Esta postagem está sendo feita com 24 horas de antecedência. Antes de ler esta postagem, saiba que, depois desta, o blog entra em recesso e retorna entre fevereiro e março de 2021. Bom Natal! Bom Réveillon! Bom Verão!
Falo pela terceira vez sobre a artista plástica paulistana Sônia Menna Barreto. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, Lembranças de Veneza. O fio que prende a gôndola é o siso, o juízo, o Norte, o “fio terra” com o qual a pessoa se comunica com o Mundo. É a referência, os pés no chão, numa pessoa que encara uma rotina realista de trabalho e produtividade. O fio invade a cena e sai do quadro, brincando com o espectador, neste efeito de transgressão de Sônia, com o quadro extrapolando e invadindo a galeria de Arte. Aqui, a água calma é a placidez, num espelho de Narciso, numa Ana Terra se olhando no reflexo da água, fazendo do espelho este símbolo de Beleza e Feminilidade, muito longe da lança agressiva do Yang, no modo como o indivíduo, ainda na barriga da mãe, já é inundado por todos os preconceitos de gênero, sendo esperada uma conduta do indivíduo conforme o seu sexo: se é menino, tem que ser o maior namorador de garotas da cidade; se é menina, tem que ser entregue pura e casta ao marido na Igreja. Aqui é o fascínio que Veneza exerce sobre Sônia, nos lendários condutores de gôndolas, cantando e ecoando pela cidade suas canções italianas de Amor, num destino tão romântico, como num casal em viagem para Gramado. Aqui, a foto está rasgada, agredida, talvez pelo tempo de uso ou pela simples passagem de tempo, como na moda atual dos jeans rasgados – quem diria que em algum dia seria belo e fashion usar roupas com aspecto de mendigo! São os enigmáticos movimentos estilísticos, marcando épocas, fazendo da Moda este corpo dinâmico, sempre em transformação. A foto rasgada é uma ruptura, um golpe que fere, como numa pessoa sofrendo uma decepção amorosa, tendo que amargar o sabor da rejeição, do rechaço, e apenas o tempo é capaz de apagar tal mágoa. Vemos um fragmento de envelope, com um selo, que é o registro, a passagem por algum controle, por um crivo, como num supervisor numa empresa, encarregado de se certificar de que tudo está sendo feito em ordem, minimizando defeitos de fabricação, com algo raro como um tubo de pasta de dente com a extremidade arrebentada, no modo como as perfeições não ocorrem no Mundo Material – não tente ser perfeito, pois a Vida não é para ser perfeita. Aqui, Céu e Água formam um continuum azul, limpo, no modo como, vista de muita distância no espaço, a Terra é uma estrelinha azul, numa esfera tão rara como a nossa, dando inveja a mundos inóspitos como Marte e Mercúrio, por exemplo. A ponte aqui é a união entre duas pessoas, vencendo o rio que separa as pessoas, como na famosa ponte de Paris onde os enamorados prendiam cadeados para reforçar os votos de Amor. A ponte é o diálogo, no nobre caminho diplomático entre nações amigas. A ponte é a amizade, o relacionamento, a celebração de um feriado mundial, dando uma amostrinha mínima da Paz inabalável metafísica, este força que faz com que, em tal plácida vizinhança, não desejemos viver em qualquer outro lugar. O dia aqui é limpo e a Rua está movimentada, com pessoas aproveitando o dia, vagando pelo vazio de Tao, o vazio, o nada, a base neutra sobre a qual o Ser Humano se sustenta, como no grande largo em Capão da Canoa, um enorme vão livre cheio de pessoas aproveitando o dia de Sol. As gôndolas plácidas deslizam tais quais barquinhos de papel, numa cena de Paz, num clamor por Paz, pois não é infernal a vida de uma pessoa que odeia tudo e todos? A ponte é a troca, o relacionamento, numa via de mão dupla, com o cidadão honesto no seu direito de ir e vir, na dureza das condenações que tiram a liberdade do infrator, pois não é um inferno a vida sem Liberdade? Não é a Liberdade esta sensação doce e deliciosa de Amor e Paz aquosos? Vemos na cena uma grande e fálica torre, uma seta apontando para o que importa, que é o Plano Metafísico. A torre fálica é como um galo cantando e inaugurando o dia, na virilidade de um rei popular, simples em sendo um homem. A pontinha deste “obelisco” vai sendo banhada pelos primeiros raios de Sol, anunciando o início de uma nova jornada, na beleza de um dia amanhecendo, na Terra da Estrela da Manhã.
