quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Diga Oi para Oiticica



Simpatizante do Anarquismo, o carioca Hélio Oiticica (1937 – 1980) era artista multimídia, envolvendo-se em várias Artes. Em 1954 estudou no Museu de Arte Moderna do RJ, trazendo em sua arte questões sociais – passou pelo período ditatorial brasileiro. Nos anos 70, obteve bolsa na Fundação Guggenheim, de Nova York, fazendo uma mostra no Museu de Arte Moderna da urbe americana, tendo várias de suas obras hoje pertencentes ao arquivo deste museu. Hélio é considerado um grande pintor do Brasil, tendo em 1996 seu trabalho reverenciado pela Secretaria Municipal de Cultura do RJ, que fundou o Centro de Artes Hélio Oiticica, com acervo de HO e mostras. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Bloqueado. As linhas delgadas fazem diálogo com as linhas mais grossas, num diálogo entre fácil e difícil; entre liso e áspero, faces do mesmo trabalho, pois, como disse Caetano, cada um sabe a dor a delícia de ser o que é. O discreto azul marinho é a Discrição, uma pessoa produtiva que não quer aparecer muito pela Mídia, uma pessoa que não quer ser incomodada ao caminhar na Rua, nunca perdendo o direito de ir e vir do cidadão comum. Aqui, é como um painel arquitetônico de um prédio comercial ou residencial, no modo como as tendências estéticas se constituem em poderosas ondas de estilo, varrendo tudo e todos, quase nos obrigando a seguir tais tendências, como na Moda, na vogue atual de jeans rasgados, como se fossem sobreviventes de uma hecatombe nuclear, na ideia de força, de sobrevivência, como um artista com décadas de carreira, tendo que se reinventar para não virar peça de museu. Aqui, duro e mole se encontram, e as linhas são tanto racionais quanto instintivas. As linhas curvas são como serpentes se esgueirando pela imaginação do espectador, com animais fortes, que sobrevivem a condições semidesérticas, na força que a pessoa tem que ter para sobreviver e tocar a Vida para a frente. Temos um certo siso neste quadro, um recato, em algo que não quer chamar atenção sobre si mesmo, no necessário discernimento entre pessoa e trabalho – ter o trabalho exposto ao máximo é positivo; ter a própria pessoa exposta, nem tanto. Não deve ser fácil ser uma supercelebridade, uma pessoa que simplesmente não pode sair na Rua tranquilamente, ou ter que andar cercado de guardacostas, como pessoas ricas, sempre com medo de sofrer agressões como roubo e sequestro. Aqui, é como um vitral, com um respiro mínimo, com a luz só podendo entrar através das vias mais delgadas, num minimalismo, uma limpeza, como Tao, o limpo. Então, a Simplicidade entra como sinônimo de Limpeza, Pureza e Beleza, num ambiente mais do que limpo – higienizado. É o prazer de se deitar numa cama com lençóis muito limpos e perfumados, num anfitrião generoso, que recebe seus convidados da melhor forma possível, fazendo com que estes se sintam verdadeiros reis – é o prazer de receber. Não temos aqui uma explosão carnavalesca de cores vibrantes, mas cores discretas, puxando consideravelmente para o cinzento, como um quarto escuro iluminado pela fraca luz dos postes na Rua, fazendo com que o cômodo obtenha tons de cinza, desafiando-nos a descobrir quais cores seriam se o cômodo estivesse inundado pela luz solar. A Discrição é a invisibilidade, no modo como o Cosmos é incrivelmente translúcido, proporcionando que observemos galáxias nos confins cósmicos. É Tao, a cola invisível que mantém unida este grande família que somos todos. É como na foto de uma turminha de pré-escola, havendo na figura da professora a força gravitacional invisível que mantém a classe unida e coesa. Tao, nosso professor. Podemos ouvir aqui o som de Bossa Nova, num artista carioca, que sabe o valor de uma bela orla. Aqui, as linhas curvas remetem aos célebres calçadões do Rio de Janeiro, com a sensualidade das ondas indo e vindo, respirando, vivendo sensualmente, numa garota fina e discreta passeando, inspirando artistas. É a vitória da virtude sobre a vulgaridade.


Acima, Metaesquema. Uma sensual veneziana, deixando entrar o ar quente de uma tarde de Verão, ventilando, na sensualidade de algo que vive e respira, como no beijo de dois apaixonados. Aqui, a luz luta para entrar entre frestas mínimas. É como uma faixa de segurança, fazendo do contraste um recurso para se chamar a atenção, no modo claro e expresso de placas de trânsito, fazendo da mensagem simples e limpa uma mensagem forte, expressa, clara. É a lição da Simplicidade, na qual não há livro ou faculdade que ensine, no sentido de que cada um tem que aprender pro si só, fazendo com que a existência exija que o indivíduo seja autodidata. São como listras de zebra, num processo evolutivo de sobrevivência que dá certas características cromáticas aos bichos, como um urso polar branco, na metáfora de sobrevivência ao redor do camaleão, o bicho esperto que fica “invisível” não só para pegar vítimas como também para se proteger de predadores. É como a camuflagem militar, no soldado que tem que ficar invisível para pegar o inimigo de surpresa, no modo como não é interessante uma pessoa cujas pretensões podemos observar claramente, pois se sou antevisto, não poderei agir. São como serpente tensas, retilíneas, num covil, numa suruba, com todas as cobras se enroscando, como em um dos filmes da franquia Alien, em um momento em que Ripley, ao fazer parte da família alienígena, joga-se confortavelmente no meio das criaturas, na sensação de lar, de invólucro, de pertencimento, num lugar em que somos conhecidos e em que nos sentimos à vontade para sermos quem realmente somos, na questão da aceitação, no modo como a primeira pessoa a me aceitar tem que ser eu mesmo. Aqui, é o poder do contraste. São como fitas isolantes coladas, numa folha de papel. São como documentos com vetos, censuras, tolhimentos, num estado totalitário que não permite que os próprios cidadãos vejam a Verdade. São como tarjas sobre um corpo nu, havendo na proibição a raiz para a excitação, no termo striptease, ou seja, as tiras que provocam e instigam, num erotismo que se dissipa quando as tiras são eliminadas, na pureza da nudez, o modo como Tao nos concebeu, e Tao não pode sentir vergonha de algo que o próprio Tao criou, como na inocência de anjinhos barrocos. Aqui, as tiras são colocadas lado a lado para que seja feita uma comparação, e todas aqui estão palmo a palmo, e nenhuma é mais ou menos do que a outra, como numa excitante competição, em que os competidores têm as mesmas aptidões e fraquezas, num confronto justo, entre iguais em força. Então, o jogo começa e nações inteiras assistem para ver quem é o melhor, como num ringue, em que vence o que tiver mais vontade de vencer, entrando em campo de forma competitiva, agressiva, enérgica, sonhando em erguer a taça. São como pistas de uma mesma estrada, com uma hierarquia de velocidade – quanto mais rápido, mas à esquerda tenho que trafegar, deixando em paz aqueles que têm menos pressa, o que me remete a um acidente de carro que sofri com minha família há alguns anos, num baque fenomenal, digno de explosão de airbags, num momento de choque e ruptura imprevisíveis, tal qual neste contraste entre claro e escuro, ou seja, de um momento de passeio e prazer para um momento de dor e susto – felizmente, sobrevivemos todos. Aqui, é a marca que um trator faz numa lavoura, colhendo os preciosos grãos, alimentando nações ao redor do globo, nas competições mercadológicas que ocorrem naturalmente, remetendo a Adam Smith – o Mercado se regula por si só, havendo, porém, a necessidade de um estado mínimo. Aqui, temos a Disciplina de um cabelo recém penteado, devidamente com gel fixador, num momento de garbo e interação social, uma interação que exige impositivamente que nos aprumemos antes de sair de casa, num ato de autoestima, ao contrário de pessoas, que, por não amar muito a si mesmas, não se arrumam muito. Aqui, é a marca de serrinhas mínimas de uma faca sem ponta, passando manteiga no pão, no poder de Tao em distribuir, prover, alimentar e zelar. – sim, temos um Pai Supremo.


