quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Édouard Manet, digo, Vuillard

 

 

O pintor francês Édouard Vuillard (1868 – 1940) estudou na Escola de Belas Artes de Paris, onde conheceu o mestre Pierre Bonnard. Vuillard é conhecido por seus interiores intimistas. Também foi cenógrafo. Em 1938, tornou-se membro da Academia de Belas Artes de Paris. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, As Costureiras. Uma identidade feminina, com as comadres tricotando nos dois sentidos – literal e figurado. As agulhas fincam fundo, como num psicoterapeuta, para chamar atenção a algo importante ao paciente, no termo “dar espetadas”. A agulha é a precisão, num corte cirúrgico, no modo como ufologistas creem que os cortes cirúrgicos alienígenas, evoluidos, são de uma precisão sem igual na Medicina Humana. Aqui, um tecido rubro cai como sangue derramado, nas dores das cólicas menstruais, no modo como as mulheres são mais tolerantes à dor do que os homens o são – como eu já disse aqui no blog, como é duro ser mulher! O sangue é como um suicida, numa pessoa que quer fugir da Vida, numa ilusão, pois no Umbral há um setor chamado Vale dos Suicidas, no modo como todos temos que encarar a dureza da Vida, nunca deixando de lutar pela Vida, deixando orgulhosos nossa família e amigos – verás que filho teu não foge à luta. O sangue é a vaidade humana, sempre sem pé de Guerra, num Ser Humano tosco ao ponto de jamais crer que pode haver Vida em alguma Guerra, como numa Evita Perón, a qual cultivou inimigos tais quais repolhos em horta, numa pessoa que não concebia uma vida sem inimigos, ao contrário de Tao, o conciliador, o caminho diplomático do diálogo, da concórdia, num líder que sabe instintivamente que o Ser Humano é universal em suas mazelas e virtudes. O sangue é um parto doloroso, como numa princesa Isabel, com 48 horas de trabalho de parto – quando nascemos, nós choramos e o Mundo ri; quando morremos, nós rimos e o Mundo chora! Aqui a tesoura é uma ruptura, numa pessoa que cortou laços com pessoas importantes, como família e amigos íntimos. As costureiras são as linhas tecidas pela Divina Providência, esta forma de governo que, de tão sutil, dificilmente é percebida. São os destinos, com pessoas passando umas pelas outras, como um certo senhor, o qual conheci quando ambos passávamos por um momento de devastação existencial enorme, mesmo que por motivos diferentes, ou seja, há Beleza nas teias pertinentes da Divina Providência, num Tao brilhante, num pai sempre empenhado em fazer com que os filhos cresçam moralmente, alcançando a excelência moral, a luz que emoldura os espíritos perfeitos, que gozam da Suprema Felicidade – são ao arcanjos. Podemos ouvir aqui a pacata conversa das comadres, quase sussurrantes, com uma se abrindo para a outra, num nível de amizade íntima, como um terapeuta que passa a conhecer profundamente o paciente, como um amigo que tenho, com a intimidade para me ligar às três da manhã! Aqui, uma senhora é mais idosa e a outra é mais jovem – podemos ver pela cor dos cabelos delas. A idosa veste o discreto preto de luto, como minha bisavó, a qual, quando enviuvou, só passou a vestir preto até o fim da Vida! É o momento de alto respeito pela pessoa falecida, nas divertidas lendas de que quem profanar o túmulo de um faraó sofrerá uma maldição enorme... A mulher mais jovem, de meia idade, tem uma bochecha rubra e uma pele também enrubescida, entrando em harmonia com o tecido vermelho, no modo como a Vida pulsa, em culturas gastronômicas apimentadas, ou na sensação de queimação na boca ao se beber um vinho. É a Vida em sua irrefreável força, como Mike Tyson é tido como uma força da Natureza, assim como um artista é tido como um tornado, causando comoções catárticas, estimulando percepções e apimentando as mentes dos espectadores. O quarto aqui não é muito iluminado, nos ambientes intimistas de Vuillard. O tecido flui como água, e a conversa vai fluindo também, numa intimidade, com duas amigas que passam a menstruar juntas.

 


