como numa governante que, apesar de ter que ser firme e por vezes fria, nunca poderá perder a delicadeza feminina, pois não queremos como líder uma mulher que não seja mulher. Esta base negra, imprevisível, é como um altar de igreja, sustentando imagens, e é o suporte governamental, nas prerrogativas que cercam a regência de um líder. Este suporte tem como objetivo acentuar algo hierárquico, colocando o líder em uma posição de irmão mais velho, de irmão maior, mais alto, tomando conta dos irmãos menores, nos pais depositando nos filhos mais velhos o poder, a hierarquia para governar os mais jovens, os pequenos. Na base desta estampa estão formatos de aves de asas abertas, no modo como é só em uma terra livre na qual o cidadão é feliz. O bom líder tem que tomar cuidado para não ferir a paz diária do cidadão comum, ao contrário de um certo político, o qual, em clara estupidez, ferrou cidadãos pacatos e trabalhadores. A ave voando é a mente livre, como o arbítrio livre, sentindo-se confortável dentro de si mesmo, pois só há a bondade do prazer e do conforto quando estamos livres. É a liberdade do Pensamento Racional, rechaçando malícias ideológicas, no maior poder que uma pessoa pode ter – o Pensamento, pois os que não pensam passam suas vidas sem ter consciência de suas próprias existências, no modo como os ditadores temem muito a Liberdade, pois como posso explorar e vampirizar um povo que não tem a obrigação de me oferecer a jugular? As ditaduras são perversas e desprezíveis, sendo realmente desinteressantes. O equipamento que corta este “trono” pode ser uma harpa ou uma máquina de tear, e podemos ouvir o som musical do instrumento; podemos ouvir o barulho da máquina tecendo. A poltrona é o trono dentro da casa de cada pessoa, num momento de lazer e descanso, com o cidadão confortavelmente sentado, de pantufas, talvez tomando um drinque relaxante, no merecido descanso depois de um dia de trabalho e estresse. Aqui, é como um pão sendo repartido ao meio para alimentar duas pessoas, no ato de caridade no qual devo ajudar uma pessoa que, realmente, está necessitando. As flores da estampa são perfumadas, no modo como os reinados adquirem para si símbolos pertencentes à natureza de tal reino, como no panteão egípcio antigo, no qual o egípcio via divindades em crocodilos, cobras, escaravelhos, abutres, chacais, gatos etc.


Acima, Diminution du Comfort. 1999. Temos uma progressão, e, conforme vamos olhando para o lado direito da obra, a cadeiras vão ficando mais destruídas. Podemos sentir o som de marcenaria, o cheiro de madeira nova, e podemos ouvir o som do maquinário na empresa. Podemos ver a serragem espalhada pelo chão. É como no carpinteiro São José, pai de Jesus – o Natal está chegando! Aqui, é sempre a mesma cadeira, só que em momentos diferentes. Temos uma dissociação, uma análise que decompõe o objeto, como numa dissecação de cadáver, como cada órgão sendo catalogado. É um trabalho de análise de algum objeto de Arte. É como analisar um filme, analisando cada cena em separado para, por fim, contemplar o objeto em sua totalidade, encontrando traços que permeiem toda a obra. Aqui, é como num caminho de destruição, num descaminho, com a cadeira, antes íntegra e digna de sua função de móvel, sendo destruída, talvez danada aos processos de tempo, talvez num móvel lenta e progressivamente consumido por persistentes cupins. É como se a cadeira estivesse caindo de uma certa altura, espatifando-se ao chão, e é como se tivéssemos aqui uma foto de cada momento do processo de desmantelamento, como num filme. É como uma aranha ou algum inseto sendo morto por um matamosca, livrando o lar de visitantes indesejados. São as vicissitudes da Matéria, pois, enquanto encarnados, estamos cercados de biologia, de bactérias, de muitos bichos e vegetais, de diversos tamanhos, desde microscópicos até de grande porte. Aqui, é um altivo trono sendo desmantelado, como numa Revolução Francesa, destituindo um rei, guilhotinando cabeças, num momento violento de ruptura, com uma longa tradição monárquica sendo suplantada pela forma mais digna de governo que hoje conhecemos, que é a Democracia. É como uma pessoa sendo assassinada, como no chuveiro de Psicose, com vários cortes, numa agressão que se certifica de que o agredido não sobreviverá. Aqui, as cadeiras mais à esquerda estão menos agredidas e mais preservadas, enquanto as da direita estão muito, muito agredidas, talvez num cenário de Guerra, no qual os “peões do tabuleiro”, na posição mais humilde na hierarquia, são colocados na linha de frente, com a função de proteger o rei, o qual está na posição mais resguardada e preservada, nos privilégios em torno dos líderes, privilégios que seduzem aqueles que buscam ter muito poder em vida. É como na ótima e perturbadora letra de uma canção, que diz: “Por que sempre mandamos o mais pobres à Guerra?”