quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Respirando o Ar da Arte (Parte 2)



Volto a falar sobre o artista francoamericano Arman. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Selos de Lênin. 1998. Temos aqui um toque de xilogravura, como num “carimbo”, num clichê industrial, reproduzindo a mesma imagem várias vezes. É a máquina da opressão estatal, na qual o cidadão é reduzido a uma pilha alcalina, sendo escravo de um sistema, como na inominável brutalidade que é o trabalho escravo, com irmão explorando e oprimindo irmão. É a ambição comunista de igualar os cidadãos, uma intenção nobre, mas o Inferno não está repleto de boas intenções? Aqui, é uma repetição frenética, obsessiva, querendo fazer uma lavagem cerebral, como numa igreja exploradora, numa instituição malévola que se aproveita da ignorância de um povo, sendo este carente de Cultura Erudita, civilizatória. Lênin aqui ergue o braço num certo fascismo, no inacreditável modo como a crueldade nazista conquistou mentes e corações. É a terrível capacidade humana de homem explorar homem, havendo uma maravilhosa revelação ao Desencarne, pois, a nível metafísico, a hierarquia não é imposta de forma brutal, pois é uma hierarquia baseada em apuro moral, havendo nas hierarquias mundanas uma cópia muito tosca da hierarquia espiritual, pois não é a Terra uma cópia tosca do Céu? Aqui, é como um muro emporcalhado, pichado, vandalizado, com uma mensagem fascista que se apoderou da mente do agente propagador. O braço ereto de Lênin é um aviso, avisando-nos com a intenção de nos amedrontar, pois o maior sonho de um psicopata é ser temido, e não respeitado, pois Amor e Respeito andam juntos, visto que, num coração psicopático, não há espaço para Amor, ou seja, se um psicopata odeia você, não é apenas você... Este braço quer manter o cidadão distante das decisões estatais, privando o cidadão de escolher sues próprios governantes, num sistema que controla a Mídia, no modo como, em uma certa ditadura, autores de blogs não podem entrar em tal país, no medo que o ditador tem da Liberdade, pois se o Povo é livre, não posso controlá-lo... Como é patética a obsessão humana por controle, pois quanto mais Tao você tem, menos controle você quer obter, e só há Paz na vida de quem respeita os outros, ou seja, Respeito não é conversa fiada. Aqui, neste muro de propaganda estatal, temos um excesso, uma saturação, um esgotamento, no modo como o Comunismo se esgotou, mas com uma amarga ironia, pois a Rússia continua sendo, na prática, uma ditadura, com filmes sendo proibidos no país, remetendo-me a uma recente charge do genial cartunista caxiense Carlos Iotti, retratando uma alegre parada gay e, ao lado, uma pessoa aborrecida com aquilo tudo, estando esta pessoa dentro de um armário! Como posso ser feliz se não deixo os outros livres? Estes carimbos bombardeiam o cidadão, com todo um sistema educacional moldado ideologicamente, fazendo da Arte, por exemplo, uma ferramenta de opressão estatal, numa completa insanidade, como, por exemplo, usar Salvador Dalí para fazer tais propagandas, ou seja, um completo desrespeito à inteligência de um artista. Liberdade já! Aqui, temos um exército marchando, com soldados indistintos, como anônimas peças num tabuleiro de Xadrez, num culto à mediocridade, reprimindo talentos brilhantes, traçando um modo governamental que é uma perversidade, um estupro, uma tara inenarrável. Podemos ouvir o barulho da marcha, num dia de feriado com uma grande parada militar, expondo e ostentando armas, as quase são coisas horríveis, pois um homem de Tao, um homem de Paz, nada tem a ver com tais armas – onde está a Consciência do homem que atirou as bombas atômicas no Japão? Aqui, temos um culto à falta de brilho, à falta de talento, num Arman nos alertando sobre tais sistemas opressores. Arman, como todo grande e expressivo artista, quer nos alertar sobre tais correntes aprisionantes, convidando-nos a observar o Mundo de forma mais desapegada, mais fresquinha, mais calma, mais ponderada, pois o homem de Tao age assim, com tranquilidade.


