quarta-feira, 29 de julho de 2020

À Beira de Berni



Volto a falar sobre o pintor argentino Antonio Berni. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Hotel Chelsea. Uma espécie de Barbie pornográfica, longe dos inocentes seios da célebre boneca. Estes seios fartos são o sonho de qualquer mulher siliconada, em seios artificiais, que pedem a naturalidade, pois o que Tao faz, o Homem arremeda grotescamente. É como na divertida comédia Os Sete Suspeitos, de 1985, com a criada Ivete com os seios absurdamente descomunais, com as pessoas perplexas, observando tal dote. Aqui, a mulher se revela, talvez uma garota de programa, como vi certa vez em uma boate fina e badalada de Porto Alegre, com prostitutas lindas, entretendo os rapazes, por dinheiro, é claro. É como uma pessoa que tem vida dupla, tendo uma amante, num homem triste, nunca satisfeito, sempre sem os culhões para ter uma vida só, íntegra, una, digna de respeito por parte da Sociedade. A meia calça negra é absolutamente sensual, macia, gostosa de tocar, como acariciar um gato com fartos pelos. A cortina é a revelação, a oferenda, numa mulher que sabe se vender bem, num talento nato que nenhum livro ou faculdade pode ensinar. Esta cortina é como uma cortina de banho, no modo como a limpeza pode ser atraente e sensual, pois quanto mais limpo o aspecto, melhor, como um homem de barba feita, banho tomado e cabelos e unhas cortados, num exercício de autoestima. A meia calça negra é como a Mulhergato, numa espécie de arquétipo feminino de sensualidade, pois, apesar de ser macia e sensual, tem unhas afiadas e um chicote ameaçador, disciplinador. A meia calça é a sedução da noite, da Boemia, da vida noturna, uma vida que pode seduzir ao ponto de uma pessoa passar o resto da vida na Boemia, fazendo da Vida uma boate, quiçá fazendo uso de drogas para suportar tal ilusão, a ilusão de que a Vida é só festa, como um saco plástico na rua, ao sabor do vento, sem norte, sem pés no chão, sem realismo, pois o Mundo, meus caros, é de quem tem os pés no chão. A mulher aqui usa uma maquiagem pesada, carregada, querendo se aprumar ao máximo, trazendo uma beleza um tanto vulgar, um tanto óbvia, com cabelos loiros que remetem a mulheres pouco sérias, no arquétipo duplo de Marilyn e Jackie O, na loira vulgar, burra, óbvia e claramente bela, e a morena de uma beleza mais fina e discreta, uma mulher séria, digna de casamento. É como no célebre Parabéns a Você que Marilyn cantou para o presidente, numa artista genial, que definitivamente soube encarnar tal loira burra. Este apartamento é confortável e acolhedor, com confortável carpete, talvez aquecido em uma noite fria, no calor de uma paixão, no modo como um relacionamento pode crescer ao ponto da plena intimidade, como disse certa vez, na TV, um travesti que se prostituía em Amsterdã: “Eu sempre uso camisinha, pois ofereço sexo; não intimidade”. Aqui, é o delicioso pecadinho da Luxúria, como numa sexshop, com artigos para apimentar relacionamentos. A meretriz aqui convida para o coito na cama, para uma divertida transa, mas uma transa mecânica, sem muita intimidade. Ao fundo no quadro, pela janela, podemos ver elegantes prédios de uma cidade evoluída, remetendo às maravilhosas cidades metafísicas, o lugar onde as pessoas são boas, em um Mundo de Amor, num lugar onde o sensual não é sexual, pois tudo se resume aos relacionamentos estritamente espirituais, fazendo da transa mecânica algo esquecível e ignorável. Neste quadro com sabor de morangos com champagne há o convite ao toque, à interação, na deliciosa sensação de se entrar num guardarroupa cheio de casacos de pele, numa sensação deliciosa de libertação, como um sapato amaciado, que se adaptou perfeitamente ao pé do usuário. A cidade aqui é o desenvolvimento, talvez num Berni em uma Buenos Aires grandiosa e vibrante, na sedução da nação argentina, um país sui generis. Aqui, temos uma noite estrelada, sedutora, linda, num céu que nunca fica encoberto, que nunca se cobre de dúvidas, num lugar onde só há certeza, no princípio de Amor que faz com que possamos detectar os psicopatas, estando estes disfarçados de pessoas boas.