. Aqui, é um cenário apocalíptico, como numa Chernobyl, e apenas o rei sobreviveu, acumulando dentro de si o próprio povo, conduzindo este à terra plácida dos desencarnados, a terra mais linda e acolhedora que existe, fazendo da Terra uma cópia tosca e atrasada. Aqui, é como numa festa: a pessoa chega toda a arrumada e, depois de muitos drinques e muita dança, fica toda suada e desarrumada, na sensação gloriosa de suar na pista de dança, no fervo da juventude, no modo como todos precisamos de alguma diversão em meio a um Mundo que tanta disciplina exige de nós. Aqui, é a inevitável danação material, com todas as coisas materiais sendo condenadas a um prazo de validade, no modo como a Matéria não pode ser equiparada à Eternidade Metafísica, à Vida Eterna, que é o maior presente que pode ser dado, numa poderosíssima perspectiva – você já de deu conta de que você jamais findará? É muito poder, e passaremos a Eternidade tentando desvendar o indesvendável Tao. Aqui, é um ciclo, com a cadeira íntegra sendo progressivamente destruída, e, depois da Morte, vem o Renascimento, e a pessoa desencarna com o poder de rejuvenescer e viver jovem para sempre, na danação do corpo físico, na metáfora “vão-se os anéis e ficam os dedos”. O que você prefere ter: anéis ou dedos? O que é mais importante para você: ter boa imagem ou ter felicidade? Você decide. Aqui, é como uma pessoa pegando no sono, desligando-se gradativamente da vigília e se rendendo à necessidade de descanso.


Acima, Maldoror. 1998. O piano está comprometido, avariado, como se os postes fossem árvores que, na força de seu tronco e suas raízes, tivessem invadido um duro muro de pedra. As luminárias são o esclarecimento, a razão, no intento científico de encontrar sentido e razão em coisas as quase jamais foram explicadas, e cada época da Humanidade tem suas próprias definições. O poste vence o jogo contra o piano, o qual se mostra fraco e suscetível, sensível, frágil, no termo “água mole em pedra dura”, ou seja, quem de fato é o vencedor na cena – quem cede ou quem ocupa? Podemos ouvir a dor piano destoando, numa sinfonia confusa e caótica. É como o Modernismo Brasileiro agredindo (elegantemente) os moldes acadêmicos conservadores, num momento que ampliou o leque de percepções do espectador brasileiro. São como as revoluções, como na trágica Revolução Farroupilha, na intenção de desafiar um poder indesafiável, em atos de muita coragem, havendo no cagão – desculpe o termo – a incapacidade para tais desafios, pois a Vida não nos exige coragem? O poste aqui é altamente impositivo, altivo, pouco se importando com o piano ao chão. É o ímpeto, o ímpeto do artista, no modo como a evolução da Arte é altamente dependente de tais transgressões, pois qual seria o sentido de uma Arte que jamais será transgredida? Não é para frente que se anda? Aqui, é como se uma bomba tivesse sido detonada no piano, no termo “boom” para classificarmos artista, ou astros em geral, que tiveram um impulso muito forte, num sucesso muito avassalador e inignorável, no modo como, por exemplo, uma Gisele se impôs frente ao globo inteiro. Aqui, o poste conquistou seu espaço ao Sol, na luta pela Vida, num artista que sabe que, se tiver talento e potencial, precisa ter a força para persistir em uma estrada que parece ser tão inóspita. Aqui, o piano está derrotado, e teve que se curvar ao poste, como num jogador que sabe reconhecer que perdeu a partida para um oponente melhor e mais preparado. O piano está humilhado e destruído, no modo como Arman gosta de tecer tais cenários de devastação, havendo no sucesso de um a infelicidade do outro, numa espécie de canibalismo, num mundo tão competitivo, com tantos e tantos sonhos sendo frustrados todos os dias ao redor do Mundo. As luminárias aqui estão desligadas, talvez repousando e esperando pela noite, na hora em que são úteis. É o avanço das tecnologias, no surgimento da Energia Elétrica, ou no boom da Internet, com as velhas tecnologias virando peças de museu, como na geração que nasceu nos anos 2000, uma geração totalmente digital. É como se este poste estivesse se alimentando, parasitando o piano, como na intenção maliciosa do psicopata, um vampiro de almas que nunca está feliz se os outros estiverem felizes, na pequenez da serpente da malícia, com a víbora sendo esmagada pelos alvos pés de Nossa Senhora. Aqui, temos vitória e derrota lado a lado, no cenário final de uma guerra, com o perdedor admitindo a derrota, havendo ao vencedor a discrição para nunca espezinhar o oponente derrotado, pois, na gangorra da Vida, por vezes estamos por cima, por vezes estamos por baixo, pois não é o Sucesso um amante infiel? Aqui, temos a estrutura piramidal de