Acima, sem título. 2003. Aqui, temos uma metalinguagem, pois são as Artes Plásticas falando de Música, ou seja, arte falando de arte, no modo como, já ouvi, as Artes estão umas dentro das outras, na universalidade do Ser Humano, na tendência deste em fazer Arte. Os rabiscos no fundo do quadro são incertos, errantes, preparando uma espécie de cama para o instrumento musical, o qual está com um aspecto de ter sido cortado ao meio, no interesse científico em cortas as coisas e analisar por dentro, como dissecar um cadáver, na curiosidade do Ser Humano em desvendar os segredos da Vida, do Mundo, do Cosmos. Podemos ouvir o som musical do instrumento de sopro, talvez numa serenata de um homem apaixonado, no modo como um artista tem que ser apaixonado pelo que faz, pois, do contrário, não encontrará felicidade ou preenchimento existencial. O instrumento parece ter caído e se quebrado ao meio, talvez num ato de repulsa e rejeição, talvez num momento de escolha na vida de uma pessoa, estando esta confrontada: O que é mais importante – sua imagem ou sua felicidade? Numa princesa Diana, amada pelo povo, uma pessoa que mandou a imagem à merda, com o perdão da palavra, e foi tratar de ser feliz – o povo a amou por isso, por essa escolha. Este corte ao meio é um marco na vida da pessoa, com algo dividindo tudo entre antes e depois, como na poderosa passagem de Jesus pelo Mundo, na mente de um homem que, apesar de não ter sido exatamente um erudito em vida, foi a maior mente de todas. Essas pinceladas cinzentas contrastam com um fundo alvo, como se fosse um momento em que a Paz sofreu uma interrupção, como num momento bélico, na eterna tendência humana à Guerra, ao Ódio, ao desentendimento entre vizinhos que deveriam viver em harmonia – o Mundo não vai mudar, mas pode haver uma promessa de um amanhã melhor. São pinceladas apressadas, frenéticas, afoitas, como numa peraltice, numa criança pintando com giz de cera as paredes brancas de uma casa, no fato como uma casa com criança está sempre bagunçada, na enorme paciência que um pai ou uma mãe deve ter. O instrumento está avariado, como um coração machucado, numa pessoa magoada, empedernida, com a impressão de que jamais poderá se recobrar de tal mácula, de tal sofrimento. Mas, felizmente, as coisas passam, e a pessoa pode, aos pouquinhos, ir se reerguendo, numa demanda que exige tempo, pois um prédio não é construído da noite para o dia, como me disse certa amiga: “Não espere ir de zero a cem em piscar de olhos”. E saber esperar não é uma virtude? Este instrumento está precisando de conserto, de carinho, de asilo, como num homem magoado pela namorada, neste homem indo sair com amigos para esquecer um pouco de tal mágoa. É a capacidade do coração em se recompor, numa resiliência, como num elástico que, mesmo esticado, volta depois ao normal, com experiências que fazem com que a pessoa fique mais forte e mais realista, pois ter os pés no chão é uma dádiva. O instrumento está assim, avariado, machucado, depois de uma briga, na melancólica letra da canção: “O cravo brigou com a rosa debaixo de uma sacada. O cravo ficou ferido; a rosa, despedaçada”. O Ódio é o caminho da destruição, e só o Amor zeloso é capaz de sobreviver a tantas tempestades. Este instrumento está numa mesa de cirurgia, sendo avaliado, num médico que tem que saber o que fazer para solucionar tal destruição, talvez numa pessoa gravemente ferida num acidente de carro, passando por um repentino momento de ruptura e susto, numa porrada, num golpe muito forte, no modo como o artista quer ser tal golpe, mas um golpe do Bem, um golpe construtivo e positivo, no sonho em brilhar e ser reconhecido. Temos aqui uma desconstrução, como cada órgão do corpo tendo uma função específica. Aqui, temos o poder contundente catártico, numa entrega do artista ao objeto de Arte, como numa atriz tendo uma catarse em pleno set de filmagem, entregando-se ao personagem e sentindo na pele o que este sente, num ato de ir além do texto e sentir, de fato, a dor, a alegria, a tristeza.


