Volto a falar sobre o
artista francoamericano Arman. Os textos e análises semióticas a seguir são
inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, Selos de Lênin. 1998. Temos aqui um toque de xilogravura, como num
“carimbo”, num clichê industrial, reproduzindo a mesma imagem várias vezes. É a
máquina da opressão estatal, na qual o cidadão é reduzido a uma pilha alcalina,
sendo escravo de um sistema, como na inominável brutalidade que é o trabalho
escravo, com irmão explorando e oprimindo irmão. É a ambição comunista de
igualar os cidadãos, uma intenção nobre, mas o Inferno não está repleto de boas
intenções? Aqui, é uma repetição frenética, obsessiva, querendo fazer uma
lavagem cerebral, como numa igreja exploradora, numa instituição malévola que
se aproveita da ignorância de um povo, sendo este carente de Cultura Erudita,
civilizatória. Lênin aqui ergue o braço num certo fascismo, no inacreditável
modo como a crueldade nazista conquistou mentes e corações. É a terrível
capacidade humana de homem explorar homem, havendo uma maravilhosa revelação ao
Desencarne, pois, a nível metafísico, a hierarquia não é imposta de forma
brutal, pois é uma hierarquia baseada em apuro moral, havendo nas hierarquias
mundanas uma cópia muito tosca da hierarquia espiritual, pois não é a Terra uma
cópia tosca do Céu? Aqui, é como um muro emporcalhado, pichado, vandalizado,
com uma mensagem fascista que se apoderou da mente do agente propagador. O
braço ereto de Lênin é um aviso, avisando-nos com a intenção de nos amedrontar,
pois o maior sonho de um psicopata é ser temido, e não respeitado, pois Amor e
Respeito andam juntos, visto que, num coração psicopático, não há espaço para
Amor, ou seja, se um psicopata odeia você, não é apenas você... Este braço quer
manter o cidadão distante das decisões estatais, privando o cidadão de escolher
sues próprios governantes, num sistema que controla a Mídia, no modo como, em
uma certa ditadura, autores de blogs não podem entrar em tal país, no medo que
o ditador tem da Liberdade, pois se o Povo é livre, não posso controlá-lo...
Como é patética a obsessão humana por controle, pois quanto mais Tao você tem,
menos controle você quer obter, e só há Paz na vida de quem respeita os outros,
ou seja, Respeito não é conversa fiada. Aqui, neste muro de propaganda estatal,
temos um excesso, uma saturação, um esgotamento, no modo como o Comunismo se
esgotou, mas com uma amarga ironia, pois a Rússia continua sendo, na prática,
uma ditadura, com filmes sendo proibidos no país, remetendo-me a uma recente
charge do genial cartunista caxiense Carlos Iotti, retratando uma alegre parada
gay e, ao lado, uma pessoa aborrecida com aquilo tudo, estando esta pessoa
dentro de um armário! Como posso ser feliz se não deixo os outros livres? Estes
carimbos bombardeiam o cidadão, com todo um sistema educacional moldado
ideologicamente, fazendo da Arte, por exemplo, uma ferramenta de opressão
estatal, numa completa insanidade, como, por exemplo, usar Salvador Dalí para
fazer tais propagandas, ou seja, um completo desrespeito à inteligência de um
artista. Liberdade já! Aqui, temos um exército marchando, com soldados
indistintos, como anônimas peças num tabuleiro de Xadrez, num culto à
mediocridade, reprimindo talentos brilhantes, traçando um modo governamental
que é uma perversidade, um estupro, uma tara inenarrável. Podemos ouvir o
barulho da marcha, num dia de feriado com uma grande parada militar, expondo e
ostentando armas, as quase são coisas horríveis, pois um homem de Tao, um homem
de Paz, nada tem a ver com tais armas – onde está a Consciência do homem que
atirou as bombas atômicas no Japão? Aqui, temos um culto à falta de brilho, à
falta de talento, num Arman nos alertando sobre tais sistemas opressores.
Arman, como todo grande e expressivo artista, quer nos alertar sobre tais
correntes aprisionantes, convidando-nos a observar o Mundo de forma mais
desapegada, mais fresquinha, mais calma, mais ponderada, pois o homem de Tao
age assim, com tranquilidade.