classes sociais, com impostos sendo pagos pelo cidadão trabalhador, sustentando a máquina governamental com tal dinheiro de impostos, na imposição de punição àqueles que não estão em dia com o “leão”. É como numa pessoa pobre, a qual só consegue pagar as contas, nunca conseguindo acumular algo para concretizar sonhos, como um carro ou a casa própria. É como numa cruel e implacável ditadura, numa nação miserável que investe tudo em militarismo, na insana busca humana por Poder, em orgulhos ascendendo e descendendo a todo minuto ao redor do Mundo, pois um homem de Tao jamais busca, infantilmente, o Poder pelo simples Poder. Aqui, temos uma reviravolta, pois, de um momento para o outro, o então subestimado poste ascende na cena, impondo-se. E o piano jamais pensou que as coisas pudessem ter chegado a tal ponto, e esta é a conduta do homem de Tao, um homem sempre subestimado e imprevisível.


Acima, Parts Conversation. 1999. Arman adora fazer essas progressões, com um objeto sendo gradualmente destruído. É a ruptura entre Era Analógica e Era Digital, nas suplantações tecnológicas, sendo apenas uma questão de tempo até que o Homem pise em Marte (e retorne são e salvo). Aqui, é a curiosidade científica, num corpo sendo aberto e analisado, nos mistérios que desafiam incessantemente a curiosidade dos cientistas ao redor do Mundo, pois a Ciência é altamente universal. Podemos ouvir aqui o som do telefone tocando, atiçando minhas memórias de infância, quando tínhamos que discar o disco pacientemente, trazendo à tona o modo como as grandes invenções humanas nasceram da Preguiça, numa tecnologia que não mais nos exige discar ou digitar sempre que quisermos fazer contato com alguém. O fio é um cordão umbilical, unindo as pessoas, na constante necessidade de comunicação, havendo na Internet uma sofisticação da tecnologia telefônica, num galgar tecnológico muito rápido e frenético, incessante, com novidades senso trazidas constantemente ao público consumidor, nos apelos da Sociedade de Consumo – se você quer ser feliz, tem que consumir... Aqui, temos alguém furioso, dotado de um grande facão, dando golpes vigorosos, raivosos, como se quisesse sepultar as tecnologias obsoletas, pois qual é o uso, hoje em dia, de um videocassete, de um tocafitas, de uma máquina de datilografar? E o artista tenta entender as mudanças de tempos, essa marcha incessante, levando-nos a perguntar até onde o Homem irá – será que ao Infinito? Aqui, é como um biscoito água e sal sendo partido e comido, num fracionamento, no modo humano de fracionar o Tempo em horas, dias, anos etc. Aqui, não há quatro telefones, mas apenas um, num processo autodestrutivo, talvez num suicídio, numa pessoa que não ama a si nem ao Mundo. Nesta cena tão cinzenta, vemos alguns fiozinhos vermelhos, como se quisessem trazer algum calor, alguma persistência de brasa a uma lareira morta e desativada, agonizando para sobreviver, no modo como todos precisamos sobreviver ao sucesso e ao fracasso, na inevitabilidade das vicissitudes, numa Vida que exige coragem de nós. Os fios encaracolados são como serpentes férteis, sensuais, numa forma de Vida tão minimalista e elegante que é a serpente. O fio é a Comunicação que interliga os seres humanos, pois sem Comunicação, o Mundo acaba. É um cordão que limita, havendo um máximo de tensionamento, como o fio que liga o Corpo à Mente, no período de Tempo o qual nos cabe neste linda e ínfima esfera azul. A Internet faz metáfora com a grande rede metafísica, que é a rede que interliga todos os espíritos, todos os irmãos, havendo em Tao a força invisível que serve como um fio, sempre interligando, na sexy ideia de que somos todos conectados, num Universo sensual, liquidiscente e delicioso, no termo “smooth operator” da cantora Sade, ou seja, “operador suave”, como num telefonista que estabelece os contados Universo afora, pois se Tao não fosse eterno, não seria Tao. Aqui, é como se o telefone tivesse dado um grande espirro e desorganizado-se, precisando se recompor, se recolocar, nos inevitáveis espirros da Vida, fazendo com que caiamos e tenhamos a necessidade de reerguimento, num trabalho de força e perseverança, num enorme esforço existencial a ser empreendido. Aqui, é como se o telefone estivesse se despindo, chegando à sensual simplicidade da nudez, numa beleza que não é exatamente sexual, mais, ainda assim, sexy. Aqui, é como um alimento sendo mastigado, processado e digerido, num longo processo de assimilação, como numa esteira de fábrica, montando um carro em várias etapas. Mas, aqui, temos uma “desfabricação”, pois o objeto é partido e desmantelado, ou como se fosse um grande bloco de mármore sendo dinamitado e bipartido para servir para a fabricação de bens de consumo. É como uma nuvem carregada descarregando-se.