Acima, sem título. 2004. Aqui, temos um estremecimento, um abalo sísmico, como num abalo na vida de uma pessoa, num momento de ruptura, de rompimento. É como num terrível momento de dor, como numa traiçoeira cadeira de dentista. Aqui, é como uma nota musical destoando, desafinando, algo que atinge a beleza de uma canção bem cantada, como nos anos iniciais da carreira de Whitney Houston, depois de tal trajetória ser destruída pelas drogas. É um momento existencial assinalando um lento processo de desequilíbrio e empobrecimento, numa vida que foi, aos poucos, esvaziando-se de sentido e propósito, como numa pessoa que não conclui algo que começou, como finalizar o Ensino Superior. É um quadro com um predomínio sombrio, e apenas umas modestas nesgas de luz, acima no quadro, dão um gostinho vago de esperança, numa pessoa que disse para si mesma: “Calma, pois vais te reerguer”. É um longo caminho de reconstrução, como no processo de reconstrução do World Trade Center, como nas persistentes formiguinhas, restaurando um formigueiro destruído. Aqui, o instrumento musical está esfacelado, danificado, como num choque, caindo de uma boa altura, como numa pessoa que recebe uma notícia chocante, impactante, no termo de Psicologia “colocar o dedo na tomada”, numa pessoa tomando um choque de realidade, como num choque térmico, saindo de uma piscina quentinha para uma piscina gelada, como no choque de regressar do Submundo e reintegrar-se ao Mundo. Aqui, temos uma sinfonia destoante, sem sentido, sem bom gosto, num caos, numa confusão, como numa Whitney – falando nela de novo –, cujas gravações mais recentes mal remetem ao vozeirão potente e saudável de O Guardacostas. É uma tragédia que pode acontecer na vida de uma pessoa, num choque, num susto, como num brutal acidente de carro, num poderoso momento inesperado de ruptura, saindo de uma agradável viagem para um pesadelo pós-traumático, resultando em uma cama de hospital. Este instrumento musical levou esse susto, e é como no gesto rebelde e transgressor do roqueiro em quebrar a própria guitarra no palco, na jovial atitude roqueira, numa arte jovial de muito estilo e atitude, numa atitude que vai além da Música, numa atitude de rebeldia, no modo como, certa vez, alguém disse que precisamos ver mais jovialidade no tapete vermelho das celebridades, pois há muitas celebridades jovens que, ao se aprumar, parecem ter décadas a mais de idade. O marrom aqui é denso, fechado, num céu noturno, na sedução da noite boêmia. Este instrumento está explodindo numa catarse potente, afetando todos ao seu redor. É uma nota poderosa, como no dedo de Deus criando Adão e o Cosmos, como no impacto supremo do Big Bang, a grande explosão que gerou tudo e todos, num Universo em expansão, sempre sendo criado e renovado por Tao, o grande inventor. Esta supernova explodindo é como num grande sucesso de bilheteria, ou numa canção que se tornou megahit, no poder da Arte em causar comoções, atiçando a sensibilidade do público, numa canção sendo exaustivamente executada nas rádios, com momento marcando épocas, no modo como cada década tem lá seus sucessos, seus hits, na ambição (ilusória) de um artista em se manter sempre no topo, uma manutenção que não é possível, infelizmente, sendo necessário que a pessoa tenha a força para virar as páginas, sendo estas doces ou amargas. Aqui, é um cenário de guerra, e o instrumento parece ser o pomo da discórdia, o pomo cobiçado, como no sentimento em concorrer a um prêmio com mais quatro outras competentes pessoas, como no Oscar, num ator, é claro, odiando não levar a estatueta, na inevitabilidade das frustrações... Aqui, é como um sino badalando, espraiando som por toda a paróquia, unindo todos nos horários do dia, numa rotina que faz com que todos dancem a mesma valsa, na obsessão das ditaduras em controlar a vontade de um cidadão.