Acima, O Circo. Vemos aqui uma grande irreverência de Sônia, com um quadro virado ao contrário, como na revelação dos bastidores da produção de algum filme, ou como nos ensaios de algum show ou peça teatral, mostrando todo o trabalho por trás de algo, como um artista pintando o próprio atelier. É o lado “feio” de um trabalho, como numa pessoa malhando feito “louca” para ter um corpão. Vemos um cãozinho, que é a fidelidade, a amizade e a lealdade, num bicho que acompanha o dono todo e tempo, como num fiel cão seguindo um catador de lixo seco, numa amizade que faz com que o amigo tope fazer algum sacrifício pelo amigo. Vemos os arlequins do Carnaval de Veneza, mas eles estão quietos, talvez cansados de tanta festa, no modo como as belezas italianas seduziram a Europa na Renascença, fazendo da Itália tal nervo de Arte, como num Shakespeare escrevendo uma peça em Verona. Enganchado nos pés de um dos prostrados arlequins, vemos um guardachuva, que é o zelo e a proteção, num resguardo, numa pessoa que aprendeu a se proteger dos sofrimentos e das paixões dolorosas, no ditado clássico: “A Lei é Razão livre de Paixão”, ou seja, livre de sofrimento, no glorioso Desencarne, no qual as questões e vicissitudes da Matéria perecem, na pessoa encarando uma vida mais simples, com muita saúde, juventude e boa disposição, num mundo em que o metafísico é o que importa, sem os baús de tesouros materiais que tanto seduzem e corrompem o Ser Humano encarnado. Vemos ao fundo um circo, na magia circense de beleza que seduz o espectador, numa Arte que se desenvolveu e gerou o Showbusiness, fazendo do popstar este mambembe, levando um show em turnê ao redor do Mundo, revelando assim a universalidade humana, num ser que se deslumbra com o Circo, em qualquer canto da Terra. Aqui, Veneza está em plenos dias de Carnaval, nas fantasias que acabaram por inventar as fantasias do Carnaval Brasileiro, com a acirrada competição entre Escolas de Samba. Podemos ouvir o som da música e dos aplausos esfuziantes de uma plateia deslumbrada com a impecável técnica dos artistas, num trabalho de tanta dedicação, numa jovem Dercy Gonçalves, fugindo de casa para se juntar a uma trupe que passava com um circo pela cidade, num artista que quer muito estar lá, no palco, deslumbrando o público, na canção de Jazz que diz: “Não há negócio como o Showbusiness”, nos redentores aplausos no final do espetáculo, nas ambições de um artista em ser catapultado à condição de estrela, num mundo repulsivo, no qual a promíscua bajulação corre solta, com artistas que aceitam ser bajulados e mimados, na sátira de Allen em Celebridades, na qual o diretor expressa todo o seu desprezo por essas “corrupções” de bajulação. Ao lado dos arlequins vemos algumas lâmpadas de camarim, no sagrado momento em que o artista se maquia e se prepara para ser devorado pelos olhos do espectador, fazendo da lâmpada essa luz estelar que o artista quer ter, num caminho que pode levar o indivíduo a um certo narcisismo, numa pessoa que só sabe falar de si mesma e de sua própria vida, perdendo, assim, a humildade e tirando, assim, os pés do chão – não há deuses; há seres humanos. Vemos aqui um carimbo com o nome da artista, numa Sônia que encontrou um estilo tão inconfundível, no esforço do artista em ser único e inequiparável, pois como pode ser respeitado um artista que imita descaradamente outrem? É como num desafio de um artista em não se repetir ao longo de décadas de carreira. O circo aqui parece um carrossel girando, no encanto infantil num parque de diversões, no terrível e formidável trem fantasma. Então o circo, em toda sua beleza e encanto, levanta a lona e vai embora da cidade, e a vida retorna a essa perene Quarta-Feira de Cinzas, quando a sisudez do Mundo volta à normalidade e o artista, depois dos aplausos, tem que se sentar e pensar sobre o que fará em seu próximo trabalho, num eterno recomeço e reconstrução, no desafio da persistência em não desistir – o Mundo não pertence aos fortes?