Acima, Metaesquema. Flores rompendo na Primavera. Explosões de campos magnéticos. Bombas explodindo simultaneamente. Pingos perturbando uma água plácida, no modo como um artista quer “perturbar”, quer provocar as pessoas, no poder apimentado da Arte, instigando calorosas recepções, provocando os corações e as percepções das pessoas, causando comoções no espectador, mostrando que a Arte é mais do que só beleza e contemplação. São os manifestos políticos no tapete vermelho da última edição do Festival de Cinema de Gramado. Aqui, são como estrelinhas ninjas, absolutamente afiadas e perigosas, num ato agressivo, de marcar algo, de causar cicatrizes, num artista que não suporta a ideia de ser ignorado, de passar em branco pelos olhos do espectador. Aqui, o fundo é de um papel pardo, ecológico, como se soubesse que a fabricação do papel branquinho causa dano ambiental. O papel pardo é cru, natural, recém extraído da Natureza, numa Humanidade que está fortemente vertendo para o discurso ambiental, nos quatro cantos do Mundo, como mais uma prova da universalidade do Ser Humano. Aqui, são como conchinhas à beiramar, nos pequenos presentes que Iemanjá nos envia, na generosidade da Grande Mãe, de Tao, a grande mesa farta de galeteria, no sonho de fartura que se passava pela mente do pobre imigrante italiano, o qual enfrentou tanta dureza na chegada à América. Aqui, é uma frota de aviões, ou óvnis ameaçadores, tramando um ataque, uma ofensiva, cujas preliminares tiveram que acontecer sob sigilo absoluto, fazendo metáfora com Tao, sempre agindo quietinho nos bastidores, como se soubesse que falharia caso sua intenção fosse revelada antes do tempo, ou seja, nunca deixe que vejam sua pretensão, pois se prevejo você, você não me surpreenderá. Aqui são rótulas de um sistema viário complexo, quase confuso, no qual só um habitante da própria cidade pode se locomover tranquilamente. São as rótulas de uma engrenagem industrial, consumindo muita energia elétrica e força de trabalho, numa empresa pujante, bem sucedida, como na Metalúrgica Eberle na II Guerra Mundial, no modo como tais conflitos acabam por envolver cada canto de um planeta, com alienígenas avançados nos observando e nos reprovando, achando-nos arcaicos e medíocres. Aqui são como naves num clássico videogame Atari, na época em que a tecnologia digital começou a se alastrar pelo Mundo, e quem viveu tal época pode ouvir os efeitos sonoros desses jogos, numa época infantil na qual a Vida era mais simples. Aqui são vários helicópteros armando um ataque, uma ofensiva, ou uma manifestação pacífica sob os céus de uma nação pacífica, em um dia de celebração cívica. Podemos ouvir o som dos aviões cortando o Céu, com a multidão bradando animadamente, com crianças encantadas com as máquinas voadoras. Aqui, é como uma reunião, com uma hierarquia – há os grandes e há os pequenos, como numa família. São morcegos voando em bando, na escuridão, apenas se guiando sonoramente, num instinto em busca de comida, uma das funções mais básicas da Natureza. Esses xadrezes são como tabuleiros modificados, passando do formato plano para uma torção, com algo em duas dimensões sendo revertido para três dimensões. São como árvores num pé, esperando pela colheita, a qual não pode demorar para acontecer, sob a pena da fruta apodrecer no pé. São como moscas, ou abelhas num enxame, como se soubessem que da União nasce a Força. São luas de diversos tamanhos orbitando o mesmo planeta pai, como no encanto exótico das luas de Júpiter, num Ser Humano ainda tão ignorante em relação ao que nos cerca. São mosquitinhos orbitando a mesma lâmpada mãe, amamentando-se das mesmas tetas, num ato de compartilhamento, no modo como é positivo compartilharmos o que temos, pois quanto mais egoísta, mas infeliz.