Acima, O Matador. A Caveira é a finitude, e temos aqui um toureiro, a pessoa que vai selar o destino do pobre touro, como me disse uma tia que viajou para a Espanha e foi assistir a uma tourada – não é uma programa recomendado para pessoas muito sensíveis. O toureiro é a Ordem, o Ser Humano, o garbo, a elegância; já, o touro é a força bruta, selvagem, irada, desafiando o corajoso homem que ingressa na arena, sendo frequentes os ferimentos no toureiro, num homem que entra na arena assumindo riscos. A capa do toureiro é esta elegância, na civilidade domando a selvageria, numa plateia ávida por ver um espetáculo em que o Ser Humano se confirma a espécie dominante no planeta. Aqui, o toureiro morre e definha, como na célebre canção: “Os homens vão ficando frios, as mulheres vão ficando velhas, e, no fim, todos perdemos nosso charme”. A caveira é ao destino selado, no modo como a Vida é algo tão sério, apesar de ser uma virtude ter senso de humor – temos que escolher algo virtuoso para ocupar nossos dias de encarnados. A caveira remete ao Dia dos Mortos, no México, quando os viventes homenageiam os finados, na promessa certa de que a Morte vem a todos, incondicionalmente. Esta magreza cadavérica é a elegância aristocrática, o minimalismo, numa pessoa que, seguindo Tao, começa a perceber o poder da Simplicidade, a questão do se ater ao que realmente importa, numa metáfora de galeterias, nas quais, antes do que importa, que é o galeto, servem agnoline, polenta, e salada. A caveira sorri numa maldição, lembrando-nos de que não estaremos para sempre na Terra, como na promessa do Reino de Deus, da Terra Prometida, um lugar tão remoto e, ainda assim futurista, como Tolkien narra o povo élfico, como o cometa Halley cruzando paladinamente os Céus. O traje do toureiro é absolutamente luxuoso, rico e vibrante, em contraste com a virilidade quase tosca do homem que doma o touro. É um traje todo bordado, glamoroso, vibrante, em contraste com a tosca nudez do touro, que representa o modo nu e cru pelo qual chegamos ao Mundo. O toureiro é o grande astro do espetáculo, fazendo com que o Homem se imponha sobre o Caos, enchendo o Mundo de graças, nomes e denominações, como num navegador chegando a terras devolutas, tendo que demarcar territórios e dar graças, como homenagear Colombo ao batizar a Colômbia; ou Américo para a América. Nesta obra em preto e branco, não podemos ver o sangue rubro do touro. Esta execução pública é como um grupo de leões cercando uma zebra e matando-a lenta e cruelmente, até o ponto em que o touro perde o fôlego e acaba por ser derrotado, rendendo-se ao garbo civilizatório, como um elegante jóquei domando seu cavalo, impondo as luzes da Disciplina ao Caos animal, como numa pessoa que percebeu a necessidade de tal Disciplina, ao contrário de uma pessoa errante, que vive ao sabor do vento, sem ter algo de produtivo para fazer, numa vida vazia e desinteressante, na qual tudo o que resta é tecer maliciosas fofocas – a serpente da Malícia é esmagada pelos alvos pés de Nossa Senhora. Podemos ouvir aqui o poderoso brado da plateia, sedenta por um espetáculo de coragem e elegância, no tradicional: “Olé!”. Sobre os ombros do toureiro reside uma pressão enorme, como um jogador de futebol – como deve ser pesado ter que aguentar uma nação inteira pressionando você a trazer um troféu para casa. Aqui, o manto majestoso é negro, na cor da Morte, do luto, do respeito enlutado – será que o touro, depois de executado, serve de churrasco e de tapete de couro? Ou será que o touro é simplesmente sepultado? Os ombros do toureiro são largos e fortes, num momento em que a força bruta tem que se submeter à Inteligência. É como o choque de civilizações, como o entre os pré colombianos e os europeus, numa espécie de quebra de braço, nas inevitáveis competitividades mundanas, nesta guerra entre humano e animal, na luz do Conhecimento sobrepondo-se aos mistérios selvagens. É a virilidade elegante, fazendo do toureiro um astro, ganhando uma chuva de flores, na glória mundana que arremeda a glória metafísica.


Acima, Juanito Laguna Remontando un Barrilete. A bela pandorga é a alegria de viver, numa doce brincadeira de criança, num momento de lazer, no qual a pessoa deixa para lá as exigências do Mundo e desliga-se de tal sisudez, mesmo que só por uns instantes, evitando o trabalho excessivo, pois como posso contemplar o trabalho de outrem se estou o tempo todo trabalhando? Ouvimos aqui a barulheira de crianças no pátio de uma escola durante o recreio ou a saída, e podemos sentir aqui, no rosto, a doce brisa de um dia agradável, primaveril, nem muito quente, nem muito frio, imitando as temperaturas maravilhosas do Plano Metafísico. Fundo no quadro, até a nuvem parece se divertir, dançando no Céu, curvilínea, como uma serpente se contorcendo em cio, como um gigantesco marshmallow, como gigantesco monstro de marshmallow Stay Puft, no filme Os Caçafantasmas, no certo modo como o Cinema marcou o Século XX. Aqui, é a delícia do ar livre, numa criança saudável, que sai de casa para fazer alguma atividade ao ar livre, como praticar um esporte ou, como aqui, brincar com pipas e pandorgas. O fiozinho mínimo que liga o menino à pandorga é o controle, o juízo adulto, numa pessoa que sabe que não pode viver simplesmente ao sabor do vento, como uma pessoa que teve uma encarnação improdutiva, desencarnando e deparando-se com o fato de que, sempre, temos que fazer algum tipo de trabalho. A pandorga é um sonho, um ideal, um lindo sonho colorido, no modo como a Terra é um lugar onde tantos sonhos são frustrados todos os dias, no modo como a pessoa tem que se proteger de tais frustrações, pois estas são doloridas. Aqui, o fiozinho mínimo é o suficiente para tal controle emocional, no termo fioterra, usado por uma psicóloga com a qual consultei, a qual me disse que, de fato, não podemos ficar vivendo ao belo prazer do vento, pois a Vida exige seriedade e juízo, num encadeamento dialético de processos: O crescimento natural no menino se tornando adulto e, junto a isso, o espírito aprendendo lições encarnatórias, e, com outro processo que é, por exemplo, cursar uma faculdade, num processo triplo aqui. A camisa azul do menino entra em harmonia com o Céu, como na recente campanha para incentivar moças a se inscrever ao concurso de Rainha da Festa da Uva de Caxias, com uma menininha olhando para o Céu, contemplando o trio de soberanas, nos inocentes sonhos de infância, como um menino querendo ter a superforça de seu super herói favorito. Neste quadro, temos uma cisão, pois um caudaloso rio corta o terreno, dividindo tudo entre antes e depois, no termo “divisor de águas”, como num Jesus Cristo, dividindo a História em duas. A água é algo marcante, numa experiência que faz com que a pessoa busque um modo de completar tais lacunas, como uma pessoa cuja vida foi empobrecendo ao ponto desta pessoa beijar o fundo do poço, tendo que empreender um esforço gigantesco para devolver a estabilidade à própria vida, como no termo de uma personagem espírita de Vanessa Redgrave: “Colocar sua própria vida em ordem”. Neste quadro, temos uma alegria, como numa colorida colcha de retalhos, na alegria de uma mesa de festa de criança, cheia de doces e delícias. É como na recente moda dos programas de culinária de Rita Lobo no canal GNT, com as cerâmicas misturadas, coloridas, diversificadas e divertidas, evitando a monótona sisudez monocromática; evitando o óbvio. Aqui, temos uma colorida favela, numa classe social em que a pessoa se contenta com o pouco que tem, podendo, assim, viver em Paz. O chão aqui tem até um aspecto de depósito de lixo, no triste fato de que muitos brasileiros não têm acesso a água encanada nem a esgoto apropriado. São os lixos inevitáveis da Vida em Sociedade, nas vicissitudes materiais, numa demanda urbana que desafia o governante a decidir o que fazer com tanto lixo, havendo na Dimensão Metafísica a desnecessidade de esgoto ou água encanada, pois, lá, é imaterial, havendo na Matéria uma grande ilusão, como na ilusão da Morte, a qual parece, aos da Terra, um fim horroroso, quando que a Morte é, na verdade, uma libertação gloriosa.