Acima, sem título. 1987. Aqui, temos um momento libertador, como no orgasmo do salmão, morrendo ao se reproduzir. É no glorioso Desencarne, quando a pessoa de bom apuro moral dá graças a Deus por ter se livrado da vida carnal, ao contrário do sociopata, o qual, por se identificar com a Matéria e não com o Metafísico, quer, a todo custo, voltar ao corpo carnal, sem ver que o Desencarne é um caminho sem volta, pois vão-se os anéis e ficam os dedos... Estes tubinhos explodiram, talvez sob pressão, como, já me disseram, procuradores da República sofrem pressões no labor, ou como nas pressões em cima de um artista bem sucedido, sendo exigido deste que este seja um deus indefectível, algo impossível a um ser humano, pois não somos deuses. Aqui, temos uma metalinguagem, pois é bisnaga falando de bisnaga, havendo bisnagas desenhadas e bisnagas reais, talvez numa relação entre projeto e realização; entre intenção e fato, como numa criança, a qual imagina uma linda janela com flores, mas, ao desenhar, nada mais faz do que borrões, no desafio que é a pessoa expressar o que tem dentro de si. Podem ser bisnagas de tinta, podem ser bisnagas de extrato de tomate, no deleite que é assistir a alguém cozinhando na televisão, num momento de Entretenimento. Aqui, é um vômito catártico, na explosão de uma pessoa que retinha as coisas para si. Podemos ouvir aqui o som de flato, desculpe a sinceridade. É como no Big Bang, que explodiu após um momento em que não mais era possível reter tanta carga. É um descarrego, um alívio, como numa pessoa extravasando sua agressividade, socando um saco de pancadas. É uma gloriosa sensação de descarga, como dar a descarga após as necessidades fisiológicas. É claro que as catarses são saudáveis, necessárias, como num ator se jogando de corpo e alma num personagem, num trabalho amplamente reconhecido e premiado, num momento áureo de carreira, momento que, infelizmente, não é eterno, pois a Vida não é jogo que segue? Aqui, ao invés de usar as tintas para pintar de fato, Arman as tem de modo cru, original, tentando intervir ao mínimo do material, como no termo “morrer na praia”, na pessoa que não conseguiu sobreviver, infelizmente, no modo como há tantas almas talentosas as quais simplesmente na sobreviveram a determinada década, pois a Vida não exige força? A vontade que se tem aqui é a de pegar as tintas e pintar esfuziantemente, com um Arman nos atiçando, nos provocando, como num provocante tira de striptease. São como ovos quebrados, finados, usados para algum propósito culinário, na magia dos ninhos de Páscoa, tão diversos, doces e coloridos, na dádiva que é ter uma mãe zelosa, que faz questão de arrumar os ninhos aos filhos infantes. Aqui, é como um vômito coletivo, com pessoas numa sala de Cinema assistindo ao mesmo momento de Entretenimento, como numa mulher grávida de biquíni certa vez no Brasil, provocando catarses coletivas, no poder do escândalo, da transgressão – poxa, o que há de maléfico em uma grávida de biquíni? Como dizia o querido amigo Fábio Barreto: “Uma sociedade só evolui por meios da transgressão de alguns de seus cidadãos”. E esse é o poder transformador da Arte, pois a Arte não é só leves histórias; Arte é o que há de necessário. Aqui, temos um estupro, e as tampas estão soltas à própria sorte. É numa criança arteira, fazendo mil e uma travessuras, como na filha de um amigo meu, a qual, simplesmente, pintou de batom todo o rosto da própria irmãzinha mais nova. Aqui, é uma cena de alívio, a qual sucedeu um momento de tensão, como em brigas de família, com as coisas sendo ditas, talvez coisas há muito reprimidas, no modo como a regra nas brigas de família é a certa reconciliação após. Arman adora esse aspecto de tinta fresca, fazendo metáfora com o frescor trazido por um artista ousado, no choque social que foi o Modernismo Brasileiro. Aqui, temos uma discussão, e cada bisnaguinha coloca para fora o que está sentindo, num momento de tempestade, em que as dores são externalizadas, ocorrendo, após isso, a bonança da Paz.


