quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A Solidez de um Talento

 

 

O jovem artista plástico maranhense Romildo Rocha esteve recentemente em Caxias do Sul para pintar um de seus famosos murais no Instituto SAMbA – é assim mesmo que se escreve –, uma instituição cultural que foi inaugurada no ano de 2018. Rocha vem de uma família humilde e retrata a Cultura Nordestina. Abriu uma escolinha de Desenho para pinçar novos talentos. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, sem título (1). O vermelho é o sangue que nos torna irmãos, no modo como os vínculos de família não se desfazem com o Desencarne. O vermelho é uma boa pizza apimentada, vibrante, provocante, como uma pessoa que sabe provocar, atiçando o público e mostrando que a Arte é desta função – a de interpelar seres humanos pensantes. Temos uma cena de botequim, no redentor momento de fim de dia, no happy hour, quando gravatas são afrouxadas e a descontração do Álcool faz sua função de aliviar as tensões de um dia de labor árduo. Vemos um quadro retratando um casal heterossexual, no inevitável arquétipo cósmico de Yin ao lado de Yang, dando a estes casais uma função representativa, como uma rainha ao lado de um rei, no inevitável modo como ele então faz o Yang dela e ela, por sua vez, faz o Yin dele, algo muito inevitável no casal heterossexual, nessa função de personificar os opostos, no eterno fascínio de um enlace na Igreja, fazendo metáfora com a deliciosa plenitude de Paz e Amor do Plano Metafísico, numa espécie de casamento perfeito, muito longe das vicissitudes que acabam por desafiar a longevidade de um casamento – são os percalços materiais, sem os quais a Vida na Terra perde o propósito. Vemos garrafas de pinga, na universalidade da birita, do drinque, como num Japão que, apesar de tão longe da América, tem o saquê. Vemos o tradicional multipotes de doces, de balas, enchendo de cor os olhos de uma criança, numa idade em que não há as rigorosas exigências de adulto, pois a simplicidade das crianças tem muito a ensinar aos mais velhos, na frase cristã: “Vinde a mim as criancinhas, pois é delas o Reino dos Céus”, fazendo do Plano Metafísico esta dimensão tão simples, tão cheia de juventude e saúde, um plano no qual tudo o que a pessoa tem a fazer é trabalhar e se divertir, muito longe dos problemas mundanos de desemprego. O atendente no bar está muito plácido e tranquilo, como se estivesse feliz com o que faz, assim como é tal dádiva uma pessoa ser feliz com o que faz, e nesta foto podemos ver o artista feliz e sorridente, orgulhoso de seu próprio “filho”, como numa Marisa Monte, a qual disse em entrevista que seu próprio trabalho é um deleite para si mesma. O atendente veste uma camisa com estrelinhas, no fascínio do céu noturno, numa prova da eterna abundância de Tao, num Universo tão vasto e rico, e assustadoramente infinito, no modo como é quase assustadora a percepção do Infinito, em pensar que nossas vidas jamais findarão, jamais – é um poder tão grande que não cabe na cabeça de um ser humano. Vemos também uma balança, que é o juízo, a ponderação, a análise racional, como na imagem da Justiça, de olhos vendados com uma balança da mão, na excelência do Pensamento Racional, nunca se deixando enfeitiçar por tolos sinais auspiciosos, na nobre intenção democrática de igualar a todos no momento da urna eletrônica, querendo sempre nos lembrar que somos todos do mesmo sangue. Talvez, de forma inconsciente, o artista aqui veste uma camisa que entra em harmonia cromática com o mural, deixando o artista sutil, discreto, talvez sabendo o valor de nunca aparecer mais do que o próprio trabalho, como na esperteza de um camaleão, sempre se escondendo de predadores e de presas, na seleção natural que beneficia os mais espertos e mais cautelosos, na questão de autoestima, de uma pessoa que se ama e se cuida, sem narcisismos. O atendente veste um elegante chapéu, talvez remetendo a outras épocas, pois, hoje em dia, no ano de 2020, é tão difícil vermos pessoas usando chapéus. O sorriso do atendente é plácido e sutil, numa pessoa que encontrou Paz em seus dias na Terra, produzindo sempre, como Tao, o elaborador incansável.

 


Acima, sem título (2). A porta é a passagem, como num consultório de Psicologia, no qual o terapeuta só pode mostrar as portas – quem “bate o martelo” e decidi cruzar tais portas é o paciente. É como num rito de formatura, num rito de passagem. É como cruzar o limiar entre duas dimensões, fazendo do Umbral esta “terra de ninguém”, como Neo em Matrix Revolutions, preso numa interdimensão, num desolador lugar árido, numa prisão total e absoluta, tendo de purgar tempo ali dentro, como numa pessoa soterrada, presa entre escombros, sem poder se mexer, num momento em que tudo o que lhe resta é rezar, como Pierina em O Quatrilho, a qual, ao receber a desoladora notícia de que seu marido fugira com a prima dela, vai no altar de casa e reza, num momento de choque, num rompante, como um espírito farto de vagar pelo Umbral, adquirindo a humildade para entender que precisa de uma ajuda, de um auxílio fraternal. Aqui, o casal dança festivo, num momento de euforia, como num baile de gala, onde todos esquecem seus problemas e curtem um momento de descontração, querendo fazer metáfora com a plenitude feliz do Plano Metafísico, onde é só doçura. Aqui temos um pouco do Patriarcado, pois o homem está ligeiramente acima da mulher, como no Monumento ao Imigrante, em Caxias do Sul, ou nas representações de faraós, com as respectivas esposas sempre num nível inferior, talvez num Rocha querendo mostrar e “denunciar” tal preconceito, pois os espíritos não têm Sexo – o Sexo é algo que só serve na Dimensão Material. Aqui é um momento de garbo, com pessoas que se arrumam, como no saudoso café do luxuoso hotel caxiense Reynolds, num ambiente sofisticado, com pessoas que se arrumavam para tomar ali um elegante café, na enigmática elegância metafísica, nessa limpeza, nessa beleza, num lugar onde todos moramos em maravilhosas mansões, fazendo das mansões mundanas uma mera cópia grotesca das mansões psíquicas. Vemos aqui bandeirinhas, talvez numa festa junina, num Rocha empenhado a retratar tais aspectos culturais do Maranhão, num Brasil vasto e diversificado, numa Cultura Popular fascinante, no modo como os turistas ficam encantados com o Carnaval do Rio. Talvez tenhamos aqui um casamento caipira, na diversão que são as festas juninas, numa mescla cultural com os gaúchos, fazendo da Cultura um corpo dinâmico em constante transformação, assim como nas Leis da Dialética: “Tudo é processo”, ou seja, a Eternidade é a prova de tal imensidão majestosa, deixando “no chinelo” qualquer rei ou rainha mundanos. O amarelo é a cor da alegria, dourada, farta, como numa majestosa aurora, numa beleza terrível, implacável, digna de devoção, como no clima de devoção que dizem haver nos shows do cantor sertanejo Leonardo, fazendo de tal gênero musical algo tão brasileiro, tão único, e tão alvo de desprezo por algumas pessoas mais elitistas. Podemos aqui ouvir Música, algo imprescindível numa festa, é claro, como no caldeirão cultural americano, colocando no mesmo saco gêneros como Country, Rock, Jazz e Blues – a Arte é vasta e inesgotável; a Arte faz metáfora com o brilho de Tao, aquele que nos deixa de queixo caído, como num artista encantando o seu próprio fã clube. Este casal está eufórico e elegante, e suas roupas trazem contraste entre preto e branco, numa elegância binária, racional, como em fotos em preto e branco das estrelas hollywoodianas, na tentativa humana de aludir aos espíritos superiores, espíritos de excelência moral, na beleza das almas honestas, sinceras e verdadeiras, como bons amigos, uma pessoa que nunca quer enganar outrem. Aqui, o cavalheiro e a dama têm cinturas magras e elegantes, na força dos padrões de Beleza, como observei recentemente com minha mãe, em um passeio por um shopping, manequins de uma loja, com os ossos do tórax aparecendo sob a pele, num padrão de Beleza que beira a anorexia – não tem como ser saudável. Que crueldade.

