quarta-feira, 24 de junho de 2020

Dá-lhe, Dalton! (Parte 2)



Volto a falar sobre o artista plástico brasileiro Dalton Paula. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, A Farmácia. Aqui, um cenário de crise e desabastecimento, pois as prateleiras da farmácia estão quase vazias, num cenário de pobreza e descontentamento, como uma pessoa que está perdida, como num labirinto, andando em círculos numa vida sem sentido, sem Norte. O cabritinho branco é a cor do jaleco, na cor da Saúde, do Espiritismo, representando a pureza de intenções, a bondade neutra, na cor limpa da Paz, da amizade entre povos. Um viçoso Sol nasce por trás do animalzinho, anunciando um glorioso dia de produtividade, naquela pessoa que desperta muito bem disposta, fazendo com prazer as tarefas do dia, no termo latino carpe diem, ou seja, aproveite o dia. O Sol é como o adorno em Jackie O. numa festa, quando ela era a primeira dama americana, numa mulher de um estilo e de uma elegância arrebatadores, conquistando várias gerações de admiradores, um espírito cuja energia podemos sentir no fabuloso museu novaiorquino Met, com seus tesouros inestimáveis, numa mulher que amava Arte. O Sol é a esperança, a promessa de um dia melhor, de uma dimensão melhor, na lendária Terra da Estrela da Manhã, a dimensão logo acima da nossa, no lar onde só há bondade, um lar bloqueado para espíritos maus. Podemos ouvir o cabrito gritando, numa terrível memória de infância que tenho, quando assisti ao abate de uma ovelha, com o bicho sofrendo até dar os últimos suspiros, no modo como esquecemos, quando comemos carne, do sofrimento no abatedouro – são os sacrifícios da Vida, como sacrificar a preguicinha na hora de sair da cama, deixando de lado os impulsos de prazer do Id, impondo Ordem e Consciência ao Caos, como a cabeça decepada de Medusa, sanando o Mal, curando, trazendo Saúde e discernimento consciente, na luz do Pensamento Científico. Aqui, os farmacêuticos têm aspecto magro, cadavérico, do tipo pele e osso. A magreza é a carência, a pobreza, numa realidade extremamente dura, num espírito corajoso, que decidiu encarnar em tal ambiente inóspito para, assim, crescer muito como espírito, pois crescer é o áureo sentido da Vida. Os homens negros parecem múmias, com sua magreza que se rendeu a milênios de degradação física, só restando uma vaga ideia de como a pessoa era quando viva, no fato como tudo de Matéria está fadado a tal destino, inclusive apolíneas pedras preciosas, as malditas joias que tanta ganância incentivam, nos perigos inevitáveis que rondam um tesouro, na eterna obsessão humana por dinheiro, pelo mundano, na incrível tragédia que é ganhar na loto. As mãos dos farmacêuticos são magras e ávidas, sedentas, desnutridas, talvez querendo pegar o cabrito e cozinhá-lo, num cenário de Guerra, só deixando rastros de destruição e fome, como numa Scarlet O’hara se deparando com os restos de sua outrora suntuosa mansão – não há Beleza na Guerra, realmente. O cenário aqui é um tanto sombrio, incerto, como numa grossa cortina, impedindo que vejamos além – é a imprevisibilidade existencial, algo que assegura que passemos pelo que precisamos passar em Vida. As golas dos farmacêuticos são um tanto elizabethanas, remetendo à era em que a Europa acordou para o Mundo ao seu redor. Aqui, a roupa tem vermelho, na cor do exame de sangue, no líquido comportamental que tanto atrai psicopatas vampirescos, no modo como nunca, nunca devemos duvidar da ardilosa inteligência de um psicopata. Por baixo aqui, camisas verdes, como numa linda casa que vi certa vez, com quartos que davam canteiros internos, numa casa de sonhos. As prateleiras aqui são ordeiras, alinhadas, na força do Pensamento Racional; as prateleiras são a demanda do dia, numa empresa que tem que abrir as portas e funcionar, no modo como disse certa vez o astro Leonardo DiCaprio: “Trabalho é essencial”. As caixas de remédios aqui têm tarjas vermelhas, que recomendam cuidado, contraindicando a automedicação, no modo como o homem de Tao é assim – extremamente cauteloso.


Acima, A Rede. A cena me remete a um filme de Fellini, como um semideus sendo transportado numa rede, uma criatura extremamente frágil, com a vida por um fio, numa fragilidade, como carne viva em ferimento. A rede é o repouso, o relaxamento, a pausa depois de uma batalha. A rede é a delícia do lar, o lugar onde ficamos à vontade, deixando para lá, do lado de fora, as regras da Vida em Sociedade, na intimidade de um casal, convivendo, como em outro filme, com um casal jantando, alimentando-se, em pé, da mesma panela, cada um com sua colher, no prazer da informalidade do lar, um lugar onde podemos usar roupas furadas ou esfarrapadas. O chão alaranjado é uma majestosa aurora, no modo como os gregos tinham uma deusa específica, que cuidava do alvorecer do dia, num momento mágico, em que parece que o Mundo é perfeito e feito de ouro, numa manhã de domingo, como diz na canção Easy: “Sou fácil como uma manhã de domingo”. Dalton Paula traz em suas obras a questão racial, no modo como Brasil e África são como parentes, com o sangue africano pulsando em cidadãos brasileiros. A parede ao fundo é quase da cor de carne, como na Casa da Luz Vermelha, o bordel da Literatura Brasileira, remetendo-me às paredes coloridas de um restaurante em Capão da Canoa, com cores que casam muito bem com os sabores, num ambiente que convida ao prazer da degustação. Ao fundo na cena, três garrafas, talvez bebidas alcoólicas, remetendo-me a um amigo alcoólatra que tenho, uma pessoa que está sendo irresponsável, deixando que o Álcool tome conta de sua vida. As garrafas são a reserva, o armazenamento, como na fábula da formiga que trabalhou o Verão inteiro para garantir a reserva de Inverno, ao contrário da cigarra, que ficou o Verão inteiro festeando e encarou um Inverno frio, em todos os sentidos, com fome e privação. É o modo como cada pessoa tem que construir algo em Vida, trazendo produtividade aos dias vagos que nos restam na Terra, como numa pessoa aposentada, que teve que descobrir algo de novo para fazer, pois a Aposentadoria pode ser uma bênção ou uma maldição – depende do aposentado. Aqui, a vara sustenta a rede. A vara é a utilidade, a força de trabalho, com uma farta rede sendo sustentada por dois empregados, num quadro que inspiraria um marxista a dizer que esta obra ilustra a exploração do Homem pelo Homem. Os homens aqui caminham em direções opostas, como se estivessem competindo num cabo de guerra, competindo para ver quem é o mais forte. Os pés descalços são a Simplicidade, como na cena do baile de batucadas em Matrix Reloaded, com as pessoas descalças, na glória de uma festa na qual as formalidades perdem força, abrindo espaço para a festa de agregamento e diversão, como num baile de Carnaval. Aqui, pode ser que Dalton nos traga a questão da Escravatura, num Brasil no qual ainda podemos ouvir nítidos ecos de tal era de exploração racial, numa estrutura social que ainda condena o negro à pobreza. A rede aqui balança como um pêndulo, como no livro O Caso do Martelo, de José Clemente Pozenato, num assassinato feito pela ferramenta do título. A rede balança placidamente, numa doce brisa que traz arejamento a uma casa, como na deliciosa brisa salvadorenha, numa cidade à vontade, na qual as pessoas passeiam, tranquilamente, de chinelos em shopping. A vara aqui é a força estrutural, o sustentáculo, num chefe de família que tem a descomunal responsabilidade de prover um lar, como no meu falecido avô, que teve que prover um lar com esposa e seis filhos, naquele pai herói, que não deixa que a privação entre no lar. As garrafas são translúcidas, no modo como os lábios de uma mulher negra ficam bonitos se pintados com um batom incolor brilhoso. Aqui, a vara aguenta firme, como se estivesse numa fábrica sendo submetida a testagens. A vara é o modo como um homem pode resistir a uma mulher, e vice versa, no modo como tal cultura de resistência permeia a herança afrobrasileira, uma cultura tão peculiar de modo musical, gastronômico, religioso etc. As garrafas são a vontade cristalina de um amigo querendo ajudar o outro amigo.