Acima, Juanito Pescando entre Latas. A imagem remete à vinheta do estúdio hollywoodiano Dreamworks, com um menininho pescando solitário num plácido lago, no famoso termo: “Está nervoso? Vá pescar”. Tenho lembrança de Infância, quando pesquei com minha família lambaris num açude, torrando depois as pescas como aperitivo. Aqui, é um trabalho de paciência, silencioso, pois qualquer perturbação pode espantar os espertos peixes, sempre fugidios, sempre se esquivando espertamente de predadores, no termo “sabonete”, para caracterizar pessoas assim fugidias, um tanto ariscas, que não permitem muito a proximidade. O Céu e o lago aqui são de um majestoso entardecer, banhando tudo de sangue, talvez numa cena de batalha, com sangue e cadáveres por todos os lados, neste inabalável talento humano em colocar irmão matando irmão, como Caim e Abel, ou como o personagem Gollum, de Tolkien, personagem que assassinou o próprio amigo para ficar com o infame Anel. O vermelho é o sangue metafísico que nos une, como uma Internet intergaláctica, num Ser Humano que olha para os misteriosos confins negros do Universo e pergunta-se o que há depois, e depois, e depois, no enigma da Eternidade, como um amigo dando um nobre presente de aniversário, um presente que durará para sempre. Aqui, temos as sujeiras e as imperfeições, como vi ontem uma batida policial em uma cracolândia em Caxias do Sul, algo me envergonhando um pouco, pois no carro comigo havia a sogra baiana de meu sobrinho, com tal mulher vendo as feiúras indisfarçáveis em uma cidade tão desenvolvida como Caxias do Sul. O lixo é a desnecessidade, como nas caóticas casas de acumuladores compulsivos, pessoas que “compram” a ilusão da Matéria, construindo obsessão em colecionar mais e mais objetos inúteis ou insalubres, como uma pessoa que conheci, a qual morou em Londres e passava os dias de sua vida fuçando no lixo seco de vizinhança, trazendo simples tranqueiras para casa, numa pessoa que praticamente se enterra viva, como no impactante documentário de Eduardo Coutinho, inclusive que Deus o tenha, mostrando famílias que simplesmente moravam dentro de um lixão no Rio de Janeiro, nos cruéis abismos sociais brasileiros, havendo, a nível metafísico, a total ausência de tais diferenças, num plano onde somos todos príncipes filhos do mesmo Rei, que é Tao, o majestoso tapete vermelho sobre o qual nos debruçamos, na inacreditável vida plácida que nos aguarda após nosso “passeio” pela Terra – aguenta aí, rapaz! A Caça e Pesca são universais, como, por exemplo, índios amazônicos pescando na selva, na universal divisão de tarefas entre homens e mulheres, no homem que tem a incumbência, a responsabilidade de trazer algo ao fim do dia na tribo. O menino aqui é um sonhador, no modo como qualquer artista é um sonhador, querendo se fazer compreendido e valorizado em um mundo tão duro e difícil como o nosso, um mundo por vezes desprezando artista bons, como artistas que só são devidamente valorizados após a Morte, numa espécie de vingança póstuma, como num Jesus Cristo, o qual, em vida, foi absolutamente subestimado. O lixo aqui se amontoa em montanhas de desnecessidades, algo muito longe de Tao, que é limpo, essencial, perfumando, puro e nítido, na beleza das salas metafísicas, tão finas, tão agradáveis, tão pertinentes em sua delicadeza de um anfitrião fino e acolhedor. O Lixo é a inevitável vicissitude material, nos percalços encarnatórios, portas fechadas que acabam por guiar e beneficiar aquele que se frustra perante tal porta fechada, como uma pessoa que fechou uma porta em minha cara, uma porta fechada que acabou me ajudando – não tema a Desilusão, pois esta é positiva. Aqui é como um indisciplinado morador de Rua, coberto de lixo, numa vida em que a pessoa foge da Vida em Sociedade, rechaçando normas como produzir e até normas tão básicas e construtivas como tomar banho. Talvez temos aqui um Antonio Berni querendo denunciar tal miséria.


Acima, Ramona Bataclana. As prostitutas dançarinas maravilhosas de Toulouse Lautrec, fazendo da Boemia tal inspiração. A prosti aqui está lépida e faceira, arregaçando-se ao máximo para trazer um pouco de alegria e diversão aos rapazes, fazendo do Sexo um leilão, no gostoso pecadinho da Luxúria. O fundo é de um rico dourado, num momento de euforia no qual a quenga, no palco, torna-se o centro do Universo, como Nicole Kidman em Moulin Rouge, uma prostituta que sonhava em ser uma atriz séria e respeitada, para construir uma carreira e ser o que ela no fundo era de fato – uma artista. Podemos ouvir o som do Cancan, nas mulheres fazendo exatamente aquilo que as mulheres ditas sérias jamais fariam, fazendo com que os homens vejam a mulher somente de duas formas – ou vulgar ou santa, como num videoclipe de Peter Gabriel, no qual um homem impõe esta regra a uma mulher, e esta veste jeans e camiseta e manda o homem para aquele lugar, numa mensagem feminista, na qual a mulher tem que ser totalmente livre de tais estereótipos, não sendo dama nem vagabunda, mas sendo uma pessoa simplesmente. Esta prosti de Berni é opulenta, farta, abundante, no fato de que o maior sex symbol e todos os tempos, Marilyn Monroe, não era sequíssima como as supermodelos atuais, mas uma mulher que, apesar de não ser gorda, não era semianoréxica, e tinha um corpo delicioso, farto, suculento. Aqui, duas flores em forma de mandala formam os seios da mulher, e parecem girar como pneus, na capacidade que (poucas) pessoas têm em brilhar, tornando-se símbolo de algo rítmico, aquoso, belo, maravilhoso, no fato de que não há livro ou faculdade que ensine alguém a brilhar, apesar do livro de Tao dar bons conselhos neste sentido, num caminho que tem que ser instintivamente aprendido por cada pessoa, num mundo que exige que sejamos autodidatas. A saia da prosti tem vários babados luxuosos. É como uma personagem prosti de Natalie Portman, quando esta garota de programa, achando arrogantemente que podia todo, foi tolhida, ficando mais humilde. É como a prosti de Julia Roberts, num homem amoroso que decide tirá-la da vida nas ruas, num conto contemporâneo de Cinderela, na miraculosa transformação de diabinha em santinha, como no poderosíssimo mito de Nossa Senhora, o mito que pretende dar ao Ser Humano uma ideia da Dimensão Metafísica, a dimensão que realmente importa. Este quadro tem uma identidade bem feminina, como motivos femininos, divertidos, um tanto complexos e enigmáticos, numa tortuosidade, como na vilã Hera Venenosa de Uma Thurman, uma deusa botânica que gera magicamente plantas e flores, no fascínio que o Feminino exerce sobre o Masculino, num jogo de sedução, como George Clooney e Catherine Zeta-Jones em O Amor Custa Caro, num jogo traiçoeiro de sedução, quase como uma negociação, como na trincada negociação entre Madonna e Marília Gabriela para esta entrevistar a diva pop, como se ali estivesse sendo entrevistado São Miguel Arcanjo. Os olhos desta prosti têm um tanto de Picasso, com olhos arregalados, mortificados, em formato de peixe, na liberdade aquosa do peixe, sempre se esquivando espertamente, sempre fugindo sabiamente de predadores, de pescadores. A prosti tem um complexo adorno sobre a cabeça, como uma coroa, num mundo belo repleto de pessoas boas, um mundo no qual realmente podemos caminhar pela Rua sem medo de assaltos. A prosti fica aqui numa pose praticamente ginecológica, como certa vez num programa de TV no qual uma prosti abria o próprio canal vaginal com um instrumento e permitia que as pessoas, munidas de uma lanterna, vissem o fundo vermelho de seu útero, com a prosti dizendo: “Não tenham medo – é daqui que todos viemos”. Aqui é o sexy, como nas modas avassaladoras que varrem o Globo, com mulheres ensandecidas aderindo a tais modas, a tais vogues, a tais ondas de estilo, no modo como a Moda é um corpo dinâmico, pois apesar de clássicos como um tailleur Chanel, o novo sempre vem. Esta divertida pose é vulgar demais para uma revista criteriosa e de bom gosto, que é a Playboy brasileira, no desafio de ser sensual sem ser sexual.


