Craque do Modernismo
Brasileiro, o longevo pernambucano de nascença Cícero Dias (1907 – 2003) foi o
sétimo de onze filhos. Entre 1925 e 27, conheceu modernistas no Rio de Janeiro
e começou a estudar Arte. Em 1937, fixou-se em Paris e ficou amigo de Pablo
Picasso. Dias foi preso pelos alemães durante a ocupação da França na II Guerra
Mundial, e nos anos 40 expôs pela Europa. Em 1965, a Bienal de Veneza
fez uma retrospectiva sobre CD. Uma obra do artista pode custar até 650 mil
reais. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa
leitura!
Acima, Casal no Barco. Como é plácido este lago! Que delícia! A superfície
está completamente inabalada, num artista centrado, que encontra muita paz em
seu dia a dia, na felicidade das pessoas produtivas. O barco é o invólucro, o
lar, o pertencimento, preservando o casal de se afogar. O lago é como um
espelho, na necessidade de uma pessoa que tem que se conhecer, olhando para si
mesma, no caminho da autoaceitação, levando a Vida de um modo mais simples, sem
tantas ambições que abalam a calma. O casal não sorri, mas também não está
triste. Eles estão estáveis, como numa inabalável equação, sendo um igual ao
outro, apesar de parecerem ser tão diferentes um do outro. É claro que o remo aqui
é fálico, penetrante como uma agulha, numa penetração incisiva e precisa, dando
o diagnóstico certo e certeiro. É a abreviação, a simplificação trazida pelo
Pensamento Racional, num remo muito fino e elegante, quase invisível, impecável
em sua discrição, como se soubesse que qualquer coisa poderá abalar a
estabilidade deste lago espelhado. É como se o barco estivesse numa superfície
vítrea, a qual, apesar de ser fina, é forte, como uma pessoa carregando o Mundo
nas costas. O casal está fazendo amor, só que de uma forma doce e calma, como
se soubessem que o Mundo não vai acabar. São os traços simples (e quase
infantis) do Modernismo, no movimento transgressor que veio para renovar a
percepção do brasileiro, na aquisição de uma identidade nacional, como no
grande desafio frente ao Cinema Brasileiro – estabelecer uma identidade. O
barco parece ser leve como uma folha seca flutuando, numa fragilidade passiva,
que inspira ser protegida. A impressão que se tem é a de que qualquer leve
brisa poderá perturbar a folha flutuante, no modo como é leve e agradável a
pessoa fina, que trata os outros com respeito e delicadeza, no perfume
metafísico – as fragrâncias mundanas são uma mera cópia do perfume psíquico,
pois de que adianta um psicopata assassino usar um perfume fino e delicioso?
Atrás do casal, a Flora Brasileira explode em todo seu esplendor, num
ecossistema único no Mundo. Parecem ser esfuziantes fogos de artifício, na
euforia da virada de ano, com grandes auspícios, enchendo de encanto os olhos
de quem vê o espetáculo de luz explosiva. Esta mata, aqui, é bem colorida e
diversificada, e são folhas retilíneas, espinhosas, fálicas, como se fosse uma
releitura retilínea das aquosas linhas curvas da Natureza. Como é colorido o
Modernismo! O homem veste branco, clamando por Paz, num homem que quer
simplesmente curtir a Vida ao lado da mulher amada. Aqui, temos uma submissão
patriarcal, pois quem está no controle do barco é o homem, cabendo à mulher um
papel passivo e coadjuvante. Em outra leitura, talvez a mulher, aparentemente
secundária aqui, exerça um papel sutil, porém poderoso, ditando ao homem qual
direção tomar. Neste quadro, temos muita estabilidade, controle emocional, num
momento eternizado. Logo abaixo da mata, vemos morros curvilíneos, como nas
curvas de uma mulher exuberante, na beleza da Mulher Brasileira. Os morros são
voluptuosos, e são doces, sem arestas, sem agressivos espinhos, na face doce de
todo trabalho árduo, pois onde há aspereza, há lisura. A mulher parece ser
mulata, mestiça, ao contrário do homem de pele pálida. A mulher usa um vestido
rosa, da cor da feminilidade, do perfume, das coisas agradáveis. Seu decote é
generoso, no modo sensual e tropical da Mulher Brasileira. Aqui, temos uma
plácida ausência de expectativas.