Acima, sem título. 2003.
Aqui, temos uma metalinguagem, pois são as Artes Plásticas falando de Música,
ou seja, arte falando de arte, no modo como, já ouvi, as Artes estão umas
dentro das outras, na universalidade do Ser Humano, na tendência deste em fazer Arte. Os
rabiscos no fundo do quadro são incertos, errantes, preparando uma espécie de cama
para o instrumento musical, o qual está com um aspecto de ter sido cortado ao
meio, no interesse científico em cortas as coisas e analisar por dentro, como
dissecar um cadáver, na curiosidade do Ser Humano em desvendar os segredos da
Vida, do Mundo, do Cosmos. Podemos ouvir o som musical do instrumento de sopro,
talvez numa serenata de um homem apaixonado, no modo como um artista tem que
ser apaixonado pelo que faz, pois, do contrário, não encontrará felicidade ou
preenchimento existencial. O instrumento parece ter caído e se quebrado ao meio,
talvez num ato de repulsa e rejeição, talvez num momento de escolha na vida de
uma pessoa, estando esta confrontada: O que é mais importante – sua imagem ou
sua felicidade? Numa princesa Diana, amada pelo povo, uma pessoa que mandou a
imagem à merda, com o perdão da palavra, e foi tratar de ser feliz – o povo a
amou por isso, por essa escolha. Este corte ao meio é um marco na vida da
pessoa, com algo dividindo tudo entre antes e depois, como na poderosa passagem
de Jesus pelo Mundo, na mente de um homem que, apesar de não ter sido
exatamente um erudito em vida, foi a maior mente de todas. Essas pinceladas
cinzentas contrastam com um fundo alvo, como se fosse um momento em que a Paz
sofreu uma interrupção, como num momento bélico, na eterna tendência humana à
Guerra, ao Ódio, ao desentendimento entre vizinhos que deveriam viver em
harmonia – o Mundo não vai mudar, mas pode haver uma promessa de um amanhã
melhor. São pinceladas apressadas, frenéticas, afoitas, como numa peraltice,
numa criança pintando com giz de cera as paredes brancas de uma casa, no fato
como uma casa com criança está sempre bagunçada, na enorme paciência que um pai
ou uma mãe deve ter. O instrumento está avariado, como um coração machucado,
numa pessoa magoada, empedernida, com a impressão de que jamais poderá se
recobrar de tal mácula, de tal sofrimento. Mas, felizmente, as coisas passam, e
a pessoa pode, aos pouquinhos, ir se reerguendo, numa demanda que exige tempo,
pois um prédio não é construído da noite para o dia, como me disse certa amiga:
“Não espere ir de zero a cem em piscar de olhos”. E saber esperar não é uma
virtude? Este instrumento está precisando de conserto, de carinho, de asilo,
como num homem magoado pela namorada, neste homem indo sair com amigos para esquecer
um pouco de tal mágoa. É a capacidade do coração em se recompor, numa
resiliência, como num elástico que, mesmo esticado, volta depois ao normal, com
experiências que fazem com que a pessoa fique mais forte e mais realista, pois
ter os pés no chão é uma dádiva. O instrumento está assim, avariado, machucado,
depois de uma briga, na melancólica letra da canção: “O cravo brigou com a rosa
debaixo de uma sacada. O cravo ficou ferido; a rosa, despedaçada”. O Ódio é o
caminho da destruição, e só o Amor zeloso é capaz de sobreviver a tantas
tempestades. Este instrumento está numa mesa de cirurgia, sendo avaliado, num
médico que tem que saber o que fazer para solucionar tal destruição, talvez numa
pessoa gravemente ferida num acidente de carro, passando por um repentino
momento de ruptura e susto, numa porrada, num golpe muito forte, no modo como o
artista quer ser tal golpe, mas um golpe do Bem, um golpe construtivo e
positivo, no sonho em brilhar e ser reconhecido. Temos aqui uma desconstrução,
como cada órgão do corpo tendo uma função específica. Aqui, temos o poder
contundente catártico, numa entrega do artista ao objeto de Arte, como numa
atriz tendo uma catarse em pleno set de filmagem, entregando-se ao personagem e
sentindo na pele o que este sente, num ato de ir além do texto e sentir, de
fato, a dor, a alegria, a tristeza.