Acima, Ramona y La Adivin. Berni gosta de mulheres “oferecidas”, com saias bem justas, na frase hilária: “Deus é justo, mas a sua saia!”. A mulher de carnal rosa está com a própria carne exposta, mostrada, numa mulher que topa em ser uma mera amante, uma esposa número dois, relacionando-se com um homem de vida dupla, o qual não respeita integralmente nem a esposa, nem a amante – seja uno e tenha uma vida só, rapaz! Aqui, é um serviço de cartomante, como uma grande amiga minha que, há décadas, leu para mim as cartas de Tarô, uma conversa na qual esta amiga previu o que de fato ocorreu, numa conversa da qual jamais esquecerei. Aqui, a velha bruxa presta esse serviço de previsão, como a moça do Tempo, fazendo a previsão para os próximos dias. A idosa é a sabedoria da experiência de Vida, como um preto velho, quietinho no seu canto, só observando, vendo os egos ascendendo e descendendo, no baile de vaidades que é o Mundo, num Ser Humano querendo ser Tao – a arrogância precede a queda. As vestes da cartomante e o cabelo da moça são bem negros e densos, imprevisíveis, no fato de que só se pode prever o futuro de uma pessoa com a qual temos intimidade, familiaridade, no modo como um estranho só pode nos dar informações generalizadas e vagas – nada como a intimidade. A bola de cristal aqui é rubra como a maçã do Éden, como a maçã que quase matou Branca de Neve, talvez havendo aqui a bruxa que quis dar cabo da vida de Branca, tudo por inveja, por ego, na eterna inclinação humana em colocar o próprio ego no centro de tudo. Vemos uma gigantesca mão aberta, com símbolos ocultos, com várias cores, como no Guia de Estudante, dando ao vestibulando várias opções de carreira. A mão é o Ser Humano, a Humanidade, a Inteligência que tanto nos difere do restante dos animais na Terra, fazendo da Arte um dos maiores exemplos de noções intelectuais e civilizatórias; fazendo da Arte muito essencial, e jamais supérflua. Mais à direita no quadro, uma carta que mostra o Diabo, talvez aludindo à “diabinha” vulgar que é a moça aqui. O Diabo, é claro, é a Malícia, no modo como tal Malícia parece ser sabedoria e clarividência quando é, na verdade, uma cegueira, que impede que a pessoa veja o Mundo com saudável clareza. É muito desinteressante a pessoa que se presta a fazer fofocas, pois estas estão muito, muito longe de ser algo produtivo, proveitoso e virtuoso, e não é um inferno a vida de uma pessoa improdutiva? A carta aqui sela um destino, que é a danação da Matéria, sendo complicado o desencarne de uma pessoa materialmente apegada, como dedos que não querem se desapegar de seus anéis, anéis estes que ficam no Mundo, havendo tal bloqueio na entrada na Dimensão Metafísica – é como um raio x de aeroporto, no qual não podemos passar com vidros, metais pontiagudos etc., fazendo aqui uma metáfora. O Diabo é a obsessão com o Material, num espírito mundano que não consegue entender Tao, caçoando deste, numa pessoa que caçoa de pessoas moralmente evoluídas – o indivíduo mundano, quando ouve sobre Tao, ri como um idiota. A moça aqui, além de vestes indiscretas, tem maquiagem exagerada, talvez num excesso, como na frase em propaganda de bebidas alcoólicas: “Aprecie com moderação”, pois cavalgar por campos é delicioso, mas enlouquece quem cavalga demais. Aqui, temos Juventude e Velhice, ou seja, talvez vemos aqui a mesma pessoa, só que em fases diferentes da Vida. Vemos Presente e Futuro, na sabedoria que uma pessoa idosa tem, como no formidável Papa Francisco, o qual, ao ser indagado sobre os homossexuais, disse: “Quem sou eu para condenar os homossexuais?”. É o caminho humilde de Tao, o produtivo, o antimalicioso. A beleza da prosti aqui é como a exigência de um faraó solicitando mulheres para seu harém: “Que sejam belas e imaculadas”. Aqui, com duas pessoas estranhas uma para a outra, as informações são imprecisas, no modo como eu, apesar de não ser adepto de Astrologia, Horóscopo e Mapa Astral, considero divertido isso tudo.