Acima, sem título. 1992. Aqui, temos um cenário de confusão, desarmonia e desentendimento, uma característica que assinala tempos de Guerra, quando as nações se desentendem e esquecem que são todas filhas de Tao – a Ambição é amiga da Guerra, ou seja, o Ser Humano, ambicioso como é, está fadado à belicosidade. As “impressões digitais” aqui são de pincéis, em reprodução de xilogravura, havendo aqui uma grande guerra para ver quem tem o falo maior, numa competição infantil, na arrogância humana desta se achar o centro do Universo. O fundo é negro e pessimista, imprevisível, e, apesar de sabermos de que há conflito, não sabemos quem vai ganhar, como na esfrega que Elizabeth I deu na Invencível Armanda Espanhola. Então, o luto toma conta, e é a cor da Guerra, e celebrar uma vitória é como marchar sobre os cadáveres de seres humanos, como na Guerra das Malvinas, a qual deixou mortos em ambos os lados – quem é de fato o vencedor da Guerra? Os pincéis aqui fazem uma bagunça acinzentada, movendo-se para todos os lados, numa certa falta de norte, de sentido, como numa bússola estragada, sem ter a dignidade de apontar para onde vamos, no desnorteamento destrutivo que é a Guerra, deixando rastros de fome e destruição – não há Beleza na Raiva. Neste quadro, traços vermelhos e verdes lutam para se impor, como se quisessem trazer alguma cor a um cenário tão melancólico. O vermelho é o sangue derramado, as vidas perdidas de rapazes que tinham uma vida inteira pela frente. É o sangue que um doador dá, pensando em um irmão que poderá precisar do fluido, num ato de solidariedade e fraternidade, como numa pessoa que resolve ser doadora de órgãos, como no recém falecido apresentador Gugu Liberato. É o persistente trabalho de Filantropia, com pessoas que decidem combater as abismais diferenças sociais do Brasil e do Mundo, como grandes astros e estrelas que se tornam ativista das Nações Unidas, numa intenção nobre que é a intenção de Caridade. Neste quadro, temos frestas verdes que lutam para persistir, como gramíneas que brotam depois de um terreno ser arrasado por uma tropa, na estupidez humana em desrespeitar o que é belo. É a força da Natureza em se regenerar, na Vida lutando para se impor e para superar obstáculos, dando-nos uma bela lição de vida, inspirando-nos a contornar nossas próprias amarras existenciais. O verde é a consciência ecológica que tanto está marcando nossa época, na nefasta perspectiva de arrasarmos a única morada que temos, pois para onde mais iremos? Aqui, é como um majestoso lustre de cristal caindo e se espatifando em muitos pedaços, numa cena absolutamente fora de conserto ou arrumação, como num psicopata que frustra, e muito, as expectativas de uma pessoa de bom coração – nada de errando em erradicar psicopatas, expulsando estes de nossas vidas para sempre. Aqui, é uma terra de ninguém, uma selva, num lugar sem regência ou hierarquia, como numa nação em plena turbulência política e social. É o que Tao diz: quando a Virtude é perdida, o Caos toma conta, pois a confusão reina e ninguém ouve ninguém. Neste muro pichado e vandalizado, cada um quer deixar sua marca, mas o excesso gráfico impede isso, e este muro, outrora limpo e bem pintado, revela um lugar sujo e feio, como dizia o mestre comunicador Tatata Pimentel: “Porto Alegre está pichada de cabo a rabo”. Arman quis deixar aqui uma cena carregada, pesada, numa mensagem confusa, cheia de meandros labirínticos traiçoeiros, cheia de pistas falsas, como numa pessoa existencialmente perdida, não conseguindo vislumbrar alguma pista, alguma seta, alguma orientação. E quando a pessoa está perdida, só ela mesma pode encontrar a porta de saída de tal labirinto. Esses cabos de pinceis são como muitos tentáculos de polvo, num ser complexo, exótico e belo, encantando com sua curiosa composição, nesta esfera tão rica em Vida que é a Terra. Os cabos são como patas de aranha, caminhando vagarosamente, tecendo lentamente sua teia, sabendo que não se fazem as coisas em um piscar de olhos.