Acima, Seja marginal, seja herói. Um manifestante jogado no chão, sangrando, tolhido por um sistema político no qual o cidadão é vigiado e controlado, na especialidade ditatorial. O vermelho é a cor do Comunismo, numa época no Brasil em que o cidadão sequer podia caminhar calmamente na Rua com um livro de capa de vermelha, pois, se o fizesse, um policial o abordaria e pediria para examinar o livro – caso fosse um livro marxista/comunista, o cidadão era encaminhado a uma delegacia para se explicar. Aqui, o homem está numa posição de crucificação, só que de cabeça para baixo, num país virado de cabeça para baixo, numa época em que os porões da ditadura não eram visíveis ao cidadão comum. O quadro traz gritos de ordem, convidando o indivíduo a se rebelar, a ser uma anomalia em um sistema doente, heroificando aquele que ousar de opor ao sistema, em um ato que exige muita coragem, numa pessoa sendo presa e torturada – se eu tivesse vivido aquele período, eu me “faria de morto”, e não soltaria um piu, pois quem não cutuca o tigre com a vara curta, não é mordido. Como Tao diz, é melhor ficar quietinho. O quadro é da cor do vestido da então primeira dama nacional Marisa, na primeira posse de Lula – é claro que não foi aleatória a escolha da cor da roupa. É a capa de Drácula, sedento por ingênuos pescocinhos, na malícia de um sociopata pedófilo, que se aproveita da inexperiência das crianças e adolescentes. O homem abatido aqui parece estar sendo arrastado pelos pés, seja por um amigo ou por um policial, ou seja, sendo salvo ou sendo preso, no modo como a Morte acaba salvando a Vida de uma pessoa! O homem aqui está entregue, passivo, inconsciente, sendo arrastado por uma onda, talvez sendo severamente punido pelo crime de desobediência civil, num quadro que certamente seria proibido e censurado na época da ditadura, pois as palavras de ordem seriam consideradas subversivas, conclamando os cidadãos à desobediência – o ditador tem medo, como um certo país, cujo nome não mencionarei, um país que é uma ditadura disfarçada, ditatorial ao ponto de permitir que sejam exibidos filmes que são tranquilamente exibidos no resto do Mundo. O ditador tem muito medo da produção intelectual, das elites intelectuais, como num sofisticado Chico Buarque, com uma sutileza e uma ironia, que expunha a ignorância ditatorial, no modo como Elis Regina chamou os militares de “gorilas”. Podemos ouvir aqui o som de bombas de efeito moral e tiros de balas de borracha, talvez balas de verdade, no modo como a repressão a certos cidadãos serve de exemplo par assustar o restante dos cidadãos, como num Tiradentes, esquartejado, com seu cadáver exposto, com o objetivo de assustar o cidadão comum. Opressão e Terror. O Ser Humano é assim mesmo, atrelado ao Poder, sempre ao Poder, muito distante de Tao, o dirigente no qual sabemos que podemos confiar. Jesus Cristo foi considerado marginal, sendo rigorosamente processado e executado, tornando-se, depois, herói, na promessa de que um pouco de sacrifício pessoal pode ser vantajoso, pois nunca ouvimos que vem antes o dever e depois vem o prazer? Ou será que vivemos um mundo cruel onde o prazer, o inocente prazer, é visto com maus olhos? O que o Mundo quer de nós afinal? Aqui, é a filosofia do “hoje eu me ferro, mas amanhã colho os doces frutos”. Será tais frutos virão ou será que estou me ferrando em vão? Onde está meu autorrespeito? É positivo sofrer tanto? Aqui, corre por água abaixo o sangue do Salvador, um espírito que trouxe conceitos e pensamentos que até hoje o Ser Humano tem dificuldade em assimilar, num espírito muito, muito avançado e depurado, um espírito que rejeita veementemente pedras preciosas, bens que não sobrevivem ao Desencarne – nunca ouvimos que vão-se os anéis e ficam os dedos? Como na maravilhosa cena de uma cinebiografia de Tina Turner, com a cantora tirando todas as joias, abraçando uma vida mais simples e menos sofrida.


Acima, sem título. Barras de uma prisão, ou como os uniformes de prisioneiros de campos de concentração, no modo como a crueldade humana pode alcançar patamares vertiginosos. A luz vem entre as barras como um sinal de esperança, num detento contando as longas horas de exílio, numa espécie de purgatório, como uma pessoa que se suicidou e, ao desencarnar, vê a bobagem que fez, pois a Vida é um bem inestimável, em oportunidades plenas de aprendizado, pois a depuração moral é o sentido da Vida. Aqui, são como prédios de Arquitetura ousada, em urbes modernas e vibrantes, cheias de demonstrações de inteligência e bom gosto, no modo como é feliz aquele que faz um trabalho bem feito, com cuidado e competência, amando, cuidando, pois sem Amor, não há coisas boas... Aqui, o contraste é a ordem do dia, e não vemos incertezas de dúbios tons de cinza, mas uma mensagem expressa e clara, como faixas de segurança, com a finalidade de chamar a atenção em torno de cuidados, e aí vem o Amor de novo. Este é um quadro repleto de linhas tensas, retas, sem espaço para linhas tortuosas ou duvidosas, ou insinuantes. Hélio faz uma brincadeira com tais contrastes, numa espécie de arco-íris em preto e branco. Aqui, temos o brilho de uma superfície prateada, num metal cromado, na cor que por tantos anos marcou o Cinema, no termo silver screen, ou seja, tela prateada, com joias de estrelas brilhando e encantando o Mundo, espalhando glamour e beleza, no apaixonante poder da Arte em encantar e transportar o espectador a outros mundos, outros lugares, na missão do artista em ser o guia dessa viagem. Aqui, a luz entra por janelas venezianas, na sensualidade de uma tarde de Verão, em um jardim plácido e verde, com a doce brisa fazendo farfalhar a vegetação, num período de férias, de descanso, com o doce cheiro de flores de plátanos no Verão, nas frutas da estação, como abacaxis ou figos. Então, crianças brincam na piscina, de férias, no merecido descanso dos que se esforçaram durante o ano e foram aprovados para o ano seguinte. Na porção mais inferior do quadro, vemos um discreto retângulo cinzento, num ponto de exceção, de discordância, uma parte da obra que não quer fazer parte do truncado jogo de contrastes. Esse retângulo é o livre arbítrio, numa pessoa que tem a liberdade para escolher de que lado quer estar, numa pessoa que pensa diferente, que pensa acima de mediocridades, tendo a liberdade para alçar seus voos, em busca de uma identidade, não suportando ser apenas mais um medíocre tijolo em uma parede de indistintos tijolos. É a vitória da Sofisticação sobre a Mediocridade, no modo como dá gosto conversar com uma pessoa cuja cabeça vai muito além da esquina... Aqui, são hastes de um cesto de vime, no poder transformador do Artesanato, na capacidade plástica de pegar elementos e, com estes, fazer algo novo. Aqui, é um aviso expresso, como se quisesse alertar para o risco de choque elétrico, alertando-nos para que mantenhamos respeitosa distância, sob a pena de morrermos eletrocutados. Se amo alguém, alerto esta pessoa sobre os perigos, querendo preservar as pessoas, com puro amor fraternal, amizade, no modo como, no fim das contas, tudo se resume aos amigos que fizemos em vida, sejam eles parentes ou não. Aqui, é como uma tabuleiro de Xadrez alongado, distorcido, como se estivesse sofrendo a influência de fortes ondas gravitacionais, nas forças cósmicas que regem um Cosmos tão enigmático, cabendo aos cientista sonhar e lutar para explicar cientificamente tais sonhos, com criancinhas pequenas, olhando para as estrelas no Céu noturno, querendo saber mais e mais. Aqui, as linhas são desobedientes, e ficam invadindo umas às outras, e não temos um puro e simples tecido estampado com comedidas listras, mas listras rebeldes, que não se conformam com o espaço que habitam, no natural desejo do encarnado em desencarnar, pois pergunte a um prisioneiro se este gosta da prisão. Podemos ouvir o som de grades sendo fechadas, num prisioneiro que tem que decidir o que fazer com o tempo vago.


