O jovem artista plástico maranhense Romildo Rocha esteve recentemente em Caxias do Sul para pintar um de seus famosos murais no Instituto SAMbA – é assim mesmo que se escreve –, uma instituição cultural que foi inaugurada no ano de 2018. Rocha vem de uma família humilde e retrata a Cultura Nordestina. Abriu uma escolinha de Desenho para pinçar novos talentos. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, sem título (1). O vermelho é o sangue que nos torna irmãos, no modo como os vínculos de família não se desfazem com o Desencarne. O vermelho é uma boa pizza apimentada, vibrante, provocante, como uma pessoa que sabe provocar, atiçando o público e mostrando que a Arte é desta função – a de interpelar seres humanos pensantes. Temos uma cena de botequim, no redentor momento de fim de dia, no happy hour, quando gravatas são afrouxadas e a descontração do Álcool faz sua função de aliviar as tensões de um dia de labor árduo. Vemos um quadro retratando um casal heterossexual, no inevitável arquétipo cósmico de Yin ao lado de Yang, dando a estes casais uma função representativa, como uma rainha ao lado de um rei, no inevitável modo como ele então faz o Yang dela e ela, por sua vez, faz o Yin dele, algo muito inevitável no casal heterossexual, nessa função de personificar os opostos, no eterno fascínio de um enlace na Igreja, fazendo metáfora com a deliciosa plenitude de Paz e Amor do Plano Metafísico, numa espécie de casamento perfeito, muito longe das vicissitudes que acabam por desafiar a longevidade de um casamento – são os percalços materiais, sem os quais a Vida na Terra perde o propósito. Vemos garrafas de pinga, na universalidade da birita, do drinque, como num Japão que, apesar de tão longe da América, tem o saquê. Vemos o tradicional multipotes de doces, de balas, enchendo de cor os olhos de uma criança, numa idade em que não há as rigorosas exigências de adulto, pois a simplicidade das crianças tem muito a ensinar aos mais velhos, na frase cristã: “Vinde a mim as criancinhas, pois é delas o Reino dos Céus”, fazendo do Plano Metafísico esta dimensão tão simples, tão cheia de juventude e saúde, um plano no qual tudo o que a pessoa tem a fazer é trabalhar e se divertir, muito longe dos problemas mundanos de desemprego. O atendente no bar está muito plácido e tranquilo, como se estivesse feliz com o que faz, assim como é tal dádiva uma pessoa ser feliz com o que faz, e nesta foto podemos ver o artista feliz e sorridente, orgulhoso de seu próprio “filho”, como numa Marisa Monte, a qual disse em entrevista que seu próprio trabalho é um deleite para si mesma. O atendente veste uma camisa com estrelinhas, no fascínio do céu noturno, numa prova da eterna abundância de Tao, num Universo tão vasto e rico, e assustadoramente infinito, no modo como é quase assustadora a percepção do Infinito, em pensar que nossas vidas jamais findarão, jamais – é um poder tão grande que não cabe na cabeça de um ser humano. Vemos também uma balança, que é o juízo, a ponderação, a análise racional, como na imagem da Justiça, de olhos vendados com uma balança da mão, na excelência do Pensamento Racional, nunca se deixando enfeitiçar por tolos sinais auspiciosos, na nobre intenção democrática de igualar a todos no momento da urna eletrônica, querendo sempre nos lembrar que somos todos do mesmo sangue. Talvez, de forma inconsciente, o artista aqui veste uma camisa que entra em harmonia cromática com o mural, deixando o artista sutil, discreto, talvez sabendo o valor de nunca aparecer mais do que o próprio trabalho, como na esperteza de um camaleão, sempre se escondendo de predadores e de presas, na seleção natural que beneficia os mais espertos e mais cautelosos, na questão de autoestima, de uma pessoa que se ama e se cuida, sem narcisismos. O atendente veste um elegante chapéu, talvez remetendo a outras épocas, pois, hoje em dia, no ano de 2020, é tão difícil vermos pessoas usando chapéus. O sorriso do atendente é plácido e sutil, numa pessoa que encontrou Paz em seus dias na Terra, produzindo sempre, como Tao, o elaborador incansável.