Acima, Comunhão. Um compartilhamento, já que a graça da Vida está em compartilhar as coisas, como convidar um amigo para uma casa de praia, no prazer de se receber alguém em casa, servindo um cafezinho e sentando para prosear. No centro de tudo aqui, um menininho com uma vela acesa na mão, talvez na cerimônia de Primeira Comunhão, remetendo-me à cerimônia, ao rito pelo qual passei pelo mesmo motivo, sentindo respingar em mim a água benta que o padre jogou sobre o grupo de crianças, na maravilhosa igreja caxiense de São Pelegrino, a qual é, na prática, um museu de Arte Sacra, com direito a uma rara réplica da Pietà de Michelangelo. Na paixão de Dalton pela Simetria, o menino em ritual de purificação é ladeado por duas senhoras negras, outro traço de Dalton – o motif racial. Outra leitura que pode ser feita é a de um cabo de guerra, como se as mulheres estivessem competindo pelo menino, como numa Bipolaridade, numa pessoa que se depara com sentimentos conflitantes, como numa relação de Amor e Ódio em relação a um vicioso submundo. O ato da comunhão, a força deste ato, está na união, na simplificação agrupadora, como organizar uma brinquedoteca, colocando todos os brinquedos num grande cesto, numa sensação de limpeza e organização, na Paz ordeira que pontua o Mundo Imaterial. No momento em que todos estamos com a hóstia na boca, todos nos sentimos iguais, pois temos uma ideia de como todos os fiéis, ali, naquele templo, estão se sentindo, e esta é a sensualidade cósmica, num Universo uno, numa espécie de “superinternet”, numa rede prazerosa e liquidiscente na qual estamos todos conectados como irmãos, como iguais, mesmo que em pontos diferentes de depuração e crescimento, como numa família na qual os mais velhos educam os mais novos, ao contrário do que disse a atriz Suzana Vieira, a qual disse não mais ter Paciência para com os atores que estão começando na carreira, e não é necessária Paciência para se contornar as vicissitudes? Estas senhoras estão sentadas em cadeiras de rodas, numa dificuldade, no modo como os obstáculos acabam por causar um grande aprendizado à pessoa, no fato de que tal vínculo, com tal cadeira, tem prazo de validade, ou seja, o dia do Desencarne. A cadeira de rodas é o modo como todos temos limitações, no fato de que a Vida não é perfeita, nem para mim, nem para você. A cadeira é a Encarnação, o vínculo do Espírito com a Carne, fazendo da Matéria um poderoso influenciador, exigindo que a pessoa tenha Disciplina e Nobreza para viver produtivamente os seus dias na prisão bela que é a Terra. Atrás na cena, uma farta cortina branca, na paixão de Dalton por cortinas, no fato de que uma casa fica mais aconchegante com cortinas. O branco é o recomeço, o ponto de reinício, como no rito de Batismo, no qual a pessoa é lavada e “perdoada” por ter vindo ao Mundo no “Pecado” que é o Sexo, no parâmetro moralista cristão, um rito que busca, de forma nobre, eliminar a Malícia em relação a Sexo, como numa excelente professora que tive no Ensino Fundamental, uma freira que decidiu dar aulas de Educação Sexual aos alunos – que atitude nobre! As senhoras aqui são de uma magreza cadavérica, talvez na questão da fome em nações paupérrimas, numa realidade muito dura, com alimentos racionados, havendo em Tao o antídoto para isso, pois um líder que rege sob a luz de Tao jamais deixará o povo passando fome, como diz a doutrina: “Nunca seja avarento em matéria de comida”, ou seja, aprender a lição da Generosidade, da distribuição, da comunhão, do compartilhamento. A vela acesa aqui é a Esperança, a Fé de que há um mundo bem melhor, acima do nosso, um mundo que, apesar de paradisíaco, exige que o espírito siga sendo produtivo, a exemplo de Tao, o guerreiro, um Pai que não quer ver os seus filhos “atirando-se nas cordas” do ringue da Vida. Talvez aqui o menino tenha duas mães – uma biológica e uma adotiva. A Simetria é o modo como a Corpo Humano é, num organismo tão simétrico, imitando o bom gosto de Tao, o criador genial. Os pés descalços são a Simplicidade, numa sala de visitas em que o convidado se sente tratado como um rei, sem culpa em relação a prazer.