Referências bibliográficas:

Antonio Berni. Disponível em: <www.en.wikipedia.org>. Acesso em: 1 jul. 2020.
Antonio Berni. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 1 jul. 2020.
Antonio Berni. Disponível em: <www.wikiart.org>. Acesso em: 1 jul. 2020.
Antonio Berni Obras. Disponível em: <www.google.com>. Acesso em: 1 jul. 2020.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

A Identidade Bourne, digo, Berni



O pintor argentino Antonio Berni (1905 – 1981) teve pais de origem italiana, sendo o pai um alfaiate. Berni é tido como mestre do Novo Realismo e do Social Realismo, retratando a pobreza e a industrialização de Buenos Aires. Já foi exposto ao redor do Mundo. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, A Lua e seu Eco. O quadro me remete a quando visitei a praia de Nudismo Galheta, em Florianópolis, na sensação libertadora que é se deitar nu na areia, integrando-se com o ecossistema ao redor, ou nadar nu no mar. Esta mulher tem uma magreza e uma palidez cadavéricas, e está se banhando sob a Lua, na célebre canção: “Tomo um banho de Lua, fico branca como a neve...”. A Lua são os mistérios cíclicos da Natureza, num Universo totalmente enigmático, na vastidão que vai de encontro ao termo islâmico: “Alá é grande”. O Mar aqui é bem plácido, doce, sem revoltosas ondas, e parece ter uma temperatura deliciosa, como uma piscina térmica. Podemos ouvir o sutil requebrar das mínimas ondinhas, num lugar doce e prazeroso. O Mar é a plenitude dos que têm calma, ao contrário de muitas pessoas estressadas que conheço – manter a estabilidade emocional é uma dádiva, no modo como me impressiona o controle emocional dos lutadores profissionais, ao ponto de não levar as pancadas para o lado pessoal, com os lutadores cordialmente se cumprimentando ao final do embate. O Mar é a nossa origem, nos mistérios da Vida que veio da água, no agradável cheiro de Mar nos peixes expostos no supermercado. O Mar é ao sabor da Vida, nas gigantescas levas de veranistas que migram para o Litoral todos os verões, perturbando quem mora o ano inteiro na praia, como Capão, uma cidade que não para durante o ano. Vemos um avião decolando, e podemos ouvir o ruído dos motores, no modo como é sexy um avião voando pela noite, com suas luzes piscando, unindo o Universo numa agradável noite, como esta noite retratada por Berni. O avião é o sucesso, no termo “deslanchar”, na ambição de uma pessoa que, através do trabalho, quer atingir tal ponto de reconhecimento e valorização, no sonho de qualquer artista em ser valorizado, com suas obras bem contadas, expondo ao redor do Mundo, obtendo renome mundial, como uma estrela hollywoodiana, com pessoas que se dão bem e pessoas que se dão mal, como uma pessoa que conheço, que abandonou a carreira de ator para entrar para o ramo do Direito – pode não parecer, mas as frustrações são positivas e libertadoras. O avião é potente, glamoroso e moderno, talvez num quadro pintado numa época em que voar era um programa glamoroso, ao contrário de hoje em dia, com aeromoças distribuindo mínimos saquinhos de salgadinho e um mísero copinho de suco ou refrigerante, na lembrança glamorosa que tenho quando voei em 1985 para o Rio de Janeiro, na então operante Varig. O avião é a vontade de viver e de lutar pelos sonhos, ao contrário de uma pessoa que conheço, uma pessoa com aptidão para a Música mas que, ao chegar o momento de pisar nos palcos e começar a batalhar pela carreira de músico, esta pessoa “se borrou” todinha nas calças, frustrando-se em meio sua própria hesitação – a Vida é dos guerreiros. Esta Lua está perfeita, plena, cheia, e é a beleza de uma cidade sexy banhada por tal luar, na beleza de uma noiva toda de branco abrindo os presentes de casamento, desembrulhando um belo prato de aço inox, no modo como a Lua é assim, uma feminista independente, pouco se importando com a sisudez responsável diária do Sol, o qual nasce invariavelmente. O Mar aqui reflete o luar, na lembrança que tenho de uma Lua cheia sobre o Mar de Capão, fazendo da Lua tal espelho de reflexão, refletindo de forma branda e doce os inclementes sóis diários, numa luz tão dúbia, que nem revela, nem encobre, num limiar entre luz e escuridão, na frase clássica de Aquarela do Brasil: “Nas noites claras de luar”. O avião aqui desafia a Lei da Gravidade, desafiando a Natureza, fazendo desta mulher uma sacerdotisa da batida rítmica desta Lua que nunca se revela totalmente ao Ser Humano.