Acima, Autorretrato com bengala e chapéu de palha. Uma candura infantil, com um retrato pintado com pinceladas simples e mínimas, como os olhos, que são duas simples pinceladas. O chapéu é o resguardo, a proteção, dourado como Ouro, nos sonhos de um artista em brilhar e ser amplamente reconhecido, sonhos que muitas vezes se veem frustrados, nesta avenida de sonhos despedaçados, como um senhor que conheci, o qual cursou uma carreira de ator por quinze anos, desiludindo-se e tornando-se advogado – todos temos o direito de “dar uma sacudida na poeira”; de sonhar com uma vida melhor. Aqui é um quadro colorido e alegre, apesar do paletó negro. O preto é o siso, numa pessoa que deixou de ser pós adolescente e que finalmente criou algum juízo, pois a Juventude não é a glória, bem pelo contrário – a pessoa jovem demais faz muita besteira, numa atitude inconsequente e imatura. O chapéu tem um laço negro, numa tarja, numa proibição, como nas caixas de remédios que podem causar dependência química, esta prisão química que transforma vidas em infernos na Terra, como tenho alguns amigos que desembocaram na Cocaína, vendo-se presos a este diabo branco. A bengala fálica é o cajado patriarcal de Moisés, jogando as pragas no Egito, num homem comum que resolveu desafiar o império mais poderoso da época, como Jesus Cristo, um homem pobre, humilde e comum que mudou o Mundo, sem ser herdeiro de qualquer trono mundano – a pessoa precisa ter atitude e coragem para desafiar o Mundo. Este jogo de retângulos é um tanto Mondrian, no charme dos equilíbrios assimétricos. Uma faixa marrom, quase ao centro, corta o quadro verticalmente, numa cor discreta. A tarja é o antes e depois, num marco importante na vida de uma pessoa, como numa Elizabeth I, partindo e duas a História da Inglaterra, numa líder com atitude e coragem, resolvendo desafiar a então arrogante potência espanhola, numa época em que nem a toda poderosa Espanha ousava contradizer o Vaticano, na coragem da Reforma Protestante, numa Europa turbulenta com tal questão de credo, no modo como as novas ondas, as novas vogues, vêm vindo, pois nunca ouvimos numa certa canção que o novo sempre vem? O verde aqui é musgo e discreto, nas cores da flora temperada francesa, muito longe do luxuriante verde das matas brasileiras, no modo como o Modernismo Brasileiro rompeu com esta “escravidão” da arte acadêmica europeia. A barba de Vuillard aqui é rubra como fogo, numa ambição artística coruscante e ardente, num artista querendo muito se colocar para o Mundo, chamando a atenção das pessoas, querendo valer algo, algum respeito. Vemos aqui um retângulo cor vinho, no sangue de Cristo que pulsa na tradicional bebida, no momento da missa em que ingerimos o sangue e a carne Dele, numa espécie de canibalismo do Bem. Aqui, a maçaneta, o chapéu e a bengala formam um continuum, numa tentativa de unificação, no trabalho de um faraó em unificar o Alto e Baixo Egito, num império de medidas tão gigantescas. A porta aqui é a passagem para uma nova fase, com lições que já foram absorvidas e aprendidas, fazendo a pessoa desembocar em uma nova fase, de novos desafios, como nas fases de um jogo de videogame, na sucessão de semestres numa faculdade, com aqueles professores excelentes, que vale cada centavo da mensalidade – professor bom é professor que inspira o aluno a fazer mais e melhor. Podemos ouvir aqui a porta batendo, num marco, numa divisão entre eras, numa agressão auditiva que estabelece um limite entre dois reinos, como na política de boa vizinhança por trás da figura de Carmen Miranda. É o limite entre vizinhos, ao contrário de pessoas que têm o desrespeito para com o que é de outrem. Vuillard aqui está indeciso, e não sabe se entra ou sai, num momento crucial de escolha em que a pessoa tem que tomar uma decisão existencial, pois, realmente, não dá para fugir. Vuillard aqui está quase ao centro, incerto se quer ou não ocupar tal papel, talvez numa timidez de discrição, nunca querendo aparecer do que seu próprio trabalho.

 


Acima, Criança com xale laranja. A menina é a vulnerabilidade, a dependência, como filhotes de ave num ninho, indefesos, esperando pela “mesada” alimentar proporcionada pela regorgitação do genitor. A menina é a inocente falta de noção adulta, numa pessoa que tem um longo caminho até se tornar uma adulta com juízo. Mas há coisas com as quais a pessoa já nasce, aquilo que é figura na pessoa, aquela característica inata, como algum talento, como a Dança ou o Canto – se não tenho uma dádiva, esforços são inúteis, como, por exemplo, minha completa inabilidade para cantar – o que Tao não concede o Homem não obtém. É uma enorme demanda cuidar e instruir uma criança, num trabalho de muita paciência. Faz metáfora com a escala evolutiva dos espíritos, como num espírito evoluído e aperfeiçoado, que olha para nós e diz, com muito amor: “Como vai, pequenino?”, no modo como o Amor acaba sendo a cola que mantém todos unidos. O vestidinho parece estar salpicado de sangue, no modo como os vínculos de família não se desfazem com o Desencarne, na eternidade dos laços afetivos, o maior presente que pode ser dado, pois não tem prazo de validade – não é poderosa demais a ideia de que jamais findaremos? Não é essa a demonstração do poder de Tao, o infindável? Não passaremos toda a Eternidade tentando desvendá-lo? O xale laranja é uma flor crescendo, numa flor que tem um longo caminho em direção à plenitude adulta, no modo como a Vida é oportunidade ininterrupta de aprendizado, no termo do título de um famoso filme com Jack Nicholson: Cada vez melhor. Aqui, o homem, o responsável, é o siso, a discrição, na responsabilidade de se tomar conta de um infante, como num irmão mais velho numa família, encarando desde cedo a incumbência de cuidar dos irmãozinhos, numa pessoa que teve que criar juízo muito cedo na Vida. A menina é apenas metade do tamanho do homem. O homem é a responsabilidade, ao contrário de pessoas irresponsáveis, que saem na Rua sem usar máscara antiviral em tempos de Corona. Fora a menininha, o quadro tem um predomínio de tons plúmbeos, cinzentos, sisudos e discretos, como na personagem Sarah no fantástico filme Labirinto, numa menina que assume a enorme responsabilidade de libertar um irmão bebê das mãos perversas de um rei tirano. Podemos ouvir aqui o burburinho de rua, de movimento, e a criancinha deve estar pedindo algo, como um doce ou um sorvete, na linha tênue na qual se equilibra um pai ou uma mãe – ao mesmo tempo em que quero mimar meu filho, tenho que criá-lo com a noção de que não se pode ter tudo na Vida, num responsável que tem que saber dosar generosidade com rigor, apesar de, no fundo, um pai ou uma mãe sentir do filho. A menina é tão pequenina que o homem tem que se curvar suavemente para pegar na mãozinha da pequena, na bênção que é uma criança chegando numa família, no ciclo da Vida reiniciando, com os falecidos dando espaço para os mais jovens, no modo como um nenê se torna os centros das atenções numa casa, com pais encarando noites mal dormidas por razão dos choros de madrugada – é o peso de ser adulto, ao contrário de uma pessoa que conheço, uma pessoa que se perdeu no Álcool e nas Drogas, tornando-se irresponsável por si mesma, pois a Vida, apesar de ter traços divertidos, é algo muito sério, num espírito que passa por momentos duros, de fundo de poço. A menininha é a candura infantil que nunca pode morrer, no modo como todos temos que ter um lado doce em nossas vidas, evitando o empedernimento e a amargura, como uma colega minha da época de Colégio, um indivíduo está se tornando duro demais... A menininha é o início, o princípio, numa nova chance que sempre aparece, nos erros cometidos, os quais inspiram um recomeço, um perdão, como na experiência que tive em ser reprovado no Colégio, tendo que recomeçar do zero, na força que temos que ter para beijar o fundo do poço e empreender um esforço gigantesco rumo ao reerguimento. Aqui não podemos ver rostos, numa reserva, num segredo que ainda não pode ser completamente revelado, com um passo de cada vez.