Acima, Cozinha Sagrada. A realidade de uma dona de casa, a qual, depois de uma glamorosa cerimônia de casamento, e de alguns meses de lua de mel, encara o dia a dia, nas tarefas diárias árduas para se manter uma casa limpa e organizada, numa divisão de tarefas com o marido, o qual, geralmente, sai de casa para trabalhar e trazer dinheiro para dentro de casa. As simetrias tensas de Dalton trazem sentimentos diletantes, como uma folha de papel sendo rasgada ao meio, na famosa imagem da congressista americana Nancy Pelosi ao rasgar as folhas de discurso do truculento e controverso Donald Trump. Na cena aqui, vemos um azul bem cinzento, esmaecido, num dia melancólico de nuvens de incerteza, no fascinante personagem Charlie Brown, um personagem bem humano, cheio de dúvidas e incertezas em relação à Vida. Este tom é sisudo, discreto, numa rainha inglesa tão sóbria, tão séria, por vezes dura, deparando-se com uma inesperada e nunca anunciada crise no momento da morte do monstro Di, a princesa que unia tradicional com moderno, agradando a todos, num carisma mágico. O fogão é o dever do dia, a luta do dia, no momento em que o disciplinador despertador toca, chamando-nos para a luta do dia, num momento em que o Id tem que ser deixado de lado, fazendo com que a pessoa resista ao pecadinho da Preguiça, levantando da cama, no primeiro sacrifício do dia. Sólidas panelas de ferro ladeiam o fogão. As panelas são o siso, a sedimentação, numa pessoa que decidiu colocar os pés no chão e fazer algo de seus dias na Terra, abraçando tal obrigação, abraçando o dever da produtividade, ao contrário de uma pessoa fofoqueira que conheço, uma pessoa vazia, mesmo que rica financeiramente. Aqui, é como um livro sendo aberto, revelando a ideia do autor, fazendo com que este seja uma espécie de anfitrião, recebendo-nos dentro de sua mente, numa espécie de coito mental. O fogão é o calor da Vida, num lar caloroso, com pais zelosos, que buscam educar os filhos da forma mais nobre possível, no desafio que é incutir valores, como no hábito de levar, para uma livraria infantil, uma criança que está começando a se alfabetizar. Aqui, esta cozinha está limpinha, numa dona de casa dedicada, mas numa vida um tanto maçante, como me disse uma psicóloga: “É desinteressante uma pessoa que é apenas dona de casa”, no sentido de que a mulher tem que ter alguma atividade extralar, como trabalhar em algum lugar, ou em alguma coisa. O fogão é uma cozinheira exímia, na dádiva que é se sentar numa mesa e saborear uma comida bem feita, feita por quem saber fazer, no fato de que comida boa não é comida supercara, mas uma comida simples e bem feita, como numa simples e despretensiosa salada de batata bem feita. A tampa de vidro do fogão é transparente, retirada, discreta, deixando transparecer o fundo, como num amigo sincero, aquela pessoa a qual conhecemos muito bem, no fato de que as boas amizades são eternas, com velhos amigos se reencontrando no Plano Metafísico, com dois amigos que se olham nos olhos e reconhecem o Tao em cada um dos dois, no sentido de que minha divindade vê e reconhece a tua divindade, como a agenda social que nos acompanha desde crianças, chegando a uma festinha de aniversário e presenteando o aniversariante, na dádiva que é, no dia do aniversário, abraçar um amigo, ganhar um presente e saborear um doce. As panelas estão fechadas, reclusas, numa pessoa reservada, que sabe o valor da Discrição, da transparência de intenções, numa pessoa leve e agradável, fácil de ser levada, ao contrário do “mala”, a pessoa pedante que muito pesa sobre nossos ombros, numa energia insuportável, como num dia veranil carioca de mais de quarenta graus centígrados. As panelas são o Realismo, numa pessoa que cansou de ver o Mundo de forma idealizada, começando a se dar conta da inevitabilidade das imperfeições materiais. As panelas estão respaldadas por rendas de crochê – é o acolhimento, o respaldo de um lar seguro e sólido. O fogão é a Vida em seu calor vibrante, com planetas filhos girando em torno do mesmo Pai provedor.


Acima, Ex-votos A. Aqui, Dalton foge de sua habitual Simetria. O homem está fraco e doente, como uma Evita Perón definhando pelo Câncer – Dalton nos traz essas imagens de fraqueza, de vulnerabilidade, talvez fazendo metáfora com a vulnerabilidade social do negro brasileiro. É como me disseram que é uma pessoa com Dengue, ficando duas semanas inteiras imprestável numa cama. É o momento em que admitir a derrota demanda mais força do derrotado, numa pessoa que sente o sabor dolorido da frustração, do fracasso, como uma certa cantora, a qual se tornou a eternamente “quase lá”, no modo como o Mundo pode ser exigente e duro, no termo em Inglês overwealming, ou seja, demandoso, exigente. Uma janela dá vista a um perfeito céu azul – é a Saúde, na promessa de um mundo em que as doenças simplesmente não existem, num plano onde a pessoa se sente permanentemente bem disposta e saudável, num lugar onde não há fadiga ou esgotamento, na Beleza da Juventude Eterna, o plano que nos espera. Na janela, um vaso infértil, sem qualquer planta – é a Pobreza, a Privação, num terreno devastado, talvez por uma guerra. É um plano árido, como na aridez egípcia em torno do Rio Nilo, em uma terra na qual não há espaço para um mínimo arbusto, quanto menos uma floresta. Esta cama é o final do filme 2001, quando o Ser Humano se depara com sua finitude, havendo o retorno ao Lar, ou seja, o Renascimento, como na Ressurreição de Jesus, na vitória da Vida sobre a Morte; do elegante sobre o vulgar. Este vaso tem que ser amado e cultivado, para que possa abrigar Vida, no trabalho dedicado de uma pessoa, que se esmera para deixar seu jardim o mais belo possível, no prazer de uma pessoa aparando o gramado de seu próprio jardim, num gesto de Amor e Devoção, mostrando a diferença, como duas casas que vi em Porto Alegre, sendo uma bem arrumada, bem mantida, pintadinha e com um belo jardim; a outra, logo ao lado, descuidada, feia e com aspecto de abandono, como nas casas feias e imundas do Umbral, em violento contraste com as moradas elegantes e limpas do Plano Metafísico – a Vida na Terra é a oportunidade para a pessoa exercer o Amor, o cuidado com o Mundo, amando este, pois como posso ser amado por um Mundo que odeio? No ditado: “Respeito é para quem tem”. Aqui, uma mesinha respalda um copo – é o remédio, por vezes amargo, mas que cura e faz o Bem, como na água gelada na entrada da mística floresta tolkiana, uma água desconfortavelmente fria, mas que limpa e cura, como na dorzinha de uma seringa cheia de remédio benéfico, no modo como as dores são inevitáveis, chamando nossa atenção como semáforos. A cabeceira desta cama é bela, torneada, aprimorada, uma cama digna de rei, num lugar onde nos sentimos tão bem, tão bem vindos, tão confortáveis, num lugar delicioso que pode ser, definitivamente, chamado de Lar. Os lençóis são os cuidados, como enfermeiras se dedicando aos enfermos, dando um gostinho de Lar para um lugar tão desconfortável como um hospital, como me disse um psiquiatra: “Quem é que gosta de ficar internado num hospital?”. Os lençóis são a proteção, e são bem limpos, perfumados, no simples prazer de se deitar numa cama com lençóis bem limpos, como uma avó dedicada arrumando, com todo a Amor e Carinho, a caminha para o neto dormir, como uma cama feita em um hotel, na sensação de um lar ordeiro, limpo e acolhedor, no prazer de se deitar num travesseiro perfumado e limpo. O homem aqui parece estar adormecido, talvez sedado, talvez se recuperando de uma virose violenta. É o retrato de entrega, no momento mágico e insubstituível de se jogar existencialmente nos braços de alguém, confiando em alguém, abrindo suas tristezas e dores, no sentido de que Sexo pode ser comprado; Amor, não. O negro aqui está inconsciente, talvez acordando desencarnado depois de morrer brutalmente num tronco, sendo chibatado, sangrando até morrer, havendo no Escravismo uma das provas de como o Ser Humano pode ser cruel e insensível.