 


Acima, sem título (3). Um prazeroso momento de descanso, num músico, talvez amador, divertindo-se, pois a Vida não é só sisudo labor; a Vida tem que ter sonho também. Podemos ouvir o som do instrumento, como na passagem do romance O Cortiço, com a exuberante mulata dançando Samba, encantando com tal cultura exótica, brasileira. O homem toca de olhos fechados, numa pessoa que desenvolveu alta intimidade com o violão, como num pianista cego, superando o percalço e tornando-se grande no que faz. É como um grande compositor, que era surdo, fazendo coisas para o Mundo, como Frodo: “Eu salvei o Condado, mas não para mim mesmo”. É a doação, no modo como Tao se doa incondicionalmente, sempre subestimado, sempre invisível, eterno em sua discrição, um Tao o qual nem a Eternidade será capaz de desvendar... Neste quadro temos uma ironia de Metalinguagem, pois é luz falando de luz: no mural, uma faixa diagonal amarela banha de luz a pintura; ao mesmo passo, no momento desta foto, o Sol por si também rasga a cena com sua incidência. O homem tem o tradicional chapéu de cangaceiro, na vocação de RR em retratar a Cultura Popular Nordestina, uma cultura tão rica, que vem do Povo e com este fica, como no misterioso surgimento do Samba – sabemos que este veio dos morros cariocas, mas exatamente como, quando, onde e com quem? É o enigma da Cultura Popular. O homem está à vontade, deitado ao tocar sua viola, remetendo ao divertido episódio de Chaves em que as crianças do seriado tomam aulas de violão, e até me remetendo às aulas de violão que tive na Infância – apesar de eu não ter me tornado músico, foi um momento interessante de minha vida. É como uma pessoa que conheci, uma pessoa que buscou se tornar músico profissional, mas acabou se frustrando, pois não foi corajoso nem impetuoso para lutar por seus próprios sonhos de músico, remetendo à canção clássica do Jazz, a Boulevard dos Sonhos Despedaçados, fazendo do Mundo este laboratório em que tantos sonhos, todos os dias, são dolorosamente ceifados... RR é irônico ao se integrar à base de seus trabalhos, pois acima desta janela vemos um pássaro pousando – o pássaro é a liberdade de pensamento, a independência, numa pessoa obtendo o controle sobre sua própria Vida, ao contrário da misoginamente donzela pura e casta, que é entregue virgem ao noivo na Igreja, num machismo que vê com maus olhos a mulher independente, que não vive sob a sombra de um homem, na figura patriarcal do cacique. No rosto pálido do músico vemos uma bochecha bem rubra – é o calor da Cultura Popular, como numa festa mexicana com a pichora sendo quebrada e distribuindo doces às crianças, como doces no Halloween. É o sangue que nos une, na grande família humana, mas infelizmente um sangue que não é o sacrossanto sangue metafísico, o sangue nobre que une todos os filhos de Tao, o Rei dos reis. Nesta composição vemos plantas regionais, e vemos um cacto, com seus agressivos espinhos, num ato arredio que visa a autopreservação, o recolhimento e a discrição. São os inevitáveis espinhos da bela rosa, num sabor agridoce, na canção clássica de Elis: “Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”. Doce ou amarga, a página tem que ser virada. O músico faz amor com o instrumento, fazendo de dois um só corpo, numa relação íntima, como no ápice de um relacionamento amoroso, em que um entrega ao outros suas tristezas, num inigualável momento de entrega existencial. O homem é elegante e longilíneo, no modo como o mercado de modelos só contrata pessoas de sua certa estatura, fazendo metáfora com os espíritos superiores, nossos irmãos ultraevoluídos, dando-nos o exemplo nobre e eterno de comportamento moral – tudo acaba girando ao redor da dimensão acima da nossa Dimensão Material. É uma honra ter uma casa pintada por RR, fazendo da fachada uma obra de Arte. Pelas vestes do homem vemos estrelas, mas não no modo caótico de conchinhas à beiramar, mas ordenadas e catalogadas, na necessidade da pessoa adquirir disciplina, colocando em ordem a própria vida.