Acima, sem título. Vemos aqui um tanto de Mondrian, só que com mais cores do que as cores básicas deste. É um kilt, com linhas se entrecruzando, com pessoas passando umas pelas vidas das outras. É como uma cidade de crescimento não organizado, não planejado, com quarteirões de tamanhos e formatos diferentes, com quadrados e retângulos, sem linhas tortas. É como um vitral moderno, no encanto de luzes coloridas banhando o interior de alguma estrutura, no modo como as cores sempre fascinaram o Ser Humano, algo que me remete a um colega de aula que tive, um homem com uma espécie de daltonismo no qual só podia enxergar o Mundo em preto e branco. Aqui, é como a vista aérea de alguma cidade ou clube, com amplas piscinas azuis, num Éden sintético, construído pelo Homem, nos encantos de um lugar paradisíaco, como num sedutor resort, ou num luxuoso navio de cruzeiro, no período de férias, num casal em lua de mel, desfrutando de mordomias. São como as ruas e avenidas de Manhattan se entrecruzando, num tecido urbano complexo, numa malha viária. Aqui, são como fios de malha sendo entrecruzados para que sejam concebidas luxuosas peças de roupa, no poder transformador de transformar um novelo e um suéter, e temos aqui uma roupa alegre e carnavalesca, num Hélio que acreditava na doçura da Vida, sem tanta sisudez. Aqui, são como confetes retilíneos jogados aleatoriamente. Vemos várias partes em dourado, como nas cores amareladas da superfície de Vênus, como numa aurora terrena, banhando de ouro os céus, na cor amarela das rochas que compõem o legado arquitetônico egípcio, na ancestral ambição humana de acumular metais preciosos, havendo nos metais nobres uma metáfora com a nobreza da Eternidade Psíquica, sendo o ouro material uma mera cópia grotesca, assim como uma fotocópia é uma cópia grotesca de uma fotografa colorida. Aqui, são como as várias canchas de tênis de um complexo esportivo, num torneio, com várias partidas sendo disputadas ao mesmo tempo, com a plateia disputando por assentos em jogos entre dois grandes tenistas, havendo na competitividade uma inevitabilidade social, num Ser Humano querendo sempre ver quem é o melhor nisso ou naquilo. Aqui, é como um tabuleiro de Xadrez que enlouqueceu, explodindo em cores e em distorções geométricas, negando o preto e o branco e negando também a Simetria. Aqui, temos um quadro que odeia Simetria. Vemos formas em verde, como impecáveis gramados de futebol, prontos para serem “desvirginados” pelas furiosas chuteiras dos jogadores, no prazer da violação, do “estupro”, como uma chave entrando numa fechadura e abrindo uma porta, num ato de libertação, de êxito, num campeão erguendo sua taça, fazendo metáfora com o constante sentimento de vitória que toma conta da Dimensão Metafísica, o lugar onde a Carne perece perante o Desencarne. Aqui, as formas rubras são como tijolos, no paciente trabalho de formiguinha de empilhar peça por peça, numa paciência, de quem sabe que de grão em grão o papo se enche. É a crueldade humana em empreender o trabalho escravo, fazendo da Terra um odioso lugar onde a impolidez é regra... E vemos aqui formas mais claras do que o restante, com formas que parecem ser um respiro, canais por onde a luz pode passar, tornando-se vitoriosa, como no sentimento de uma cerimônia de formatura, num aluno que concluiu aquilo que começou, havendo o sentimento de desconexão naqueles que não concluíram os estudos. Aqui, são barras randômicas, sempre dançando num baile entre latitude e longitude, num corpo dinâmico, com portas sendo abertas e fechadas, como num jogo de adivinhações, num corpo que não pode receber definições definitivas. É um quadro que nos mostra que tudo é processo, e a que a Inteligência é um corpo dinâmico, que nunca traz um ponto final. É a Eternidade, esta varanda pela qual podemos observar que jamais morreremos, fazendo da Imortalidade o maior presente que Tao pode nos dar.