Acima, Retrata Maria II. Aqui, também temos um Dalton assimétrico. A mulher está retirada, como se soubesse que não seria interessante apoderar-se do quadro todo, num ato de modéstia e discrição. Ela é parda, negra, mulata, como uma Naomi Campbell, chamando a atenção do Mundo desde os primórdios da carreira, na negra mais linda da História. Aqui, os cabelos de Maria estão revoltos, soltos, balançando ao vento, ao sabor do acaso, numa brisa de meia estação, dando-nos o gostinho da meteorologia perfeita de um mundo melhor, na terra onde o Sol brilha majestoso sempre. Maria está de olhos fechados, sonhando com algo, como se soubesse que Tao é invisível, insípido, incolor e inodoro, havendo na Água a metáfora para tal poder enigmático, no modo como o Ser Humano não tem como entender o Infinito, pois este é muito poder. Maria usa uma blusa amarela, dourada, na obsessão do Egito Antigo em extrair Ouro da Natureza, numa fixação milenar por pedras e metais preciosos, bens que parecem ser eternos quando, na verdade, são finitos como uma maçã, a qual, cedo ou tarde, apodrece e se decompõe, na piada que é o destino da Matéria. Maria usa uma sombra dourada, para entrar em harmonia cromática com a blusa, numa pessoa que sabe que a elegância não está na peça de roupa em si, mas na linha condutora de harmonia cromática que monta um look. O Ouro faz menção ao astro rei, a grande pérola incandescente sem a qual o Ser Humano e nem outra vida qualquer existiriam. Maria está num sono profundo, talvez querendo se deparar com os fragmentos oníricos psicológicos de si mesma, no modo como a Psicologia vê os sonhos como alvos de interpretação, numa análise profunda em uma sessão de decodificação dos signos dos sonhos, num trabalho que não deixa de ser semiótico. Maria está calada, com uma boca quase inexistente, talvez sabendo do risco de se falar bobagens ou coisas tolas, pois quando é que um tolo pode ser respeitado? O nariz de Maria também é dourado, talvez numa cartilagem implantada, numa pessoa com um grave distúrbio de autoimagem, desfigurada por mais e mais cirurgias plásticas, como num certo célebre artista, uma pessoa que já era bela sem as plásticas, perdendo-se em meio a tantos episódios cirúrgicos, numa vida que pode se tornar um filme de terror, com uma pessoa que, ao se olhar no espelho, não vê a si mesma, numa certa obsessão humana por Beleza e Perfeição, tentando desesperadamente imitar a Beleza Metafísica, esta sim eterna, sendo a prova de que o Belo triunfa sobre o Mal. Os cabelos de Maria são de um negror profundo, trazendo em si o sangue africano que tanto foi derramado nos horrores escravocratas. Maria aqui está incerta, e parece querer se libertar do quadro, fugindo do olho do espectador, talvez numa pessoa tímida e reservada, uma pessoa que sabe do perigo que é o aparecer midiático, com supercelebridades que são prisioneiras de si mesmas, perdendo a deliciosa prerrogativa do cidadão comum de ir e vir, como passear tranquilamente por um shopping, sem ser assediado nem perturbado com pessoas querendo tirar pedantes selfies com você. Aqui, Maria pensa em algo, talvez ponderando por algo, talvez confusa, como a rainha de Hellen Mirren, confusa, sozinha cabisbaixa numa sala, tomando um uísque para abrandar a dureza do dia, num momento em que a regente não sabe qual atitude tomar, sendo questionada por um reino inteiro e pelo Mundo, sobrevivendo e emergindo triunfante de tal episódio duro. O ombro de Maria é lustroso, numa pele bela, escura, bronzeada, como me disse uma pessoa portoalegrense que morou no Rio de Janeiro, dizendo que chega um ponto em que o Sol carioca deixa curtida a pele da pessoa. Os informais cabelos estão à vontade, num cenário de liberdade e relaxamento, num momento transitório, de transformação, no modo como uma pessoa pode transformar a vida de outra pessoa, no poder do Amor, a força motriz de Tao, o Pai que quer que seus filhos se amem como irmãos. Maria aqui parece mandar um beijo para o espectador, lembrando-nos de que, sem Amor, tudo rui.