Acima, sem título. 1994. Aqui, temos uma sinfonia, uma harmonia, pois os pincéis parecem estar em consonância, marchando pela mesma direção. Aqui, temos uma alegria multicolorida, como num prisma decompondo a luz em um leque de cores mágicas e atraentes. São como vários amigos correndo na mesma direção, num momento de diversão, em que uma turma de colégio se reúne no aniversário de algum coleguinha da classe. Aqui, não temos distinção, mas comunhão, e a convivência é harmônica e amigável, como num jardim com vários amigos reunidos. É como no momento do parabéns, na hora de se homenagear alguém, num mágico momento festivo que busca imitar os salões de nobre amizade do Plano Metafísico. Outra leitura aqui é a de uma competição, com todos os pincéis partindo da mesma linha, numa competição que mostra de uma forma clara quem chega por primeiro, nas inevitáveis classes sociais mundanas, classes que, a nível metafísico, desaparecem, pois a verdadeira hierarquia está baseada em apuro moral. Nesta linha de chegada, nesta faixa branca ao topo do quadro, está a recompensa ao vencedor, num merecido descanso, como numa pessoa que, depois de uma encarnação cheia de provações, recolhe-se ao Metafísico, descansando, numa espécie de aposentadoria, reencontrando entes queridos e reorganizando a própria mente, adaptando-se à nova vida no Céu, a morada de todos nós. Aqui, é como a variedade de raças humanas, ou raças caninas, felinas etc. É como no apelo colorido das campanhas publicitárias da marca de roupas italiana Benetton, com lindos jovens de várias raças e miscigenações, mostrando como é bela a mistura e como é doente a ideologia da pureza de raça, como no Nazismo. Arman adora nos trazer este aspecto de tinta fresca, mais uma vez, com as tintas sempre fluindo, sempre vivas, liquidiscentes, na eterna fluidez dos processos, havendo no fim de um processo o início de outro processo. É como uma foto de turma de colégio, na inevitável competição, com os alunos de notas maiores figurando no rol superior, no rol dos que deixam orgulhosos e satisfeitos os professores. Aqui, temos uma ironia, pois há amarelos em todos os níveis, azuis em todos os níveis e vermelhos em todos os níveis, como pessoas que, apesar de serem da mesma raça, têm desempenhos diferentes, o que mostra que ser desta ou daquela raça nada significa, rechaçando para sempre as teorias doentias de pureza racial. Aqui, são iguais todos os pincéis, ou seja, todos têm o potencial para atingir a excelência moral, mas são poucos os que fazem valer tal potencial, na questão de Igualdade entre nós, pois todos somos anjos em potencial. Este fundo branco está quase todo tomado, e esta faixa branca é importante para fazer contraste com a parte pintada, no sentido de que só reconhecemos a Beleza porque conhecemos o oposto, que é o feio, num trabalho de discernimento. O artista traz o atelier para a obra, colocando nesta o instrumento de trabalho, numa declaração de Amor ao ofício. É como as folhagens de uma exuberante planta, no encanto que a Flora Tropical exerce sobre os europeus, com noites tropicais enluaradas, como na Natureza tão exuberante do Rio de Janeiro. São os pincéis aqui que dão o aspecto de tinta fresca. É como um arcoíris sendo pintado no céu, nos mistérios naturais que incentivaram o Homem a construir deificações, baseadas em elementos da Natureza, como no panteão egípcio antigo. É como um grande salão carnavalesco, com seus confetes multicoloridos em um momento em que as dores são esquecidas, assemelhando-se aos salões luxuosos metafísicos. Imagina-se Arman indo a uma loja de materiais e comprando inúmeros pincéis, talvez surpreendendo os atendentes, os quais deviam se perguntar o porquê da aquisição de tantos instrumentos. Podemos ouvir o som de carros apostando uma corrida, na diversão competitiva dos Esportes. Podemos ouvir aqui um burburinho de festa, com muitas pessoas vibrantes falando ao mesmo tempo.

Referência bibliográfica:

Artworks. Disponível em <www.armanstudio.com>. Acesso 20 nov. 2019.

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