 


Acima, sem título (4). A cena é bem brasileira, com bebidas tão clássicas como Cachaça e Cerveja, mais baratas do que Vinho, por exemplo, derrubando o consumo per capita deste no Brasil. O cachorro é a fidelidade e o companheirismo, sempre seguindo o dono, com pessoas que se dispõem a ter (bem) mais do que um só cão. Aqui é uma ironia, o modo como RR resolveu tratar o próprio boteco, com bar falando de bar, trazendo tal fino talento a um lugar tão comum e sem glamour, pobre, como no nosso pobre país chamado Brasil, porém rico em outros aspectos, como na Cultura. Temos aqui o prazer do Etilismo, numa pessoa que tomou gosto, ao contrário do alcoólatra, o qual não liga para o sabor degustado gole por gole – o alcoólatra só quer injetar Álcool em seu próprio sangue, sempre em busca de pretextos para beber... A cerveja é dourada, da cor de reis, como na cerveja já feita no Antigo Egito, esta civilização inesgotável. O homem toma o gole com os olhos fechados, num momento de prazer e entrega, na parte do dia em que o labor cessou a chegou a hora da descontração, na felicidade de um artista que encontra prazer naquilo que faz, como Marisa Monte, a cantora musicista que declarou não ver o trabalho como trabalho, tal o prazer. RR fez aqui uma interferência mínima, e não se apoderou de todo o boteco, operando com sutileza, integrando tudo, fazendo-nos acreditar que tudo no bar foi feito do Rocha. Parece de fato que o homem está ali dentro, e podemos ouvir o som da conversa animada, com gargalhadas, no modo como o Álcool “solta” a voz. A pia é a purificação, a limpeza de caráter, numa pessoa que descobriu que ser honesto é o que de melhor alguém tem a fazer de sua própria vida. A pia é a água correndo, sempre incessante, numa nascente de rio incessante, arrancando água mineral das entranhas da terra, numa singular esfera autossustentável, sempre se reciclando e renovando-se, no modo como Tao é esta grande avenida da qual nasce a Vida, no enigma da renovação, da reprodução, numa sinergia, assim como na sinergia de uma cidade como Gramado, onde tudo é feito para encantar o turista, no retorno de um investimento bem feito, assim como o artista tem esta missão de encantar o Mundo, causando comoções, como na comoção antiburguesa de Titanic, numa Rose que decidiu viver seus dias com simplicidade, nunca se deixando escravizar pela joia azul da cor do impiedoso e voraz Mar, um buraco negro que engoliu os sonhos humanos de grandeza. A “ceva” e a pele do homem têm o mesmo tom, e formam um só corpo. As obras de Romildo trazem este traço de Xilogravura, fazendo deste artista também um grande talento de xilos. Seus traços são simples, de candura infantil, como um “tosco” Basquiat, com generosas pinceladas simples. Aqui, este “sangue amarelo” é o gosto pela bebida, na linha clara entre Prazer e Vício. O chapéu remete aos dias em que cavalheiros, em sua maior parte, usavam tal acessório elegante. O chapéu é o telhado de uma pessoa que possui a si mesma, jamais deixando que o Mundo a diga como deve ser ou viver, no agressivo (porém saudável) gesto de mostrar o dedo do meio para tal Mundo – que vida é esta na qual sou um prisioneiro das expectativas de outrem? A coleira do cachorro também é dourada – é a domesticação, como num homem que, ao casar, deixou-se ser “domado e domesticado” pela esposa, tornando-se um cavalheiro pacato e gentil, como na Mulhergato afastando Batman por meio de vigorosas chicotadas, fazendo metáfora com a Mente dominando o Corpo, no modo como o Espírito vem sempre antes da Carne. A coleira é a propriedade, num artista que adquiriu uma identidade inconfundível, remetendo ao iconoclasta momento da obra de Britto ser despedaçada na frente do próprio pai de tal obra – que dor! É como um pai enterrando um filho, sem falar no custo financeiro de tal obra. Na bochecha do homem, um vigoro Sol rubro, daqueles poentes em dias muito secos, como um grande prato dourado, que é Tao, o perfeito disco solar que traz a Vida, no tradicional por do Sol no lago portoalegrense Guaíba.

 


Acima, sem título (5). O cachorro é usado como uma pele, remetendo à época em que usar peles não era considerado antiecológico. O cachorro é a majestade de seres como o cavalo ou o polvo, fazendo da Terra uma obraprima de Tao, o inventivo, o diverso, o original. O homem aqui fuma – o cigarro são os pequenos prazeres da Vida, como um cálice de bom vinho, indo de encontro ao sentimento de culpa, impondo os Sete Pecados Capitais, com pecadinhos tão gostosos como a Gula e a Preguiça. Os cabelos do homem são encaracolados, como uma cabeça de Medusa, numa mente fértil, criativa, como um publicitário que sabe que tem que ser criativo, revelando os talentos de Propaganda, num ofício que vai contra a Arte, pois ser publicitário é ser vendedor, e não artista, um fato que frustra muitas pessoas que ingressam na profissão acreditando que, em tal ofício, poderão ser o artista que são, o que é um erro – eu mesmo já cometi tal erro. É interessante observar que RR gosta de pintar bochechas com círculos vermelhos, como na bandeira nacional japonesa, num tom quente, que revela sangue vibrante, na capacidade de um artista em vibrar como uma estrela pulsando no Céu, pulsando com ritmo e sensualidade, fluidez, mostrando o calor no sangue latino, no calor da cultura popular de um país tão vasto e diverso como o Brasil. Abaixo na obra vemos uma densa floresta de espinhosos cactos, como na dolorosa coroa de Cristo, fazendo metáfora com o peso de responsabilidade que uma coroa pode causar na cabeça coroada, numa rainha que, na marra, teve que aprender a ter majestade e elegância, assumindo um posto que é seu por direito, no desafio de um monarca que, recém entronado, tem que conquistar o respeito de seus súditos e do Mundo, num desafio gigantesco, pois nunca ouvimos dizer que quem já reinou jamais perde a majestade? É como um espírito que, em uma vida anterior, foi regente, reencarnado com resquícios de tal nobreza, no modo como somente o sangue metafísico é azul de fato, unindo as pessoas em torno do Pai regente de todos, que é Tao, aquele que quer o melhor para seus filhos príncipes. Este canteiro espinhoso são as vicissitudes, no modo como a Vida traz dores a qualquer um, fazendo com que a pessoa entenda que, apesar da Dor ser inevitável, é evitável o sofrimento por tal Dor, pois a partir do momento em que aceito o Mundo do modo como este é, estou em Paz – não tente mudar o Mundo, pois nem JC nosso senhor soube fazê-lo, já que a Vida não foi feita para ser perfeita. A camisa do homem traz um jogo vibrante de claro e escuro, no desafio que é fazer xilogravuras, testando a atenção do artista, num jogo entre côncavo e convexo que pode pregar peças ao próprio artista no momento da confecção do “carimbo” de xilo. Remete aos majestosos jogos de contraste de Escher, o mago, encantando o Mundo com um talento de bruxo, de feiticeiro, fazendo da Arte tal prova de talento, e os talentos foram feitos para ser vistos, pois pobre daquele que não coloca para o Mundo seu próprio talento, e é uma pena observar tantos talentos que passam suas encarnações sem colocar isso às claras, com pessoas que, talvez, estão esperando pela próxima encarnação – não espere, pois o momento é agora. Este cão é curvilíneo como um jogo de cintura de uma topmodel, nas curvas femininas que inspiraram o clássico Garota de Ipanema, no momento em que Vênus se revela no horizonte, anunciando um novo dia, na beleza dourada de um amanhecer, fazendo metáfora com a majestade metafísica do Plano Superior, o lugar onde a Vida segue, só que sem as dores encarnatórias – é o futuro glorioso que nos espera, numa simples questão de tempo. O cachorro flui como água, e quase enforca o homem, como nos ardilosos golpes de Judô, dando poder àquele que sabe se curvar e ser humilde, com tantos egos que arruínam carreiras, pois como viverei em Paz se me acho o centro do Universo? Humildade é uma dádiva.