Acima, The Spirit of Yamaha. 1997. As motos vêm chegando de modo avassalador, implacável, dividindo o piano em três partes, talvez entre passado, presente e fururo. Podemos ouvir o som dos motores, remetendo-me aos motoboys de São Paulo, numa demanda urbana que faz com que os motoqueiros sejam intermináveis, um atrás do outro, sendo respeitados pelos condutores de veículos que não são motos. É como se estas motos estivessem apostando uma corrida, na inevitável competitividade da Sociedade, num Mundo sempre querendo saber quem é o melhor, quem é o merecedor da glória eterna. Ao contemplar este magnífico trabalho de Arman, perguntamo-nos como ele conseguiu partir o instrumento musical, numa obra de Arte que certamente custou muito dinheiro para ser feita, pois o trabalho exigiu que fossem adquiridos um piano e duas motos. E também pensamos da dificuldade de transporte da obra. Aqui, Arman expõe a função do artista plástico, que é pegar elementos primordialmente dissociados e, depois, associá-los e produzir algo novo. Os faróis das motos são como dois olhos aberto, sempre atentos, iluminando caminhos, no modo como cada um de nós precisa dessa “luz” para que enxerguemos a caminho à nossa frente. É como se uma das motos tivesse se bipartido, como numa ameba se reproduzindo partindo-se ao meio, na velocidade incessante da Vida, numa Vida que se impõe tão poderosamente, como numa ninhada de cachorrinhos nascendo. Aqui, é como se as motos estivessem paradas num semáforo, roncando vigorosamente, num condutor provocando o outro a disputar uma corrida, nos acontecimentos sociais que são os campeonatos, envolvendo nações inteiras, como no Brasil em época de Copa, no Mundo girando em torno do Esporte e da Saúde. Estas motos são como duas lâminas de bisturi, afiadíssimas, no que me remete a um amigo de infância meu, o qual, ao brincar com bisturis, acabou se cortando gravemente. E isso é a Vida – temos que manusear com calma e com cuidado essas “lâminas”, pois quem descuida de sua própria Vida, sofre. Aqui, são como motos que servem de prêmio a algum concurso ou sorteio, nos bens de consumo que se tornam obsessões materialistas, ambições mundanas, pois se não estou o tempo todo querendo, posso ter Paz, ao contrário de uma pessoa que nunca está satisfeita, querendo sempre mais e mais, como num rei infeliz em seu próprio reino, sempre querendo anexar os reinos vizinhos, na estupidez da insensível violência humana – não é virtuoso o homem que prima pela Paz? Como ouvi em um coral no Natal Luz de Gramado: “Jesus é o Príncipe da Paz”. Aqui, é um caminho sem volta, pois o piano jamais poderá ser restaurado e reconstituído, como numa pessoa que faz suas escolhas existenciais, colhendo as “flores” consequentes, pois, como me disse uma grande amiga, a Vida é feita de escolhas. Essas motos são como dois louva-a-deus, comendo avidamente vegetação, servindo de comida a camaleões, na engraçada Cadeia Alimentar, onde todos viram comida de todos, como num baile em que todos bailam na pista de dança, pois Tao é o grande agregador, como num patriarca reunindo a família numa noite de Natal, no nobre poder unificador de Tao, o grande anfitrião. Estas motos passarão e deixarão para trás sua trilha destrutiva, deixando um vestígio nefasto, como numa tropa que passa por uma terra e só deixa rastros de fome e destruição. Este piano é como um óvulo fecundado por três espermatozoides, gerando trigêmeos na barriga da mãe, num convívio familiar que se originou antes mesmo do nascimento. É a fartura da Vida, com muito pasto para o gado, na generosidade de Tao, o alimentador, a teta – somos todos filhos Dele, e Ele nos ama incondicionalmente, sempre desejando o melhor para nós. As motos são como lâminas numa fábrica, cortando madeira, ou papel, no poder transformador dos processos industriais, sempre guarnecendo o Mundo, no prazer de uma pessoa que se sente útil a um Mundo por vezes tão duro.