Acima, A Morte Assombra em Cada Esquina. A cabeça decepada é a finitude, o inevitável fim que nos espera, no modo como a psique sobrevive à morte do corpo físico, como diz Tao: “Se o seu corpo morrer, não se preocupe”. É o brutal modo de execução, no modo humano de assustar o Povo com a Morte, pois se o povo teme morrer, a pena de Morte pode prevalecer soberana. A cabeça é o discernimento do que é essencial, do que realmente importa, na limpeza minimalista, rejeitando o supérfluo e atendo-se ao primordial, como numa galeteria, quando chega à mesa o que mais importa, que é o galeto, ou como na lembrança de Infância que tenho, numa missa próxima ao Natal, quando o padre disse para cada criança no templo ir ao presépio e levar uma peça do presépio ao altar, e eu fui logo no que interessa, que é o Menino Jesus, no modo como um artista persegue tal nervo, tal coisa importante, no modo de perseguir aquilo que nos dá prazer e realização, no desafio que é o autoencontro, um encontro que tem que acontecer dentro da pessoa, não fora. O homem aqui decepado tem um elegante bigode, talvez numa pessoa com autoestima, querendo impressionar as moçoilas, no momento de interação social onde ocorre o flerte. O grande peso dourado é o modo como as riquezas mundanas podem pesar sobre os ombros da pessoa rica, talvez numa pessoa ambiciosa, que nunca está satisfeita, sempre querendo mais, na citação de Matrix: “O que um homem poderoso quer? Mais poder”. É como o Espiritismo coloca: Você não faz ideia a que estado fica reduzida uma pessoa considerada feliz na Terra, ou seja, uma pessoa rica. Ao contrário de uma feliz pessoa que conheço, uma mulher que tem o ouro, mas o ouro não a tem. Como numa canção de Jazz: “Tudo o que teu dinheiro pode ter dar é um ataque cardíaco”. É a fixação do Tio Patinhas com sua caixaforte, numa pessoa que não nota que está ficando escravizada e aprisionada, pois o melhor da Vida não está à venda. Este peso dourado é como a tradicional bigorna Acme dos desenhos animados, sempre caindo em cima de um desavisado, no modo como a Vida trata de nos jogar essas bigornas esmagadoras, abreviando o supérfluo e nos ensinando a ficar atentos ao essencial, àquilo que o Dinheiro não pode adquirir. Vemos uma grande e elegante letra V, talvez o V da Vitória, o doce momento que, infelizmente, passa, pois, doce ou amarga, esta hora passará, numa pessoa que acorda no outro dia e percebe que a luta continua. Este V é um paladino e impenetrável escudo, numa pessoa que aprendeu a dizer NÃO, pois como posso ser dono de mim mesmo se fico nas mãos de outrem? Este escudo tem a cor de sangue, talvez do sangue do pobre homem executado. Atrás na cena, o Céu é de um majestoso azul profundo, no encanto de belos dias abertos, arejados, secos, numa dona de casa que aproveita a manhã para colocar a casa em ordem, na luta diária contra o Caos e a Desorganização, sendo estes a via de regra no Umbral, a dimensão dos improdutivos, dos fúteis e dos fofoqueiros. Também vemos na cena um prédio de tijolos à vista, no paciente trabalho diário de construção e reconstrução, como num empreiteiro, com a paciência para levar anos até finalizar uma construção, no termo: “Roma não foi construída em um só dia”, ou seja, ficarei ansioso se quiser ir de zero a cem em um piscar de olhos, no termo “passinhos de bebê”, ou seja, fazer de cada dia um discreto passinho de encontro a uma meta, que é a conquista do respeito das pessoas. O prédio é a construção de uma carreira, no persistente trabalhinho de formiga, numa pessoa que sabe que não pode parar, tirando, no máximo, umas férias para, depois do descanso, voltar ao “ringue” da Vida, como me disse uma simpática médium espírita: “Deus não quer que nos atiremos nas cordas”, ou seja, um Pai que quer ter orgulho de nós, como no orgulho de um pai ou uma mãe na cerimônia de formatura universitária do filho. Aqui, a cabeça cortada é um vestígio, talvez um aviso para o cidadão comum, como na exposição do cadáver esquartejado de Tiradentes, amedrontando tal cidadão comum, assustando este com a Morte, ou seja, vale a máxima: “Comporte-se!”.


Acima, A Sesta e seu Sonho. Vemos um solitário farol vermelho, talvez sangrando, ardendo em sua vida de lobo solitário, até chegar um ponto em que a pessoa não mais aguenta tal vida. O mar aqui é revoltoso – é a rebeldia, a irreverência, na virtude de uma pessoa que tem senso de humor e que não leva a si tão a sério, ao ponto de aceitar uma inocente brincadeira em relação à sua roupa, por exemplo, pois a pessoa que leva a si a sério de mais fica fria, amarga e rançosa, tal qual chantilly rançoso. Podemos ouvir a fúria marítima aqui, como no mar inóspito do filmão A Ilha do Medo, numa ilha de insanidade, em que o protagonista acaba por ser desnudado em sua loucura, revelando-se inapto para lidar e contornar tal distúrbio, um filme que se passa em uma época em que não havia os milagrosos medicamentos psiquiátricos de hoje em dia. O farol é uma pessoa carente, obcecada em ter um namoro, talvez sobrecarregando de expectativas tais relacionamentos. Vemos um carro verde, que é a autonomia, a independência, no modo como foi da Preguiça que se originou esta máquina que abrevia distâncias e poupa as pernas da pessoa que passeia dentro de tal veículo. O carro é a modernidade, o avanço tecnológico, fazendo com que os cavalos se tornassem símbolos elegantes e belos de uma era que ficou para trás, na Era da Cavalaria. O carro é de um charme retrô, vintage, no modo como dá gosto de ver na rua um carro antigo bem mantido, bem cuidado, fruto de um dono carinhoso, que sabe cuidar daquilo que ama, no modo como dá gosto de ver um jardim bem cuidado, com buchinhos devidamente “esculpidos”, na beleza da Disciplina, esta força que faz com que saiamos da cama depois de passadas as oito horas necessárias de sono. O carro é o paradoxo, pois ao mesmo tempo que é tão útil, polui... As ondas requebram em rochedos, como numa Elis Regina possessa de ciúmes, jogando no Mar a coleção de vinis raros do marido, numa Elis tão pequenina e tão expressiva. O rochedo é a firmeza, a ponte firme que dá a sensação de segurança, como numa pessoa que decidiu colocar a própria vida em ordem, disciplinando-se e tratando de ficar produtiva, mesmo em tempos de isolamento social. A rocha é a inevitável dureza da Vida, no tesão de uma pessoa forte, que aprendeu a lidar com tal dureza, no desafio atlético que é encarar tal ringue, numa pessoa que viu que precisa ser produtiva e ativa, nunca esperando pelo príncipe encantado, este montado num cavalo branco – pare de esperar por tal príncipe. No centro do quadro, vemos uma estrutura metálica estranha – desculpe-me por eu não saber o que é exatamente. Apesar de ter formas orgânicas e tortuosas, é de duro metal, como a flor metálica de Buenos Aires, homenageando as vítimas no conflito, na infelicidade bélica, com irmão tirando a vida de irmão; com príncipe tirando a vida de príncipe. Vemos também um pequeno castelinho amarelo, só que deserto, desabitado – é a desolação de uma vida solitária, num lento, gradual e imperceptível processo de empobrecimento existencial, numa pessoa que foi perdendo a virtude, o chão, a noção, perdendo-se num labirinto cheio de traiçoeiros sinais auspiciosos, num Minotauro pronto para devorar tal vítima, como uma mosca numa teia de aranha, no gigantesco desafio que é uma pessoa se reerguer, como na parlamentar gaúcha Nega Diaba, que erguia a cabeça, indo à propaganda política se dizendo ex prostituta e ex presidiária, ou seja, venceu a vicissitude, desencarnou e voltou à maravilhosa e única vida plena espiritual. A casa aqui é a firme referência do lar, num lugar cheio de cuidados e amor, numa mãe zelosa mantendo a casa em ordem, com um pai trabalhando de Sol a Sol para garantir um excelente sustento às crianças e à esposa. O céu aqui não é de escuridão nem de dúbio cinza, mas um céu consideravelmente azul, dando esperança em meio a tantas tempestades feias. Não canso de dizer que interpretar sonhos num consultório de Psicologia é uma análise semiótica, com códigos sendo decifrados, buscando trazer clareza à mente do paciente.