Referência bibliográfica:

Obras. Disponível em: <www.daltonpaula.com>. Acesso em: 10 jun. 2020.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Dá-lhe, Dalton!



Brasiliense de 1982, Dalton Paula reside em Goiânia, sendo bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás. Já ganhou três prêmios, fez sete exposições individuais e mais de sessenta coletivas, tendo sido indicado por duas vezes ao Prêmio Pipa. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Boiadeiro. Óleo e folha de prata sobre tela. Temos aqui uma preocupação simétrica, num equilíbrio muito claro de ser observado. O cabide é a serventia, a utilidade, no modo taoista no qual só a pessoa útil é feliz, fazendo algo dos dias de sua vida, pois a pessoa improdutiva tem os pés fora do chão, e o Mundo pertence aos realistas. O cabide está vazio, vago, como num hotel em baixa temporada. É o vazio do copo, sempre útil ao ser preenchido com água. São os incríveis vazios do Cosmos, grandes demais para a compreensão humana – por que tudo é tão vasto? Neste quadro temos tons terrosos, das entranhas da terra da qual vem o vinho. É como num desfile de Moda que vi uma vez, com o chão todo coberto de terra, num sabor muito particular e marcante. Temos aqui dois quadros azuis, como dois olhos fitando o espectador, como se o quadro soubesse que está sendo vigiado. Os olhos são a Consciência, como nos olhos abertos numa máscara mortuária egípcia, numa pessoa que tem a nítida noção de que não mais está ligada ao corpo carnal, como no funeral de uma parente minha, no qual respirava-se o ar de consciência do Desencarne, o capítulo mais glorioso da vida de qualquer pessoa, exceto para os sociopatas, os quais nem aceitam a morte do corpo físico, nem querem se libertar, num prisioneiro que não celebra o dia da soltura. Nestes quadros, há um céu perfeito, sem qualquer nuvem, no simples ato de encher os pulmões de ar e contemplar tal vastidão azul. Em cada quadro há um chapéu cinzento, da cor dos vestígios de uma lareira, na revolução humana que foi o controle do Fogo. O chapéu é um elegante cavalheiro, tirando-o para saudar elegantemente uma dama, no modo como hoje em dia perdeu-se o glamour de outrora, com homens beijando as mãos de mulheres. O chapéu é a masculinidade, num homem responsável, que tem que sair para trabalhar para não faltar o pão em casa, na enorme responsabilidade que é ser chefe de família, talvez num homem para o qual está sendo difícil acumular patrimônio. De cada lado desta obra de Dalton Paula, um cristalino copo de água. A Água é a nutrição essencial, o líquido da Vida, tão sem graça, se comparado a outras coisas, e, ainda assim, a Água é como Tao, sem cor, sem gosto, sem cheiro, e maravilhosa, eterna, infindável, no mistério da invisível Matéria Escura que permeia o Cosmos, numa espécie de cola, no talento de um patriarca em agregar a família toda em uma noite de Natal, com as crianças avidamente rasgando os papéis de presente. Este chão terroso está impecavelmente preparado para o cultivo, na extremamente árdua vida de imigrante italiano no Rio Grande do Sul, deparando-se com um lote selvagem, calejando completamente suas mãos, sonhando com uma farta mesa de galeteria. O cabide aqui está respaldado por pedras, como numa âncora, na garantia de que o barco não será levado embora pelo traiçoeiro Mar. As pedras são a segurança, a garantia, no ditado: “O seguro morreu de velho”. É a noção de uma pessoa que protege a si mesma, sempre se preservando, sempre hesitante, como se soubesse dos perigos à espreita, como num animal cuidadosamente cruzando um rio, como se soubesse do poder das águas. Tao é assim, cauteloso, cuidadoso, sempre cuidando de seus filhos, como num berço cheio de segurança, num lar cheio de segurança, com pais zelosos ao ponto de tapar com fita adesiva as tomadas elétricas, na garantia de que a criança não colocará os dedinhos ali. Os copos são limpos e translúcidos, como um prisma, carregado de cores múltiplas, na magia de peças de cristal, no fascínio do arcoíris, trazendo um gostinho da inabalável alegria metafísica, nos seus clubes de suntuosas escadarias, com espíritos belos plainando pelos degraus, numa vida mais glamorosa do que qualquer evento luxuoso mundano.


Acima, Cabra e cadeira. Óleo sobre tela. Certamente, DP adora Simetria. A cadeira é a receptividade, no modo como o Feng Shui recomenda que uma cadeira, poltrona ou sofá seja a primeira coisa a se observar ao entrar-se num cômodo. A cadeira é o descanso, depois de um dia laborioso, na gloriosa hora da happy hour, no momento em que as gravatas são afrouxadas, como frequentadores habituais de um pub da vizinhança. A cadeira é o entronamento, na imagem de Deus, após o Apocalipse, sentando-se numa cadeira para dar continuidade aos trabalhos. Aqui, o trono está vazio, talvez numa crise de sucessão, no modo como o início do reinado de Elizabeth I foi conturbado e controverso, com muitos a considerando uma mera bastarda, no modo como a pessoa tem que saber se impor, mas com delicadeza, pois quem gosta de grosserias? Esta cadeira tem um vime translúcido, como num sensual striptease, no jogo provocador entre mostrar e esconder, como numa Monroe nua, coberta só por um véu translúcido, numa artista que, definitivamente, sabia provocar o público, numa das estrelas mais sensuais da História, quiçá a mais sensual, num talento tamanho que, até hoje, as pessoa creem que Monroe era, de fato, aquela loira burra e sonsa. Temos aqui muito do estilo de Dalton, com o chão terroso, e podemos sentir o cheiro de terra, como gotas de chuva em uma lavoura. A terra é o chão, a referência, a segurança de estarmos pisando em um lugar firme e confiável, forte, sólido, como num possante Super Homem, salvando o Mundo, na figura do homem fisiculturista sustentando o Globo Terrestre, como no homem provedor chefe de família, gozando, dentro de casa, do status de rei, com seus chinelos ou pantufas aguardando-o depois de um dia de luta pela Vida. O “trono” aqui é ladeado por duas cabras, como num adorno simétrico, clássico, como guardiãs de algo, de um lugar, de um lar, talvez num sítio rico, cheio de vida, cheio de animais e vegetais, numa fartura, num reino farto e rico, como o Canadá. As cabras são mansinhas, subservientes, e estão ladeando, girando em torno do que importa, que é o lar, a cadeira, que é o receptáculo. As cabras são como os serviçais dentro da casa, nas árduas demandas diárias de um mordomo, acordando bem cedo para aprontar o café da manhã, não parando em algum momento do dia, numa casa na qual sempre há algo a ser feito. As cabras são a garantia da carne, do banquete, do churrasco. As cabras são a carne alimentando a carne, no cheiro de churrasco, de gordura queimada num domingo, com as famílias agregadas, como tenho um tio meu, que é exímio churrasqueiro. Ao fundo na cena, uma farta cortina, e talvez estejamos aqui num palco, pronto para o espetáculo, no excitante burburinho da plateia nas poltronas, na magia do teatro assombrado de O Fantasma da Ópera, como bastidores escuros e assombrados, atiçando a imaginação e a sensibilidade de um bom espectador, num dos musicais mais bem sucedidos da História do Teatro Americano, no mito em torno de Andrew Lloyd Webber. As cortinas se abrem e o público é trazido para dentro da cena, num momento em que a peça é o centro do Universo, numa plateia silenciosa, no escuro, sendo envolvida pelo mágico hálito da Arte. As cortinas são o segredo, pois cobrem algo que ainda não pode ser visto, talvez porque não seja o momento revelador apropriado, como num sonho que tive, no qual me deparei com uma farta cortina, e eu tentava abri-la, mas sem sucesso, pois o mistério eu não pude desvendar, no modo como pouco do futuro pode ser previsto. Podemos sentir aqui o cheiro de terra, de zona rural, de bosta de vaca, algo atípico para uma pessoa da cidade como eu. Podemos ouvir as cabras emitindo seus sons característicos, nos sons da Natureza, e, ao fim do espetáculo, o orgasmo dos aplausos, para, logo depois, a plateia ir embora e o teatro voltar ao seu som silencioso habitual, como num artista que, depois de ruidosamente ovacionado, vai para seu quarto de hotel num silêncio mortal, contrastante, num Mundo sempre sedento.


