quarta-feira, 31 de julho de 2019

Musas de Musatti



Paulista de 1944, Jeanete Musatti conquistou seu espaço na Arte Contemporânea Brasileira. JM tem obras pertencentes ao acervo de vários museus, instituições e coleções. Em 1983, a Associação Paulista de Críticos de Arte deu a Jeanete o prêmio de Artista Revelação. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Create Dream. O salto é a feminilidade, o encanto feminino, numa fragrância doce, no encanto de uma mulher perfumada. O salto é a diferenciação, é um nível acima, numa mulher que foi elevada a uma categoria mais alta, como um homem que trata a própria mulher como uma rainha. Os sapatos são a convenção social, pois causam uma certa dor, um certo desconforto, mas é uma dor que a mulher decide suportar, no modo como são corajosas as mulheres, enfrentando mensalmente as dores menstruais. Esse sacrifício em nome da beleza é universal, e em quaisquer culturas a mulher tem que se submeter a uma certa dor, em nome da feminilidade. O salto é a entrada triunfante de uma topmodel em uma passarela, dando a impressão de que a modelo está totalmente confortável, e que caminhar de salto é o ato mais fácil e trivial de todos, nas “loucuras” que as mulheres são capazes de fazer em torno de estética, na busca pela autoestima, pelo “gostar de si mesma”, alimentando grandes mercados globais de produtos de beleza e moda. O salto é chique, é refinado, e podemos ouvir o toctoc dos passos dessa mulher, talvez numa Jeanete catarseando a dor proporcionada por tão belo par de sapatos. As pedras aqui são polidas, civilizadas, e parecem ser sabonetes em barras redondas, no ritual diário de purificação que é o banho, num ser humano que, apesar de ser feito de carne e osso, quer cheirar como os deuses apolíneos, no apelo de vendas de perfumes de uma Jequiti Cosméticos, falando ao consumidor que os perfumes são o cheiro natural das celebridade, numa convenção implícita: as celebridades fingem que são deuses; já, os consumidores fingem que acreditam em tais divindades midiáticas. Esta mesa aqui é bela, digna de uma vitrine de loja, nos apelos dos shopping centers, os quais se transformaram em paradigmas de consumo, fazendo das vitrines “ímãs” atraentes, fazendo o indivíduo comprar o máximo possível, até correr o risco de um consumidor se endividar em meio a tantos doces apelos, como na cilada tradicional que são os juros no cartão de crédito, no efeito bola de neve – será que precisamos consumir tanto assim ou será que somos vítimas interpeladas por lojistas talentosos? A mesa é o ritual social de se reunir com outras pessoas para comer, cercando de ritualismo uma das necessidades mais básicas de um ser vivo – a alimentação. Os sapatos aqui têm uma estampa sofisticada, bela como hera se entremeando, no poder de sedução, numa pessoa sedutora que vai, aos poucos, conquistando o namorado, até tomar conta total do terreno, triunfando em meio a tanta paciência e persistência. Dentro dos sapatos vemos lenços, como no interior de uma ostra, no sedutor olor do Mar, da origem da Vida, numa fêmea exalando seu perfume no cio. Estas pedras impedem que os sapatos voem. As pedras são o siso, o juízo, a referência, a base. É uma mulher que sabe que, se quiser casar muito bem casada, tem que fazer algo a respeito, tomando ação e agindo de modo a realizar tais sonhos matrimoniais, numa mulher se guardando para o príncipe encantado. Aqui, o preto discreto é a reserva, numa mulher que sabe que, se quiser um matrimônio sério, tem que mostrar que não é uma mulher fácil ou vulgar, na questão do “vender-se” para um pretendente. Aqui, o termo em inglês “dream” quer dizer “sonho”, ou seja, o sonho de uma mulher em querer se diferenciar e ser valorizada, rechaçando ao máximo um casamento infeliz ou medíocre, rejeitando um pretendente que não demonstrar ter intenções sérias.


Acima, Lingans. Grãos de cacau dispostos na mesa, seduzindo-nos com o perfume de uma chocolateria gramadense. É o resultado de um trabalho árduo e persistente, numa pessoa debruçada inteiramente sobre uma demanda, sobre uma necessidade de labor. São como pedrinhas em um rio, moldadas por muitos e muitos anos de erosão aquática, numa espécie de lixa. A polidez é o apuro moral, é a noção civilizatória. São como cápsulas fáceis de ser engolidas, como no lubrificante sexual KY, numa ajudinha em nome do prazer. Aqui, a cor marrom é terrosa, é da cor do chão, da base, numa artista que tem a noção de disciplina de que é preciso sentar e produzir, mas nunca de forma obsessiva, nunca de forma workaholic, sabendo entremear dever com diversão, pois não é horrível a vida de uma pessoa que simplesmente não espairece em meio ao labor? Aqui, é como uma exposição geológica, ou como pedras de um meteorito, causando as cicatrizes na superfície lunar, no modo como o sonho de um artista é causar essas “cicatrizes”, essas marcas, querendo ser célebre e famoso. Aqui são como ovos de Páscoa, encantando uma criança em um ninho cheio de doces tesouros. É o mistério da Vida, nas forças misteriosas que trazem um ser vivo ao Mundo, numa grande charada de Tao, o indefinível, no modo como o Islã proíbe que Alá seja retratado, na tentativa humana de perceber o imperceptível. Aqui, temos uma hierarquia, pois nesse ninho, nesse lar, nessa família há irmãos maiores e irmãos menores, e os mais velhos têm que ajudar a criar os mais novos. Aqui, temos uma diversidade em tamanhos, e alguns ovos são mais redondos; outros, mais ovais. É a vasta família de Tao, a grande família imperial forjada na Imaculada Conceição espiritual, sendo Tao a força invisível que mantém tudo e todos unidos, como na força de um patriarca, reunindo a família toda numa noite de Natal. Podemos ouvir aqui o som da água deste rio correndo, no delicioso som da fluidez, no caminho que faz com que fluamos juntos, como no poder de liderança de uma Elis Regina, o espírito sábio que nos mostra o caminho, como numa Elis tocando dentro de um carro em viagem. É o caminho da Encarnação, num trajeto repleto de aprendizado, crescimento e depuração. Aqui, temos o grande ovo, que é Tao, a grande mansão que nos espera como lar, após o Desencarne. É como o termo “faraó” se originou do termo “casa grande”, nas deslumbrantes mansões metafísicas nas quais Tao coloca, carinhosamente, os próprios filhos, pois Tao é zeloso, fazendo metáfora com a Maternidade, num ato de dedicação e cuidado, e, no fim das contas, tudo se reduz a Amor. Esses ovos são ogivas nucleares que vão explodir a qualquer momento, como numa farta barriga de grávida, prestes a trazer Vida ao Mundo. É como as grandes obras de Arte explodem como bombas benéficas, atiçando as percepções das pessoas, numa espécie de bomba atômica do Bem, numa explosão que, ao contrário de destruir, constrói. Nesta mesa há espíritos em estágios diferentes de depuração, pois cada pessoa tem o próprio tempo para crescer e amadurecer. Aqui, são como supositórios, trazendo cura e saúde, sendo Tao o grande médico que traz bem estar a seus filhos, no modo como o bom rei é aquele que traz ao povo uma sensação de saúde, de bem estar. Aqui, são objetos decorativos, numa sala agradável, num ambiente limpo, perfumado, recebendo convidados e proporcionando a estes a sensação de acolhimento, como receber amigos em um frio dia de inverno em frente a uma lareira, no talento que certas pessoas têm em bem receber. Aqui, é o resultado de um trabalho paciente, numa aranha que vai lentamente tecendo suas teias de sedução.