Acima, Menina na Sacada. A menina está um tanto entediada, talvez tendo
que matar tempo num estilo de vida que a fez uma dona de casa de luxo, cheia de
criadagem. Uma verdejante palmeira explode à direita, como no estouro de uma
supernova avassaladora, como uma Gisele, ditando tendência capilar ao redor do
Globo. É o eterno desejo do artista em ser valorizado e reconhecido, com tantos
e tantos talentos que jamais foram reconhecidos em vida, havendo no Desencarne
uma libertação, com o artista deixando para trás um mundo tão duro e
insensível, no remédio amargo que faz surtir doce efeito. São os sacrifícios.
Atrás da palmeira explosiva, uma parede rubra aveludada, num tecido delicioso,
na sedução táctil de peles de animais, numa deliciosa e gentil cama,
convidativa, da qual não queremos sair jamais. É a sensação deliciosa de Lar.
Quase ao centro do quadro, um vaso com flores delicadas. O vaso é a
domesticação, a disciplina, numa planta forçada a viver em cativeiro, num
processo tolhedor, em que arestas de rebelde personalidade são domadas e
polidas, numa pessoa que teve que aprender a acalmar seus próprios “cavalos” de
ímpeto. A planta no vaso passou por um processo apaziguador, e sua explosão,
apesar de continuar bela, é mais contida e comedida. É como esta mulher, com
sua feminilidade sendo aprisionada por um mundo tão masculino e competitivo. É
como um bicho em cativeiro, sendo condicionado, domesticado, suavizado, numa
pessoa que aprender a ter calma, como se soubesse que Roma não foi construída
em um só dia, numa pessoa plácida, observando as estações climáticas ir e vir.
Ao fundo no quadro, temo um pitoresco vilarejo, deserto, silencioso, como no
silêncio desta mulher que pousa pacientemente para o pintor. A vizinhança está
impecável, com casas devidamente pintadas, num cenário de vizinhança feliz,
numa pessoa vivendo em Paz os dias da Vida. É um morro, convidando-nos ao
esforço para que possamos subir ao cume, ao topo da pirâmide social, e é lá que
está este mulher, numa posição social privilegiada, abastada. A mulher aqui tem
o papel passivo, como um vale, atraindo para si as águas da chuva, no poder
gravitacional da pessoa com Tao, colocando-se na posição mais inferior e
subestimada, acabando então, invisivelmente, por tomar conta de tudo, no poder
de um ímã passivo, sempre quietinho no seu canto, sempre humilde. É como uma
mulher que, de forma passiva, acaba conquistando seu homem, atraindo este por
suas ladeiras que levam sempre para baixo, como no poder passivo da aranha, que
tece a ardilosa teia e aguarda por um inseto desavisado. E o artista tece tal
teia, esperando captar a atenção e a valorização do público, nos sonhos de um
artista em se tornar famoso e bem cotado, um sonho que, infelizmente, nem
sempre se torna real. A mulher senta languidamente num divã, como se estivesse
numa paciente sessão de Psicoterapia, abrindo ao terapeuta as gavetas da mente,
querendo saber os porquês em sua vida. Ela veste um vestido com tecidos
delicados, frágeis, na cor do Mar, como uma Iemanjá, banhando a areia, trazendo
Vida e fartos peixes aos pescadores. Esta mulher é recatada, e não tem o
vestido decotado, mas um vestido discreto, cheio de pudor e resguardo, e mal
podemos observar as formas de seus seios. Seu ventre é um tanto aparente, e
pode estar grávida, no papel que uma mulher de luxo – trazer ao Mundo filhos do
marido, numa vida entediante, sempre vivendo na sombra de um homem, algo que
está ok para a Sociedade Patriarcal, na qual a mulher tem que ser representada
por um homem, sempre. Este colorido quadro tem as cores de um prisma, e são
casaríos nobres, não de favelas. São como as ladeiras do Pelourinho,
convidando-nos a um passeio pelo Passado. Esta mulher não cruza as pernas,
seguindo a norma misógina de que as mulheres não podem ter ou expressar
sexualidade, cabendo um papel transgressor a algumas mulheres corajosas, que
ousam desafia o stablishment
machista. Seu rosto é jovem seu cabelo não tem fios brancos. É um jovem
estreando na vida de mulher.