Acima, O Coringa. O bobo da corte é aquela faca sem fio, numa pessoa que se sente coçando as costas do Mundo, como num Woody Allen num certo filme, em que o cineasta se vê como o bobo da corte que transa com a rainha, sendo condenado à decapitação. Aqui um livro se abre exuberantemente, numa bomba de revelações, como num artista que adquire um considerável boom, numa Whitney Houston, estrela de um dos maiores sucesso da História da Humanidade, mas uma estrela que pereceu nas drogas – a Vida é um negócio sério. Vemos um templo aqui que remete ao Vaticano, numa igreja que foi absolutamente tudo na Idade Média Europeia. Podemos ouvir o som do sino chamando os fiéis à missa, no modo como as religiões têm esse papel de sanidade mental, muito importante para o imigrante italiano que chegava ao Sul do Brasil, batendo de frente com a teoria marxista de que as religiões são ópios do povo, quando infelizmente há pessoas que se aproveitam da ignorância alheia, numa igreja cujo nome não mencionarei. Aqui vemos uma página rasgada, rompida, censurada, num desespero para que algo seta vetado, como um documento secreto, visando preservar o Senso Comum, com o medo de que uma histeria em massa aconteceria se o governo dos EUA revelasse que há vida alienígena inteligente. Numa das fotos deste álbum, vemos um revoltoso mar com corajosos e paladinos barcos instáveis – é o inferno astral, numa pessoa aborrecida e estressada, abaixo de mau tempo, arrastando os outros para tal inferno neuropsicótico. É uma pessoa revoltada, instável, talvez passando por um momento de grande miséria existencial, numa pessoa que está no fundo do poço, tendo que empreender um esforço enorme de paciência para o trabalho de reconstrução, o qual pode levar décadas – o importante é manter a calma, num grande desafio, devo dizer. Vemos uma sutil linha cortando a cena de cima para baixo, num Meridiano de Greenwich, nos modos humanos de impor Ordem a um mundo tão caótico e selvagem, como numa Europa empenhada em civilizar a América, ou como na Inglaterra fazendo grandes investimentos civilizatórios na Argentina. Vemos aqui uma arvorezinha nua, invernal, vulnerável em sua nudez, na ironia das árvores caduciformes, provendo Sol no Inverno e sombra no Verão, numa das formas da inteligência suprema de Tao, o inventor impecável. A árvore nua é a vulnerabilidade, como num artista nu num filme, cuja nudez devemos respeitar sem malícia. Este livro remete aos formidáveis livros infantis nos quais cenários se erguem à medida que folheamos, com imagens em três dimensões, saltando da página e enfrentando o olhar da criança, num trabalho artesanal de muito esmero e paciência. Ao fundo no quadro vemos uma pequena biblioteca, que é o acúmulo de conhecimento da Humanidade, numa escalada vertiginosa, num mundo em que o digital se alastra sem precedentes, abreviando tudo pela Internet – sou ainda do tempo em que enciclopédias e dicionários eram artigos de papel... Vemos aqui uma paisagem semelhante à Toscana, na magia dos tórridos verões ensolarados da Itália, na sensual época de Vindima, com tantas Festas da Uva e do Vinho em território italiano, no sangue de Cristo que tantos apreciadores veneram. Vemos aqui a magia das cidadelas medievais, labirintos milenares na magia de um belo prato de macarrão, na riqueza da Culinária Italiana. Aqui é uma explosão de memórias, como numa inesquecível viagem para o complexo de parques de Orlando, EUA, numa civilização que sabe tão bem emocionar o espectador, causando incríveis impulsos de compras, visto o célebre consumismo do Tio Sam... Vemos pela cena discretos pedaços de fita adesiva transparente, como se quisessem unificar o quadro, no trabalho de trazer unidade a uma Itália tão heterogênea, no modo como, no frigir dos ovos, a Bahia é um país à parte. Este álbum marca a passagem de Tempo, pois já foi muito manuseado, como na seção de exemplares raros numa biblioteca, volumes que só podem ser manuseados com rara exceção. O coringa é o senso de humor, como assistir a uma boa comédia no Cinema, na singularidade humana do senso de humor, este bálsamo para o astral da pessoa.