Acima, Desocupados. Temos aqui um entorpecimento, como no sonolento ou sedado Marte de Botticelli, como na sesta após a refeição no filme Comer, Rezar, Amar, na gloriosa sensação de, depois de uma boa refeição, afrouxar o cinto da calça e deitar para um cochilo, no modo como desde pequeninho me acostumei a ver meus pais sesteando depois do almoço. Aqui, é como no divertido episódio de Chaves, quando este acidentalmente misturou calmante com sucos, com as pessoas tomando tais sucos e caindo no sono em plena Rua. Podemos ouvir o ronco, como uma pessoa que conheço, a qual simplesmente nega que ronca, o que não é verdade, pois esta pessoa ronca sim! Aqui são os ricos códigos oníricos do clipe Bedtime Story de Madonna, com esta sedada e entregue às tempestades dos sonhos, com códigos tão enigmáticos e misteriosos, prontos para uma decodificação psíquica. É como no filme de ficção científica A Cela, com uma terapeuta, sedada, entrando na mente do paciente, também sedado, numa espécie de sonho consciente, na terapeuta que sabe que está lidando com códigos do Inconsciente, esta jaula cheia de “monstros”, medos e excitações, como no calabouço do brinquedo Castelo de Grayskull, com seres horríveis e selvagens contidos pelas grades do Pensamento Racional, da Ordem, da Clareza, da Saúde. Podemos ouvir aqui um ronco coletivo, numa espécie de orquestra. Aqui, é o pecadinho da Preguiça, pois esta pode estar aliada ao Essencialismo, ao Minimalismo, à Limpeza de ações, numa pessoa que sabe do poder da Simplicidade, com o essencial impondo-se sobre a desnecessidade suja das frescuras e das afetações frívolas, como num machão Clint Eastwood, atento ao que realmente importa, sem frescuras. Aqui, os chapéus são a segurança do Lar, como um telhado sobre uma casa, no modo como uma mãe protege o filho ao máximo, quase o castrando. Aqui, é como um albergue para pessoas em situação de Rua, dando cobertas e um teto para que a pessoa não durma ao cruel relento, apesar de ser tão sedutora a indisciplina desregrada do mendigo atirado numa calçada, pedindo dinheiro – por que tenho que trabalhar se me dão dinheiro de graça? Aqui, temos rochedos ao fundo, na lembrança que tenho de Infância de observar o pescoço envelhecido de minha tia avó, parecendo-se com tais sinais erosivos de encostas terrosas, ou como um pescoço de tartaruga, na mais plena noção de discernimento de que temos que respeitar os mais velhos, pois um dia serei um idoso, espero que nunca perdendo o senso de humor... Aqui, parece o cansaço depois de um árduo dia de labor, ou como pessoas num aeroporto brasileiro pedindo refúgio, fugindo de países governados por algo que Tao chama de direção tortuosa, ou seja, governos que pouco se importam se seu próprio povo tem saneamento básico, assistência de Saúde, comida etc. Vemos uma senhora com uma criança de colo – é o zelo maternal, numa mãe que quer uma vida melhor para o filho, sem tanta privação, querendo ver o filho saudável e bem alimentado. Aqui, podem ser judeus mortos numa câmara de gás, nos incompreensíveis genocídios dos quais o Ser Humano é capaz, numa crueldade de fazer inveja a Freddy Krueger, o vilão assassino dos pesadelos. Aqui é como uma longa lista de espera numa unidade de Saúde para a retirada de medicamentos gratuitos, com senhas sendo distribuídas e horas passando até que a pessoa seja atendida finalmente. Aqui, é como uma quarentena, com pessoa que foram involuntariamente isoladas para evitar um caos epidêmico, como na terrível Gripe Espanhola. Aqui são como imigrantes italianos chegados à América, no sonho de ter terra própria e de enriquecer, num imigrante sonhando com uma farta mesa de galeteria, como nos pobres imigrantes negros atuais em Caxias do Sul, pessoas que levam uma vida muito, muito dura. Aqui, é o sono se impondo impiedosamente, ao contrário da plenitude metafísica, na qual não há fadiga. São desempregados querendo um trabalho apenas, numa longa fila, no Desemprego Brasileiro.


Acima, O Cavalinho. Um doce registro de Infância, talvez autobiográfico, com Berni retratando os doces dias de menino, numa época simples, muito longe das sisudas exigências adultas, numa época em que a criança se contenta com pouco, na inocência herdada de um espírito que recém saiu da Dimensão Metafísica para reencarnar. O cavalinho é a força motriz, a vontade de viver, numa pessoa que está centrada, dedicando energia e esmero para realizar algum trabalho, pois a vida dos ociosos é insuportável, no fato de que, assim que desencarna, a pessoa percebe a necessidade de procurar um emprego, algo para fazer, a exemplo de Tao, que está sempre criando, como um maravilhoso popstar, enchendo de expectativas os fãs que esperam por um novo álbum da estrela – Tao, o brilhante. A camisa listrada do menino é o discernimento entre dia e noite, entre Amor e Ódio, com linhas em chamativo contraste, como um farol, guiando de longe os marinheiros, impondo um pouco de ordem e referência a um Mar tão caótico, tão entregue às intempéries materiais. Montar neste cavalinho é como ingressar num curso universitário, na deliciosa sensação de se esforçar para caprichar nos trabalhos exigidos pelos professores, no catatau de tarefas que o estudante precisa fazer para se formar, no modo como são tristes as histórias de vida de pessoas que abandonaram a faculdade no meio do curso, não finalizando o que começaram, como numa transa sem orgasmo – volte para a Universidade e forme-se, rapaz! O plano de fundo é de feminino e encantador floral, numa praça muito bem cuidada. As flores são o lado belo da Vida, o perfume, as coisas finas e delicadas que acabam por derrotar o brutal e o grosseiro, em povos tão polidos como os ingleses e os japoneses, dando ao Mundo um exemplo civilizatório, talvez querendo colonizar outros povos, impondo valores de sofisticação e polidez. O chapéu branco do menino é esta sensação de Paz neste parque, como narrou uma pessoa que, em coma, teve uma experiência extracorporal, e ficou por um templo numa praça da Dimensão Metafísica, acompanhada de sua avó, num lugar com muita, muita Paz, podendo sentir a respiração de tal avó, num momento em que as “tempestades” mundanas se dissipam, dando espaço à intenção primordial de Tao, o apaziguador, o conciliador, o unificador, o agregador, como um patriarca ou uma matriarca, unindo a família numa noite da Natal. O menino aqui tem um sorriso muito, muito brando, quase imperceptível, e seu semblante plácido traz um pouco desta Paz, num momento tranquilo, em que tudo o que a pessoa tem a fazer é respirar e curtir tal momento singular de Paz e contentamento. O chão aqui tem uma estampa colorida, vibrante e elegante, no esmero de um arquiteto em fazer um ambiente da forma mais conveniente e bela possível, seguindo os moldes da sofisticadíssima Arquitetura Metafísica, remetendo a lugares oníricos como a argentina Ciudad de los Niños, Gramado ou um parque da Disney. Temos aqui uma pincelada renascentista de Berni, projetando no chão uma sombra muito discreta, feita por quem entende do riscado, ironicamente falando do filho de um alfaiate. As rédeas rubras são, é claro, o controle emocional, os brios, o juízo de adulto, num pai que sabe que tem que zelar por um filho, sabendo que as crianças estão o tempo todo perigando fazer bobagens que podem resultar em eventos desagradáveis, quiçá terríveis. As rédeas são os vínculos de sangue numa família, no modo como os vínculos de família na se dissolvem com o Desencarne, fazendo da Eternidade esta oportunidade para que sejam resolvidas todas as desavenças, como uma pessoa que conheço, uma pessoa que se magoou comigo, mas é claro que reatarei com essa pessoa, antes ou depois do Desencarne, pois o Perdão é eterno, e o poder supremo de Tao reside no fato de que passaremos a Eternidade tentando, sem êxito, compreender tal poder imensurável.