Acima, sem título. Aqui,
temos uma mulher independente, que dirige seu próprio barco, tendo o controle
de sua própria vida, segurando por si só o fálico remo, dando a direção que
quiser dar à vida. Ela está bem calma e relaxada, e seu semblante plácido
esboça um suave sorriso, talvez numa pessoa feliz com a própria vida, como um
artista existencialmente preenchido, feliz em fazer o que faz. Estas águas são
doces como a Vênus de Botticelli. A mulher está recostada e lânguida, talvez
pensando em deitar e dormir ao doce embalo de águas tão agradáveis. O Sol a
banha sem queimá-la, e o barco boia como numa sessão de massagem, em que os
músculos estão sem tensão alguma, num momento de entrega, numa pessoa que, pela
primeira vez na vida, deixou de fazer sexo para fazer amor, num coito doce e
calmo, no qual há total intimidade entre os amantes, no modo como um verdadeiro
amor pode fazer com que a pessoa, antes se sentindo tão perdida e solitária,
possa encontrar uma lua feita de cristal, cheia de Verdade, no fato de que se
compra tudo, menos Amor, que é o que importa, havendo na prostituição a cópia
grotesca de tal Amor, pois a prostituição é uma fria transação de negócios.
Estas águas fluem e arrastam a mulher, e ela passou pelo artista, como se este
tivesse tirado uma foto em tal momento, no poder da obra de Arte em eternizar
momentos, na ambição do Ser Humano em controlar o Tempo, a Cronologia, havendo
na Dimensão Metafísica tal ausência de Tempo. Atrás da mulher, uma orla de
areia doce e limpa, num lugar que ainda não foi tocado pela porquice do cidadão
que joga lixo na areia. A areia aqui é como um delicioso pão quentinho, na
questão cristã da Transubstanciação, em que comemos a carne de Jesus, no
momento precioso de comunhão, em que todos nos sentimos gêmeos dentro de um
mesmo útero, na simplificação que é colocar vários objetos em um mesmo saco,
organizando o Caos e simplificando as relações – somos iguais em divindade;
somos filhos de Tao, o eterno mistério, pois passaremos a Eternidade tentando
conhecer este Pai, e não é a Eternidade um poder que não pode ser medido? Mais
ao fundo no quadro, lindas folhagens, não só verdes ou amarelas, mas azuis
também, talvez nas cores da Bandeira Nacional do Brasil, numa identidade
tropical colorida, vibrante, cheia de vida luxuriante, como exuberantes aves
tropicais, exercendo o fascínio brasileiro ao redor do Mundo. As folhagens
farfalham, e o cenário é uma delícia, como os meses de Inverno em Salvador, com
temperaturas entre 21 e 25 graus centígrados. Este lago parece ter várias vias,
como numa estrada com várias pistas, na intenção humana em impor ordem a um
Mundo tão selvagem. O barco aqui tem cor de tijolo, de construção, de casa, no
paciente trabalho persistente de empilhar peça por peça, como um artesão
mortificado, que observa sem expectativas o Mundo, pois quem tem expectativas,
frustra-se invariavelmente – não é amargo, desnorteante e desmotivante o sabor
da frustração? A mulher aqui é mulata, mestiça, no caldeirão único brasileiro
de miscigenação, na beleza das raças que vão se misturando, deixando para trás
o purismo e trazendo todo esse sabor brasileiro. A mulher veste um cândido
vestido rosa, como um chiclete tutifruti, num delicioso perfume, como numa
fruta doce e madura, como uma bela maga suculenta, na magia das frutas, frutos
de invenção de Tao, o generoso. Este rio tem cores de formidável harmonia
cromática, e traz um perfume azul, nas cores mediterrâneas, nas vastidões
aquosas de um planeta que é mais “Água” do que “Terra”. A mão da mulata conduz
suavemente o remo, como se soubesse que o bom governante é aquele discreto,
quase invisível, que faz com que o povo se sinta naturalmente seguro, num
regente que interfere o mínimo possível no dia a dia do cidadão, sempre
pensando neste, sempre pensando com delicadeza e respeito, pois não são
insuportáveis os autocratas? Esta mata aqui é densa, e é como uma sala de estar
natural, com fofas almofadas e quadros e papéis de parede com vegetação
acolhedora e sensual – é o prazer de uma boa conversa e uma bela sala, com
calma, numa vida sem as vicissitudes cronológicas.