Acima, sem título (2). A porta é a passagem, como num consultório de Psicologia, no qual o terapeuta só pode mostrar as portas – quem “bate o martelo” e decidi cruzar tais portas é o paciente. É como num rito de formatura, num rito de passagem. É como cruzar o limiar entre duas dimensões, fazendo do Umbral esta “terra de ninguém”, como Neo em Matrix Revolutions, preso numa interdimensão, num desolador lugar árido, numa prisão total e absoluta, tendo de purgar tempo ali dentro, como numa pessoa soterrada, presa entre escombros, sem poder se mexer, num momento em que tudo o que lhe resta é rezar, como Pierina em O Quatrilho, a qual, ao receber a desoladora notícia de que seu marido fugira com a prima dela, vai no altar de casa e reza, num momento de choque, num rompante, como um espírito farto de vagar pelo Umbral, adquirindo a humildade para entender que precisa de uma ajuda, de um auxílio fraternal. Aqui, o casal dança festivo, num momento de euforia, como num baile de gala, onde todos esquecem seus problemas e curtem um momento de descontração, querendo fazer metáfora com a plenitude feliz do Plano Metafísico, onde é só doçura. Aqui temos um pouco do Patriarcado, pois o homem está ligeiramente acima da mulher, como no Monumento ao Imigrante, em Caxias do Sul, ou nas representações de faraós, com as respectivas esposas sempre num nível inferior, talvez num Rocha querendo mostrar e “denunciar” tal preconceito, pois os espíritos não têm Sexo – o Sexo é algo que só serve na Dimensão Material. Aqui é um momento de garbo, com pessoas que se arrumam, como no saudoso café do luxuoso hotel caxiense Reynolds, num ambiente sofisticado, com pessoas que se arrumavam para tomar ali um elegante café, na enigmática elegância metafísica, nessa limpeza, nessa beleza, num lugar onde todos moramos em maravilhosas mansões, fazendo das mansões mundanas uma mera cópia grotesca das mansões psíquicas. Vemos aqui bandeirinhas, talvez numa festa junina, num Rocha empenhado a retratar tais aspectos culturais do Maranhão, num Brasil vasto e diversificado, numa Cultura Popular fascinante, no modo como os turistas ficam encantados com o Carnaval do Rio. Talvez tenhamos aqui um casamento caipira, na diversão que são as festas juninas, numa mescla cultural com os gaúchos, fazendo da Cultura um corpo dinâmico em constante transformação, assim como nas Leis da Dialética: “Tudo é processo”, ou seja, a Eternidade é a prova de tal imensidão majestosa, deixando “no chinelo” qualquer rei ou rainha mundanos. O amarelo é a cor da alegria, dourada, farta, como numa majestosa aurora, numa beleza terrível, implacável, digna de devoção, como no clima de devoção que dizem haver nos shows do cantor sertanejo Leonardo, fazendo de tal gênero musical algo tão brasileiro, tão único, e tão alvo de desprezo por algumas pessoas mais elitistas. Podemos aqui ouvir Música, algo imprescindível numa festa, é claro, como no caldeirão cultural americano, colocando no mesmo saco gêneros como Country, Rock, Jazz e Blues – a Arte é vasta e inesgotável; a Arte faz metáfora com o brilho de Tao, aquele que nos deixa de queixo caído, como num artista encantando o seu próprio fã clube. Este casal está eufórico e elegante, e suas roupas trazem contraste entre preto e branco, numa elegância binária, racional, como em fotos em preto e branco das estrelas hollywoodianas, na tentativa humana de aludir aos espíritos superiores, espíritos de excelência moral, na beleza das almas honestas, sinceras e verdadeiras, como bons amigos, uma pessoa que nunca quer enganar outrem. Aqui, o cavalheiro e a dama têm cinturas magras e elegantes, na força dos padrões de Beleza, como observei recentemente com minha mãe, em um passeio por um shopping, manequins de uma loja, com os ossos do tórax aparecendo sob a pele, num padrão de Beleza que beira a anorexia – não tem como ser saudável. Que crueldade.