Acima, Primeiros Passos. Temos aqui uma perspectiva renascentista, num movimento que sepultou de vez os moldes medievais de Arte. A costureira entediada é a frustração, num sentimento depressivo de se “quebrar a cara”, no modo como as frustrações são inevitáveis e partir do momento em que a pessoa tece expectativas, pois tecer estas é uma tendência bem humana, bem comum, bem corriqueira. Podemos ouvir o som da máquina de costura, numa pessoa que não está muito absorvida pelo trabalho, talvez infeliz, irrealizada, como numa pessoa que conheci, uma pessoa que abandonou a carreira de ator para abraçar uma carreira de advogado, no modo como todos temos o direito de sonhar com uma vida melhor, no modo como são comuns as trocas de carreira, como Ronald Reagan, um ator que entrou para a Política, ou vários colegas meus de faculdade, que não seguiram a profissão pela qual fizeram tal curso, pois o autoencontro é este grande desafio, na pessoa olhando para si mesma, querendo saber qual é o Norte, a noção para que se saia deste labirinto que é a vida de uma pessoa perdida. Aqui, a mente da costureira está bem longe, do outro lado do Mundo – é uma pessoa perdida, entediada em tais meandros traiçoeiros deste labirinto, fazendo com que o ofício de costurar não lhe traga tesão, vontade ou sentido. Ao lado, vemos uma menina magérrima – é a elegância, o minimalismo preguiçoso e maravilhoso de Tao, o limpo, o puro, o perfumando, o essencial. A menina dança, feliz com o que faz, em contraste com a costureira prostrada. A menina é a felicidade de uma pessoa que gosta de viver seus dias na Terra, numa pessoa que encontrou Disciplina, percebendo que a Dança é um trabalho como qualquer outro, exigindo dedicação e esmero. A costureira frustrada tem a ilusão de que existe, em algum lugar, um trabalho maravilhoso, o que não existe, pois, como disse Silvio Santos: “Televisão é um trabalho como qualquer outro”, na dignidade de uma pessoa que pega numa enxada e vai carpir um lote. Porém, a pessoa não pode ficar tão empedernida, e deve permitir a si mesma sonhar, fazendo algum trabalho que lhe traga tal realização. Aqui, temos um arejamento, pois porta e janela estão abertas – é a Vida, a respiração, a vontade de viver, numa pessoa que, apesar de produtiva e disciplinada, quer curtir os gostosos pecadinhos capitais, ao contrário de uma pessoa que conheço, uma pessoa que simplesmente não se permite ter tais prazeres, pois a Vida não é só labor disciplinado. A moça dançarina delgada é a delicadeza de cristal de uma bailarina, com pés tão frágeis que parecem que vão quebrar, na dádiva que é a Dança, como dançar até suar numa pista de Dança, num momento em que a pessoa expressa a si mesma, como dançar num baile de gala até o amanhecer. A moça joga as mãos para o Céu como que em gratidão, talvez agradecendo por ter Saúde para dançar, no modo como, no frigir dos ovos, tudo se resume a Saúde, havendo na Dimensão Metafísica tal incondicional Saúde, numa dimensão em que as doenças orgânicas ou psíquicas perdem a força totalmente, e a pessoa se depara com uma vida simples, jovem e bela, podendo se dedicar integralmente a algum trabalho, algum emprego, na construção técnica da carreira espiritual, num lugar onde nos sentimos verdadeiras estrelas, havendo nas estrelas mundanas uma mera cópia grotesca da glória metafísica – tudo no Mundo Físico gira em torno da dimensão acima, e isso inclui as dinastias nobres mundanas, apesar de ser difícil acreditar nisso que falo. Ao fundo na cena, algumas garrafas numa prateleira – as garrafas são o invólucro, o envoltório protetor do Lar, num lugar onde nos sentimos tão seguros, tão pertencentes a um lugar repleto de pessoas boas, num lugar onde a Criminalidade nada significa. As garrafas remetem ao seriado Jennie é um Gênio, no qual a mulher se refugiava em seu mundinho dentro da garrafa, deixando lá fora todas as preocupações diárias da Vida, no modo como todos precisamos desses momentos de solitude, de reserva, como num casal saudável, no qual há tais momentos pertinentes de solitude, pois como não vou cansar de uma pessoa a qual vejo vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana?

Referências bibliográficas:

Antonio Berni. Disponível em: <www.en.wikipedia.org>. Acesso em: 1 jul. 2020.
Antonio Berni. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 1 jul. 2020.
Antonio Berni. Disponível em: <www.wikiart.org>. Acesso em: 1 jul. 2020.
Antonio Berni Obras. Disponível em: <www.google.com>. Acesso em: 1 jul. 2020.