Acima, Pêndulo V. Um pouco de Art Decò, no modo como os grandes movimentos estéticos conduzem o Mundo em um dado momento, traduzindo o espírito de uma época. O pêndulo é a passagem do tempo, das horas, no modo como a Vida é uma contagem regressiva, como um foguete pronto para ser acionado e ir aos Céus, levando a pessoa ao Plano Metafísico. Podemos ouvir o som do tictac neste relógio, e o som das badaladas que marcam as horas indo e vindo. No topo deste pêndulo, temos um olho frio de câmera fotográfica, no olho que o artista tem em retratar o Mundo da forma mais autêntica possível, e cada um de nós tem um modo particular de observar o Mundo. Este quadro é o estilo, na força marcante de uma pessoa abençoada que tem senso de estilo, como na lendária Jackie O., a maior mulher das História dos EUA, uma pessoa simples e elegante que era respeitada e ovacionada, podendo tranquilamente caminhar na Rua sem ser importunada por paparazzi ou tietes histéricas. Jackie era simples. Este pêndulo é vazado, pois, em um arejamento, proporciona que possamos ver o fundo negro ao redor. O fundo negro é o quadro negro das escolas de antigamente, no professor chamando a atenção dos alunos da forma mais nítida possível. Aqui, o ar circula saudavelmente, numa casa arejada, sem estagnação, no modo como é infeliz a pessoa que, arrogantemente, crê que já sabe tudo e cai em uma triste estagnação, e Tao é a fluidez eterna, nunca resultando em uma pestilenta água parada. Este pêndulo tem um aspecto prateado, lustroso, no brilho prateado dos primórdios do Cinema, no modo como até hoje existe charme num filme em preto e branco. Este pêndulo está parado, como se fotografado no exato momento em que o pêndulo está reto, num quadro que, apesar de ser altamente assimétrico, tem também uma certa simetria no contorno do elemento pendular. O fundo negro são os enigmáticos confins do Universo, na total incapacidade humana em apreender o Infinito. Você já se deparou para pensar que jamais morrerá, e que a Vida sempre continuará fluindo? Nada mais natural do que Tao, o Infinito, dar-nos de presente a Vida Eterna, num presente nobre, de qualidade alta, que jamais perecerá. Aqui, temos um buraco de fechadura, num enigma buscando por uma solução, por uma resposta, e a chave tem que encaixar para abrir essa porta e solucionar os negros mistérios deste quadro. É o interesse humano em abrir tais portas, trazendo esclarecimento, conhecimento. É o dever científico em encontrar tratamentos e curas para doenças. Aqui, é como um cano de revólver sendo apontado para o espectador, pronto para ser puxado o gatilho e “detonar” com as percepções do espectador, no termo em inglês “hit” que quer dizer “agressão”, ou seja, um artista que se convenceu de que é necessária uma certa agressividade para que o artista sobreviva em um Mundo tão concorrido, como num popstar que sabe que tem que produzir um videoclipe muito bom e marcante, pois, do contrário, este artista jamais atingirá seu público. E competência tem a ver com Amor – tenho que me dedicar e ser muito cuidadoso com o que faço, pois se deposito Amor no que faço, esse amor será reconhecido. Se sou incompetente, meu fracasso é minha culpa e de mais ninguém. Portanto, não devemos culpar o Mundo. Neste quadro, a forma mais redonda ao centro é como uma lâmpada de luz, explodindo no momento da fotografia, num artista que sabe o momento certo de entrar e sair de cena, na virtude que é o contentamento – se não estou satisfeito, como poderei ser feliz? Este pêndulo é como uma gota d’água pronta par ser derramada, bombardeando as águas estagnadas da mediocridade e causando saudáveis comoções, no poder da Arte em marcar épocas, momentos. Neste quadro temos um centro gravitacional, e tudo parece girar em torno de tal centro, só que cada elemento rotacional gira de forma própria, no modo como cada pessoa tem que encontrar seu próprio estilo, sua diferenciação, no pertinente termo “atitude” – tenho que ter muito ímpeto se quiser me destacar. Aqui, é como uma urbe vibrante, com muitas coisas interessantes acontecendo, como numa cidade de São Paulo, com suas vastas opções civilizatórias de Cultura e expressão.