Acima, sem título. É claro
que temos aqui um CD flertando com o Impressionismo, com pinceladas afoitas
que, de longe, têm sentido; de perto, não. O Mar aqui está revolto, cheio de
ondas, talvez num dia de muita ventania, com a Natureza mostrando impiedosa
força. Vemos uma reunião de moças elegantes, com suas sombrinhas coloridas e
femininas, e a única moça sem sombrinha é a que está de frente para o
espectador. O resto das moças está numa secreta reunião, de costas para o
espectador, fabricando segredos que jamais veremos. Parece que a moça cuja face
podemos ver está excluída. É o sentimento de exclusão, de rechaço, de
discriminação, numa pessoa que se sente menosprezada pelo Corpo Social,
condenada a uma vida de retiro e resignação, contentando-se a observar tudo de
longe, nunca se sentindo parte de algo. É o sentimento que se apodera do
artista cuja obra ainda não foi reconhecida, numa pessoa que se sente
invisível; ignorada. Esta moça está recatada, com os braços ligeiramente
cruzados, observando a reunião desta panelinha. A moça até quer entrar para o
grupo, mas está polidamente esperando por um convite, como se soubesse que de
nada adianta se impor perante um grupo que ainda não deu sinais de aceitação e
acolhimento. Podemos sentir em nossas faces este vento litorâneo, com o
agradável odor de Mar, de orla. Podemos ouvir o som revolto das ondas, talvez
num Mar um tanto inóspito, pouco hospitaleiro, só entrando no Mar um homem com
coragem, como um surfista ou um pescador. Não é um Mar que acolheria estas
frágeis senhoritas, com suas roupas esvoaçantes e perfume inebriante. Suas
leves roupas esvoaçantes farfalham ao vento, por vezes revelando sensualmente a
forma de seus quadris, glúteos e seios, ou de suas pernas. A mulher de rosto
revelado pode ser uma criada, uma aia, uma pessoa que nasceu num contexto
social não muito privilegiado, condenada a uma vida de subserviência, de árduo
trabalho doméstico, na crueldade das diferenças sociais, diferenças que, na
Dimensão Metafísica, dissipam-se, pois lá não existem riquezas mundanas, ou
seja, lá, a Pirâmide Social é horizontal, e a hierarquia não gira em torno de
dinheiro, mas de depuração moral. Vemos aqui uma vegetação florida, talvez numa
época primaveril, com flores douradas, silvestres, que não tiveram que ser
plantadas ou cultivadas, nos gratuitos presentes que a Natureza nos traz, nunca
nos cobrando pelas belezas naturais, pois Tao não cobra; Tao inspira. As cores
deste grupo são predominantemente em tons pastéis, suaves, desmaiados,
recatados, como cores de um enxoval de bebê. A única sombrinha mais marcante é
a da frente, rubra, chamativa. Talvez seja a sombrinha da líder do grupo, uma
líder que ousa transgredir, como na chic transgressão de Coco Chanel,
libertando as mulheres de certos paradigmas estilísticos. Talvez este seja um
vulgar e mundano momento de fofoca, pois o fofoqueiro nada mais tem a fazer com
a própria vida. A mulher sem sombrinha está alheia a toda esta frivolidade, e
rejeita esta malícia que é o processo de fofoca. Esta moça olha para o grupo
sem se identificar muito com o mesmo. Podemos ouvir o som de risadas femininas.
É como se fossem galinhas no galinheiro, em torno do milho, competindo pela
comida. A moça revelada não se interessa por isso, e está retirada para,
polidamente, “comer” sua parte correspondente. Aqui, as sombrinhas são o
resguardo, protegendo do Sol e da Chuva, no modo como cada pessoa tem que
construir sua própria sombrinha, no caminho da autoestima, preservando-se de
danos e de machucados. As pontas superiores destas sombrinhas são pontiagudas e
agressivas, e a moça revelada não demonstra qualquer agressividade – talvez
esta moça precise desenvolver agressividade, pois aqui temos uma cena
competitiva, cena na qual cada mulher tenta se destacar e se sobressair. É a
luta por um lugar ao Sol, como num jogador de Futebol dando tudo de si,
apertando e passo para correr atrás de uma bola.