 


Acima, Interior. O interior é a introspecção, no momento da pessoa consigo mesma, na reflexão, no observar os próprios atos, como na Paz do momento do banheiro, na hora da necessidade fisiológica. As flores são a identidade feminina, como foi moda numa época as bermudas surfistas com estampas floradas, no masculino se curvando perante a Beleza do feminino, como o Marte de Botticelli se entregando aos braços despertos de Vênus. Aqui é como a luxuosa suíte de Rose em Titanic, na sedução de ambientes belos e acolhedores, querendo imitar a fineza das salas metafísicas, com anfitriões tão polidos e agradáveis, quando luz, luxo e leveza tomam conta do ambiente, remetendo à maravilhosa Cinderela, com seus sapatinhos translúcido, nos confins translúcidos do Universo, com uma infinidade de galáxias jogadas como conchinhas à beiramar, nas leis materiais da Natureza que se estendem para muito, muito além da Terra, na crença ufologista de que o Cosmos está repleto de Vida, e Vida inteligente, no temor de que a revelação de tais vidas traga uma histeria em massa ao Ser Humano. Aqui as flores tomam conta do espaço. As flores são a força da Vida, na lembrança que tenho de coloridas flores de lantanas cortejadas por borboletas também coloridas, como na beleza de Tatiane Frizzo, rainha de uma edição da Festa da Uva, no modo como uma rainha tem que ter carisma, polidez, liderança e sensibilidade, numa alma de artista, ao contrário de uma belíssima mulher que conheço, uma pessoa desprovida de qualquer carisma... Aqui temos um momento de produtividade, pois numa mesa uma senhora parece fazer algo, como costurar; mais ao fundo no quadro, um senhor parece estar dando uma aula particular a um menino, como nas inúmeras aulas particulares que tive em meio a minha dificuldade em Matemática! É um trabalho de paciência, para que a pessoa tenha a paciência para perceber que, na Vida, não há controle remoto, ou seja, não há como pausar, retroceder ou avançar, no modo como a Vida é processo intermitente – se até o mestre John Lennon achava a Vida dura demais! Nesta sala, ingressa uma luz difusa, ao contrário de generosos raios solares dourados, enchendo de Vida os ambientes, na lembrança que tenho ao visitar o gabinete da então deputada federal gaúcha Maria do Carmo, como uma estante cheia de flores recebidas, e uma janela aberta para o clima fresco e agradável de Primavera, numa mulher com uma energia boa, contagiante, vestindo uma camisa de estampa de pele onça – que mulher marcante. Acima no quadro, um luxuoso lustre de cristal, como na recepção fina do residencial caxiense Dona Ercília, residência de Zila Pieruccini, rainha da Festa da Uva de 1958, entrevistada por mim certa vez, numa mulher que é a prova de que, quem já reinou, jamais perde a majestade. O ambiente aqui é silencioso, e o professor quase sussurra ao instruir o menino, numa passagem de tocha, com um monarca morrendo e sendo sucedido pelo filho, no ritmo natural da Vida, como num príncipe Charles, que passou a própria vida esperando pelo longínquo dia do falecimento da Rainha. As cadeiras vagas são o vazio, as vagas, nos segredos de Tao, o vazio, o nada, um copo que só serve ao Mundo porque é vazio, no modo como o Taoismo só pode ser entendido de maneira instintiva pelo leitor, numa doutrina à prova de psicopatas frios e imorais, os quais riem (como idiotas) ao ouvir falar de Tao – a psicopatia é simples de ser observada, num espírito que simpatiza com o Mal. Ao longe, lá fora, podemos ouvir o som de carruagens passando, entrando de forma branda e discreta neste cômodo, num lugar em que podemos até ouvir um sutil farfalhar do vestido da mulher. É um momento de Paz, esta força que mostra como não há força na Guerra – só na Paz há força, na Harmonia, num mundo em que todos vivem sem querer subjugar o próximo, o irmão, no modo como as vaidades ambiciosas são o flagelo na Terra. As cortinas aqui revelam o Mundo lá fora, na opção de controlar a luminosidade, num livre arbítrio que deixa a pessoa à vontade, numa deliciosa sensação de Liberdade.

 