Acima, Reunião Crítica. Aqui, temos uma grande diversidade, pois cada cadeira nesta reunião é de um tipo, de um estilo, de uma aparência. É o grande desafio da Democracia – igualar e, ao mesmo tempo, diferenciar. É como uma família de planetas gravitando em torno da mesma estrela, e o centro aqui é Tao, pois é invisível, é metafísico, é o nada, é o vazio, pois Tao é desprovido de ego e vaidades, muito diferente do Ser Humano, o qual coloca o próprio ego no meio de tudo, numa pessoa obcecada em obter sucesso, poder e grana, fazendo da ambição o grande vilão causador de infelicidade – como posso estar feliz se nunca estou satisfeito? Jeanete aqui se esforçou para trazer cadeiras muito, muito diferentes uma das outras, algo que eu, particularmente, aprecio, no modo como no programa de culinária de Rita Lobo as comidas são servidas em pratos e tigelas de diferentes tipos, na celebração da diversidade, uma diversidade que já foi tema de uma edição passada da Festa da Uva de Caxias, na qual os visitantes eram recebidos com um “bem-vindo” em vários idiomas. Nesta mesa redonda, não há cabeceira,logo, não há hierarquia, e há aqui uma igualdade, como nas urnas eleitorais, num momento em que gênero, classe social e raça nada significam. O assunto nesta sala está ao centro, e quanto mais nobre for o assunto, mais prazerosa será a conversa, no prazer de se sentar numa sala de estar e bater um bom papo. Podemos ouvir o som gentil de pessoas conversando, numa sala com pessoas bonitas e agradáveis – é a universalidade da Polidez. Uma cadeira estampada lembra a face de um leão, o rei da selva, na agressividade que move um carnívoro a devorar uma zebra, na fome por comida, no modo como o artista tem que encontrar sua própria fome, seu próprio tesão, encontrando-se na sua atividade, centrando a Vida ao redor da Arte, do Trabalho, pois não é infeliz a vida que carece de Norte? Vemos uma cadeira rubra, vibrando como fogo e sangue, no sangue que corre em nossas veias, fazendo-nos humanos e dotando-nos de necessidade como respirar e comer, nas rígidas demandas da Vida Material, a qual deve ser posicionada abaixo da Vida Metafísica, numa hierarquia. Vemos uma cadeira listrada, que é a elegância, a retidão e o garbo, no encanto das estrelas de Cinema da Era de Ouro de Hollywood, com atrizes que portavam majestosamente luxuosos vestidos – por que será que eram assim essas estrelas? Que momento foi esse? Vemos uma cadeira de couro de cava, macia, no modo como a Vida Material, assim como numa Cadeia Alimentar, tem lá suas necessidades, no prazer de devorar um bom filé suculento ou vestir um belo casaco de couro, na ironia de que na Índia as vacas são sagradas – será que há Mc Donald’s na Índia? Vemos duas cadeiras em um rosa pastel, e essas são ligeiramente cromaticamente semelhantes, numa cor que traz brandura e doçura, suavidade. São como primos, e há entre elas um relacionamento especial, algo que foge desta sala de visitas – é a diferença entre Vida Social e Vida Amorosa, pois quando uma grande amiga minha me tirou as cartas do Tarô, as previsões para essas duas vidas eram separadas, ou seja, um baralho embaralhado para cada tipo de vida. Vemos uma cadeira com traços mais antigos, em madeira entalhada, que é a tradição, o culto ao antigo, ao que já passou mas que conserva charme ainda, num charme retrô. Vemos outra cadeira de madeira, mas com traços bem mais modernos, simples e elegantes, que representa a Vanguarda, a transgressão, a transição para novos momentos artísticos, em novas ondas de estilo, atitude e estética, nas ondas que lavam o Mundo, fazendo com que muitas pessoas ao redor do globo sigam mais ou menos a mesma pista, numa espécie de suruba global. Vemos uma cadeira bem mais simples, com modestos aros negros e um assento branco, num contraste, numa cadeira mais humilde, sem tantas ambições de ser o topo do topo – é a timidez e o retiro, no charme de uma Diana, sempre tímida, cabisbaixa, um monstro midiático global – seja pacato como um Clark Kent e serás um Superman, na divisão necessária entre público e privado, como numa celebridade sendo entrevistada, tendo que cuidar para não trazer a público coisas muito íntimas. Por fim, de costas para o espectador, uma cadeira negra, um trono, confortável, numa profundidade negra salpicada por “estrelinhas” que servem como botões de costura – é a sedução de um Céu noturno, com estrelas salpicadas como grãozinhos de sal. O que é o Universo?


Acima, sem título. Grama ou barba crescendo, nas demandas orgânicas que regem a Vida na Terra, no incessante labor, na rotina que faz com que tenhamos uma vida limpa e agradável. Aqui, os fios estão em estágios diferentes de crescimento, no modo como todos estamos em tais diferentes estágios existenciais, sendo que cada um tem que se debruçar sobre a própria vida, e não querer cuidar da vida dos outros... Esta caixinha é como um criadouro, uma horta, uma plantação, um vaso numa varanda. A caixinha é a limitação, no modo como a pessoa tem que delimitar um escopo para fazer, por exemplo, um trabalho de conclusão de curso universitário, na necessidade de se ter um foco, um objeto de estudo, descobrindo tudo o que for relativo a tal escopo. Aqui são como vinhedos podados no Outono, hibernando e depois renascendo na Primavera, nos milagres da Natureza em renovar a Vida e trazer esperança àqueles que vagam pelo Mundo Material em busca de um pouco de consolo e significado. O interior da caixinha é estampado como mármore, no poder de um Michelangelo em transformar um bruto bloco de pedra em algo sublime, de técnica absolutamente excepcional, no modo como o talento é algo que simplesmente nasce com a pessoa – é do espírito, pois não há universidade que ensine a lição do brilho, como Tao, o sempre brilhante. Num pequenino detalhe, vemos uma pequena forma humana em pé, de braços cruzados. É o dono da plantação, o conceptor de tal criação, numa posição bem discretinha, bem despretensiosa, numa pessoa que aprendeu a lição da discrição, pois a pessoa exibidinha, que quer aparecer por aparecer, nunca é secretamente respeitada pelo restante das pessoas. Esta pessoinha está num momento de descanso, depois de tanto trabalhar arduamente, numas merecidas férias, ao contrário do workaholic, que simplesmente não vive. A pessoinha está numa simples nudez, numa pessoa em um momento de retiro dentro do lar, como um bebê muito confortável dentro de uma barriga, num lugar quentinho em que a pessoa se sente muito, muito à vontade. Esses capins são como uma terra devastada, desmatada, nos crescentes apelos globais em nome da preservação das reservas naturais, no modo como seria deprimente uma nação a qual destruiu todas as suas próprias florestas, num apelo que podemos ver até na obra de Tolkien, reprovando o assassinato ambiental. Aqui é como um mato depois de uma queimada, com ramos carbonizados, absolutamente mortos, e podemos ouvir o das impiedosas labaredas consumindo tudo ao seu redor, como um coração seduzido pelo Mal, numa pessoa na qual é fácil de se observar a predileção pelo Mal, num psicopata que, definitivamente, perde o seu próprio tempo em elucubrações maléficas. Aqui, esses troncos querem crescer, atingindo o topo da caixa, numa pessoa que quer se encontrar e prosperar, realizando sonhos, inocentes sonhos, num coração benéfico, que quer trazer coisas boas ao Mundo. Não podemos ver aqui as raízes de tal floresta, no modo como Tao é invisível, pois é o provedor, o artista, a pessoa por trás de um grande trabalho, no modo como o artista tem que desaparecer em frente à própria obra, como num ator genial, em cuja interpretação vemos o personagem, nunca o ator. É a lição da invisibilidade. Esses troncos lutam para se desenvolver, e querem muito vencer. São como arranhacéus em uma pujante cidade, nas ambições humanas de se arranhar os limites, em sonhos de Engenharia, nos invejáveis prédios do Plano Metafísico, um lugar em que a Lei da Gravidade pouco significa, fazendo desta lei uma verdadeira corrente que nos aprisiona, mas é uma prisão temporária, como em um iogurte, com prazo de validade. Aqui, houve uma ceifada, uma limitação, como asas sonhadoras sendo cortadas, no desafio que é não deixar o próprio coração ficar empedernido em meio a um Mundo tão duro.