Acima, sem título. 2004.
Aqui, temos um estremecimento, um abalo sísmico, como num abalo na vida de uma
pessoa, num momento de ruptura, de rompimento. É como num terrível momento de
dor, como numa traiçoeira cadeira de dentista. Aqui, é como uma nota musical
destoando, desafinando, algo que atinge a beleza de uma canção bem cantada,
como nos anos iniciais da carreira de Whitney Houston, depois de tal trajetória
ser destruída pelas drogas. É um momento existencial assinalando um lento
processo de desequilíbrio e empobrecimento, numa vida que foi, aos poucos,
esvaziando-se de sentido e propósito, como numa pessoa que não conclui algo que
começou, como finalizar o Ensino Superior. É um quadro com um predomínio
sombrio, e apenas umas modestas nesgas de luz, acima no quadro, dão um gostinho
vago de esperança, numa pessoa que disse para si mesma: “Calma, pois vais te
reerguer”. É um longo caminho de reconstrução, como no processo de reconstrução
do World Trade Center, como nas persistentes formiguinhas, restaurando um
formigueiro destruído. Aqui, o instrumento musical está esfacelado, danificado,
como num choque, caindo de uma boa altura, como numa pessoa que recebe uma
notícia chocante, impactante, no termo de Psicologia “colocar o dedo na
tomada”, numa pessoa tomando um choque de realidade, como num choque térmico,
saindo de uma piscina quentinha para uma piscina gelada, como no choque de
regressar do Submundo e reintegrar-se ao Mundo. Aqui, temos uma sinfonia
destoante, sem sentido, sem bom gosto, num caos, numa confusão, como numa
Whitney – falando nela de novo –, cujas gravações mais recentes mal remetem ao
vozeirão potente e saudável de O Guardacostas.
É uma tragédia que pode acontecer na vida de uma pessoa, num choque, num susto,
como num brutal acidente de carro, num poderoso momento inesperado de ruptura,
saindo de uma agradável viagem para um pesadelo pós-traumático, resultando em
uma cama de hospital. Este instrumento musical levou esse susto, e é como no
gesto rebelde e transgressor do roqueiro em quebrar a própria guitarra no
palco, na jovial atitude roqueira, numa arte jovial de muito estilo e atitude,
numa atitude que vai além da Música, numa atitude de rebeldia, no modo como,
certa vez, alguém disse que precisamos ver mais jovialidade no tapete vermelho
das celebridades, pois há muitas celebridades jovens que, ao se aprumar,
parecem ter décadas a mais de idade. O marrom aqui é denso, fechado, num céu
noturno, na sedução da noite boêmia. Este instrumento está explodindo numa
catarse potente, afetando todos ao seu redor. É uma nota poderosa, como no dedo
de Deus criando Adão e o Cosmos, como no impacto supremo do Big Bang, a grande
explosão que gerou tudo e todos, num Universo em expansão, sempre sendo criado
e renovado por Tao, o grande inventor. Esta supernova explodindo é como num
grande sucesso de bilheteria, ou numa canção que se tornou megahit, no poder da
Arte em causar comoções, atiçando a sensibilidade do público, numa canção sendo
exaustivamente executada nas rádios, com momento marcando épocas, no modo como
cada década tem lá seus sucessos, seus hits, na ambição (ilusória) de um
artista em se manter sempre no topo, uma manutenção que não é possível,
infelizmente, sendo necessário que a pessoa tenha a força para virar as
páginas, sendo estas doces ou amargas. Aqui, é um cenário de guerra, e o
instrumento parece ser o pomo da discórdia, o pomo cobiçado, como no sentimento
em concorrer a um prêmio com mais quatro outras competentes pessoas, como no
Oscar, num ator, é claro, odiando não levar a estatueta, na inevitabilidade das
frustrações... Aqui, é como um sino badalando, espraiando som por toda a
paróquia, unindo todos nos horários do dia, numa rotina que faz com que todos
dancem a mesma valsa, na obsessão das ditaduras em controlar a vontade de um
cidadão.
Acima, sem título. 1987.