Acima, O Vestido Floreado. Um paciente momento de um dia a dia. Aqui temos silêncio e concentração, numa disciplina, tal qual artista no atelier, como me disse uma famosa atriz, quando eu a perguntei como se faz para se construir um personagem: “Paciência”, como num compositor paciente, compondo seus versos. Não há conversa aqui, o que me remete a uma fase workaholic de minha vida, quando tudo o que eu fazia era trabalhar, perdendo sábados, domingos e feriados, num vício masoquista, degradante, pois, citando Stephen King, “Muito trabalho e pouca diversão fazem de Jack um bobão”. A mulher em pé traz uma hierarquia implícita, com suas funcionárias sentadas, no ditado popular: “Manda quem pode; obedece quem precisa”. São as hierarquias mundanas, baseadas em poder, muitas vezes econômico, ao contrário da hierarquia espiritual, calcada no apuro moral – os mais dignos regem os menos dignos. Ao fundo no quadro vemos um espelho, que é a reflexão, numa pessoa que aprendeu a enxergar a si mesma. É o Narciso, afogado em meio à sua vaidade, no modo como o Ser Humano é assim mesmo, vaidoso, no caminho da arrogância, como um publicitário que conheci, uma pessoa que, ao obter um certo sucesso, passou a se achar dono e senhor do Mundo – a Arrogância precede a queda... O espelho é num momento de psicoterapia no consultório, num ambiente silencioso, no qual nenhum suspiro escapa aos ouvidos do terapeuta, auxiliando o paciente a se enxergar e a enxergar a própria existência, numa pessoa que parou de projetar em outrem o seu próprio comportamento – como é fácil julgar achando-se imune a críticas! O vestido floreado é a abundância, como numa vista para uma mata atlântica virgem, com suas árvores nativas, que não tiveram que ser plantadas pelas mãos humanas, mas plantadas por Tao, o jardineiro do Céu e da Terra, este ser útil ao Mundo, nunca deixando de produzir – como pode haver Felicidade no Ócio? A estampa floreada são bactérias se reproduzindo por mitose, prosperando, gerando fartura. A flor é a Feminilidade, numa mulher passando e deixando seu perfume no ar, encantando os cavalheiros, no encanto de uma mulher arrumada, com autoestima – idade não é pretexto para parar de se arrumar, pois gostar de si mesmo deve haver sempre na vida da pessoa, pois dá gosto de ver uma pessoa que se ama sem narcisismos. Este trabalho de costureira era evitado pela mãe perua de Rose em Titanic, uma mãe horrorizada com a perspectiva de perder status social e ter que costurar para ter o que comer, e as peruas são assim, improdutivas, achando-se sexy demais para fazer tarefas simples, como supermercado – não existe preenchimento existencial sem trabalho, como disse Leonardo DiCaprio: “Realmente, não pode faltar trabalho”. E como Leo teve que ralar para chegar àquele Oscar! O espelho é uma janela para si mesmo, numa pessoa que se deparou com um quadro de devastação existencial enorme, tendo que recomeçar, angariando forças do fundo de sua alma, num paciente trabalho de formiguinha, reconstruindo o formigueiro destruído – e por acaso ouvimos a formiguinha reclamar da Vida? E a Vida está aí, com deficientes visuais tendo que atravessar uma rua. O cinto da mulher em pé é a disciplina, o rigor, num alarme tocando, avisando que é hora de sair dos doces braços de Morfeu, como numa manhã gelada de Inverno, com meu pai acordando minha irmã e eu, dizendo: “It’s fire!”, ou seja, “É fogo!”. É o momento em que os impulsos de prazer do Id têm que ser mandados embora, com a Disciplina tomando conta do início de mais uma jornada. O cinto é a restrição, num patrão exigente, que paga bem, mas que cobra muito do subalterno, como um bom professor, que exige do aluno. Provavelmente abaixo do espelho há uma lareira, só que desativada, sem vida – é um momento de crise, de vacas magras, sem o consolo de um fogo num dia tão úmido e frio. Uma das costureiras sentadas está extremamente curvada, num momento de dedicação total, desligando-se de tudo e todos ao seu redor, com as costas curvadas sequeladas por uma encarnação dura, como vida de gari, varrendo ruas.

 


Acima, Três mulheres conversando. A divertida identidade feminina, como no filmão O Clube das Desquitadas, com mulheres rejeitadas pelos maridos, desejando vingar-se destes, ou como no divertido As Bruxas de Eastwick, na complicada questão feminista nos EUA, um país que no passado condenava mulheres acusadas de bruxaria. Aqui é como um trio de cantoras, como As Supremes, numa competição inconsciente, para ver qual das três é a mais gostosona, na natural competitividade mundana, este ringue no qual sempre queremos celebrar alguma vitória. Cada mulher aqui tem seu estilo, como nas Spice Girls, como num panteão, com cada deus com sua particularidade, com sua função própria e específica, como nos arcos de panteão ao redor do Coliseu, no modo como o Paganismo sobreviveu ao Monoteísmo, numa fusão cultural, como o panteão hollywoodiano, por exemplo. As mulheres aqui vestem vestidos diferentes, evitando que uma se pareça muito com a outra, numa busca por identidade, como num grupo de amigos adolescentes, no qual, inevitavelmente, um se veste mais ou menos como o outro – são as identificações, no ditado: “Diga-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Ao fundo no quadro vemos uma cadeira vazia, como um trono, talvez um objeto de cobiça entre as três herdeiras, numa querendo decapitar a outra, na arte de Tolkien – o Ser Humano, acima de tudo, visa obter poder. É um jogo de cobiça e intrigas, como no frenesi de sucessão quando morria um faraó, com todas as mulheres do harém sonhando em ser a próxima rainha mãe, em sonhos de cobiça, que se afastam da simplicidade de Tao, aquele que tem Paz ao não ter Ambição. O vestido da mulher mais à direita tem uma estampa com bolinhas, ou como lantejoulas coruscantes, querendo obter algum destaque, na diversão feminina de partir em busca de alguma roupa para uma festa importante, como num competitivo baile da revista Vogue, com uma mulher querendo ser mais maravilhosa do que a outra, num jogo de competição, rechaçando os amadores, os tolos e os simplórios. Já, a mulher ao lado tem um vestido cor sangue, cor vinho, este sangue alcoólico que tanto fascina a Humanidade, desde a Antiguidade, no sedutor passeio pelo Vale dos Vinhedos, com lendárias vinícolas, cheias de ônibus de turistas em compras, com vinhedos que vão se espalhando como tranças rastafári, domesticando a terra, fazendo esta ser a mãe geradora do precioso fruto. Já, a mulher mais à esquerda parece estar em luto, discreta, sem querer se sobressair muito, como na princesa do novelão Que Rei sou Eu?, da Globo, com a princesa que não se identificava com as vaidades e as frivolidades ociosas da corte, numa cabeça que queria ir mais fundo do que seu fútil papel de útero reprodutor a serviço de alguma coroa de um reino vizinho. Ao fundo vemos uma estampa floreada, algo que apraz muito Vuillard, com identidades femininas, perfumadas e agradáveis, como numa extrovertida Tânia Carvalho, uma das maiores comunicadoras do Rio Grande do Sul, uma mulher que sempre se disse “exibida”, na irreverência feminina que se impõe ao sisudo masculino, num jogo de sedução entre Razão e Loucura. Este quadro não traz tropicais cores vibrantes, mas um retrato intimista, bem de Vuillard, com cores cinzentas, como na cidade de São Paulo, a cidade cinzenta dos negócios, em contraste com o Sol e a exuberância de Fauna e Flora do Rio de Janeiro. O cinza é a ponderação, o zelo, o cuidado, num adulto que abraça a responsabilidade de cuidar de uma criança. O chão aqui é como cimento queimado, nas rotinas laboriosas de quem cuida de um lar, numa briga de casal, com a mulher dizendo ao homem: “Eu me matando para manter esta limpa e organizada!” – não existe trabalho fácil, pois, como diz Tao, o fácil e o difícil são faces da mesma moeda, do mesmo trabalho. Aqui são as Três Marias no céu noturno, num trabalho em equipe, com sócios juntando forças, num organismo harmônico no qual cada um tem sua função, no modo como as bandas de Música são casamentos sem Sexo.