Acima, sem título (3). Um prazeroso momento de descanso, num músico, talvez amador, divertindo-se, pois a Vida não é só sisudo labor; a Vida tem que ter sonho também. Podemos ouvir o som do instrumento, como na passagem do romance O Cortiço, com a exuberante mulata dançando Samba, encantando com tal cultura exótica, brasileira. O homem toca de olhos fechados, numa pessoa que desenvolveu alta intimidade com o violão, como num pianista cego, superando o percalço e tornando-se grande no que faz. É como um grande compositor, que era surdo, fazendo coisas para o Mundo, como Frodo: “Eu salvei o Condado, mas não para mim mesmo”. É a doação, no modo como Tao se doa incondicionalmente, sempre subestimado, sempre invisível, eterno em sua discrição, um Tao o qual nem a Eternidade será capaz de desvendar... Neste quadro temos uma ironia de Metalinguagem, pois é luz falando de luz: no mural, uma faixa diagonal amarela banha de luz a pintura; ao mesmo passo, no momento desta foto, o Sol por si também rasga a cena com sua incidência. O homem tem o tradicional chapéu de cangaceiro, na vocação de RR em retratar a Cultura Popular Nordestina, uma cultura tão rica, que vem do Povo e com este fica, como no misterioso surgimento do Samba – sabemos que este veio dos morros cariocas, mas exatamente como, quando, onde e com quem? É o enigma da Cultura Popular. O homem está à vontade, deitado ao tocar sua viola, remetendo ao divertido episódio de Chaves em que as crianças do seriado tomam aulas de violão, e até me remetendo às aulas de violão que tive na Infância – apesar de eu não ter me tornado músico, foi um momento interessante de minha vida. É como uma pessoa que conheci, uma pessoa que buscou se tornar músico profissional, mas acabou se frustrando, pois não foi corajoso nem impetuoso para lutar por seus próprios sonhos de músico, remetendo à canção clássica do Jazz, a Boulevard dos Sonhos Despedaçados, fazendo do Mundo este laboratório em que tantos sonhos, todos os dias, são dolorosamente ceifados... RR é irônico ao se integrar à base de seus trabalhos, pois acima desta janela vemos um pássaro pousando – o pássaro é a liberdade de pensamento, a independência, numa pessoa obtendo o controle sobre sua própria Vida, ao contrário da misoginamente donzela pura e casta, que é entregue virgem ao noivo na Igreja, num machismo que vê com maus olhos a mulher independente, que não vive sob a sombra de um homem, na figura patriarcal do cacique. No rosto pálido do músico vemos uma bochecha bem rubra – é o calor da Cultura Popular, como numa festa mexicana com a pichora sendo quebrada e distribuindo doces às crianças, como doces no Halloween. É o sangue que nos une, na grande família humana, mas infelizmente um sangue que não é o sacrossanto sangue metafísico, o sangue nobre que une todos os filhos de Tao, o Rei dos reis. Nesta composição vemos plantas regionais, e vemos um cacto, com seus agressivos espinhos, num ato arredio que visa a autopreservação, o recolhimento e a discrição. São os inevitáveis espinhos da bela rosa, num sabor agridoce, na canção clássica de Elis: “Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”. Doce ou amarga, a página tem que ser virada. O músico faz amor com o instrumento, fazendo de dois um só corpo, numa relação íntima, como no ápice de um relacionamento amoroso, em que um entrega ao outros suas tristezas, num inigualável momento de entrega existencial. O homem é elegante e longilíneo, no modo como o mercado de modelos só contrata pessoas de sua certa estatura, fazendo metáfora com os espíritos superiores, nossos irmãos ultraevoluídos, dando-nos o exemplo nobre e eterno de comportamento moral – tudo acaba girando ao redor da dimensão acima da nossa Dimensão Material. É uma honra ter uma casa pintada por RR, fazendo da fachada uma obra de Arte. Pelas vestes do homem vemos estrelas, mas não no modo caótico de conchinhas à beiramar, mas ordenadas e catalogadas, na necessidade da pessoa adquirir disciplina, colocando em ordem a própria vida.