Aqui, temos um momento libertador, como no orgasmo do salmão, morrendo ao se
reproduzir. É no glorioso Desencarne, quando a pessoa de bom apuro moral dá
graças a Deus por ter se livrado da vida carnal, ao contrário do sociopata, o
qual, por se identificar com a Matéria e não com o Metafísico, quer, a todo
custo, voltar ao corpo carnal, sem ver que o Desencarne é um caminho sem volta,
pois vão-se os anéis e ficam os dedos... Estes tubinhos explodiram, talvez sob
pressão, como, já me disseram, procuradores da República sofrem pressões no
labor, ou como nas pressões em cima de um artista bem sucedido, sendo exigido
deste que este seja um deus indefectível, algo impossível a um ser humano, pois
não somos deuses. Aqui, temos uma metalinguagem, pois é bisnaga falando de bisnaga,
havendo bisnagas desenhadas e bisnagas reais, talvez numa relação entre projeto
e realização; entre intenção e fato, como numa criança, a qual imagina uma
linda janela com flores, mas, ao desenhar, nada mais faz do que borrões, no
desafio que é a pessoa expressar o que tem dentro de si. Podem ser bisnagas de
tinta, podem ser bisnagas de extrato de tomate, no deleite que é assistir a
alguém cozinhando na televisão, num momento de Entretenimento. Aqui, é um
vômito catártico, na explosão de uma pessoa que retinha as coisas para si.
Podemos ouvir aqui o som de flato, desculpe a sinceridade. É como no Big Bang,
que explodiu após um momento em que não mais era possível reter tanta carga. É
um descarrego, um alívio, como numa pessoa extravasando sua agressividade,
socando um saco de pancadas. É uma gloriosa sensação de descarga, como dar a
descarga após as necessidades fisiológicas. É claro que as catarses são
saudáveis, necessárias, como num ator se jogando de corpo e alma num
personagem, num trabalho amplamente reconhecido e premiado, num momento áureo
de carreira, momento que, infelizmente, não é eterno, pois a Vida não é jogo
que segue? Aqui, ao invés de usar as tintas para pintar de fato, Arman as tem
de modo cru, original, tentando intervir ao mínimo do material, como no termo
“morrer na praia”, na pessoa que não conseguiu sobreviver, infelizmente, no
modo como há tantas almas talentosas as quais simplesmente na sobreviveram a
determinada década, pois a Vida não exige força? A vontade que se tem aqui é a
de pegar as tintas e pintar esfuziantemente, com um Arman nos atiçando, nos provocando,
como num provocante tira de striptease. São como ovos quebrados, finados,
usados para algum propósito culinário, na magia dos ninhos de Páscoa, tão
diversos, doces e coloridos, na dádiva que é ter uma mãe zelosa, que faz
questão de arrumar os ninhos aos filhos infantes. Aqui, é como um vômito
coletivo, com pessoas numa sala de Cinema assistindo ao mesmo momento de Entretenimento,
como numa mulher grávida de biquíni certa vez no Brasil, provocando catarses
coletivas, no poder do escândalo, da transgressão – poxa, o que há de maléfico
em uma grávida de biquíni? Como dizia o querido amigo Fábio Barreto: “Uma
sociedade só evolui por meios da transgressão de alguns de seus cidadãos”. E
esse é o poder transformador da Arte, pois a Arte não é só leves histórias;
Arte é o que há de necessário. Aqui, temos um estupro, e as tampas estão soltas
à própria sorte. É numa criança arteira, fazendo mil e uma travessuras, como na
filha de um amigo meu, a qual, simplesmente, pintou de batom todo o rosto da
própria irmãzinha mais nova. Aqui, é uma cena de alívio, a qual sucedeu um
momento de tensão, como em brigas de família, com as coisas sendo ditas, talvez
coisas há muito reprimidas, no modo como a regra nas brigas de família é a
certa reconciliação após. Arman adora esse aspecto de tinta fresca, fazendo
metáfora com o frescor trazido por um artista ousado, no choque social que foi
o Modernismo Brasileiro. Aqui, temos uma discussão, e cada bisnaguinha coloca
para fora o que está sentindo, num momento de tempestade, em que as dores são
externalizadas, ocorrendo, após isso, a bonança da Paz.
Acima, sem título. 1992.