 

Referências bibliográficas:

 

Édouard Vuillard. Disponível em: <www.en.wikipedia.org>. Acesso em: 18 nov. 2020.

Édouard Vuillard. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 18 nov. 2020.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Keep the Faith (Mantenha a Fé)

 

 

Americana de 1930, Faith Ringgold nasceu no bairro negro do Harlem, Nova York. Foi aluna e professora de Arte. Politizada, aderiu a movimentos feministas e antirracistas. Sua carreira acumula setenta prêmios e honrarias. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, American People Series n. 15: Hide Little Children (Séries Povo Americano n. 15: Criancinhas Escondidas). 1966. As crianças aqui aderem ao bioma, tornando-se parte de um organismo maior e supremo, na sabedoria da pessoa se curvar, ser humilde e procurar aderir ao sistema, para que, assim, esta pessoa acabe triunfando – quem começa se curvando, acaba vencendo, ao contrário do arrogante, o qual acaba quebrando a própria cara. As crianças aqui são os frutos, na esperança de uma família, porque o que seria de nós sem as crianças que nos sucederão? Podemos ouvir aqui o cricri dos grilos, insetos que se calam nas frias noites de Inverno. As crianças são como ovinhos de Páscoa, tornando-se tal tesouro para os pais, com crianças envoltas em cuidados, numa pessoa que, ao ter filhos, teve que aprender, na marra, a ter responsabilidade, como uma pessoa de minha família, tendo que encarar a dureza da Vida, como me disse certa vez uma pessoa querida: “Se tu tiveres filho(s), tua vida nunca mais será a mesma. Nunca”. Aqui temos uma camuflagem, numa pessoa que quer se reservar e ficar implícita, no poder das mensagens subjetivas, as quais resultam em objetivas, ao contrário das mensagens primordialmente objetivas, as quais acabam se perdendo – de novo, curva-te e reinarás. Podemos ouvir o farfalhar das plantas, na canção Summer Wind, na sensualidade dos processos perenes, num Universo em constante processo de mudança, de evolução, pois a estagnação não é sexy, pois é como se fosse uma fétida água parada, cheia de bactérias nocivas. Aqui temos discrição, como num Luis Fernando Veríssimo, meu escritor preferido desde minha adolescência, um senhor que, quando eu estava há anos num shopping em Porto Alegre, Veríssimo lá estava passeando com a esposa, mas eu não o interpelei para tirar uma selfie – eu respeitei o momento de lazer do cidadão, na questão taoista da pessoa conquistar o respeito secreto das pessoas. As folhas são a força da Natureza, como numa antiga abertura do televisivo Fantástico, da Globo, com as forças da Natureza, vibrantes, implacáveis, fascinantes, com os quatro elementos se revelando, dando uma ínfima amostrinha do poder de Tao, a grande tempestade que acaba nos fazendo tanto bem, como um remédio amargo que cura, com frutos sendo colhidos após um árduo plantio. Aqui temos um pudor, uma reserva, numa pessoa que aprendeu que a Indiscrição prejudica a própria pessoa indiscreta, como uma pessoa desagalhasada num gélido dia invernal, entrando aqui a questão da autoestima, do amor por si mesmo, sem narcisismos, como diz uma canção: “Aprenda a amar a si mesmo, pois isto é um grande, grande sentimento”. Aqui o novo vai se revelando, com as gerações passando, com artistas emblemáticos que se tornam poderosos ícones de uma geração inteira, como num Sinatra, na decepção de meu pai, o qual, em Nova York, indo assistir a um show de Frank, deparou-se com um aviso da bilheteria: “O senhor Sinatra está gripado e afônico. Logo, não se apresentará esta noite”. É como a minha geração, a geração Marisa Monte, no topo da MPB, com artistas sofisticados, dignos de obter o respeito de intelectuais, empresários, médicos, advogados etc., ou seja, a Inteligência, numa Elis Regina, absolutamente criteriosa na hora de selecionar repertório – é a questão de respeitar a inteligência de outrem. Aqui, a hera vai lentamente se entremeando, apoderando-se gradualmente, despercebida, subestimada, até dar seu bote, como numa Gisele, nos píncaros de popularidade capazes de fazer seus ondulados cabelos virarem moda global – todas querem ser Gisele, numa raiva inconsciente, tentando “arrancar” de Gisele a estrela que a supermodelo tem. Aqui é uma plantação pronta para a colheita, como na vindima, no desafio de colher a fruta no ponto certo – nem muito verde e azeda, nem muito passada.

 