Acima, Os Doze Erros. As flores são a força e a beleza da Vida, num mundo que, apesar de duro, apesar dos espinhos na roseira, proporciona belas rosas perfumadas, na flor dos enamorados. A prateleira são os compartimentos japoneses de Piet Mondrian, numa pessoa disciplinada, que organizou a própria vida em torno de algo nobre, que é o trabalho – não há esperança aos improdutivos. Sônia adora elementos que extrapolam a cena e invadem o espaço do espectador, numa interpelação, de intuição para intuição, a chave para que Tao seja compreendido – Tao é bloqueado aos psicopatas. Uma grande moldura preta enquadra a cena, num sinal de luto, como bandeiras hasteadas a meio mastro, numa demonstração de respeito, como num ambiente de velório e homenagem. Uma revista enrolada extrapola a cena, num canudo, enrolada, no falo de conhecimento segurado pelo formando, num momento de orgulho, no encerramento de um ciclo – não são felizes os que não concluem o que iniciam, numa transa sem orgasmo; numa coroação sem coroa. Sônia adora colocar livros em seus quadros, numa rica biblioteca, como minha mãe, uma devoradora de livros; uma das pessoas mais inteligentes que conheço. Vemos um lápis dependurado, num pêndulo, marcando a passagem de tempo, no modo como no Plano Metafísico não há passagem de tempo, num plano em que não há deterioração ou envelhecimento. O lápis é o esforço para se educar um povo, num Brasil que tão pouco valoriza seus professores – uma nação sem professores não é uma nação de fato. Uma gaveta se abre e revela uma dama de baralho de paus – é o vício no jogo; é o baralho de tarô prevendo o que provavelmente vai ocorrer na vida da pessoa; é a rainha do Mundo, como uma Diana, a aristocrata com alma de artista, talvez nascida em um contexto elitista no qual é impensável se ter uma filha de fato atriz ou cantora, em certos preconceitos de esnobismo. Vemos um dado, que é a sorte, como num vampirizador cassino, o qual caba sempre vencendo, sempre arrancando o dinheiro do pobre apostador, nas ilusões dos sinais auspiciosos do Mundo, afastando-se Tao, o lúcido; o saudável. O dadinho remete à célebre casa noturna portoalegrense Dado Bier, a qual se tornou um poderoso meme da boemia gaúcha, numa época em que era chique ter colado no próprio carro um adesivo alusivo à marca – impérios ascendem e descendem, em seus egos pretensiosos. Vemos uma fotografia antiga de uma criancinha num triciclo, talvez numa doce infância, doce lembrança, como o trenó Rosebud de Cidadão Kane, remetendo a uma época da vida em que esta era simples, na diversão de se pegar o trenó e “surfar” pela neve, no trenó que é condenado à danação, fazendo com que Kane levasse ao túmulo seu doce brinquedo, rechaçando todas as glórias mundanas acumuladas pelo riquíssimo Kane – é a vitória da Simplicidade. O vaso das flores é transparente, autêntico, como num amigo translúcido, o qual podemos observar integralmente, sem algo a esconder, ao contrário de um amigo falso, um psicopata interessado em minha ruína... Vemos duas fitinhas vermelhas no quadro, como os laços de família que sobrevivem ao Desencarne, no milagre da Vida após o escuro momento do óbito, num plano divino para conosco. Atrás das flores vemos um rasgo, uma agressão, uma deterioração, talvez num momento de ruptura, com num casamento chegando ao fim, num relacionamento sobrecarregado, em que não há paciência para com os defeitos do outro. É como se alguém invejoso quisesse arrancar aquilo de tão bom que outrem têm, num sentimento de raiva, como a raiva inconsciente que as mulheres têm de Gisele, imitando o cabelo da top do Mundo. Vemos um bilhetinho, numa troca, numa comunicação, remetendo-me a um episódio de minha adolescência, quando a professora interceptou um bilhete em que uma colega e eu falávamos mal desta professora! Vemos aqui uma baguncinha inevitável, numa prateleira que está precisando de limpeza e organização.