Referências bibliográficas:

Hélio Oiticica. Disponível em <www.bolsadearte.com>. Acesso 21 ago. 2019.
Hélio Oiticica. Disponível em <www.escritoriodearte.com>. Acesso 21 ago. 2019.
Hélio Oiticica. Disponível em <www.moma.org>. Acesso 21 ago. 2019.
Hélio Oiticica. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 21 ago. 2019.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

O Gosto de Rosa



O paulista Gustavo Rosa (1946 – 2013) já desenhava aos 3 anos de idade, um sapeca que pintava paredes e os próprios caderninhos escolares! Entrou em 1964 em um curso de Desenho e Pintura, impressionando os professores e fazendo uma primeira mostra, tendo carreira consolidada ainda jovem. Foi amigo do ícone modernista Di Cavalcanti. A partir de 1970, Rosa foi fazendo várias mostras individuais, recebendo muitas encomendas. Morreu de Câncer. Há um instituto que leva o seu nome. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Figura. GR nos remete um pouco a Bottero, com seus gordinhos característicos. A mulher corre em busca de uma borboleta, na busca por uma recompensa, por um ganho, na luta do dia a dia para se ganhar o pão sagrado. A borboleta é o espírito livre, a Liberdade do desencarnado. A rede é a prisão, o corpo carnal, nos horrores de lugares como o Presídio Central de Porto Alegre, o qual, dizem, é uma sucursal do Inferno. A rede é o Umbral, o purgatório, um lugar pouco produtivo onde só há ócio, na vida difícil de uma pessoa que simplesmente não produz. Podemos ouvir os passos pesados da mulher sobre o chão, sofrendo o peso do próprio corpo, nas forças gravitacionais que inexistem metafisicamente. É um belo dia de Céu de Brigadeiro, e a grama á intocada e saudável, linda, virgem, na beleza intocada de terras que não estão submetidas às Leis da Natureza. Apesar de obesa, a mulher aqui é ágil, e tenta acompanhar o passo do inseto voador. A mulher usa óculos escuros, que são a proteção, o resguardo, numa pessoa que aprendeu que tem que cuidar de si mesma e da própria vida, evitando fofocas, ou seja, evitando cuidar de uma vida que não é a sua, evitando deixar a própria vida ficar descuidada, no verdadeiro veneno ocioso que é a Fofoca, uma perda de tempo enorme, pois na nobreza metafísica, as fofocas ficam reduzias a nada – fofocar é desrespeitar. O vestido da mulher é florido, e temos aqui uma cena primaveril, arejada, saudável, na saúde da Vida a ar livre, como um caixão que foi aberto e deixou o espírito sair para raios dourados de um dia agradável e produtivo. Aqui, temos simplicidade, pois a mulher está de pés descalços, podendo ter o prazer de sentir a grama sob seus pés, como os pés desnudos de Nossa Senhora, esmagando inevitavelmente a serpente da Malícia, o vírus do Éden, o vírus de computador que é um sociopata tóxico. Este quadro tem movimento, como num monitor televisivo. Ficamos torcendo pela borboleta, para que ela tenha a elegância olímpica e não se deixe prender por mentiras mundanas, por luxos fúteis, e ficamos torcendo para que a Simplicidade prevaleça. A borboleta dourada é o Sol, o astro, a grande pérola sem a qual não haveria Vida na Terra, no prazer de se sentir um raio de Sol em um dia frio e desalentador, na retidão dos raios solares, convidando-nos a produzir o pensamento lógico, sempre primando pela Verdade, iluminando os labirintos da mentira e trazendo um novo dia para quem deixou o corpo carnal para trás. Este gramado tem uns espinhozinhos, como na Coroa de Cristo, nos inevitáveis espinhos da Dimensão Material, no modo como a pessoa, enquanto encarnada, tem que aprender a viver com tais dorzinhas, aprendendo a conviver com tais espinhos nesta roseira tão bela, pois as roseiras de Nossa Senhora não têm espinhos, pois no mundo acima não há predadores. Os lábios da mulher são verdes como a grama, e de verde se vestem os campos e as florestas, em gramados macios que parecem carpetes, nas florestas luxuosas que são as salas de estar superiores. O cabelo da mulher está se movimentando ao vento, e aqui a mulher se esforça muito para acompanhar o pique da borboleta. A mulher é a ambição, e está obcecada em capturar o belo bichinho, nas eternas ambições humanas, sempre querendo mais, nunca estando contente, num rei que nunca está contente com o próprio reino. A borboleta e a mulher ameaçam sair do quadro, num afã por Liberdade.


Acima, Melancia. Aqui, a “bandeira” está a meio mastro, ou seja, em luto oficial, numa melancia pela metade, perguntando se ela está meio comida ou meio inteira. As sementes são a fertilidade da mente artística, sempre buscando ser original, sempre evitando o óbvio, o lugar comum. É a melancia da Magali de Mauricio de Souza, a personagem comilona que nunca está saciada, na “fome” de um artista que quer ir muito longe, numa sede de carreira, numa constante busca, sendo sempre necessário virar a página e encarar uma nova folha em branco, num eterno trabalho de recomeço, num aprendizado existencial enorme – o cineasta nunca deve achar que atingiu a perfeição e que não mais precisa produzir. Aqui, é como uma pista de skate, com os jovens ascendendo e descendendo, no prazer de se pegar uma onda, ou um cipó, tomando impulso e embarcando em uma grande aventura, abraçando oportunidades e sabendo surfar na onda, sem ser engolida por esta, pois às vezes pegamos ondas maiores do que realmente podemos pegar. A melancia é deliciosa, doce e colorida, como numa doce lembrança de infância, com as brincadeiras com os amiguinhos, num Cidadão Kane lembrando, em sue leito de morte, de seu esqui de neve Rosebud, numa época em que a Vida era simples e divertida, sem as amargurar da Vida adulta. Vemos uma pequena uvinha solitária, jogada por acaso na cena. A uva está deslocada e desconfortável, não sabendo ao certo qual é o seu próprio papel na história. A uva é o despertencimento, e desconforto existencial, numa pessoa que ainda não se encontrou por completo, batalhando para obter algum espaço em um mundo por vezes tão insensível à Arte, aos impulsos sensíveis de uma pessoa que quer ser vista como artista, na verdadeira guerra que é conquistar um lugar ao Sol. A toalha desta mesa é listrada, discreta. É a retidão, a elegância aristocrática, o perfume fino que paira no ar. A toalha é a proteção, como uma mãe trocando as fraldas do filho, no trabalho zeloso de se debruçar sobre uma tela e produzir algo pertinente, algo que vá despertar o interesse público. A cor rubra desta melancia parece ser um vitral, na magia de cores variadas penetrando num templo, na magia de moradas coloridas e alegres, como um cristal desdobrando as cores, oferecendo-nos um leque de opções, como na variedade de cursos universitários, num indivíduo que se vê frente a tantos caminhos que podem ser trilhados. Esta melancia é uma forma de Niemeyer, com suas curvas de Bossa Nova encantando o Mundo, com as belezas de um Rio de Janeiro que seria muito mais belo sem tanta violência ou narcotráfico, no Rio metafísico que paira sobre a cidade física, na promessa de um Brasil no qual não há grades, ou seja, não há a prisão do corpo carnal. O fundo deste quadro é bem escuro, numa sala escura na qual só podemos ver o que está mais à frente. O fundo escuro e a uvinha formam um continuum, e são a indefinição, um desfoque, uma pessoa “míope” que está com dificuldades para tocar a Vida para frente, num momento em que a Divina Providência, na sua sabedoria, não permite que a pessoa anteveja, havendo nessa proibição um gesto de muito amor e cautela, pois tal Providência vem de Tao, o amor infindável, no imenso poder que reside na Vida Eterna – jamais haverá fim. Forte, não? Esta melancia é uma doce gangorra, no parquinho de diversões, num Michael Jackson criança que, em nome da própria carreira, simplesmente não podia brincar com as outras criancinhas, pois tinha que ensaiar, gravar e apresentar-se, nos certos sacrifícios que existem na Vida. Esta melancia é suculenta e doce, numa doce tarde de verão na piscina com os amigos, numa fruta tão cheia de sabor e hidratação. Aqui, há um comedimento, pois quem comeu metade da fruta não quis o resto, numa refeição frugal, com uma certa castidade, um certo pudor, uma moderação. É uma reserva, talvez para guardar o resto “para o Inverno”. A uvinha observa solitária a cena, e está esquecida, procurando um lugar, um lar, uma família.