Acima, Black Light Series n. 12: Party Time (Séries Luz Negra n. 12: Hora de Festa). 1969. Aqui temos uma movimentação cíclica, como num clipe das Spice Girls, no qual cada uma personificava um dos quatro elementos primordiais, num conjunto que teve que levar adiante após o desligamento voluntário da quinta spice girl. As bandas são como casamentos sem Sexo, e é duro manter um grupo coeso depois de décadas de carreira – precisa haver diálogo e paciência. É como numa firma, num organismo em que cada órgão tem sua dignidade. Aqui é a beleza das Quatro Estações, numa Nova York, com um Verão tão tórrido e abafado e um Inverso tão gélido. É como a fronteira entre quatro nações, nos controles alfandegários, na fiscalização buscando por drogas, na promessa populista de Trump em construir um descomunal muro dividindo as duas nações – quanto mais regras você inventa, mas as pessoas desejarão transgredi-las. Aqui é como uma divertida pista de dança, no prazer de suar na pista, deixando de lado, ao menos por um momento, as exigências sociais em relação à aprumação e formalidade, como num bom baile, indo até o raiar do dia, com os coloridos vestidos das moças brilhando no mágico amanhecer de gala, com a beleza da Estrela da Manhã, na promessa da terra metafísica da Beleza e da sensação de alto pertencimento, como numa estrela de Cinema com uma carreira absolutamente nos trilhos, deslanchada. Aqui é num curioso fluxo de pista de dança carnavalesca num salão, com os foliões dançando em ciclos anti-horários, com água escorrendo ralo abaixo, nos poderes magnéticos da Terra, com a água escorrendo no sentido anti-horário num hemisfério e no sentido horário no hemisfério posto, no senso de humor de Tao, dando para uns o Verão e, para outros, o oposto – observando tudo de um modo amplo e abrangente, a Vida não deixa de ser engraçada. Aqui é um vibrante círculo de mulheres conversando, como nas mulheres da minha família por parte de mãe, as quais, quando reunidas, conversam em um volume auditivo que beira a gritaria – é divertido. Aqui é uma se colocando no lugar da outra, na questão da compaixão, da comiseração, pois amar não é pieguice, mas se colocar nos sapatos do outro e entender como o outro se sente. Aqui são as renovações democráticas, numa certa alternância no Poder, como nos EUA, numa dança de cadeiras que reveza Democratas e Republicanos, na saudável renovação no Poder, pois, ao final do mandato, acaba o baile de Cinderela, a qual tem que se retirar, como num produto com prazo de validade. Aqui é como mulheres se divertindo num shopping, fazendo não só compras, como também uma peregrinação exaustiva pelas lojas, no prazer de tocar nos produtos, ou seja, curtir ao máximo o momento de recreio consumista. Aqui são como irmãs na mesma família, umas emprestando as coisas para as outras, como batons, brincos, esmaltes etc. Aqui são como quatro vizinhas, fazendo suas saudáveis fofocas, como no filmão O Clube das Desquitadas, com mulheres se unindo para encurralar os seus próprios maridos ingratos. Aqui, temos dois quadros claros e dois escuros, na alternância entre dia e noite, vendo aqui também o senso de humor de Tao, dando a uns o dia e a outros a noite, como num colégio que nunca para de funcionar, com alunos em todos os turnos, no título novaiorquino de A Cidade que Nunca Dorme. Nos quadros azulados temos um sensual luar, numa luz mais discreta, que não revela muito; nos quadros restantes, temos ideias mais claras e definidas, no jogo entre claro e escuro, como na Pintura Barroca, com seus fundos negros e suas formas terrivelmente claras, no poder chamativo dos contrastes, como num farol listrado querendo atrair a atenção dos navegadores, como nos antigos moldes sociais baianos: ou você era um rico branco ou você era um pobre negro, fadado a trabalhar para o branco – como são cruéis os abismos sociais! E são abismos que, ao Desencarne, dissipam-se invariavelmente, só restando a hierarquia em termos de apuro moral.

 


Acima, Coming to Jones Road n. 4: Under A Blood Red Sky (Vindo para a Estrada Jones n. 4: Sob um Céu cor Sangue). 2000. As figurinhas humanas são como um exército de formigas, sempre trabalhando pelo grupo, pela coletividade, no talento de um líder, que se coloca a serviço da comunidade, merecendo respeito. Um formigueiro agredido sangra como um escândalo revelado, desvelado, como numa reviravolta na vida de alguém, sacudindo a poeira e ganhando vida nova, numa pessoa que entendeu que o autoencontro é dentro de si, nunca fora de si. A densa floresta é o mistério, com coisas que nunca são reveladas antes da hora, no modo como não existe bola de cristal, e as surpresas nos aguardam – quanto mais humilde sou, menos sofro com surpresas negativas. As árvores aqui são a proteção do lar, o acalento, numa mãe zelosa, num filho que, pela primeira vez vivendo sozinho, sem a mãe, dá valor ao zelo que então recebia – dou-me conta do que perdi depois da perda em si, ou seja, devo me dar conta das bênçãos para não as perder. O vermelho é um céu que sangra, como na estrela rubra, um rubi belo no céu, no sangue de um brutal campo de batalha, como o Aragorn de Tolkien encorajando os homens no campo de batalha, gritando: “Que venha um dia vermelho!”. Aqui é uma colcha de Faith, numa avó zelosa cobrindo o neto numa noite fria de Inverno. A colcha é o acalento do lar, da família, no modo como os vínculos de família sobrevivem ao Desencarne, havendo na Eternidade o tempo de superação de todas as desavenças – você nunca vai deixar de ter família! Os troncos da árvores são a firmeza, a garantia, numa pessoa que entendeu a credibilidade de um homem de Tao, um homem que nunca ambiciona dinheiro ou pedras preciosas; um homem que tem a noção da ilusão que é a possessão material, rechaçando as ilusões materialistas. As árvores são a Vida, a força da Vida, sempre lutando para sobreviver, vestindo roupas maravilhosas, mais luxuriantes do que qualquer obra de um estilista de Moda. Os troncos brilham no escuro como neon azul, nas mágicas florestas coloridas de Avatar, numa mata paradisíaca, cheia de água fresca e perfumes vegetais, como na magia floresta Lothlórien de Tolkien, num mundo mágico, como nas atrações turísticas de Gramado, sempre visando encantar o turista, como no complexo de parques de Orlando, EUA, apelando para a memória afetiva da pessoa, vendendo produtos que emocionam, no talento mercadológico americano em vender, como numa competitiva China, exportando para o Mundo. O vermelho é um poente ardendo em vermelho, anunciando um dia seco e ensolarado, nos dias gloriosos de Sol nos quais temos o prazer de olhar para um céu limpo e encher nossos pulmões de ar, na dádiva que é ter Saúde, pois nunca ouvimos que tendo Saúde é o que importa? Então, tudo gira em torno da Saúde inabalável do Plano Metafísico, o lugar onde terminam nossos problemas terrenos, fazendo com que abracemos a Simplicidade maravilhosa da dimensão acima, um plano em que tudo que temos que fazer é arranjar algum trabalho, num plano em há empregos (bons) para todos, longe das vicissitudes de falta de empregos na Terra. Esta obra é muito bem emoldurada, na questão de uma moldura só ajuda se estiver emoldurando um quadro bom, ou seja, de que adianta eu fazer um anúncio publicitário maravilhoso para um produto de baixa qualidade, deixando, assim, de fidelizar o cliente? Esta moldura traz estrelas, numa pessoa em momento de contemplação, sonhando e olhando para as estrelas, sonhando com uma vida maravilhosa, desapegada, bela, poética, querendo sair um pouco do Mundo de vicissitudes, querendo sobreviver a tal Mundo. As estrelas são os deuses, os espíritos evoluídos, de perfeição moral, como nas noções civilizatórias da tábua dos Dez Mandamentos, inspirando a Humanidade a evoluir e fazer da Terra um extensão do Mundo acima, do Mundo pleno e espiritual. Por fim, vemos uma discreta luz branca, na magia dos ciclos da Natureza, sempre voltando ao ponto inicial, no eterno recomeço.