 


Acima, sem título (6). Os pássaros voando são a Liberdade, num país democrático. É a tão esperada data de libertação de um apenado, fazendo metáfora com as asas dos anjos, que são espírito livres, desencarnados, num anjo da guarda que jamais abandona o espírito encarnado, num espírito que nos dá conselhos sábios e fraternais, sempre minimizando o sofrimento do “apenado”, numa libertação que é só uma questão de tempo. Os bicos são longos e agressivos, como numa máscara que ganhei certa vez, uma máscara do Carnaval de Veneza, com um nariz descomunal, que exige que seja mantida uma respeitosa distância. São os bicos penetrantes do beijaflor, sugando o néctar das flores, com batidas de asas tão intensas que o animal parece flutuar, na beleza da Natureza. Neste mural vemos uma janelinha, como uma janela de prisão, no termo “ver o Sol nascer quadrado”, num enclausuramento pernicioso, de uma pessoa que subestimou a importância do comportamento moral, o comportamento que é socialmente imposto pelas leis da Sociedade, visando aprimorar o indivíduo, nessa luta diária contra corrupção passiva ou ativa, num Ser Humano ainda tão tosco, que quer o Poder pelo Poder, numa falta de sentido, no apego humano ao Poder, essa deliciosa sensação de comandar os outros, como no Anel do Poder, de Tolkien, corrompendo até os mais nobres espíritos, numa história sombria, que fala da fraqueza humana perante o Poder, como num Getúlio Vargas, preferindo morrer do que perder Poder – será que o presidente segue vagando esfarrapado e sem rumo pelo Umbral? Vemos uma grande cabeça de um menino lendo, de óculos – é a erudição, a intelectualidade, a paixão pelas letras, que deve ser incentivada desde o início do processo de Alfabetização. É o poder da Mente, de uma pessoa acima da média, acima dos medíocres, como o inesquecível professor universitário portoalegrense Tatata Pimentel, o qual só respeitava a inteligência dos alunos mais excepcionais, chamando estes de “elite”. O rapaz aqui lê um jornal do Maranhão, na sede diária por informação, no hábito de folhear diariamente tais papéis, numa sede incessante, pois o Mundo não para. O jornal é a inteligência dos jornalistas, os formadores de opinião, o senso crítico que prevalece sobre a mansa ignorância, na capacidade de observar o Mundo de forma crítica, sempre detectando falsidades e hipocrisias, na tarefa do jornalista em alertar o Corpo Social sobre assuntos pertinentes a todos – não brinque com a inteligência de um jornalista. Brotando do jornal, vemos plantas, no modo como ideias brotam das mentes criativas, fazendo conexões nunca antes cogitadas, na fertilidade mental incessante, num intelectual que se mantém sempre atento, sabendo que o Mundo não muda... Os óculos são a clareza, a capacidade de observar o Mundo, deixando de lado lentes opacas e usando lentes translúcidas, numa pessoa bem resolvida, que aprendeu a lidar com as imperfeições do Mundo, aceitando este e, por tabela, aceitando a si mesmo, sempre com a humildade de saber que sou um ser humano; não um deus. Na cabeça do menino vemos um barquinho ancorado e várias estrelas no Céu. A âncora é o juízo, os brios, numa pessoa que entendeu que não pode ser muito aventureira, sempre com os pés no chão, sabendo que a Vida exige maturidade, precaução e sabedoria, valores difíceis de ser entendidos pelos mais jovens. A âncora é a referência, o chão, numa pessoa que sabe que não pode viver ao sabor do vento, como um saco plástico vazio voando erraticamente pelas ruas, numa sensação de fragilidade, de que qualquer ventinho será capaz de me levar, na tarefa do bom professor, que é colocar no chão os pés do aluno. As estrelas guiam os sonhos dos navegadores, explorando mares e chegando a terras devolutas, numa Europa fascinada pela selvagem e recém descoberta América, na agressividade europeia em colonizar e escravizar, tudo por meio da força, muito distante de Tao, que se impõe pacatamente, impecavelmente, numa hierarquia irresistível, porém não bruta, mesclando Amor com Liberdade, como numa nação soberana.