Acima, Mulher. Esta modelo é um tanto andrógina, pois não sabemos dizer ao certo se é ele ou ela. Ela, ou ele, tem traços minimalistas e elegantes. Seu cabelo está impecavelmente cortado e penteado, numa pessoa com autoestima, arrumando-se para sair de casa e fazer interação social, no modo como qualquer psicoterapeuta fala sobre a importância da pessoa gostar de si mesma, sem narcisismos. A mulher tem um estilo marinheiro, usando um pequeno chapeuzinho da cor do Mar. O chapéu é a identidade, numa pessoa que tem algo para se apegar, sentindo-se pertencente a algo, no importante processo de identidade que ocorre para qualquer pessoa, estando muito mal existencialmente a pessoa que não sabe quem ela própria é, talvez numa anônima dona de casa, como me disse uma psicoterapeuta: “É desinteressante uma pessoa que é só dona de casa”, ou seja, ninguém merece viver na sombra de outra pessoa; ninguém merece ficar vivendo a vida de outra pessoa, no machismo social generalizado – se é uma mulher sustentada por um homem, pode; se é um homem sustentado por uma mulher, não pode. O pescoço da mulher aqui é firme, como numa Nefertiti, no modo como alguns historiadores cogitam a possibilidade desta rainha ter reinado como faraó por alguns anos, depois de enviuvar. O pescoço é a força de sustentação, a força de uma mão forte, que ergue uma mulher ao patamar de rainha. O pescoço é o tronco de uma árvore, como um patriarca sustentando uma família, mantendo esta unida, como em noites de Natal, no talento agregador de um patriarca, com uma força gravitacional que une as pessoas, como Tao, a força gravitacional que rege o Cosmos físico, atraindo a água ao lugar mais baixo, na humildade de uma pessoa que aprendeu a mortificar suas próprias expectativas, bloqueando a frustração, este sentimento amargo de desilusão, a qual é positiva, pois as desilusões são, no fim das contas, esclarecedoras, portanto, não tenha medo de se desiludir. A gola aqui está perfeitamente limpa e engomada, representando os rituais diários de limpeza e purificação, no poder da água, este fluido tão essencial, com astrônomos ávidos por informações que levem a descobrir Vida fora da Terra. O fundo deste quadro é de um Céu de Brigadeiro, límpido, perfeito, numa terra abençoada que está livre da tristeza e da melancolia de dias chuvosos ou brumosos, rechaçando a cor cinzenta das incertezas existenciais, na promessa de um lar ensolarado e agradável. O rosto desta mulher é delgado e oval, como se esculpido por um zeloso artista, no ato de Amor que é colocado em cada obra, com um artista que tem a sensação de estar gerando um filho de suas entranhas, na sensação de vazio que acomete um artista cujas obras são doadas ou comercializadas, como na sensação de uma mãe que vê a própria filha casar e sair de casa, numa mãe com a sensação de que foi levado embora um de seus próprios braços. Esta mulher é corada, com lábios rubros e bochechas rosadas, representando a Saúde, o bem impagável em torno do qual tudo gira, na saúde perfeita da Dimensão Metafísica, a dimensão onde as chagas orgânicas nada representam, havendo na Encarnação o momento do espírito encarar certas vicissitudes necessárias, resultando em precioso progresso espiritual, como um policial cumprindo uma missão, como um mandado de busca e apreensão. Os olhos da mulher estão bem despertos, e são cada um de uma cor. Essa diferença simboliza as inevitáveis diferenças entre as pessoas, pois cada pessoa é única, fazendo com que as diferenças sejam irrefutáveis – não quero que você concorde comigo; quero que você me respeite. Maturidade é entender tal pluralidade, como em ricas cores carnavalescas num grande baile iluminado. Os olhos fitam profundamente o espectador, e são duros, mortificados, dignos dos olhos da famosa máscara mortuária de Tutancâmon, num olhar frio, no qual não podemos sentir a sensação de empatia ou familiaridade. Os cabelos loiros são o ouro da Amazônia, ambicionado por potências mundiais, como o território americano sendo disputado por nações europeias durante as Navegações.