 


Acima, The American People Series n. 18: The Flag is Bleeding (Séries Povo Americano n. 18: A bandeira está Sangrando). 1967. Os EUA têm lá suas questões sociais e raciais, numa contradição para um país que se diz o paladino baluarte democrático da Igualdade. Vemos aqui um manifesto antirracista, com cidadão de pele branca e negra, longe das profundas miscigenações brasileiras. Aqui é um país de todos, sabemos, mas mesmo assim as tensões são grandes, como na massiva campanha do Black Lives Matter, ou seja, Vidas Negras Importam. Aqui, o homem negro segura uma sanguinolenta faca, ferindo a si mesmo, num país que tanto evoluiu, com um presidente negro reeleito, em contraste com os grupos de supremacia branca que apoiam Trump – que horror e que fútil é o Preconceito. As listras vermelhas sangram, como no sangue africano escravizado, dando heranças sociais a descendentes negros pobres, numa Faith que vem de um bairro que é quase um gueto, num bairro violento, como negros trancados numa senzala, condenados ao labor incessante. E Faith nasceu e cresceu neste contexto, trazendo em sua arte tal manifesto social, tal protesto. Aqui, a mulher, apesar de estar no centro, está diminuta, abaixo dos homens que a cercam, no machismo eterno que faz da mulher um mero útero reprodutor, como numa esposa de príncipe, tornando-se um útero reprodutor a serviço de uma coroa. As listras são como barras numa prisão, com tantos negros americanos presidiários, vindos de um contexto social pobre e violento. As três figuras aqui estão engajadas, de braços dados, numa união, como num protesto na Rua, num país que garante ao cidadão o direito de manifestação e protesto, desde que forma civilizada e pacífica. A mulher aqui é frágil, numa magreza extrema, como numa pobreza extrema, tendo que ser escoltada pelos dois homens. A mulher é a fragilidade da Paz, esta força tão interrompida por conflitos e guerras. A mulher é a esperança de união, no modo como o Desencarne mostra ao indivíduo a superficialidade das diferenças raciais, como numa peça teatral que chega ao fim, revelando o elenco, que se curva para os aplausos. As estrelas são como a roupa da Mulher Maravilha, num símbolo feminista, numa mulher forte e com superpoderes, mas, a nível patriarcal, sempre abaixo do Super-Homem, nunca sendo tão boa quanto este – é o pesadelo das diferenças de gênero, num pesadelo que chega ao fim no Desencarne, no fato de que Tao nunca faz filhos menos ou mais amados do que outros. As listras são a elegância aristocrática, num país que se separou da Coroa Inglesa, tendo para si seus próprios mitos, como a família Kennedy – cada sociedade constrói para si o seu próprio sangue azul, o sangue que faz metáfora com a glória metafísica, na qual somos todos frutos de Imaculada Conceição, ou seja, somos maravilhosos, mas infelizmente nem todos veem isso. Aqui é como Madonna cantando o clássico Fever, ladeada por dois corpulentos homens, como guardacostas, como dois dobermanns guardando algo precioso. A faca é a ameaça, como uma amiga minha sendo assaltada, com o bandido mirando a arma para o coração desta amiga. Aqui temos um país que tenta se unir, enfrentando sua própria heterogeneidade, num país que busca por uma identidade, num Mundo que busca evoluir moralmente, como na possibilidade de o próximo 007 ser interpretado por um ator negro. A mulher aqui é uma frágil boneca, como na fragilidade da Paz, esta força frágil e, ao mesmo tempo, tão poderosa, no fato de que é só na harmonia que há felicidade e prosperidade, fazendo da Guerra um vício humano – não há Guerra no maravilhoso Plano Metafísico. O homem branco está engravatado, como um presidente na Casa Branca, num homem impositivo, como num Obama, o qual, ao ser interrompido por um jornalista numa entrevista coletiva na Casa Branca, “puxou a orelha” do jornalista dizendo: “Você está na minha casa”, sendo aplaudido pelos outros na sala – que homem, que líder, que carisma.

 