Acima, sem título (4). A cena é bem brasileira, com bebidas tão clássicas como Cachaça e Cerveja, mais baratas do que Vinho, por exemplo, derrubando o consumo per capita deste no Brasil. O cachorro é a fidelidade e o companheirismo, sempre seguindo o dono, com pessoas que se dispõem a ter (bem) mais do que um só cão. Aqui é uma ironia, o modo como RR resolveu tratar o próprio boteco, com bar falando de bar, trazendo tal fino talento a um lugar tão comum e sem glamour, pobre, como no nosso pobre país chamado Brasil, porém rico em outros aspectos, como na Cultura. Temos aqui o prazer do Etilismo, numa pessoa que tomou gosto, ao contrário do alcoólatra, o qual não liga para o sabor degustado gole por gole – o alcoólatra só quer injetar Álcool em seu próprio sangue, sempre em busca de pretextos para beber... A cerveja é dourada, da cor de reis, como na cerveja já feita no Antigo Egito, esta civilização inesgotável. O homem toma o gole com os olhos fechados, num momento de prazer e entrega, na parte do dia em que o labor cessou a chegou a hora da descontração, na felicidade de um artista que encontra prazer naquilo que faz, como Marisa Monte, a cantora musicista que declarou não ver o trabalho como trabalho, tal o prazer. RR fez aqui uma interferência mínima, e não se apoderou de todo o boteco, operando com sutileza, integrando tudo, fazendo-nos acreditar que tudo no bar foi feito do Rocha. Parece de fato que o homem está ali dentro, e podemos ouvir o som da conversa animada, com gargalhadas, no modo como o Álcool “solta” a voz. A pia é a purificação, a limpeza de caráter, numa pessoa que descobriu que ser honesto é o que de melhor alguém tem a fazer de sua própria vida. A pia é a água correndo, sempre incessante, numa nascente de rio incessante, arrancando água mineral das entranhas da terra, numa singular esfera autossustentável, sempre se reciclando e renovando-se, no modo como Tao é esta grande avenida da qual nasce a Vida, no enigma da renovação, da reprodução, numa sinergia, assim como na sinergia de uma cidade como Gramado, onde tudo é feito para encantar o turista, no retorno de um investimento bem feito, assim como o artista tem esta missão de encantar o Mundo, causando comoções, como na comoção antiburguesa de Titanic, numa Rose que decidiu viver seus dias com simplicidade, nunca se deixando escravizar pela joia azul da cor do impiedoso e voraz Mar, um buraco negro que engoliu os sonhos humanos de grandeza. A “ceva” e a pele do homem têm o mesmo tom, e formam um só corpo. As obras de Romildo trazem este traço de Xilogravura, fazendo deste artista também um grande talento de xilos. Seus traços são simples, de candura infantil, como um “tosco” Basquiat, com generosas pinceladas simples. Aqui, este “sangue amarelo” é o gosto pela bebida, na linha clara entre Prazer e Vício. O chapéu remete aos dias em que cavalheiros, em sua maior parte, usavam tal acessório elegante. O chapéu é o telhado de uma pessoa que possui a si mesma, jamais deixando que o Mundo a diga como deve ser ou viver, no agressivo (porém saudável) gesto de mostrar o dedo do meio para tal Mundo – que vida é esta na qual sou um prisioneiro das expectativas de outrem? A coleira do cachorro também é dourada – é a domesticação, como num homem que, ao casar, deixou-se ser “domado e domesticado” pela esposa, tornando-se um cavalheiro pacato e gentil, como na Mulhergato afastando Batman por meio de vigorosas chicotadas, fazendo metáfora com a Mente dominando o Corpo, no modo como o Espírito vem sempre antes da Carne. A coleira é a propriedade, num artista que adquiriu uma identidade inconfundível, remetendo ao iconoclasta momento da obra de Britto ser despedaçada na frente do próprio pai de tal obra – que dor! É como um pai enterrando um filho, sem falar no custo financeiro de tal obra. Na bochecha do homem, um vigoro Sol rubro, daqueles poentes em dias muito secos, como um grande prato dourado, que é Tao, o perfeito disco solar que traz a Vida, no tradicional por do Sol no lago portoalegrense Guaíba.