Acima, sem título. 1999. Mais uma vez, os processos destrutivos de Arman. Aqui, temos no regador o agente renovador da Vida, como numa merecida chuva depois de um longo período de seca. O material metálico é como uma armadura, uma roupa bélica, na proteção de armadura em torno de uma pessoa que sabe dizer “não” e que adquire o controle sobre a própria Vida, adquirindo luz própria, no enorme desafio que é para uma dona de casa se tornar alguém sem ser representada por um homem, na força que as lésbicas têm em se expressar por si mesmas, sendo a estas insuportável ser as “escravas” de alguém. O regador aqui, em sua dureza, é uma arma, remetendo-me a um episódio de Chaves no qual o menino molhar os outros com um regador, só que “sem querer querendo”, como diz o personagem. É como no homem de lata em O Mágico de Oz, ou como o robô C3PO de Guerra nas Estrelas, no modo como o escritor Harari nos alerta para o avanço da Inteligência Artificial, nos prognósticos pessimistas de Matrix, trama na qual as máquinas acabam escravizando e condenando a Humanidade. É a armadura dos arcanjos, espíritos extremamente forte que rechaçam qualquer faca ou bala de arma de fogo, na necessidade de que a pessoa tenha alguma Fé, sempre acreditando na Ressurreição após uma vida cheia de labor e desafios. É a armadura da Mulher Maravilha, blindando a heroína e rejeitando lanças maliciosas ou dolosas, na capacidade da pessoa em ver o Mundo como este realmente é, na clara visão de uma pessoa que trabalha e, de algum modo, mostra ao Mundo alguma inteligência, pois já ouvi dizer: “Tudo o que você precisa mostrar é Inteligência”. Aqui, temos algo muito prateado, na beleza da luz do luar, como um grande prato de prata iluminando noites claras de luar. São como moedas, trazendo gravado o perfil do governante, nos sistemas humanos de trocas, no modo como o Mundo é estruturado em volta de tal dinheiro, na inacreditável infelicidade que se assoberba sobre alguém que é considerado materialmente feliz na Terra, pois, a nível metafísico, não há dinheiro. Aqui, é como uma cortina, com partes ficando mais abaladas do que outras. Aqui, temos uma cena de destruição e, no sentido contrário, reconstituição, num eterno recomeço, no modo como, depois de um momento de trabalho, vem outro momento de trabalho, como num chef de cozinha, cuja “obra de Arte” está fadada à destruição do ato de comer. Aqui, é como num degradante processo de estresse, numa pessoa, gradualmente, perdendo a calma e a esperança, tendo que trilhar um caminho inverso, rumo ao restabelecimento da Fé. Aqui, temos pessoas fortes e, ao lado, pessoas não tão fortes, e é como se um furacão tivesse passado, abalando os regadores mais frágeis, como na história dos Três Porquinhos, com uma casa forte de tijolos, uma casa não tão forte de madeira e uma casa muito frágil de palha, na lição de que precisamos ter os pés no chão e sempre construir uma casa segura, respeitável e forte. Aqui, temos um processo de empobrecimento e desconstituição existencial, num regador que, aos poucos, foi perdendo o controle da situação, chegando a um ponto de miséria, numa vida tão miserável ao ponto da pessoa se refugiar num mundinho de faz de conta, buscando, assim, “enterrar a cabeça” e não ver a realidade, na dureza que é um processo de reconstrução, num longo e enorme processo de reerguimento. Aqui, temos um ciclo intermitente, pois há auge, decadência, morte e renascimento, como me ensinou uma professora mercadológica, a qual disse que os produtos têm um ciclo de vida, num produto que fez muito sucesso mas que, depois, não soube se manter e acabou morrendo, como no Orkut, o site de rede social que teve um boom mas que, depois, acabou morrendo. Podemos ouvir o barulho metálico das peças sendo partidas, num artista que teve que ir a uma fábrica e solicitar o corte dos regadores, nos incríveis esforços que podem ser empreendidos por um artista obstinado em sua Arte, em provas públicas de talento e dedicação.

Referência bibliográfica:

Artworks. Disponível em <www.armanstudio.com>. Acesso 27 nov. 2019.

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