Acima, sem título. A tartaruguinha é a Vida, a força da Vida, numa esfera tão singular, tão rica em Vida que é o nosso planetinha, com belezas naturais que nos desafiam a imaginar se há outras esferas tão belas como a nossa. O bicho está em cativeiro, talvez num zoo, no modo como todos os encarnados estão em cativeiro, como uma vítima sendo sequestrada, jogada em um canto enclausurado, como se a vítima fosse um bicho, e não um ser humano. O bicho aqui, apesar de tal prisão, vive tranquilamente, talvez não se dando conta da “jaula”, talvez acostumado com tal situação, não podendo imaginar uma vida melhor, uma vida mais livre. Aqui, temos um aquário, o qual é Tao, o copo vazio que, sendo vazio, serve ao Mundo, no modo como servir ao Mundo, sendo amado por este, exige que a pessoa se dispa dos apelos vaidosos do Ego, pois Tao é a humildade eterna, no fato de que nenhum ser humano é o centro do Universo. Vemos aqui um belo prato azul, da cor do Céu e do Mar, numa sedutora paisagem mediterrânea, num perfume de Antonio Banderas, no fascínio que os mares exercem sobre o Ser Humano. O prato é a fome, a ânsia por viver. O prato aqui está vazio, esperando por comida, por combustível, e talvez a tartaruga seja tal refeição, na agressividade de um predador carnívoro, caçando suas vítimas e lutando para sobreviver em um mundo no qual as coisas são tão difíceis. Abaixo da tartaruga, respaldando-a, um terreno nivoso, branco, com plantas de cristal, na beleza de um gramado coberto de geada, parecendo ser feito de cristal. É o momento invernal, num retiro, uma hibernação, um sono, e a tartaruga parece estar hibernando assim, esperando pelos primeiros sinais de uma volta por cima, com os ventos primaveris de renovação chegando e libertando todos do rigoroso gelo. É a Ressurreição de Cristo, desencarnando e reencontrando o Mundo Divino do qual veio, na promessa do Reino dos Céus, uma dimensão pela qual devemos ter fé, mas nunca certeza... É o desafio da Fé. O aquário é belo, feito de fino cristal, e é uma bela prisão. Mas, por mais bela que seja, é ainda uma prisão, e de que adianta estarmos em uma prisão de ouro maciço se tal prisão não traz consolo? O casco da tartaruga é a proteção, o resguardo, numa pessoa que tem que aprender a dizer não e a tomar as rédeas da própria vida – não é inconcebível uma pessoa que não sabe dizer “não”? O prato é da cor de Netuno, o planeta azul, belo em seus mistérios gasosos, desafiando-nos a imaginar o que há nele. E a tartaruga repousa docemente, segura dentro de tal clausura, sendo a sua própria casa, reclusa no quentinho interior em um dia de Inverno frio. O casco é a proteção, pois quando o bicho se sente ameaçado, recolhe-se rapidamente, esperando que passe a nuvem de instabilidade, na questão do saber esperar – se espero um pouco, sem desespero, eu posso agir. O Inverno é uma travessia, um desafio, exigindo que tenhamos fé na Primavera, no renascer, no capítulo seguinte à Vida Terrena, fazendo da morte orgânica uma ilusão, uma simples vírgula. O interior deste copo está pronto para ser bebido, numa artista feliz, que se vê útil e pertinente ao Mundo. O aquário é a mão humana, no talento de transformar materiais em coisas úteis, como o próprio aquário. Parecendo estar morta, a tartaruga repousa, acordando em acolhedores lençóis, despertando em um lugar o qual leva o nome de “Lar”, como uma vencedora de concurso de beleza voltando à sua cidade de origem, no retorno triunfante daqueles que cumpriram uma missão importante. Aqui, temos o silêncio profundo e sábio do Inverno, na ponderação das mentes sábias, que sabem que há virtude na Paz, a qual é muito, muito melhor do que a Raiva. A tartaruga se refugia em sua toca, como um artista enfurnado em seu ateliê, sempre criando, sempre ocupando o tempo, sempre concentrado em produzir para, assim, comunicar-se com o Mundo. O brilhante prato é o esmero do artesão, depositando Amor naquilo que faz, pois como posso ser feliz se meu trabalho não me faz feliz?