 

Referência bibliográfica:

 

KURY, Giovana. Arte urbana: os cordéis vívidos reinventados nos muros de São Luís. Disponível em: <www.oimparcial.com.br/cidades>. Acesso em: 23 set. 2020.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Uma Granada de Arte

 

 

O artista plástico paulista Ivald Granato (1949 – 2016) desenhou desde cedo e foi influenciado pelo Cubismo. Foi premiado pela Associação de Críticos de Arte em 1979. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, Bilu. Aqui temos cores alegres e carnavalescas, como nos coloridos quadros de Britto. O casal parece estar dançando, e podemos ouvir o som de euforia. Parecem bonecos montados numa marcenaria, truncados, como robôs, fazendo metáfora com a mortificação do espírito, neutralizando as dores e sofrimentos, mortificado na sua paz racional e, ainda assim, conservando a afeição, o amor fraternal por seus iguais. O fundo em laranja parece ser uma divina aurora, como a princesa Aurora de A Bela Adormecida, num momento em que escuras grutas ficam iluminadas, trazendo o esclarecimento racional, científico, alimentando parâmetros positivistas, numa pessoa organizando a própria vida, crescendo como espírito, abandonando tolas ilusões auspiciosas, observando o Mundo da forma mais fria e fresquinha possível, desprendendo-se de expectativas, pois aquele que não tem expectativas não se frustra; não prova o amargo sabor da prostração depressiva, no momento depressivo em que a pessoa sofre uma grande decepção generalizada em relação à Vida e ao Mundo, chorando sem parar, desnorteada, sem saber para onde ir, num ratinho dentro de um labirinto. Aqui parece uma cena circense, como no fabuloso espetáculo do Cirque Du Soleil, com artistas de uma técnica impecável, na magia do Circo, do Showbusiness, com artistas sonhando em brilhar, como na prostituta Satine, que sonhava em ser reconhecida como uma artista séria, com tantos e tantos sonhos sendo frustrados todos os dias ao redor do Mundo, com pessoas que chegam à conclusão de que estão perdendo tempo, num sentimento humano, típico do melancólico Charlie Brown, no modo como a Vida é dura com todos, como Marília Pêra, uma das maiores atrizes da História do Brasil, sentindo-se desiludida e frustrada, pensando em abandonar tudo – a Vida é luta. O chão aqui é de um gramado perfeito, imaculado, num carpete profundo e acolhedor, num anfitrião que recebe com toda a cordialidade, no termo hispânico “mi casa, su casa”. A mulher tem cabelos verdes, como uma Medusa pós moderna, num monstro vítima de misoginia – por que será que Medusa tem que ser mulher? As serpentes viciadas são a Malícia, este mal que faz com que a pessoa maliciosa fique cega, apesar da Malícia parecer ser uma espécie de esperteza, como um gerente ingerente, que acaba perdendo o cliente, subestimando a importância da construção de uma cartela de clientes fiéis, no termo Miopia em Marketing, ou seja, uma pessoa cuja visão não vai além da esquina, pois como posso obter sucesso e respeito se não respeito a inteligência de outrem? O homem aqui parece ter uma perna artificial, no modo como a Vida está aí, acontecendo para todos nós, no gesto de ajudar um cego a atravessar a Rua. Estes dois personagens são bem magros, na essencialidade de Tao, aquele que não se perde em meio a frescuras ou inutilidades. Tao, o limpo. O homem tem a cor azul, do Céu, da Racionalidade, na típica cor associada ao Homem. Já, a mulher tem as cores em rosa, na cor da Feminilidade, no modo como qualquer indivíduo chega ao Mundo já ficando coberto pelos preconceitos de tal Mundo, num Mundo impiedoso, repleto de preconceitos, num Ser Humano que tem ainda muito a evoluir. O homem aqui é saudável e atlético, com ombros largos e cintura fina, como nas representações públicas dos faraós, retratados como regentes atléticos e agressivos, tratando de meter medo nos vizinhos do Império Egípcio, na eterna vocação humana em obter as coisas por meio da estupidez e da brutalidade, numa sede por poder, poder e poder – se minha sede nunca está saciada, como posso ter Paz? A mulher quer pegar na mão do homem, mas este ele está um tanto arredio, sem estar muito empolgado ou apaixonado, como se seu coração pertencesse a outra pessoa.

 


Acima, Clint. Um senhor se senta, talvez numa silhueta de um Alfred Hitchcock, um artista de estilo inconfundível. O chapéu é o telhado da Mente, da cabeça, da Consciência, a qual sobrevive milagrosamente ao Desencarne, fazendo metáfora com a Ressurreição de Cristo. No rosto oculto do homem vemos um peixe livre e solto, num olho de egípcio antigo, nadando pela beleza do Eterno, esta flor de poder que definitivamente não pode ser mensurado. O peixe é como o adorável Nemo, o personagem portador de uma deficiência física, mostrando às crianças que todos temos dificuldades e enfrentamos obstáculos, pois a vida sem percalços, 100% doce, não tem sentido, pois não causaria crescimento ao indivíduo, como um excelente psicoterapeuta me disse: “As crises são positivas”. O chapéu é como um submarino, na canção dos Beatles: “Todos nós vivemos num submarino amarelo”, ou seja, estamos todos ligados as esta rede psíquica, uma rede divina de dar inveja a qualquer estágio evolutivo da Internet. É a questão da comunhão, como no apelo ecológico: Vamos nos unir e cuidar de nosso único lar. A boca do homem é amarela, como um miolo de margarida, na magia das flores, a prova de como Tao faz coisas belas e deslumbrantes, fazendo metáfora com um topmodel brilhando numa passarela: a modelo finge que é uma deusa, e nós fingimos que acreditamos – não há deuses; há seres humanos, numa família na qual os filhos estão em estágio diferentes de crescimento, precisando haver respeito pelo tempo de cada um. O peito do homem é uma espécie de vulcão cor de rosa, pronto para estourar em ebulição, na capacidade da Arte em causar tais comoções que marcam épocas, no sonho de qualquer artista em impactar e, de certa forma, abrir os olhos do espectador para um novo ponto de vista. É como um vulcão explodindo e arrasando cidades inteiras, nas intempéries da Natureza, impondo dificuldades e fazendo que, em tais adversidades, as pessoas se ajudem mutuamente, pois Caridade é isso – dar uma ajudinha, ao contrário da Esmola, a qual acaba não ajudando muito. Um sutil braço se insinua neste vulcão rosa, com delgadas linhas discretas – é a preservação, numa pessoa que aprendeu que o showman, o indiscreto, nunca é plenamente respeitado no âmago das pessoas, dos espectadores. Uma grande selva tropical embasa o homem, no modo como o Mundo observa o que o Brasil está fazendo consigo mesmo, e até Tolkien já assinalava tendências ecológicas, no romance épico em que personagens bondosos condenavam a derrubada irrefreada de árvores. Este verde farto me remete a quando, em viagem para o Exterior, vi pela janela do avião o tortuoso Rio Amazonas, serpenteando sensualmente como uma coluna barroca, numa diva pop sexy no palco, no modo há talentos com os quais as pessoas já nasceram – não há livro ou escola que lhe ensine a brilhar, apesar do livro de Tao ser tão interessante neste sentido. Este vulcão rosa é circundado por uma faixa azul, assim como na orelha do homem, numa pessoa que aprender a ouvir mais e falar menos, na sabedoria de uma pessoa que adquiriu ponderação, sem os rompantes imprudentes da Juventude. E este braço quase invisível parece estar se afogando e pedir socorro, como na lição de amor fraternal em A Lista de Schindler, o épico que causou comoção mundial, na frase: “Esta lista é Vida”, pois como posso ser feliz se sou um egoísta que ignora tudo e todos? No plano de fundo, um céu rubro, de sangue, nos crepúsculos californianos, dourados, em meio à baixa umidade relativa do Ar, como num céu noturno em chamas, devorando casas e prédios, fazendo metáfora com a fome insaciável dos governantes ambiciosos, havendo virtude no rei que está contentado com seu próprio reino, pois a Guerra é filha da Ambição. Neste céu rubro, vemos flocos de neve dourada – é a glorificação, o pleno reconhecimento, num artista que deixou de ser tão mal compreendido, ao contrário da impactante e engraçada cena de Romero Britto ver uma de suas obras destruídas por uma espectadora raivosa e fora de si – o artista, na cena, fica boquiaberto com o choque.