Aqui, temos um cenário de confusão, desarmonia e desentendimento, uma
característica que assinala tempos de Guerra, quando as nações se desentendem e
esquecem que são todas filhas de Tao – a Ambição é amiga da Guerra, ou seja, o
Ser Humano, ambicioso como é, está fadado à belicosidade. As “impressões
digitais” aqui são de pincéis, em reprodução de xilogravura, havendo aqui uma
grande guerra para ver quem tem o falo maior, numa competição infantil, na
arrogância humana desta se achar o centro do Universo. O fundo é negro e
pessimista, imprevisível, e, apesar de sabermos de que há conflito, não sabemos
quem vai ganhar, como na esfrega que Elizabeth I deu na Invencível Armanda
Espanhola. Então, o luto toma conta, e é a cor da Guerra, e celebrar uma
vitória é como marchar sobre os cadáveres de seres humanos, como na Guerra das
Malvinas, a qual deixou mortos em ambos os lados – quem é de fato o vencedor da
Guerra? Os pincéis aqui fazem uma bagunça acinzentada, movendo-se para todos os
lados, numa certa falta de norte, de sentido, como numa bússola estragada, sem
ter a dignidade de apontar para onde vamos, no desnorteamento destrutivo que é
a Guerra, deixando rastros de fome e destruição – não há Beleza na Raiva. Neste
quadro, traços vermelhos e verdes lutam para se impor, como se quisessem trazer
alguma cor a um cenário tão melancólico. O vermelho é o sangue derramado, as
vidas perdidas de rapazes que tinham uma vida inteira pela frente. É o sangue
que um doador dá, pensando em um irmão que poderá precisar do fluido, num ato
de solidariedade e fraternidade, como numa pessoa que resolve ser doadora de
órgãos, como no recém falecido apresentador Gugu Liberato. É o persistente
trabalho de Filantropia, com pessoas que decidem combater as abismais
diferenças sociais do Brasil e do Mundo, como grandes astros e estrelas que se
tornam ativista das Nações Unidas, numa intenção nobre que é a intenção de
Caridade. Neste quadro, temos frestas verdes que lutam para persistir, como
gramíneas que brotam depois de um terreno ser arrasado por uma tropa, na
estupidez humana em desrespeitar o que é belo. É a força da Natureza em se
regenerar, na Vida lutando para se impor e para superar obstáculos, dando-nos
uma bela lição de vida, inspirando-nos a contornar nossas próprias amarras
existenciais. O verde é a consciência ecológica que tanto está marcando nossa
época, na nefasta perspectiva de arrasarmos a única morada que temos, pois para
onde mais iremos? Aqui, é como um majestoso lustre de cristal caindo e se
espatifando em muitos pedaços, numa cena absolutamente fora de conserto ou
arrumação, como num psicopata que frustra, e muito, as expectativas de uma
pessoa de bom coração – nada de errando em erradicar psicopatas, expulsando
estes de nossas vidas para sempre. Aqui, é uma terra de ninguém, uma selva, num
lugar sem regência ou hierarquia, como numa nação em plena turbulência política
e social. É o que Tao diz: quando a Virtude é perdida, o Caos toma conta, pois
a confusão reina e ninguém ouve ninguém. Neste muro pichado e vandalizado, cada
um quer deixar sua marca, mas o excesso gráfico impede isso, e este muro,
outrora limpo e bem pintado, revela um lugar sujo e feio, como dizia o mestre
comunicador Tatata Pimentel: “Porto Alegre está pichada de cabo a rabo”. Arman
quis deixar aqui uma cena carregada, pesada, numa mensagem confusa, cheia de
meandros labirínticos traiçoeiros, cheia de pistas falsas, como numa pessoa
existencialmente perdida, não conseguindo vislumbrar alguma pista, alguma seta,
alguma orientação. E quando a pessoa está perdida, só ela mesma pode encontrar
a porta de saída de tal labirinto. Esses cabos de pinceis são como muitos
tentáculos de polvo, num ser complexo, exótico e belo, encantando com sua
curiosa composição, nesta esfera tão rica em Vida que é a Terra. Os cabos são
como patas de aranha, caminhando vagarosamente, tecendo lentamente sua teia,
sabendo que não se fazem as coisas em um piscar de olhos.