Acima, Tum Tum Tum Bate Coração. O coração é a paixão, a devoção, e talvez o sofrimento de um amor não correspondido. Este coração é como um nobre brasão, trazendo virtude, nobreza, como numa pessoa honesta, simplesmente incapaz de passar os outros para trás, numa questão de caráter e honestidade. O coração está adornado com motivos florais, pacientemente bordados por uma costureira dedicada, debruçada, assim como o trabalho exige que o artista tenha dedicação e esmero, tendo amor pela própria obra. O coração está guardado em uma caixinha, a salvo, como num fortíssimo cofre de banco, no sentido de que tudo gira em torno de Amor Incondicional, fazendo do dinheiro uma cópia grotesca do Amor, na questão de que a pessoa não pode se escrava do dinheiro, ao contrário de muitas e muitas pessoas, nos incontáveis sonhos de loteria, pois dinheiro traz tudo, menos preenchimento existencial. Podemos ouvir aqui o coração batendo, pulsando, esbanjando Vida, bombeando o sangue por todo um organismo, assim como a seiva nos vegetais, no modo como Tao é o grande nutridor, provedor. Este coração tem uma assimetria clássica, aristocrática, fina, de bom gosto, na beleza das ações gentis, como abrir a porta a uma pessoa idosa e um tanto incapacitada, no prazer que me dá fazer certas gentilezas, visto que tudo acaba se reduzindo a Amor. O coração é de um bordô discreto, profundo, na profundidade de uma mente que medita sobre o Mundo, tentando entender este, entender por que a Vida tem este aspecto tão duro e áspero, levando-nos à conclusão de que a Vida sem percalços não tem sentido. É da cor do vinho, do sangue de Cristo, do sangue inocente derramado por uma Humanidade tão despreparada para as palavras do Salvador, num Mundo até hoje despreparado, nas dificuldades materialistas em compreender o Metafísico, o intangível, no modo como Tao é feito de pensamento, e não de matéria, na obsessão humana em possuir pedras e metas preciosos, havendo nestes uma metáfora em relação à Eternidade, mas é apenas uma metáfora, pois a Matéria está fadada a ser inferior ao Pensamento. Esta caixinha é a segurança, a garantia de que está tudo a salvo, deixando-nos dormir em paz à noite, no tranquilo sono daqueles que não faltam com o comportamento moral. Acima do coração, vemos imagens um tanto imprecisas e enigmáticas. A primeira parece ser uma pessoa carregando um pesado fardo, numa encarnação, ou no modo como a pessoa rica pode ser escrava do próprio dinheiro; a segunda parece ser uma explosão rubra sobre uma pessoa dormente, nos enigmáticos códigos oníricos da Gestalt, que afirma que os sonhos são feitos de projeções da mente própria pessoa; a terceira parece ser um paladino cavaleiro montando em seu triunfante cavalo, na vitória da Honestidade sobre a Malícia, nos alvos pés de Nossa Senhora, sempre esmagando e desprezando a serpente da Malícia. Os ramos deste coração são um jardim apolíneo, muito bem cultivado, com o amor de um jardineiro esforçado, no modo como tantas pessoas ignoram as belezas naturais, como na perfeita simetria de uma flor de plátano. Este coração parece ser um irresistível doce, pronto para ser devorado com tanto prazer, no agradável pecadinho da Gula, no modo como é doce a vida da pessoa produtiva, da pessoa que faz algo de nobre com seus dias na Terra. É como um lindo presente de aniversário, numa festa, num momento de interação social que busca imitar as lindas festas metafísicas, num momento de polidez e acolhimento, numa criança que, no dia do próprio aniversário, sente-se o Rei do Mundo! O coração são os relacionamentos, as amizades, os vínculos espirituais, vínculos estes que sobrevivem ao Desencarne, com amigos e parentes se reencontrando alegremente nos salões cristalinos do Céu, o verdadeiro Lar, a morada de Tao. Este brasão impõe respeito, como numa casa respeitada, cheia de virtude, com irmãos que cuidam uns dos outros, na Grande Família Metafísica. É como um nobre bordado de um vestido de Rainha da Festa da Uva.

Referências bibliográficas:

Jeanete Musatti. Disponível em <www.artsy.net>. Acesso 24 jul. 2019.
Jeanete Musatti. Disponível em <www.bolsadearte.com.br>. Acesso 24 jul. 2019.
Jeanete Musatti. Disponível em <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso 24 jul. 2019.
Jeanete Musatti. Disponível em <www.escritoriodearte.com>. Acesso 24 jul. 2019.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Marco de Duchamp



Seu nome é sinônimo de Vanguarda. Marcel Duchamp (1887 – 1968) foi um pintor e poeta francês, mas foi como escultor que definitivamente se destacou. Morando nos EUA a partir de 1955, foi precursor da Arte Conceitual e do Dadaismo, destruindo os velhos moldes acadêmicos, tendo sido um tanto incompreendido de início pelo Mundo. Boêmio, Duchamp usava em seu trabalho objetos da vida cotidiana. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Chocolate Grinder (No. 1). Uma antena virada para todos os cantos do Universo, na ânsia humana em explorar e conhecer, pois esta pequenina esfera azul não pode ser o único recanto de Vida no Universo. Aqui é como um tronco de árvore cortado em várias fatias, na intervenção humana em pegar algo e produzir algo novo, na tarefa artística que é pegar objetos primeiramente dissociados e associá-los, algo muito bem compreendido por Duchamp. As toras são como um organismo sendo desconstruído e analisado, como na Medicina, em que há especialistas para várias partes do corpo, como um médico do coração, outro do estômago, outro da psique etc. É o trabalho humano de pegar um mundo caótico e impor alguma ordem, pegando caóticos troncos de árvore e transformando em móveis, no modo como a Dimensão Material proporciona esse desafio, o desafio de encontrar Ordem no Caos, como um capim alto que é cortado por uma máquina, num trabalho incessante, como o trabalho de limpeza, como limpar um apartamento – daqui uma ou duas semanas, está na hora de limpar novamente, como no incessante trabalho policial para detectar e desmantelar quadrilhas produtoras e vendedoras de drogas, no trabalho incessante do artesão, que pega a argila para transformar em vaso, pegando depois a mesma argila e transformá-la em outro vaso, no eterno retorno à estaca zero, partindo novamente do nada e fazendo coisas novas, nas demandas sociais, num mundo sempre ávido por novidades, num campo de trabalho inesgotável. Essas “fatias de pão” são como antenas difusoras de rádio, apontando para todas as direções, querendo atingir o máximo possível de ouvintes, no modo como o artista quer atingir o máximo possível de espectadores, na ambição de se tornar muito célebre e famoso, havendo no artista obscuro uma pontinha de inveja em relação ao artista célebre, pois é claro que nenhum artista quer passar despercebido ou ser ignorado, fazendo com que o artista lance mão de uma certa agressividade para chamar a atenção. A mesinha é o suporte, a base, a referência, no modo como é importante a família na vida da pessoa, pois se trata de nossas raízes, nosso Norte no Mundo, no modo como, segundo o Espiritismo, os vínculos de família não se dissolvem com o Desencarne, ou seja, a família é algo importante. Aqui, é como um carrossel sempre girando, na dança cíclica da Natureza, como galáxias girando como discos de vinil, no imenso poder de Tao em fazer algo tão vasto como o Cosmos. Aqui, são como pipas de vinho, armazenando o precioso líquido, líquido obtido com tanto labor, esforço e dedicação. A mesa aqui é a sustentação da Dignidade, da Decência, dum artista que sabe que tem que, antes de mais nada, respeitar a si mesmo, evitando a raiva perante um Mundo tão duro em relação a almas sensíveis. Aqui, temos uma luz unidirecional, como um Sol brilhando para todos os lados, no talento distributivo de Tao, o distribuidor, o generoso. A luz aqui não é difusa, mas dura, como na luz fria de uma sala de cirurgia, numa intenção científica em deixar tudo o mais claro possível, numa Ciência que ainda não explicou a imortalidade da consciência, ou seja, o fato de que a Vida não cessa. Aqui, é como um aparelho de laboratório processando sangue para ser analisado. É nesta ciranda em que o artista se vê nascendo, vivendo e morrendo, nos inevitáveis ciclos da Vida Material. São como bobs de cabelo, na tentativa estética de arrumar um cabelo, rechaçando o caos e disciplinando os fios em um penteado coerente e harmonioso. A Vida é uma cabeleira a ser arrumada, numa pessoa que tem autoestima, saindo arrumada na Rua, havendo no indigente uma alma malguiada, que esqueceu há muito o que é gostar de si mesmo.