Acima, Caprinos e o Pasto. Óleo sobre tela. Aqui, a simetria sofre um leve abalo, pois os animais têm cores diferentes. O quadro traz duas garrafas – elas são o Alcoolismo, a dependência química, numa pessoa que está abusando de tais substâncias, tais drogas, tendo que ter sempre perto de si uma garrafa com alcoólicos, na frase célebre dos Alcoólicos Anônimos: “Se você quer beber, o problema é seu; se você quer parar, o problema é nosso”. As garrafas são o encanto do mundo das bebidas, as quais, se apreciadas com moderação, são fascinantes. Imagina-se o momento que foi o da Lei Seca nos EUA, no qual beber era um ato clandestino, digno de ser punido pela Lei. As garrafas estão vazias, e já cumpriram sua missão, sua função, virando lixo seco, no modo como a separação do lixo tomou conta do Mundo, ao contrário de eras em que tudo era colocado na mesma lata. Os caprinos estão de costas um para o outro, talvez num casal que esteja brigando, num momento que revela como são difíceis e delicados os relacionamentos amorosos, exigindo que o casal tenha muita paciência e maturidade, como numa pessoa que conheço, cuja paciência admiro, pois ela não é fumante; o cônjuge, é. A garrafa vazia é o esgotamento, como num deserto na sua pobreza, na sua miséria árida, como num cenário apocalíptico, como numa cidade de Gramado com todos os estabelecimentos fechados, num cenário de morte, em contraste com o habitual vaivém de turistas no tradicional destino turístico brasileiro. Aqui, Dalton nos traz novamente as cortinas, como num quarto em penumbra, com luxuosas cortinas de veludo que vão até o chão, num ambiente em que a pessoa desencarnada se sente muito bem acolhida, com muito sono, tendo que descansar para se adaptar à vida de recém desencarnado. A cortina é o aconchego do Lar; é o controle da luminosidade, evitando inclementes raios solares, a luz que pouco convida ao descanso, como num quarto frente Leste, invadido, desde cedo, pelo inclemente Sol de Verão, numa espécie de despertador. Aqui, os caprinos devem ter bebido o conteúdo, estando embriagados, no modo como o álcool é universal na Humanidade, com várias culturas tendo seus próprios produtos alcoólicos, uma das inúmeras provas da universalidade do Ser Humano, como numa pessoa que tem a ilusão de que sua vida mudará completamente ao se mudar de cidade, pois, em Caxias do Sul, deparo-me com o mesmo Ser Humano com o que me depararia em São Paulo... Aqui, os caprinos estão entorpecidos, numa frase que ouvi em um seriado: “Ninguém gosta do gosto de Álcool; as pessoas gostam dos efeitos do Álcool”. As obras simétricas de DP parecem um papel dobrado ao meio, como se as tintas tivessem se distribuído igualmente à esquerda e direita, trazendo tal claro equilíbrio. A imagem me remete a um livro de Martha Suplicy chamado Sexo para Adolescentes, pois, na página introdutória do capítulo Homossexualidade, havia um homem e uma mulher, de costas um para o outro. Aqui, é como um jogo dos sete erros, e um dos caprinos tem um rabo; outro, não. São detalhes discretos, mas que, a nível geral, deixam que a simetria predomine. O chão terroso é como argila, úmida, pronta para ser moldada pelas devotadas mãos de um artesão, como ouvi certa vez: “Fazer Cinema, no Brasil, não é industrial; é artesanal”, num homem cuja memória respeito integralmente – Fabio Barreto, o diretor. Talvez esses caprinos estejam tão alheios por causa de sua diferença de cor, num quadro de Racismo, no “talento” humano em ficar atento às diferenças, sem perceber a universalidade das raças – é tão patético quanto dizer que tal raça canina não é cão... Como na recente proibição de veiculação digital televisiva do clássico ...E o Vento Levou, precioso filme que mostrou o Escravismo nu e cru, ou seja, dois lados para a mesma moeda, numa divertida contradição dialética: O filme enaltece ou condena o Escravismo? Então, as garrafas aqui trazem esse vazio, essa falta de inteligência e de coragem. Aqui, são como dois times na quadra, no modo como o Ser Humano se sente entretido para ver qual dos dois é o melhor, num Brasil se unindo do Oiapoque ao Chuí nos jogos da Seleção Brasileira.