Acima, sem título. 1994.
Aqui, temos uma sinfonia, uma harmonia, pois os pincéis parecem estar em
consonância, marchando pela mesma direção. Aqui, temos uma alegria
multicolorida, como num prisma decompondo a luz em um leque de cores mágicas e
atraentes. São como vários amigos correndo na mesma direção, num momento de
diversão, em que uma turma de colégio se reúne no aniversário de algum
coleguinha da classe. Aqui, não temos distinção, mas comunhão, e a convivência
é harmônica e amigável, como num jardim com vários amigos reunidos. É como no
momento do parabéns, na hora de se homenagear alguém, num mágico momento
festivo que busca imitar os salões de nobre amizade do Plano Metafísico. Outra
leitura aqui é a de uma competição, com todos os pincéis partindo da mesma
linha, numa competição que mostra de uma forma clara quem chega por primeiro,
nas inevitáveis classes sociais mundanas, classes que, a nível metafísico,
desaparecem, pois a verdadeira hierarquia está baseada em apuro moral. Nesta
linha de chegada, nesta faixa branca ao topo do quadro, está a recompensa ao
vencedor, num merecido descanso, como numa pessoa que, depois de uma encarnação
cheia de provações, recolhe-se ao Metafísico, descansando, numa espécie de
aposentadoria, reencontrando entes queridos e reorganizando a própria mente,
adaptando-se à nova vida no Céu, a morada de todos nós. Aqui, é como a
variedade de raças humanas, ou raças caninas, felinas etc. É como no apelo
colorido das campanhas publicitárias da marca de roupas italiana Benetton, com
lindos jovens de várias raças e miscigenações, mostrando como é bela a mistura
e como é doente a ideologia da pureza de raça, como no Nazismo. Arman adora nos
trazer este aspecto de tinta fresca, mais uma vez, com as tintas sempre
fluindo, sempre vivas, liquidiscentes, na eterna fluidez dos processos, havendo
no fim de um processo o início de outro processo. É como uma foto de turma de
colégio, na inevitável competição, com os alunos de notas maiores figurando no
rol superior, no rol dos que deixam orgulhosos e satisfeitos os professores.
Aqui, temos uma ironia, pois há amarelos em todos os níveis, azuis em todos os
níveis e vermelhos em todos os níveis, como pessoas que, apesar de serem da
mesma raça, têm desempenhos diferentes, o que mostra que ser desta ou daquela raça
nada significa, rechaçando para sempre as teorias doentias de pureza racial.
Aqui, são iguais todos os pincéis, ou seja, todos têm o potencial para atingir
a excelência moral, mas são poucos os que fazem valer tal potencial, na questão
de Igualdade entre nós, pois todos somos anjos em potencial. Este
fundo branco está quase todo tomado, e esta faixa branca é importante para
fazer contraste com a parte pintada, no sentido de que só reconhecemos a Beleza
porque conhecemos o oposto, que é o feio, num trabalho de discernimento. O
artista traz o atelier para a obra, colocando nesta o instrumento de trabalho,
numa declaração de Amor ao ofício. É como as folhagens de uma exuberante
planta, no encanto que a Flora Tropical exerce sobre os europeus, com noites tropicais
enluaradas, como na Natureza tão exuberante do Rio de Janeiro. São os pincéis
aqui que dão o aspecto de tinta fresca. É como um arcoíris sendo pintado no
céu, nos mistérios naturais que incentivaram o Homem a construir deificações,
baseadas em elementos da Natureza, como no panteão egípcio antigo. É como um
grande salão carnavalesco, com seus confetes multicoloridos em um momento em
que as dores são esquecidas, assemelhando-se aos salões luxuosos metafísicos.
Imagina-se Arman indo a uma loja de materiais e comprando inúmeros pincéis, talvez
surpreendendo os atendentes, os quais deviam se perguntar o porquê da aquisição
de tantos instrumentos. Podemos ouvir o som de carros apostando uma corrida, na
diversão competitiva dos Esportes. Podemos ouvir aqui um burburinho de festa,
com muitas pessoas vibrantes falando ao mesmo tempo.
Referência bibliográfica:
Artworks. Disponível em <www.armanstudio.com>.
Acesso 20 nov. 2019.
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