Acima, Fonte. Este urinol causou muito impacto, e é certamente a obraprima de Duchamp. O artista colocou os dedos do Mundo na tomada elétrica. “Mutt” é o nome do fabricante da peça. Podemos ouvir o barulhinho de água correndo pelos orifícios, num símbolo de purificação, de renovação, no modo como a Dimensão Metafísica é plena em frescor e novidade, e o papel do artista é trazer ao Mundo tal frescor, tal novidade, tal saudável transgressão, pois não é insuportável um artista que simplesmente fica bitolado e repetitivo? A Arte exige coragem do artista, muita coragem, para assim enfrentar um Mundo tão duro e insensível, tão cruel, um Mundo que tacha o artista de “vagabundo”, “louco” ou até “doente”. O urinol representa a Vida em Sociedade, com seus sistemas de encanamento e eletricidade, provendo demandas urbanas gigantescas, em cidades que não param de se desenvolver, e cada vez mais precisamos de mais, num Mundo em que há um crescente mercado por Arte, fazendo desta um sinônimo de Dinheiro, numa contradição, pois apesar do artista rechaçar o materialismo e o mundanismo, este mesmo artista quer ser reconhecido e valorizado, na relação difícil entre Razão e Sensibilidade, entre material e espiritual. O urinol limpa a si mesmo, num Mundo pragmático, em que ideias fáceis e práticas tratam de conduzir a Vida em um Mundo repleto de vicissitudes. Aqui, temos a guerra entre Caos e Ordem, pois há um duplo sentimento – podemos sentir o cheiro da urina, do dejeto fisiológico, e podemos também sentir o cheiro da naftalina ou do cloro, para assim aniquilar os resquícios orgânicos e fazer com que o Mundo Material se pareça ao máximo com um Mundo melhor, com o prometido Reino dos Céus. Hábitos de Higiene são parâmetros universais civilizatórios, pois se estamos num mundo imaterial, é claro que tudo é absolutamente limpo, esterilizado, perfumado, puro, imaculado. O cheiro da urina remete ao Mar, à Grande Mãe Primordial da Terra, no revigorante hálito marinho, com o ar puríssimo invadindo a Terra e trazendo renovação aos pulmões. Os furinhos no urinol são como braile, na vicissitude se estar privado do sentido da Visão, no modo como qualquer um de nós é privado de algo, deparando-nos com uma falha e um esforço para contornar tal falha, pois a Vida sem vicissitudes não tem sentido – se é para eu não enfrentar percalços, então é melhor que eu nem encarne, pois do obstáculo nasce o crescimento, e crescer é o sentido da Vida. Este urinol está limpinho e brilhando, na tarefa que a Arte tem em fazer faxinas em nossas mentes, purificando nossas percepções e sensibilizando-nos a observar o Mundo de uma forma mais humana e sensível. Os encanamentos são como veias, como seiva em galhos de árvore, no modo como o Ser Humano, de forma inevitável, imita Tao, o grande arquiteto. O Mundo Urbano tenta imitar um biossistema, num contexto em que cada um é um agente; cada um tem uma finalidade, função e dignidade, na metáfora de Matrix: Os programas que não têm função, são deletados. E esse é o grande desafio na vida do artista – ser levado a sério, como uma Meryl Streep, uma pessoa respeitada e reconhecida. Este urinol está alienado de suas origens, de suas raízes. Ele foi desmembrado do sistema hidráulico, e está aqui como um coração prestes a ser transplantado, ou como um pé de algum vegetal, pronto para ser plantado, havendo no transplante uma metáfora para o Amor Fraternal: mesmo tendo eu morrido, uma parte de mim continua a viver, trazendo vida ao meu irmão. O urinol está exposto como um exótico animal num zoo, condenado a uma vida de cativeiro, a uma prisão, no modo como um artista pode se sentir, às vezes, como um bicho enjaulado, apresentado ao Mundo como um bicho exótico, na falta de respeito para com a sensibilidade artística. Na cor branca da pureza, o urinol é limpo, como alguém saído recém de um banho, no banho perceptivo que a Arte dá em nós, no poder renovador e fortalecedor das catarses, os vômitos que trazem Saúde ao Mundo. Apesar de ser um produto feito em série industrial, este urinol é único, graças a uma mente visionária e desafiadora, que é Duchamp.