Acima, Pedrinha Miudinha. Óleo sobre tela. A pedra se estabelece bem no meio, no célebre poema “No meio do caminho há uma pedra”. A pedra é como uma bosta de dinossauro, descomunal, nas demandas orgânicas, num ciclo de Vida que se desfecha com maestria, nas maravilhas das quais Tao é capaz, dando-nos sempre uma lição, pois Tao é este artesão que está sempre criando, sempre produzindo, dando-nos o exemplo de que Produtividade é capital, essencial, pois felizes são as mãos que servem ao Mundo, como uma costureira, concentrada em seu atelier, ocupando o tempo livre, pois que Vida é esta na qual só há contemplação? É como um célebre restaurante caxiense, o qual não abre nos fins de semana, na filosofia: “Temos que ter tempo para curtir o trabalho de outrem”. Que Vida é esta na qual só trabalho e nunca me divirto? É como uma pessoa que trabalhou comigo uma época, uma pessoa que me deu uma lição de Dignidade, pois era uma pessoa que se dava ao respeito, esforçando-se, porém nunca se submetendo à vida degradante de workaholic, uma pessoa que acabou deslanchando na profissão, em contraste com outra pessoa que conheci, uma pessoa sofredora, que só trabalhava, num ciclo masoquista, sem amor próprio – respeitar a si mesmo é muito, muito importante. Aqui, mais uma vez, vemos os tons terrosos de Dalton, numa paixão pela terra, pela Natureza, na sensação deliciosa de se pegar um quilo de argila e transformá-la em um vaso ou prato, como a idosa Rose, de Titanic, sempre fazendo com que suas velhas mãos fossem úteis e produtivas. Esta pedra é como uma pedra de Crack, na lembrança que tenho de um rapaz que entrara no terreno letal do Crack, um rapaz que, meses depois de me conhecer, morreu ao tentar fugir de casa, pois vivia prisioneiro dentro do próprio lar, um guri alto e bonito, com toda a vida pela frente, com o pai dele declarando ao repórter do jornal: “Foi um alívio meu filho ter morrido...”. Ladeando esta montanha rochosa, inóspita e árida, dois copos de água, talvez para trazer um pouco de hidratação a tal aridez, como num milagroso oásis no meio de um inclemente deserto, no modo como todos temos que encontrar, na dureza da Vida, um lugar de prazer, de descanso, numa pessoa que decidiu viver seus dias com discrição, produtividade e tranquilidade, na metáfora do Clark Kent/Super Homem: seja pacato e serás um colosso, na questão do discernimento taoista: não há algo de errado em se sentir uma tesoura cega, em ser modesto e humilde; o problema é quando a pessoa, em arrogância, quiçá narcisismo, sente-se como um bisturi de afiado – a Arrogância precede a queda, e como o Ser Humano tem talento para ser arrogante! Acima da pedra terrena, temos uma pedra metafísica, como o Olimpo dos deuses acima do Olimpo físico, numa cidade espiritual, ideal, bela, limpa, bem amada e bem administrada, no fato de que são as imperfeitas cidades terrenas que tentam, a todo custo, imitar as cidades metafísicas, pois nestas não há problemas como escoamento de esgoto ou risco de terremotos, secas e enchentes, no modo como o incômodo do novo Coronavírus mostra claramente a distância entre Físico e Metafísico. Abaixo desta pedra metafísica, vemos uma renda muito fina e sofisticada, delicada como uma perfeita teia de aranha, com formas que parecem uma aura sagrada radiante, no amor de nossos entes queridos falecidos, sempre nos iluminando e nos amando aqui na Terra, naquele amor imortal de vó, sempre cobrindo os seus netos com uma majestosa capa estrelada, sempre abençoando seus entes encarnados, nesse mundo tão difícil que é a Terra. A pedra flutuante é um sonho, uma idealização, num mundo sem extremos climáticos, sem o problema da poluição, da miséria, das doenças, num mundo em que o Amor Incondicional é a regra eterna, como amar e ter pena de psicopatas, sendo estes pessoas que não veem além do Físico, além da pedra no meio do caminho de uma existência. A pedra é o percalço. Os copos de água são dois irmãos, ladeando um tesouro, como dois dobermans, ladeando algum tesouro cobiçado, como amigos meus, os quais colecionavam joias, e foram assaltados, com o ouro mundano que mais atrapalha do que ajuda.