 


Acima, Cobra. A cobra é a força da Vida, da vontade de viver, como numa pessoa que derrotou o fundo de poço e foi, aos poucos, reerguendo-se, deixando orgulhosos o pai e a mãe, no modo como eu, querendo poupar esforço de meus pais, prontifiquei-me, ao voltarmos de viagem de Buenos Aires, a carregar as malas deles, e o agente do aeroporto, no desembarque, achou que eu estava trazendo contrabandos... A cobra remete ao símbolo da Medicina, com o fálico bastão retilíneo do remédio, da cura, do avanço racional científico, combatendo a malícia da doença, que é a cobra, como se o bastão estivesse servindo para abater o bicho, este infame desde o momento da maçã do Éden, no momento em que a Inocência foi perdida e a Malícia passou a se apoderar do Ser Humano, na perda de tal inocência, inocente como um bebê nu na barriga da mãe – Tao não tem vergonha do que ele próprio criou. A serpente se esgueira pela floresta em busca de comida, abocanhando um rato ou até outra serpente, num longo processo digestivo, assimilando aos poucos, no modo como a pessoa tem que ser assim, como a serpente digerindo, nunca achando que pode ir de zero a cem em um piscar de olhos, numa pessoa que, imbuída de grande paciência, vai trilhando seu caminho, no sábio ditado: “Roma não foi construída em um só dia”. A serpente aqui está confortável neste chão de terra, neste chão simples, com cheiro de terra, de zona rural, nas doces memórias de Infância, quando viajava para o campo com minha família e parentes, algo muito interessante para crianças da Cidade, deparando-se com cascatas, rios e girinos nadando, como espermatozoides enlouquecidos e competitivos, concorrendo pelo raro óvulo feminino, como no ultracompetitivo mercado de modelos – há muito corpão e muito rostinho lindo que jamais será astro, na sabedoria de que Beleza não põe à mesa. Então, casos raríssimos como Gisele ganham tal destaque, numa estrela que é a exceção da exceção, deixando o Mundo pasmo com tanto brilho, com tanta competência, numa pessoa que foi aprendendo instintivamente a brilhar. Em contraponto a este escuro e misterioso chão de terra, nas entranhas do Inconsciente, vemos um límpido céu azul, belo, livre, arejado, trazendo ar para todos os seres vivos fora d’água, havendo em Tao este pai provedor, como um paizão, que, ao embarcar em uma viagem num dia de calor, leva no veículo várias garrafas de água mineral para que ninguém tenha sede ou desidratação – é o talento de patriarca, no poder de reunir a família numa bela noite de Natal, e Tao é este líder, num poder imensurável, fazendo com que passemos a ETERNIDADE tentando desvendar os maravilhosos mistério do Indubitável, assim como a promessa de uma vida plena e produtiva no Plano Metafísico, o lugar que é um paraíso para quem gosta de estudar e trabalhar, pois, após o Desencarne, o espírito percebe que a Vida continua, havendo no sujo Umbral tal improdutividade, tal falta de sentido, tal desperdício, no modo como é um desperdício que uma pessoa nada mais faça do que cuidar de uma casa – homens ou mulheres, todos temos que botar a cabeça para funcionar. Numa extremidade da cobra, uma nuvem – é o Sonho, numa pessoa que quer ir longe, desbravando instintivamente seu caminho, como uma menininha, que sonha em ser Rainha da Festa da Uva ao ver aquela soberana triunfante num carro alegórico abanando para o Povo, o dono da Festa da Uva, pois a Cultura Popular vem do Povo e com este fica. A nuvem é o I-Cloud, olhando para o Céu, no modo como o Plano Metafísico é invisível aos olhos carnais. A nuvem é o conforto, no prazer de tirar os calçados e pisar numa grama fofa, na simplicidade dos pés descalços, na simplicidade jovial de simplesmente sentar em uma escada, na falta de pretensões ou frescuras, havendo em Tao o simples, o lógico, o desprendido. Nesta cobra, parece que há duas cobrinhas nascendo da mãe, no milagre da Vida, da multiplicação dos pães, na fertilidade da cabeça criativa, artística, abarrotando um atelier, querendo expor, vender ou simplesmente doar, como recebi de uma pintora um quadro lindo do rosto de uma gueixa, o princípio feminino de doçura e agradabilidade.