Acima, sem título. A
sedutora Lua está alinhada com o cavalheiro que faz a serenata. É uma noite
romântica, com a magia do luar em uma agradável noite tropical, e podemos ouvir
não só as notas do brasileiro cavaquinho como também dos grilos nos canteiros.
Barcos estão atracados, plácidos, calmos sobre uma água estática e pacífica,
doce. Os barquinhos atracados são juízo, o siso, a estabilidade de uma pessoa
que cresceu e que não mais quer ter os ímpetos imaturos de infância,
adolescência e pós adolescência. O traje azulado do músico entra em harmonia
com as cores enluaradas e o mar espelhado, numa calma que nem uma bomba atômica
poderá perturbar – e não é feliz quem sabe que Roma não foi construída em um só
dia? O cavalheiro aqui se aprumou, e colocou sua melhor roupa para galantear uma
moça. Quase ao centro do quadro, temos um retângulo vertical que revela duas
moças interessadas na serenata, e elas ouvem atentamente. Não há sorrisos aqui,
e os rostos de CD são frequentemente plácidos, mas não tristes. Aqui, temos uma
pessoa que se convenceu de que, na Vida, é necessário ter muita seriedade. É a
seriedade de um artista debruçado sobre a própria tela e sobre as próprias
pinceladas. Abaixo das moçoilas, vemos uma breve escada e um corrimão. É a
inacessibilidade, num rapaz que vai ter que penar muito até ser aceito pelo pai
da pretendente. A escada é o esforço, uma força empreendida, no modo como, ao
beijar o fundo do poço, a pessoa tem que empreender um esforço titânico para se
reerguer. As duas moças ouvem, e talvez estejam apaixonadas pelo mesmo homem, e
aqui não podemos saber por quem este está apaixonado. Uma das moças está
sentada de forma recatada, limitando-se a ouvir a música, com suas pernas
colocadas sem estar cruzadas, talvez num sinal de timidez. A outra moça está só
com a cabeça para fora da porta, como se tivesse medo ou receio de se revelar
por completo, como se soubesse que a serenata não é para si. O rapaz aqui é
mulato, na brasilidade apaixonada dos Modernistas, empenhados em lutar por uma
identidade cultural, um feito inédito até então, libertando-se da Arte
Acadêmica, que mais tem a ver com a Europa do que com o Brasil. Este rapaz me
lembra de um senhor negro de Porto Alegre, que varava pela boemia vendendo
flores para casais apaixonados, e este senhor tinha sempre sapatos impecáveis.
É a delícia da Vida Noturna, uma vida que foi feita para o fervo da Juventude.
CD gosta muito da típica Arquitetura Brasileira, um artista que se tornou um
verdadeiro embaixador da Arte Brasileira. A placidez deste pintor está revelada
em seu traço, na felicidade de uma pessoa que encontrou paz e tranquilidade em
seus dias de labor, como uma Patricia Pillar produzindo um documentário sobre
Waldick Soriano, um trabalho feito com dedicação e muita calma, pois não é
insuportável ter pressa? Este quadro é cortado por uma brecha, talvez no rapaz
querendo abrir uma brecha e entrar na vida da moça amada. É uma porta
entreaberta, que nem está fechada, nem escancarada. O rapaz terá que ter muito
zelo e cautela para entrar na vida da moça, pois a família desta está
completamente debruçada sobre o rapaz, analisando-o e julgando-o. Ser aceito e
ser aprovado é um desafio. Várias partes do quadro trazem tons de vermelho, na
cor da paixão, dos namorados, de caixas de bombons e buquês de rosas, como num
apaixonado Professor Girafalez, presenteando a mulher amada, com uma paixão
indisfarçável, muita clara e perceptível para o Mundo ao redor. Não dizia a
marchinha carnavalesca que “a Lua é dos namorados”? É uma pessoa que, no fundo,
sempre quis descobrir tal Lua de cristal e, ao encontrar esta, passa por uma
experiência de Vida, uma experiência única, por um momento no qual não há
quantidade, mas qualidade. Os jovens neste quadro estão com os olhos despertos
e arregalados, num estado de consciência, numa pessoa que acordou do sonho e
partiu em busca da realização deste, no famoso termo “deve haver um por cento
de inspiração e noventa e nove por cento de transpiração”. É a disciplina de
sentar e produzir, mas sem se tornar workaholic, como me dizia um prezado
professor: “Não se estresse demais”.