Acima, O Turista. O charuto é o falo, numa pessoa impositiva, que se coloca para o Mundo, desafiando este a aceitá-la. A mala cheia de adesivos de outras viagens é a trajetória de várias encarnações, com um espírito que já passou por muitos lugares em nome da depuração moral, o sentido de toda existência terrena. A mala é a reserva, os apegos, aquelas coisas muito essenciais que não podem ser deixadas de lado, nas cargas materiais, na necessidade de termos casa, comida e roupa lavada – é o peso encarnatório. A mala é como a carreira de alguém, numa pessoa que já fez muitos trabalhos, como um ator, que já interpretou muitos personagens, fazendo metáfora com a “carreira” de um espírito, que já viveu várias vidas na Terra. A mala são as cicatrizes, mostrando que temos história, contando uma história, um trajeto, como no currículo de um pretendente a uma vaga de trabalho, mostrando experiência e, assim, conquistando o emprego. O turista aqui está de alto astral, muito entusiasmado com a viagem na qual está logo a embarcar, na sensação gostosa de fuga, de conhecer outras terras, saindo um pouco do lugar familiar e rotineiro. O turista está nos abanando, despedindo-se, talvez num espírito desencarnando, pronto para voltar ao Imaculado Lar Primordial. Não é um “adeus”, mas um “até logo”, no modo como vínculos afetivos não se desfazem com Desencarne; também no modo como os vínculos de família não se desfazem com o Desencarne, pois, na perspectiva de Vida Eterna, haverá sempre tempo e espaço para o Perdão, o grande elixir que cura feridas d’alma. O turista está de bermudas, muito à vontade, das cores do Brasil, um país tão repleto de destinos turísticos, tão promissor quanto a destinos ainda por serem descobertos, com destinos como o Rio de Janeiro, Gramado ou o Nordeste, no modo como há perfeitamente agências de Turismo na Dimensão Metafísica, agendando visitas por colônias espirituais ao redor da Terra, na relação de continuidade entre Físico e Metafísico, fazendo uma transição suave entre uma dimensão e outra. O turista ainda veste uma gravata, como se tivesse recém saído do escritório, do lugar de labor. O nó da gravata é a Disciplina, o labor, a missão de trabalhar de Sol a Sol para encontrar a dignidade e a produtividade, na importância da produção de Disciplina. O bolso do paletó traz a palavra “renaissance”, ou seja, desencarnar é ressuscitar seguindo os passos de Jesus, no sopro de novidade que foi o Renascimento na Europa, lançando toda uma onda, toda uma vogue de tendências culturais, num grande momento para o Homem Europeu. O artista renasce a cada nova obra que produz, e a dignidade do labor traz renovação diária ao indivíduo, fazendo este se sentir pertencente ao Mundo. As meias do turista parecem dois cálices de vinho tinto, no prazer da degustação, de um happy hour, na hora de fazer uma pausa da sisudez e relaxar um pouco, desafrouxando a espartana gravata, numa hora de descontração e contação de piadas, como Tao, o grande palhaço. Este homem é corpulento e generoso, como um anfitrião recebendo convidados, no prazer de acolher e receber, como entrar num quarto de hotel bem limpo e confortável. O azul da camisa são os sonhos, num viajante que não vê a hora de sair pelo Mundo, numa viagem dos sonhos, como conhecer lugares como Paris e Egito. O boné verde é a fertilidade de terras fecundas como a Amazônia, fascinando o Mundo com sua natureza exótica e misteriosa, no fascínio que Carmen Miranda exerceu sobre a Terra, “vendendo” o Brasil, um país que tem que exportar mais imagem, e não só importar. Os óculos escuros estão prontos para majestosas terras ensolaradas, num Sol que, apesar de intenso, não chega a ofuscar os olhos. Este turista remete a Jô Soares, o comediante que surpreendeu a todos como entrevistador e escritor, no talento de sempre entrevistar com bom humor, no verdadeiro dom que é o da pessoa engraçada, uma pessoa que causa empatia e “arranca” gargalhadas dos outros. Tchau, meu amigo. Boa viagem. Aproveite. Divirta-se.


Acima, Séries Caras. O cabelo parece uma minhoca, numa dúbia confusão, pois não sabemos onde é a cabeça e onde é o bumbum. É um cabelo encaracolado de anjinho barroco. É uma minhoca lutando para sobreviver na horta, sendo impiedosamente caçada por um pássaro faminto, na luta que é a Vida, na necessidade prima de se obter Disciplina. Este quadro é cândido, e parece ter sido pintado por uma criança, num Gustavo Rosa que, mesmo depois de adulto, nunca perdeu sua porção criança, na importante necessidade da pessoa nunca envelhecer demais, sempre conservando uma pontinha de doçura e irreverência. O pescoço aqui parece ter confetes, na deliciosa guloseima Confete, cheia de drágeas coloridas de chocolate, numa época em que a Vida era mais simples, sem as amarguras que acabam por acometer tanta gente. O pescoço tem uma estampa de pacote de presente, quando a criança, desde pequena, ao ir aos aniversários dos amiguinhos, conhece os rituais de interação social, fazendo do presente um gesto de carinho e generosidade, enquanto o anfitrião recebe a todos com muitos doces, balões e brincadeiras – é a festa da Vida Eterna, em salões tão finos, tão aristocráticos, cheios de gente polida e paciente, que sabe que a Eternidade dá tempo para absolutamente tudo, havendo no nobre presente um símbolo de tal infinitude, um presente feito de material nobre, que dura muito tempo, como produtos fabricados com materiais muito bons, que desafiam a passagem do tempo, trazendo a qualidade acima da quantidade, como um prédio bem construído, que dura por séculos. O sorriso do lábio aqui parece um bumerangue, na lei do eterno retorno, no fato de que Joãozinho colhe o que Joãozinho planta, e se tenho uma vida produtiva, a vida é boa para mim; se fico perdendo tempo com fofocas, qual esperança há para mim? A pele aqui é rosada e saudável, impecável, como é a pele metafísica, sem qualquer ruga ou sinal de expressão, sequer com um poro, imaculada como uma folha de papel branco, numa mulher idosa que desencarnou e está vivendo eternamente, linda como no dia de seu casamento! É o rejuvenescimento pós-desencarnatório. Este quadro é bem iluminado, limpo, numa pessoa que decidiu pegar um pano e fazer uma boa limpeza, aproximando-se de Tao, o limpinho cheiroso. Na bochecha vemos um doce círculo rosado, representando a inocência daqueles que agem com apuro moral, pessoas que, ao ver que uma pessoa perdeu a carteira na rua, avisam esta pessoa, ao invés de catar silenciosamente a carteira para si – a Vida dá oportunidades constantes de apuro moral, no impecável apuro dos arcanjos, os espíritos que gozam da suprema felicidade, regendo os anjos, que são os espíritos que já compreenderam perfeitamente que a Moralidade vem acima de tudo, ao contrário da Dimensão Material, tão assoberbada de ambiciosos orgulhos egoístas. Aqui, o olho parece ter a pupila vazando, querendo se libertar, num desejo de se libertar, no presidiário que acordou no dia de sua libertação, sendo reinserido no convívio social, recebendo uma segunda chance, um voto de confiança. A Infância é uma época em que tudo é mais simples, e as amizades de Infância são eternas. Este perfil aqui transmite lisura e honestidade, numa pessoa que não pensa em burlar seus irmãos, seus companheiros de caminhada, havendo no sociopata uma pessoa mesquinha que está o tempo todo em busca de vantagens em relação a tais companheiros, num sociopata que não entende os conceitos de Irmandade, que são o sentimento de se colocar nos sapatos do outro e saber como este se sente. Aqui é como um perfil em uma moeda, só que um dinheiro metafísico, sem as obsessões terrenas em adquirir mais e mais dinheiro, numa impiedosa Sociedade de Consumo, a qual está sempre empenhada em nos empurrar produtos e serviços que não são tão importantes assim, afastando-nos da Simplicidade, do dia a dia de Tao, o Pai que despreza riquezas mundanas. O cabelo aqui é como de um palhaço, na beleza de um circo que, por mais belo que seja, levantará a lona e irá embora.