 


Acima, Espécie. Vemos uma janela obstruída, com uma tarja laranja, como nas infames bandeiras da Covid-19, num ano de 2020 que vai ser lembrado pelas vicissitudes coletivas, no modo como Tao joga os vírus no Mundo para que as pessoas desenvolvam Fraternidade e Comiseração, como num irmão que vai à Farmácia para comprar remédio para o irmão enfermo. Aqui é como um pacote de presente sendo empacotado, no mistério de se receber um presente empacotado, buscando adivinhar o que há no interior, com o prazer da violação do papel de presente rasgado, num presente muito bem dado e pensado, como uma chaleira elétrica que ganhei de minha madrinha, um aparelho que uso quase diariamente, ou seja, foi um presente acertado. O fundo deste quadro é de um duvidoso preto, numa janela para o nada, como nos espíritos revoltados que se afastam de Tao, refugiando-se nas terras imundas do Umbral, num espírito sofredor que não enxerga que todos somos guiados por livre arbítrio, pois Tao não é um implacável ditador; Tao ala os anjos com seus poderes paranormais de Amor e Razão. A janela aqui transgride o quarto escuro e traz a saudável luz do dia para um submundo escuro e fétido, um submundo cheio de vício, malícia e drogas, como uma pessoa que se perde nas drogas, como o triste personagem de Sharon Stone em Cassino. A janela aqui é a esperança de um plano melhor, como na cena final em O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei de Frodo acordando em uma cama ensolarada por um delicioso e saudável Sol da manhã, acordando numa terra elevada, fazendo metáfora com o charme de Gramado, pois o Plano Metafísico é como uma terra serrana, elevada, depurada, em que a claridade racional do dia traz a cura para doenças e tristezas, como numa boa revista de Decoração, em lares belos e acolhedores, finos, de bom gosto, que elevam a mente humana para o patamar elevado do Metafísico, rejeitando a grosseria inútil do Umbral, o lugar que, definitivamente, não eleva mentes – bem pelo contrário, pois que beleza há num suicídio, numa pessoa que perdeu toda a Fé e Esperança? A janela é o presente da Vida, num espírito que resolveu reencarnar e enfrentar novos desafios, como num videogame, com várias fases, com cada fase trazendo novos desafios, excitando o jogador a ir além, sempre com um áureo objetivo, que é a Vitória, como uma pessoa que encarou todas as lições terrenas que precisava encarnar, arrumando sua “mala” e voltando triunfante para casa, no clima de missão cumprida (e, por vezes, comprida), como nos ares que se respiravam no funeral de minha querida avó Nelly, e eu podia sentir que ela estava em plena consciência do Desencarne, abraçando as novas perspectivas de desencarnada, indo se (re)encontrar com tantos, tantos amigos desencarnados – a Libertação é a Glória! A janela é a Esperança, no modo como eu gostaria de dar esperança para uma grande amiga minha, a qual está deprimida e desnorteada – força, irmã! Pois, como me disse uma médium, Tao não quer nos ver derrotados no ringue; Tao quer nos ver reagindo. A janela é como um espelho, na pessoa que se depara com a própria vida, observando os danos de irresponsabilidade, pois a seriedade da Vida vai se desdobrando, varrendo ilusões, como uma pessoa que quer ir para Florianópolis e ser ratão de praia, querendo, assim, fugir, remetendo ao título da bela canção da banda A-Ha: Summer Moved On, ou seja, O Verão Passou. Então, o belo circo levanta a lona e vai embora, e os sinais auspiciosos se desintegram perante Tao, o verdadeiro. Desse modo, ter os pés no chão é essencial, pois quem é realista não se frustra. Esta janela está alada, no poder libertador da Beleza, curando o Mundo das feridas bélicas, enviando espíritos a um mundo sem qualquer doença, na glória metafísica, como tive um sonho muito lindo, no qual minha falecida avó Carmen saía pela porta de um prédio, emoldurada por uma luz, na beleza radiante dos espíritos que vivem plenamente.

 


Acima, O Capeta de São Paulo. O capeta é os prazeres da Vida, do mundano, como tomar um bom vinho em um pôr do Sol corado. O capeta é a ausência de culpa, indo contra ao tradicional mea culpa religioso, no modo como cada pessoa é responsável por si mesma, no conceito liberal de Smith, na frase do Oráculo de Matrix: “Conheça a si mesmo”. O capeta remete à divindade da Umbanda, o Capa Preta, que penetrou em sete homens e sete mulheres. O capeta é a ambição, o querer algo da Vida. É o sonhar, numa pessoa que se deu conta de ser puramente uma dona de casa não vai trazer preenchimento existencial, com tantas e tantas mulheres dolar que não sabe quem elas mesmas são. É como no personagem arrebatador de Al Pacino em O Advogado do Diabo, nos prazeres mundanos, como fumar ou receber sexo oral de uma prostituta, num personagem absolutamente desprovido de culpa católica, com tal personagem que, ao entrar na Igreja e tocar a água benta com a ponta dos dedos, a água ferve, como uma boa pizza picante de calabresa forte, no tempero que dá calor aos pratos, pois o que seria dos programas de Culinária sem os condimentos vibrantes? O capeta é da cor da carne, do sangue, do físico, como uma feiticeira que conheci certa vez, uma maravilhosa mulher de vestido vermelho, como em A Dama de Vermelho, filme do ícone de beleza dos anos 80, a musa Kelly Lebrock. É como o sangue do tapete vermelho das celebridades, ou na cor sanguínea da Guerra e da Morte, num rei corajoso guiando os soldados para o encontro da Morte e da Ressurreição dos que caem no combate. As pinceladas de Ivald são vigorosas e rápidas, mas claras o suficiente para observarmos os elementos. O capeta veste uma gravata amarela, dourada, na ambição humana por coisas preciosas, na ambição de se construir um tesouro, como na majestosa Coroa Real da Inglaterra, uma peça tão valiosa que simplesmente não pode sair do cofre, fazendo com que o monarca use uma coroa réplica, de valor bem menor. O capeta veste um majestoso casaco longo, esbanjando charme e sedução, na sedução de um doce delicioso, na insensatez de se condenar a Gula, pois no Plano Metafísico, o plano divino e espiritual que está acima de todos nós na Terra, há doces para ser degustados, e doces que não engordam – não é fantástico? Ao lado do capeta vemos um anjo pós moderno, num contraponto, num choque entre frescor e quentura, no calor sedutor de uma lareira no Inverno, com os namorados na beira do fogo num momento de se curtir o bom da Vida. Este “anjo” é uma torre de nuvens num céu azul, nos inacreditáveis prédios metafísicos, impossíveis para qualquer sonho de Engenharia na Terra, sendo esta a prisão onde tudo está sob o comando da Gravidade, havendo na levitação do anjo um desafio a tal regra da Física. Ao lado do anjo vemos uma grande seta amarela, como a seta do Cupido, como um caçador empenhado em fisgar um peixe ou atirar num pássaro, na lida do dia a dia, na obrigação do pai em prover o Lar de tudo que este precisa, na sociedade que são os casamentos: nós nos unimos e cada um faz uma parte do trabalho, em algo que vai além do que só Amor – tem que ter Conveniência. Atrás do anjo vemos um fundo verdejante, duma exuberante selva tropical, nas vagas lembranças de Jardim de Infância, com uma grama para se poder brincar, no modo como permanece amiga de minha família a “tia” que me cuidava nessa escolinha. Já, o capeta é emoldurado por um fundo mais escuro e imprevisível, como prever o clima em alguma região do país, no desafio científico de matar charadas e encontrar lógica nas leis da Natureza e do Cosmos. Na extremidade inferior à direita, uma garra de felino, que é a tenacidade, a garra, a vontade de vencer, numa pessoa que adquire o controle sobre sua própria vida, negando-se a ser comandada por outrem, no ato saudável que é mostrar o dedo do meio para o Mundo, pois que vida é esta na qual sou um prisioneiro das expectativas de outrem? Na boca do capeta, vemos um olho, o olho malicioso de Sauron, querendo ser um ditador e controlar tudo e todos, pois quanto mais Tao tenho, menos controle busco obter. Tao, o leve.