Acima, sem título. Temos
aqui um Cícero variando de estilo, escapando um pouco do que costumava pintar
com frequência. Temos aqui um quadro totalmente tenso, sem aquosidade. É como
se as formas buscassem produzir alguma letra, algum texto, numa pessoa querendo
se comunicar com o Mundo, talvez tendo dificuldade para se expressar, trilhando
um árduo caminho até o ponto do autoencontro. Aqui, é como um sonho de
Arquitetura, ou num painel grandioso em algum hall suntuoso, na grandiosidade
da Arte, num artista que pensa longe, que pensa grande, muito distante de ser
simplório – o artista tem lá sua ambição, é claro, o seu sonho, e não é vazia
uma vida sem sonhos ou aspirações? É ir à luta, atrás de tal meta. A maioria
das cores aqui é sisuda, discreta, profunda. O fundo é de um azul turquesa bem
profundo, fechado, numa seriedade, numa sobriedade. A forma preta é o luto, o
imprevisível, no inevitável mistério encarnatório – por que passei, passo e
passarei por tudo isso? Até a pessoa se dar conta que encarnar é como escolher
as cadeiras a cursar numa faculdade. O preto é a inevitável mancha, naquele
pontinho preto no Sol, naquele eterno pontinho negro no Sol, impedindo ao
encarnado de desfrutar, por hora, da total felicidade metafísica – é só uma
questão de tempo. O vermelho é de um batom, na mulher de vermelho de Matrix, contrastando com um mundo tão
sério, tão cheio de adultas responsabilidades, na necessidade do indivíduo em
desenvolver senso de humor, sempre capaz de captar as piadas de Tao, o grande
piadista, nas inevitáveis ironias que pontuam nossas vidas. As outras cores
aqui são neutras, desmaiadas, retiradas, comportadas. O desmaiado azul é um Céu
de Brigadeiro, só que um céu meio dodói, doentinho, inspirando cuidados. É o
sentimento depressivo de não encontrar prazer em coisas que, anteriormente,
davam prazer. Aqui, é como uma vista em perspectiva de fachadas de imponentes
prédios, erguendo-se altivamente, impondo-se, numa cidade que está crescendo e
desenvolvendo-se, como no caminho de crescimento do espírito, que está
encarnado para encarar situações de vida que causarão depuração, como num
personagem em um filme, um personagem que cresce, que aprende e que se torna
uma pessoa melhor, menos fútil. Podemos ouvir o som de carros e coletivos
passando, deixando no ar seu hálito de poluição, nas demandas de uma selva de
pedra, tomando o lugar das florestas, no fato de que não há outro jeito – o
Progresso tem lá seu preço. Aqui são como prédios concorrendo para ver quem tem
o falo maior, para ver quem é o mandachuva, o dono do campinho, quem tem o
poder e a influência para mudar os rumos da História. É a luta pela Vida, num
mundo competitivo, num lugar onde tenho que me empenhar para ser único, pois se
sou único, ninguém poderá competir comigo. É o processo de Identidade, como na
personagem Mulan, de Disney, que corta os cabelos e vai à Guerra para descobrir
quem ela própria é. Aqui, é como uma letra querendo se expressar, querendo se
fazer entender. É uma complexa malha viária, num labirinto. São curvas
truncadas, duras, sem sinais de sensualidade feminina, sem as curvas da Garota
de Ipanema e sem as curvas da própria praia de Ipanema. Aqui, é um ambiente
técnico, na fria relação aluno/professor, num âmbito em que prevalece a fria
Razão, sem chance para as paixões sofridas, no caminho de construção racional,
positivista: “Ordem e Progresso”. É um elegante desfile de elegantes moças, num
charme e num porte de uma mulher que sabe carregar com elegância um vestido, no
deleite de vermos uma boa modelo desfilando, mostrando seu charme e seu
profissionalismo, pois não é toda mulher que tem porte... É como na elegância
de um cavalo, um dos animais mais divinos concebidos por Tao, o classudo. Aqui,
são como vários tacos de golfe, numa competição acirrada, como vários
espermatozoides cortejando o mesmo óvulo.
Referências bibliográficas:
Cícero Dias. Disponível em <www.bolsadearte.com>.
Acesso 18 set. 2019.
Cícero Dias. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>.
Acesso 18 set. 2019.