Acima, sem título (5). O cachorro é usado como uma pele, remetendo à época em que usar peles não era considerado antiecológico. O cachorro é a majestade de seres como o cavalo ou o polvo, fazendo da Terra uma obraprima de Tao, o inventivo, o diverso, o original. O homem aqui fuma – o cigarro são os pequenos prazeres da Vida, como um cálice de bom vinho, indo de encontro ao sentimento de culpa, impondo os Sete Pecados Capitais, com pecadinhos tão gostosos como a Gula e a Preguiça. Os cabelos do homem são encaracolados, como uma cabeça de Medusa, numa mente fértil, criativa, como um publicitário que sabe que tem que ser criativo, revelando os talentos de Propaganda, num ofício que vai contra a Arte, pois ser publicitário é ser vendedor, e não artista, um fato que frustra muitas pessoas que ingressam na profissão acreditando que, em tal ofício, poderão ser o artista que são, o que é um erro – eu mesmo já cometi tal erro. É interessante observar que RR gosta de pintar bochechas com círculos vermelhos, como na bandeira nacional japonesa, num tom quente, que revela sangue vibrante, na capacidade de um artista em vibrar como uma estrela pulsando no Céu, pulsando com ritmo e sensualidade, fluidez, mostrando o calor no sangue latino, no calor da cultura popular de um país tão vasto e diverso como o Brasil. Abaixo na obra vemos uma densa floresta de espinhosos cactos, como na dolorosa coroa de Cristo, fazendo metáfora com o peso de responsabilidade que uma coroa pode causar na cabeça coroada, numa rainha que, na marra, teve que aprender a ter majestade e elegância, assumindo um posto que é seu por direito, no desafio de um monarca que, recém entronado, tem que conquistar o respeito de seus súditos e do Mundo, num desafio gigantesco, pois nunca ouvimos dizer que quem já reinou jamais perde a majestade? É como um espírito que, em uma vida anterior, foi regente, reencarnado com resquícios de tal nobreza, no modo como somente o sangue metafísico é azul de fato, unindo as pessoas em torno do Pai regente de todos, que é Tao, aquele que quer o melhor para seus filhos príncipes. Este canteiro espinhoso são as vicissitudes, no modo como a Vida traz dores a qualquer um, fazendo com que a pessoa entenda que, apesar da Dor ser inevitável, é evitável o sofrimento por tal Dor, pois a partir do momento em que aceito o Mundo do modo como este é, estou em Paz – não tente mudar o Mundo, pois nem JC nosso senhor soube fazê-lo, já que a Vida não foi feita para ser perfeita. A camisa do homem traz um jogo vibrante de claro e escuro, no desafio que é fazer xilogravuras, testando a atenção do artista, num jogo entre côncavo e convexo que pode pregar peças ao próprio artista no momento da confecção do “carimbo” de xilo. Remete aos majestosos jogos de contraste de Escher, o mago, encantando o Mundo com um talento de bruxo, de feiticeiro, fazendo da Arte tal prova de talento, e os talentos foram feitos para ser vistos, pois pobre daquele que não coloca para o Mundo seu próprio talento, e é uma pena observar tantos talentos que passam suas encarnações sem colocar isso às claras, com pessoas que, talvez, estão esperando pela próxima encarnação – não espere, pois o momento é agora. Este cão é curvilíneo como um jogo de cintura de uma topmodel, nas curvas femininas que inspiraram o clássico Garota de Ipanema, no momento em que Vênus se revela no horizonte, anunciando um novo dia, na beleza dourada de um amanhecer, fazendo metáfora com a majestade metafísica do Plano Superior, o lugar onde a Vida segue, só que sem as dores encarnatórias – é o futuro glorioso que nos espera, numa simples questão de tempo. O cachorro flui como água, e quase enforca o homem, como nos ardilosos golpes de Judô, dando poder àquele que sabe se curvar e ser humilde, com tantos egos que arruínam carreiras, pois como viverei em Paz se me acho o centro do Universo? Humildade é uma dádiva.