Acima, Roda de Bicicleta. Aqui, Marcel leva a cabo a definição básica do que é ser artista plástico: associar elementos originalmente dissociados e, assim, criar algo novo. Aqui, temos uma ideia bem simples – pegar um banquinho e anexar a uma roda de bicicleta. O banco é o amparo, o suporte, e remete-me ao anúncio em revista de uma designer decoradora portoalegrense, pois esta estava sentada em um banquinho, simbolizando a depuração, a elegância, a limpeza, a superioridade em qualidade, como na metáfora do salto alto, o queridinho da mulherada, pois o salto é esta diferenciação, esta elevação, numa mulher que encontrou um homem que a ergueu a um patamar elevado, numa espécie de escalada social, numa ascensão, como um produto sendo muito bem vendido, numa campanha publicitária de sucesso. O salto alto é uma elevação a uma dimensão melhor, em que a mulher sobe ao status de rainha, de grande dama. O banquinho aqui é a Simplicidade, como num cantor de Bossa Nova, e um singelo banquinho no palco, na Simplicidade deste gênero musical, na sua sutileza, no seu minimalismo, na sua discrição sussurrante, na prova de que menos é mais, e Tao é essa prazerosa voz sussurrante, calma, relaxante, como numa boa piscina térmica. Tao é esse líquido amniótico, esse lar seguro e gostoso, pois não é infeliz a pessoa que não encontra prazer na Vida? O banquinho é o ritual de sentar à mesa, no momento de comunhão em que membros de uma mesma família se sentam à mesa, numa casa farta, onde não faltam alimentos para os filhos. O banquinho é a depuração espiritual, como quando subimos nele para alcançar algo que está lá em cima, distante. O banquinho pode servir como mesa. O banquinho é feliz em sua dignidade servente, na felicidade de uma pessoa que se vê útil ao Mundo, no descomunal desafio ao artista, para que este se sinta útil e imprescindível. O que faz um artista ter sucesso e outro não ter? Agressividade? Simplicidade? É Tao. É um mistério, e um desafio. O banquinho nos mostra que podemos subir, só que temos que usar nossas próprias perninhas, nunca esperando subir pelas pernas de outrem – cada um tem que aprender Tao por si mesmo, pois nem o Livro do Taoismo sabe o que é Tao! A roda é a roda gigante, num prazeroso parque de diversões, num momento de diversão, de entretenimento. A rosa gira como a roda do tempo, como os planetas em torno de um astro, como os astros em torno do centro galáxico. A roda marca o tempo de forma cíclica, no modo como tudo gira em torno de nascer, viver, morrer e renascer, na eterna renovação de Tao, o frescor irresistível. Esta roda está impiedosamente anexada ao banco, num artista com vontade de vencer, nos milagres que uma pitada de Agressividade pode fazer. Aqui, é como um impetuoso falo enterrado em uma cavidade, em uma caverna, iluminando esta, promovendo esta, fazendo esta ascender a um patamar melhor. A roda é como um catavento girando ao vento, como num parque eólico, numa fonte de energia renovável, como os moinhos de Don Quixote, nos ciclos das estações, nas épocas do ano, com suas frutas e flores características, na generosidade da Mãe Terra, sempre trazendo alimento abundante à Fauna e à Flora. O banquinho aqui tem a função de sustentar a roda, pois esta não se sustenta por si só. É uma associação, um casamento, um trato, uma união, pois do modo como o banquinho ergue a roda, a roda agradece ao banquinho, numa junção de forças, como na pragmática personagem Pierina, do escritor Pozenato, diz ao novo marido: “Nós dois juntos vamos longe”. A roda é um engenho, uma força processadora, no termo “fazer girar a roda da Economia”, numa sociedade dinâmica, numa cidade moderna e vibrante, cheia de Vida Cultural. Aqui, temos um quadro de estabilidade e harmonia, equilíbrio, e nem o mais poderoso dos vendavais poderá fazer a peça tombar. Enquanto o banquinho tem a missão de sustentar, a roda tem a missão de girar e, assim, compor um clube no qual cada sócio tem um papel decisivo, numa união de forças.


Acima, Para ser visto (do outro lado do vidro) com um olho, próximo, por quase uma hora. O vidro quebrado é a transgressão, a agressão, num ímpeto de ultrapassar limites e chegar aonde ninguém nunca chegou, no modo como Duchamp foi essa força transgressora, rebelde, como no rock, um estilo musical que, quando surgiu, causou frisson e frescor de novidade, na atitude jovial roqueira de ignorar parâmetros rançosos e ultrapassados, como no Modernismo Brasileiro, que rechaçou a tradicional Arte Acadêmica. O vidro é como um acidente de carro, violento, impactante, poderoso. É uma criança travessa jogando bola, dando um chute e destruindo uma janela. É a feiura que se olha no espelho, rachando este. É o espelho destruído, abrindo mão da vaidade, como uma pessoa usando óculos ou bengala, deixando a vaidade de lado e abraçando uma vida mais realista e pragmática, evitando afetações frívolas. O vidro quebrado é um marco, como uma bomba atômica, afetando tudo e todos, trazendo tudo consigo como num tsunami. No topo do quadro vemos uma apolínea pirâmide, num sonho de arquiteto. A pirâmide é a razão, a ética, a exatidão matemática, o pensamento nobre, a retidão, como retilíneos raios de Sol que caem no Céu, abençoando os filhos de Tao, o pai que quer que evoluamos moralmente, a mãe que quer ter orgulho de nós. A pirâmide é a ascensão, como uma escada, num caminho de depuração, com suas linhas racionais, num artista que raciocina e encontra seus meios de inteligência para levar a cabo o que é Arte, e o poder desta de tocar as percepções das pessoas espectadoras. O vidro é um espelho sendo quebrado, dando sete anos de azar. Os trincos vítreos são sequelas, traumas, com cicatrizes que jamais sararão totalmente enquanto a pessoa estiver encarnada, num grande trauma o qual a pessoa leva ao túmulo, nunca conseguindo dar totalmente a volta por cima, no modo como a pessoa tem que pegar esta sacola e ter a força para carregá-la até o fim do trajeto, num carma, num fardo, numa carga, sentindo o peso das forças gravitacionais físicas, num mundo material no qual é um grande desafio ter a fé para crer em uma dimensão superior. Este quadro tem formas geométricas, matemáticas, na fria beleza dos números, na beleza do pensamento racional, numa matéria que tantos de nós odiavam na escola. É a beleza da retidão, da construção técnica do espírito. Vemos algumas esferas, como planetas em danças gravitacionais. Uma esfera emite ondas, mensagens, sinais, como uma gota d’água caindo em uma plácida superfície d’água, numa obra de Arte exercendo seu fascínio, na capacidade de um artista em afetar o Mundo, tocando nos nervos deste, na missão renovadora do artista, no desafio de se tornar uma estrela, brilhando como um diamante. Vemos no quadro uma espécie de gangorra, nos altos e baixos da Vida, numa dança cíclica desestabilizadora, incerta, numa Vida da qual pouco podemos prever, e é neste mistério que está tal riqueza, pois se soubéssemos tudo o que nos acontecerá, será que assim nos aconteceria? Há uma razão forte para tal mistério. Estes círculos, estes mundos, estas esferas estão ligadas por linhas retas, na questão de haver objetividade, indo direto ao ponto, direto ao que interessa, abreviando frivolidades e atendo-se ao que é importante. A vara da gangorra parece uma régua, no termo inglês “ruler”, que também pode ser traduzido por “legislador”, como no fálico Código de Hamurabi, amedrontando o cidadão, ameaçando este, prevenindo o cidadão e dizendo a este que o melhor é se comportar. É um rígido professor, batendo nos alunos com uma régua, impondo violentamente a hierarquia, numa cópia grotesca da hierarquia espiritual, a qual é doce, suave e irresistível, num espírito superior que inspira um inferior a fazer o Bem. Neste quadro há um sistema complexo, como num fliperama, com várias partes, como num aparelho digestivo, com vários órgãos, como numa linha de montagem industrial, num processo feito de várias etapas. Onde está o artista nisso tudo?