 


Acima, sem título. Vemos aqui um quadro esmaecido, com melancólicos e dúbios tons de cinza, como num duvidoso dia nublado, um dia que testa nossa fé em relação a um dia mais ensolarado, um dia de certeza, de consciência. No topo vemos uma meia lua, a grande pérola do céu que é a mesma para todos os seres humanos, na universalidade da condição humana, com o livro de Tao que, mesmo escrito há milênios, permanece extremamente atual e contemporâneo. É um anel de pérola, numa Vênus revelada numa concha com odor sedutor de Mar, de orla, de liberdade ao ar livre. Ao redor desta luz vemos um conjunto de colinas, nas voluptuosidades geológicas, como no seco Grand Cânion, o qual abrigou vastos oceanos há eras, num planeta dinâmico, sempre se transformando, pois tudo é processo, e o espírito está o tempo todo crescendo e se transformando, mas nunca perdendo suas particularidades – as pessoa não mudam, pois são obra de Tao, o eterno. A lua é o sonho noturno, no símbolo dos enamorados, num grande prato de prata que banha com sua luz branda, como no majestoso quadro A Noite do mestre Pedro Américo, numa deusa nua em meio aos véus negros da noite fascinante – se você não conhece o quadro, pesquise no Google. A lua é emoldurada por um retângulo, que é a organização, no modo humano de construir os calendários, trazendo os anos bissextos para organizar a natureza caótica da passagem de Tempo, numa tentativa de domar tal Natureza tempestuosa, como o toureiro na arena. Na porção inferior vemos as entranhas estranhas da terra, indo fundo ao centro da Terra, um centro extremamente quente, aprisionado pela própria gravidade esmagadora. É como um formigueiro construído num cubo de vidro, permitindo que vejamos os complexos meandros do formigueiro, num labirinto no qual somente o próprio dono sabe transitar sem se perder, como cada artista vive sua “bagunça organizada” no próprio atelier. Esse morro negro tem um orifício, que nos permite ver além da terra, na capacidade de certas pessoas em prever razoavelmente o futuro, mas numa clarividência limitada, pois quando não me é permitido ver, não o verei, pois simplesmente não estou pronto. O furo aqui é uma bala de canhão, como meteoros penetrando nas “brumas de mármore” de Júpiter. No topo desta cordilheira terrosa, vemos vários elementos, contando a partir da esquerda. Vemos um alienígena com descomunais orelhas – é o mistério de nosso vizinhos cósmicos, nossos irmãos que estão mais avançados em relação a Tecnologia e viagens cósmicas, pois Tao não fez só o Ser Humano; Tao fez também todas as raças alienígenas, pois Tao é grande, e o Universo é Sua obra. Vemos um cachorro solitário, talvez perdido de seu dono, inspirando cuidados, como ser alimentado e estar de banho semanal tomado, na responsabilidade de se cuidar de um bicho. Vemos uma fada com um enorme chapéu – é a doçura feminina, no contraste das lutas num octógono, com a doce menina exibindo a placa informando o round, em contraste com a luta absolutamente dura dos oponentes num octógono muitas vezes sujo de sangue de outras lutas. Este quadro é meio estranho, e cada pessoa tende a ver aqui algo diferente. Ao lado da fada, um cubo, como uma caixa que algo guarda, como uma joia de presente, como chegar numa festa de aniversário e dar o presente para o amiguinho, pois desde cedo a criança é instruída em relação às regras de etiqueta e convívio, no grande império que é nosso sistema solar. Ao lado do cubo vemos um rato com um perigoso dente afiado – são os sociopatas vampiros, invejando tudo e todos, espírito mundanos que, no Desencarne, vão direto ao Umbral, vagando por terras escuras, cheias de monstros horríveis, que são nossos irmãos sofredores, num cenário de degradação inacreditável, com espíritos orgulhosos que não têm a Humildade para pedir ajuda para sair de tal lugar indesejado. Ao lado do vampiro, uma torre elegante, num sonho arquitetônico. Por último, uma concha na beira da praia, fazendo do Mar a Mãe Primordial que trouxe Vida è Terra; a Iemanjá generosa que enche as redes dos pescadores.

 

Referências bibliográficas:

 

Ivald Granato. Disponível em: <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso em: 16 set. 2020.

Ivald Granato. Disponível em: <www.escritoriodearte.com>. Acesso em: 16 set. 2020.

Ivald Granato. Disponível em: <www.guiadasartes.com.br>. Acesso em: 16 set. 2020.

Ivald Granato. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 16 set. 2020.