Acima, Toledo. Sônia adora esse efeito rústico de imperfeições, rasgos e rupturas, em algum momento de ruptura na Vida, quando a pessoa pode romper com velhos amigos e procurar novos, querendo dar uma volta por cima, no erro de uma pessoa querer se encontrar fora de si e não dentro. Aqui é uma rústica caixa, talvez num aeroporto, no transporte de algum bem importado, ou de outro canto do país, nas facilidades do e-commerce, na globalização que é o sonho de Adam Smith, com bens circulando pelo Mundo, muitas vezes sem controle estatal, ao contrário do Mercado Chinês, submetido ao respectivo governo... Na porção superior desta caixa vemos um carimbo, num gesto patriótico, de se ter orgulho de um excelente produto que é brasileiro, quase como um chauvinista, para o qual algo é excelente só porque é brasileiro, num patriotismo agressivo e por vezes psicologicamente limitado. Um grande Céu de Brigadeiro abraça a cena, sem qualquer sinal de nebulosidade, naqueles dias gloriosos nos quais tudo o que temos a fazer é olhar para o Céu é encher os pulmões de ar, da imperceptível dádiva que é a Saúde. Vemos a inscrição “Uva Itália”, talvez num carregamento de uvas indo para uma vinícola para lá virar vinho, no encanto das regiões viníferas, como no vinologicamente e turisticamente pujante Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, com vários ônibus de turistas fazendo compras, na sedução tradicional de uma bebida tão antiga. Vemos aqui uma formidável cidadela medieval italiana, com algumas tragédias como terremotos, em cidades antigas, desprovidas de tecnologia antiabalos sísmicos, ou como a Covid-19 em cidades como Bérgamo, nas inevitáveis e propositais imperfeições das cidades físicas, em oposição às cidades metafísicas, o Reino dos Céus, no qual tudo o que há é Saúde, em todos os sentidos, com pessoas bem dispostas para trabalhar, estudar e divertir-se – dias melhores virão, portanto, coragem para encarar a Terra! Vemos aqui elegantes fileiras de vinhedos, com plantas dançando conforme a meteorologia, nas preces de um viticultor para que nenhuma perniciosa praga acometa o vinhedo. Então, mãos humanas colhem artesanalmente os cachos de uvas, muito diferentes de outras culturas como a Soja, colhida tranquilamente por máquinas, ou seja, resultando em um produto barato. Aqui é uma cidade que foi se moldando no decorrer de séculos, com suas ruas labirínticas, confusas para quem não é nativo, diferentemente de cidades como Brasília e Nova York, planejadas para resultar em lugares fáceis de se circular. Aqui é a magia vinífera de um país que tanto consome vinhos, na sedução gastronômica de uma culinária tão fértil e formidável, ganhando o Mundo com a Pizza, este alimento que se tornou tão universal, abocanhando de vez o gosto dos EUA, dando uma prova da universalidade do Ser Humano, como o Sushi ganhou o Mundo. Atrás desta caixa rústica, vemos uma mínima nesga de um papel de jornal, nas fogueiras de vaidades de pessoas que querem aparecer na coluna social, numa certa competição, principalmente entre as mulheres, numa querendo ser mais linda do que a outra, como numa Gisele, inconscientemente invejada pelas mulheres do Mundo inteiro. Vemos aqui um sutil e discreto fio de barbante, como se quisesse conter ou aprisionar o quadro. O barbante é a sensação de segurança, como numa teia cuidadosamente feita para abocanhar moscas desavisadas. Aqui, os vinhedos são a dignificação do trabalho, como no labor do imigrante italiano, o qual só não trabalhava no Domingo porque a padre e a Religião não permitiam. A cidadela é a Civilização, este conhecimento transmitido de geração a geração, como nas tradições orais de tribos amazônicas, sem qualquer Escrita, sendo esta o pilar de qualquer civilização.