Acima, Surfista. Este quadro dá a sensação de Liberdade que se tem na beira da praia, um ambiente extremamente democrático, em que as diferenças são suavizadas e todos são filhos da mesma mãe Iemanjá. É uma orla bela e plácida, e podemos ouvir o acalentador barulho das ondas estourando, no barulho do Oceano, sempre chiando, sempre fluindo, com o delicioso odor de Mar, no puro hálito primordial que trouxe Vida à Terra. A fálica prancha aqui parece um pepino, na hilária colocação de Freud: “Às vezes, um pepino é apenas um pepino”, querendo dizer que vem tudo em formato de vara representa algo fálico. A bermuda aqui é alegre festiva, como se quisesse celebrar a diversidade, num mundo que, quanto mais diversidade tem, mais alegre e colorido fica. A bermuda traz um pouco de Mondrian, com seus retângulos dançando entre si, como um prisma que traz tantos tons, na magia das cores, como numa bandeja repleta de frascos coloridos de perfumes, numa bandeja banhada pelo Sol que entra pela janela do banheiro. É hilária aqui a obesidade do rapaz, muito longe do corpo atlético, num Gustavo Rosa irreverente. O homem aqui está muito tranquilo, sem pressa, sabendo que a Mar não fugirá. É a sensação libertadora de pisar na areia quentinha, banhada pelo Sol de Verão, numa areia pura e clara como açúcar, num lugar civilizado, onde as pessoas não jogam lixo na areia, nem jogam tocos de cigarro na areia, no infeliz fato de que há muitas pessoas que não respeitam a limpeza da areia... E Tao é assim, limpinho, civilizado, sempre primando pela ordem e pela organização. As ondas aqui requebram docemente, e a água parece ser doce como um suco de fruta. O Céu está intocado, absolutamente aberto, receptivo, na luta que é para um artista ser recebido e compreendido pelo resto das pessoas. O surfista aqui está plácido como o Mar à sua frente, na diversão que é pegar ondas, num momento de simplicidade em que os orgulhos materialistas nada significam, pois a Vida é boa quando é simples, em doces lembranças de brincadeiras de crianças. Os tons de azul aqui remetem a alguma fina fragrância, nas cores mediterrâneas, ou em orlas gregas, nas imensidões oceânicas, com tanta água ao redor do Globo, na explosão de Vida que é nosso planeta, no crescente discurso ecológico sobre o Aquecimento Global. Uma grande “cinta” verde envolve o surfista. O verde é a cor da vegetação, com pessoas que decidem se tornar veganas, rejeitando tudo de origem animal, num posicionamento mais que alimentar, mas político, recusando-se a usar produtos que foram testados em animais. Uma parte da bermuda é vermelha, na cor da sedução, da luxúria, nas cores de lojas como a Victoria’s Secret, exaltando os mistérios da Feminilidade, como uma mulher inebriando os homens com doce perfume feminino, no jogo de sedução entre namorados, no segredo de tal vitória – é o lado Yin da Vida, como dentro de um confortável lar, o útero acolhedor que com que nos sintamos em casa. A porção dourada da bermuda tem uma estampa que se parece com aves voando em bando, emigrando, nas forças sazonais, com as épocas do ano com temperaturas diferentes, na dança sazonal que rege tudo, inclusive vinhedos. Uma pequena faixa da bermuda é de um azul que entra em contato com o azul ciano e o azul marinho, num continuum de harmonia cromática, pois é só na Harmonia que há Paz, havendo na Guerra uma ruptura entre cores que não dialogam entre si, sem um ponto de predominância, sem negociação diplomática. O Mar aqui é retilíneo, como se concebido com uma régua e lápis, como no design dos anéis de Saturno, no modo como a Natureza extrapola os domínios terrestres e se alastra por todo o Cosmos, com galáxias jogadas na infinitude cósmica, como conchinhas à beiramar, numa praia deliciosa e sedutora, com namorados à luz do luar. Os pés descalços do surfista são a Simplicidade, como certos artistas que sobem no palco com os pés descalços, representando a Humildade, ou seja, os pés no chão. E o falo corta a cena de ponta a ponta, impondo-se altivamente, como um imponente templo clássico.

Referências bibliográficas:

Gustavo Rosa. Disponível em <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso 14 ago. 2019.
Gustavo Rosa. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 14 ago. 2019.