Acima, Why Not Sneeze, Rose Sélavy? Essa obra me remete a um camundongo ramster de estimação que eu tinha. Aqui, temos uma jaula, uma prisão, talvez num Duchamp catarseando um sentimento de limitação, de cárcere, de penitência, de purgação. Os cubinhos dentro parecem ser de açúcar, e vemos aqui a amargura contendo a doçura, num impedimento, como alguém que se recusa a ter prazer, qualquer prazer, como nos bons pecadinhos da gula, da luxúria, da preguiça etc. Aqui, o predomínio é da cor branca, como alguém clamando por Paz e Harmonia, em um mundo tão aguerrido, tão cheio de atritos e desconfortos, num Ser Humano dotado de um ancestral talento para a Guerra, para a discórdia entre povos, entre vizinhos, entre irmãos. Esses cubinhos são como doces marshmallows, na doçura da Infância, com memórias afetivas muito fortes, em uma época da Vida em que as coisas eram mais simples, mais sinceras e mais autênticas. Podemos ouvir aqui o canto de um pássaro aprisionado. As grades aqui são o corpo carnal, a prisão em torno do espírito, como num louco sendo atado por uma camisa de força, limitado antes que faça mal a si mesmo ou a outrem, no modo como estar encarnado é, de certo modo, vestir tal camisa – desculpe pelo meu pessimismo. Dentro da janela vemos alguns poleiros, talvez para abrigar pássaros, no canto triste do cárcere, numa pessoa com saudades de uma vida da qual mal se lembra. A jaula é a escravidão, como numa pessoa viciada em alguma droga, seja álcool, seja crack. A jaula é uma condenação, uma maldição, como numa pessoa malfalada, amaldiçoada, vítima do antigo e tradicional apego humano às fofocas maliciosas, fúteis e perniciosas – como o Ser Humano perde tempo! Dentro da jaula, vemos uma forma que parece ser uma mamão, e na obra toda há a cor parda e a branca, talvez numa tentativa de se obter harmonia e diálogo, nos esforços diplomáticos para evitar ao máximo a Guerra, pois quando se perde a conversa civilizada, perde-se tudo. Nesta gaiola, tenho uma portinhola pequena, fechada, numa esperança – a de que não ficaremos neste Mundo para sempre, numa espécie de contagem regressiva, pois quando fazemos aniversário, não é um ano a mais, mas um ano a menos... É como um presidiário contando os dias para se ir embora, no modo como todos temos que encontrar algum prazer e algum sentido nesta gaiola de rasmters, no aspecto do convívio entre os detentos – se eu sou bom com a mamãe, a mamãe é boa comigo. Aqui, os cubinhos têm uma ambição de construir grandiosos prédios, mas estes sonhos são castrados pela limitação das barras de prisão, no sentido de que ninguém pode fazer absolutamente tudo o que quer fazer, tendo que existir na Vida um tanto de contentamento: como posso estar feliz na cidade X se estou odiando a cidade X? Como posso ter Paz assim? A gaiola é como um cãozinho viajando de avião no compartimento de carga viva, num momento de angústia, em que o bichinho acha que seu próprio dono o esqueceu. É como na angústia de uma mãe que se perdeu de seu próprio filho pequeno em um shopping movimentado, numa angústia, fazendo-nos ficar compadecidos com a dor de outrem, pois amar é isso – colocar-se nos sapatos do outro. Se sou insensível, mal quero saber como o outro se sente, num egoísmo sem sentido, sem propósito, num aspecto de loucura que cerca o sociopata egoísta. Esta gaiola, apesar de ser uma cela, é arejadinha, e faz com que o detento não perca contato com o ventinho de renovação metafísica, dando ao detento uma pequenina amostra da Vida que o espera após a luz ser desligada... Esta prisão é doce e reconfortante, apesar de ser uma prisão, e tal doçura busca trazer algum contentamento ao detento, pois alegria é encontrar contentamento, no modo como nenhum de nós está livre de tal cordão umbilical, de tal corda a qual, por um determinado período, prende-nos a este útero carnal. Aqui, os cubinhos são como uma casa de acumulador compulsivo, num caos insalubre, havendo no desapego material o caminho para que a pessoa se sinta rica mesmo não tendo muito dinheiro.

Referências bibliográficas:

Marcel Duchamp. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 17 jul. 2019.
Marcel Duchamp Obras. Disponível em <www.google.com>. Acesso 17 jul. 2019.