Acima, Via Vêneto. Um carro invade a cena e quebra o vidro do quadro, num momento de agressividade transgressora, num paradigma sendo impiedosamente ferido e revelado, como em movimentos de Arte, como no Modernismo Brasileiro, nesta ruptura que se dissociou da tradicional Arte Acadêmica, ou como na transgressão impressionista, num certo senso de humor. Podemos ouvir aqui o som do acidente e do vidro quebrando, talvez numa direção irresponsável, alcoolizada, numa pessoa que acaba envolvendo pessoas inocentes. Aqui é uma ruptura como no reinado herege do faraó Aquenáton, desafiando as milenares tradições politeístas egípcias, num ato de coragem, também tido como loucura. Vemos pequenos guardas de trânsito – são a precaução, o papel da autoridade em preservar a ordem, garantindo a integridade do cidadão. São os heróis anônimos, como os garis, esforçando-se para manter a cidade limpa e organizada, querendo se parecer ao máximo com a Paz inabalável das cidades espirituais, essas urbes metafísicas maravilhosas, numa eterna doce vindima veranil. Apesar deste acidente terrível, o restante da cidade segue em ordem, com suas amplas vias. A cidade bela é a ambição do espírito em estar num lugar de sinergia como Gramado, na vitória da Beleza, do cuidado, de doces chocolates e confortáveis hotéis, nas estonteantes mansões metafísicas, moradas feitas de Pensamento, e não de tijolos físicos, no enigma metafísico, no qual há riqueza mas não há dinheiro... Aqui é um ensolarado dia de trabalho, numa cidade com uma energia de labor e de dedicação, num trabalho que desperta o interesse da pessoa, ou num curso universitário, num lugar que é o Éden para quem gosta de trabalhar e estudar, num caminho de aprimoramento e crescimento, no caminho da Eternidade, esta força pela qual nossas vidas jamais cessarão, no imenso poder de Tao, o poderoso inesgotável. A via ampla é a serventia, o plano vazio pelo qual os carros e pessoas transitam, como num despretensioso copo de água, o qual, em seu vazio, serve ao Mundo, no modo como uma pessoa trabalhadora serve a tal Mundo, sendo Tao este trabalhador em eterno trabalho de reinvenção e concepção, com um popstar brindando os fãs com um novo filme ou álbum de Música – Tao, o astro no centro do Universo, nas infelizes tentativas de se catapultar um mero ditador ao status de Deus... Aqui é como uma criança brincando de carrinho, numa brincadeira que busca imitar a Vida, numa rua ordenada, mas num mundo imperfeito, suscetível a acidentes, como é claramente mostrado no quadro, nesta paixão de Sônia por rupturas, por esses “acidentes”, numa força corajosa e transgressora, como dizia o mestre Dalí: “Feliz daquele que provoca o escândalo”. O vidro quebrado é um momento de renovação, na gloriosa sensação de se ir ao cabeleireiro e cortar o cabelo, ou como tomar um banho depois de um dia de suor e fuligem. Este carro se acidentando é um reinado instável, num líder que não sabe manter a integridade de seu próprio estado, ao contrário de líderes que se tornam majestosos estadistas, como numa Elizabeth I, transformando uma nação pobre em uma nação rica e poderosa, no modo como o líder tem que ter esta responsabilidade, nunca culpando os outros pelo próprio fracasso deste líder. Que líder é este que culpa outros líderes? Que líder é este que se acha perfeito? É a dança de egos do Ser Humano, nas patetices infantis de lideranças toscas e tolas. Aqui, há uma perspectiva, e vemos a rua até o fundo – é a perspectiva de um artista, elaborando em felizes momentos de criatividade e originalidade, como num artista em algum momento renovação da carreira, surpreendendo o Mundo, pois só os subestimados podem surpreender o Mundo, pois que artista é este cujos passos já estão todos previstos? Aqui, as fitas adesivas buscam dar uma integridade a este “Frankenstein” agredido e desmembrado. É um baque de uma crise, assinalando um novo dia, pois, já me disse uma excelente psicoterapeuta: “As crises são positivas”.
Referência bibliográfica:
Sônia Menna Barreto. Disponível em: <www.galeriandre.com.br>. Acesso em: 29 nov. 2020.