Acima, Vassourinha. Óleo e folha de prata sobre tela. Aqui, temos vários “fantasminhas”, como no clássico videogame Pacman, com espectros perseguidores em um claustrofóbico labirinto, num jogador que tem que se preservar em meio a uma selva tão inóspita, nos desafios de qualquer game – qual o sentido de um jogo onde tudo é facílimo? É o espírito olímpico, aceitando desafios, esforçando-se ao máximo para vencer em meio a tantas vicissitudes, pois as dificuldades são o sabor da Vida, no áureo desafio que é a Encarnação, o que me remete a uma participante de um programa de competição do SBT, uma mulher que se chamava, de fato, Encarnação. Os fantasmas são como teias de aranha numa casa mal assombrada, como na formidável Mansão Assombrada num parque da Disney em Orlando, EUA, na candura do cartunista Mauricio de Souza em conceber personagem de terror, mas personagens que não assustam a criança, como o fantasma Penadinho, num adulto que consegue se expressar para as crianças, para as quais ou algo é do Bem, ou do Mal. No centro do quadro aqui, uma cruz, no cenário da morte épica do espírito mais avançado que já encarnou na Terra, um homem cujo legado mora nos conceitos, nos pensamentos que propagou, numa Humanidade que levou séculos para compreender tal importância, no poder de um homem em dividir a História em duas, no conceito do Amor e da Paz, acima da Raiva e da Guerra, pois nenhum homem de Tao simpatiza com armas, com bombas atômicas etc. A cruz é a passagem, é a migração interdimensional, na tentativa humana em compreender tal passagem, tal mudança, numa dimensão onde tudo é pensamento, tudo é conceito. Vemos aqui tesouras, que são a limitação, o tolhimento, como numa época de minha vida em que me permitir cercar de pessoas que me tolhiam, as quais, hoje, rechaço – vá tolher a sua avó, hehehe! A tesoura é a limitação do destino, como um grande costureiro tecendo as vidas, as existências. A tesoura limitadora é o fato de que todos estamos de passagem por este mundo, havendo um Lar, de fato, só a nível metafísico, nobre, duradouro, no poder imenso da Eternidade, como um presente de altíssima qualidade, o qual jamais perecerá. Então, prepare-se – você nunca vai findar. Não é um poder absurdo? As tesouras são a castração, no fato de que ninguém pode fazer absolutamente o que deseja, com a pessoa se deparando com uma certa dureza, como num material de divulgação do meu blog, material o qual enviei para seis jornalistas/colunistas – apenas um publicou a divulgação... São as limitações inevitáveis, fazendo com que a pessoa desenvolva contentamento, aceitando tais durezas como naturais na Terra. Vemos aqui dois copos fincados por duas facas. A faca é a Agressividade, a vontade incisiva de marcar, de se tornar visto, numa fome que deve ser constante, na questão da pessoa ter tesão de viver, sempre batalhando, nunca se atirando nas cordas do ringue da Vida. Estes paus que sustentam os fantasmas são o falo patriarcal, no qual a mulher sempre tem que estar num nível abaixo, como por exemplo o Monumento Nacional ao Imigrante, em Caxias do Sul, com o colono mais alto, forte e poderoso do que a colona – os gêneros são uma ilusão. Aqui, as facas repousam sobre um pouco de água, como aromatizantes de ambientes, no fascínio que as fragrâncias exercem sobre as pessoas, no prazer de estar perto de alguém cheiroso, como dizem que o médium Chico Xavier exalava tal perfume espiritual, no modo como as fragrâncias mundanas giram em torno de tal perfume comportamental – de que adianta uma moldura maravilhosa que emoldura um quadro ruim? As tesouras, então, cortam fora o que não é essencial, na limpeza minimalista, onde menos é mais. A cruz reina soberana, nas dúvidas existenciais cinzentas, num Jesus que, na dor da crucificação, creu ter sido abandonado por Tao, o Pai que jamais nos abandona.


Acima, Dalton Paula Enfia a Faca na Bananeira. Óleo e folha de prata sobre tela. A simetria aqui é quebrada pelo cigarro que imita um galho de árvore. O cigarro é o vício, numa pessoa que tece uma relação de Amor e Ódio com algo ou alguém. É como uma certa personalidade caxiense, a qual disse ter uma relação de Amor e Ódio com Caxias do Sul – querida, você tem uma relação de Amor e Ódio consigo mesma, pois Caxias do Sul não tem culpa. Vemos uma frondosa bananeira, exuberante como uma chamativa estrela, querendo chamar o máximo possível de atenção, como numa certa personalidade portoalegrense, uma pessoa autoassumida exibida. A bananeira é a Vida imponente, como num ecossistema tropical, vibrante, fascinando partes menos exuberantes do Mundo. É como uma exuberante cabeleira afro, no orgulho racial da pessoa aceitar a si mesma, na beleza de mulheres como a âncora televisiva Maju Coutinho, uma verdadeira Barbie negra. Ladeando a bananeira, dois cachos de bananas, no boom estelar de Carmen Miranda ao redor do Mundo, enchendo de cor e alegria um Mundo mergulhado nos horrores da II Grande Guerra, fazendo da sessão de Cinema um breve momento de fuga, no qual a Vida não era tão descolorida ou sofrida. As bananas são o produto da terra, a nutrição; são o objeto de consumo, num lar farto, onde nunca falta comida na mesa. As bananas são fascínio que a Tropicalidade exerce sobre o Mundo, como florestas tão cheias de Vida, tão exóticas, no poder das forças da Natureza, numa mão que, do mesmo modo que acaricia, agride, havendo tal contradição no Plano Físico, um lugar onde, definitivamente, nem tudo são flores, numa encarnação que tem que ser encarada com coragem, com coisas que só uma vida, só uma existência na Terra pode ensinar. Esta bananeira tem raízes fortes, que entranham na terra, como numa vida sólida, enraizada, numa pessoa realista, com os pés no chão, havendo só no Trabalho a fonte para tal discernimento, tal sensatez, no modo como, já ouvi falar, uma pessoa rica só pode se manter sã se trabalhar de algum modo, pois que Vida é esta em que nada faço? É como uma pessoa improdutiva que conheço, uma fofoqueira de marca maior, alguém que descuida de si mesma, e como posso ser feliz se não me cuido nem me gosto? Ladeando esta árvore, dois machados, talvez prontos para o abate, para o desmatamento, e o destino do vegetal está selado, num Ser Humano ainda tão dependente dos recursos naturais, nos esforços ambientais para a regulamentação, como no Casarão dos Veronese em Otávio Rocha, Flores da Cunha, RS, numa edificação restaurada na qual foi usada madeira nobre apreendida – só para constar, e casa de pedra foi construída por meu tataravô, o imigrante italiano Felice Veronese. Os machados estão aqui repousando, talvez angariando forças para o trabalho que segue; estão embebidos em água, talvez para que sejam limpos, como uma pessoa tomando banho e se arrumando para ir ao trabalho, numa pessoa com autoestima, uma pessoa que está a milênios luz de se tornar morador de rua, havendo neste uma pessoa que refratou a Vida em Sociedade, refugiando-se numa vida desregrada e indisciplinada – fugir da Vida tem um preço alto demais. O cigarro é a finitude, em algo que foi consumido e descartado, como nos hábitos de consumo humanos, numa demanda laboriosa que, para não cair na mesmice sem sentido, tem que ter uma pitada de sonho, de ambição, pois ninguém merece ser apenas dona de casa, como uma pessoa que conheço, uma pessoa fina e de bom gosto, mas que não tem uma atividade extralar, o que é um desperdício, como Andrea Bocelli cantando Atirei o Pau no Gato. Os cachos de bananas são majestosos cocares indígenas, no modo humano de encontrar na festa, na celebração e no extraordinário uma breve fuga das durezas diárias da rotina, como levar e buscar os filhos no colégio. A festa é um momento de desligamento, mas um momento que não pode ser perene, pois como há propósito numa vida em que só há balada?

Referências bibliográficas:

Dalton Paula. Disponível em: <www.premiopipa.com>. Acesso em: 10 jun. 2020.
Sobre. Disponível em: <www.daltonpaula.com>. Acesso em: 10 jun. 2020.