Acima, sem título (6). Os pássaros voando são a Liberdade, num país democrático. É a tão esperada data de libertação de um apenado, fazendo metáfora com as asas dos anjos, que são espírito livres, desencarnados, num anjo da guarda que jamais abandona o espírito encarnado, num espírito que nos dá conselhos sábios e fraternais, sempre minimizando o sofrimento do “apenado”, numa libertação que é só uma questão de tempo. Os bicos são longos e agressivos, como numa máscara que ganhei certa vez, uma máscara do Carnaval de Veneza, com um nariz descomunal, que exige que seja mantida uma respeitosa distância. São os bicos penetrantes do beijaflor, sugando o néctar das flores, com batidas de asas tão intensas que o animal parece flutuar, na beleza da Natureza. Neste mural vemos uma janelinha, como uma janela de prisão, no termo “ver o Sol nascer quadrado”, num enclausuramento pernicioso, de uma pessoa que subestimou a importância do comportamento moral, o comportamento que é socialmente imposto pelas leis da Sociedade, visando aprimorar o indivíduo, nessa luta diária contra corrupção passiva ou ativa, num Ser Humano ainda tão tosco, que quer o Poder pelo Poder, numa falta de sentido, no apego humano ao Poder, essa deliciosa sensação de comandar os outros, como no Anel do Poder, de Tolkien, corrompendo até os mais nobres espíritos, numa história sombria, que fala da fraqueza humana perante o Poder, como num Getúlio Vargas, preferindo morrer do que perder Poder – será que o presidente segue vagando esfarrapado e sem rumo pelo Umbral? Vemos uma grande cabeça de um menino lendo, de óculos – é a erudição, a intelectualidade, a paixão pelas letras, que deve ser incentivada desde o início do processo de Alfabetização. É o poder da Mente, de uma pessoa acima da média, acima dos medíocres, como o inesquecível professor universitário portoalegrense Tatata Pimentel, o qual só respeitava a inteligência dos alunos mais excepcionais, chamando estes de “elite”. O rapaz aqui lê um jornal do Maranhão, na sede diária por informação, no hábito de folhear diariamente tais papéis, numa sede incessante, pois o Mundo não para. O jornal é a inteligência dos jornalistas, os formadores de opinião, o senso crítico que prevalece sobre a mansa ignorância, na capacidade de observar o Mundo de forma crítica, sempre detectando falsidades e hipocrisias, na tarefa do jornalista em alertar o Corpo Social sobre assuntos pertinentes a todos – não brinque com a inteligência de um jornalista. Brotando do jornal, vemos plantas, no modo como ideias brotam das mentes criativas, fazendo conexões nunca antes cogitadas, na fertilidade mental incessante, num intelectual que se mantém sempre atento, sabendo que o Mundo não muda... Os óculos são a clareza, a capacidade de observar o Mundo, deixando de lado lentes opacas e usando lentes translúcidas, numa pessoa bem resolvida, que aprendeu a lidar com as imperfeições do Mundo, aceitando este e, por tabela, aceitando a si mesmo, sempre com a humildade de saber que sou um ser humano; não um deus. Na cabeça do menino vemos um barquinho ancorado e várias estrelas no Céu. A âncora é o juízo, os brios, numa pessoa que entendeu que não pode ser muito aventureira, sempre com os pés no chão, sabendo que a Vida exige maturidade, precaução e sabedoria, valores difíceis de ser entendidos pelos mais jovens. A âncora é a referência, o chão, numa pessoa que sabe que não pode viver ao sabor do vento, como um saco plástico vazio voando erraticamente pelas ruas, numa sensação de fragilidade, de que qualquer ventinho será capaz de me levar, na tarefa do bom professor, que é colocar no chão os pés do aluno. As estrelas guiam os sonhos dos navegadores, explorando mares e chegando a terras devolutas, numa Europa fascinada pela selvagem e recém descoberta América, na agressividade europeia em colonizar e escravizar, tudo por meio da força, muito distante de Tao, que se impõe pacatamente, impecavelmente, numa hierarquia irresistível, porém não bruta, mesclando Amor com Liberdade, como numa nação soberana.
Referência bibliográfica:
KURY, Giovana. Arte urbana: os cordéis vívidos reinventados nos muros de São Luís. Disponível em: <www.oimparcial.com.br/cidades>. Acesso em: 23 set. 2020.