Acima, The American People Series n. 20: Die. (Séries Povo Americano n. 20: Morte). 1967. Quando Tao é perdido, o Caos reina, e ninguém sabe o que está acontecendo. É na completa insanidade, como um filho matando o próprio pai a machadadas, numa ardilosa Suzane Von Richtofen, tramando o brutal assassinato dos próprios inocentes pais, no modo como a Psicopatia pode trazer uma tenebrosa amostra do hálito do Umbral, a dimensão ociosa e grosseira em que a pessoa definitivamente não se vê como um filho especial e amado de Tao. Aqui é como o famoso painel de Picasso sobre a Guerra Civil Espanhola, como animais brigando, sendo perdida toda e qualquer civilidade ou polidez, num momento em que a Diplomacia não mais é capaz de evitar a Guerra, com diplomatas sendo expulsos de suas próprias embaixadas, no filmão Argo, uma trama tensa na qual um perverso sistema ditatorial tem que ser burlado para salvar vidas de americanos inocentes. Aqui, todos estão insanos e em pânico, com toda a civilidade perdida. Eles querem se defender atacando, na tenebrosa frase: “O ataque é a melhor defesa”, ou seja, por que a Paz se podemos brigar? É o talento humano para o Mal, na crueldade de uma guerra, espalhando fome de destruição. Aqui são como lobos trancados numa cela, cada um querendo se impor, numa concorrência, para ver quem é o macho alfa, no poder patriarcal em obter tensões entre reinos vizinhos, num rei ambicioso, que só quer anexar mais e mais territórios para si, na insanidade do descontentamento – se o que tenho creio que é insuficiente, então nunca terei o suficiente. Então, a pessoa, num processo existencial, vai se dando conta de que é possível ser feliz com pouco, sem ter obsessões por palácios de ouro maciço, os quais são cópias grotescas e materialistas das gloriosas cidades espirituais. Aqui, o sangue reina, e é derramado, como pessoas derramando o sangue do homem mais evoluído que já existiu na Terra, na incapacidade humana em entender o Metafísico. Aqui, vemos crianças inocentes sendo esfaqueadas, numa catarse de Faith Ringgold, como nos bebês mortos no naufrágio do Titanic. Aqui, não temos noção de Tempo ou Espaço, e a confusão reina. Não sabemos de que modo podemos dispor a obra na parede. É o modo como as noções humanas são tão ínfimas em relação ao Universo, num cosmos sem Norte ou Sul, sem Hoje ou Amanhã, na pequenez humana e, ainda assim, num ser que busca em referências como Jesus a compreensão do plano acima, rejeitando toda a imensidão material cósmica, nesse universo que, de tão infinito, faz com que seja inútil querermos contar e catalogar estrelas – é grande demais. Aqui é na comédia Os Sete Suspeitos, num mistério policial, com vários suspeitos numa casa dantesca, num desafio de Agatha Christie para que possamos adivinhar quem é o assassino. Aqui, as pessoas estão em grande pânico, com os olhos arregalados, horrorizados, incrédulos perante a capacidade desarmônica humana, com nas tramas palacianas num Antigo Egito, para ver quem será o próximo rei, neste jogo de tronos no qual a Bondade e o Amor nada, nada significam – é a insana sede por Poder. Aqui é um momento de susto. Vemos duas criancinhas abraçadas, desalentadas, torcendo para que tudo passe e que elas possam brincar em Paz novamente, como na crueldade de A Escolha de Sofia, num sistema governamental que pouco de importa com a felicidade das pessoas – é o caminho da Loucura. Podemos ouvir aqui os gritos ensandecidos e os tiros de revólver, numa manifestação sendo brutalmente reprimida, com tanques esmagando os manifestantes, num sistema em que o cidadão simplesmente não tem o direito de pensar; num sistema que submete a Arte a ideologias, numa escravidão ideológica. Aqui, irmão derrama sangue de irmão, e Tao observa tudo lamentosamente, como no filmão Dogma, com um Deus muito sentido com o caos bélico, restaurando tudo ao final, devolvendo o Ser Humano à pacífica e deliciosa vizinhança metafísica. O fundo aqui é cinza, incerto, num dia dúbio, em que não sabemos se há preto ou branco. É a dúvida existencial.

 


Acima, The Judson n. 3 (O Judson n. 3). 1970. Aqui, a bandeira americana está subvertida, parecendo-se com um país ditatorial, comunista, como numa Cuba, num líder irresponsável ao ponto de colocar sempre a culpa nos “imperialistas norteamericanos”. É um líder que trouxe miséria a seu país, num líder de clara e observável incompetência – se eu me acho perfeito, o fracasso é culpa de outrem, sempre. Aqui grandes barras de prisão aprisionam o quadro. As barras são a prisão de carne que é nosso corpo, num presidiário que sonha em se libertar, sonhando com o glorioso momento em que será desconectado de todas as vicissitudes relativas à Matéria, indo para um mundo onde tudo é pensamento, nunca pedras preciosas. Estas listras impiedosas são como vetos governamentais a textos considerados subversivos, como na Ditadura Militar do Brasil, numa época em que nem no Exterior era possível vir a público falando mal do governo brasileiro, como numa Elis Regina, a qual falou mal do governo em Paris, fazendo com que a Embaixada Brasileira naquela cidade mandasse o texto para Brasília... É um modo artificial de se ter Paz, fazendo com que um Estado se torne uma prisão. As barras negras são agourentas, escuras como agourentos urubus cercando uma carniça. São tarjas que censuram partes de textos, na frustração de um artista em ser censurado, como na censura em relação à Viúva Porcina de Betty Faria – os ditadores morrem de medo dos próprios cidadãos, numa covardia opressora. Aqui é como uma propaganda comunista, numa Faith que testemunhou toda a Guerra Fria, numa época em que o Comunismo assustava o Capitalismo, insinuando-se sobre o Brasil, talvez querendo anexar este à URSS. É como no jogo de tabuleiro War, com territórios sendo cobiçados e anexados, fazendo com que exércitos se tornem massa de manobra a serviço da vaidade de um líder ambicioso. Estas barras impedem, censuram e sufocam, como num truculento Trump, infantil ao ponto de não reconhecer devidamente a derrota – é o apego ao Poder. Aqui temos um sistema doente, num arremedo precário de Estados Unidos, com estados opressores que gostariam de ser tão ricos e desenvolvidos como inimigo americano, numa atitude de inveja, pois Amor e Liberdade andam de mãos dadas, como Tao, o qual nunca se impõe brutalmente, na hierarquia baseada não em Poder, mas em apuro moral – os mais elegantes servem de exemplo aos menos elegantes. O ditador dá um tiro no próprio pé aqui, um homem que pode ser temido, mas nunca respeitado de fato, no modo como o homem de Tao é secretamente respeitado pelas pessoas, num voto de confiança, como votar com gosto em algum candidato num cargo eletivo. Aqui são como barras num campo de concentração, tratando seres humanos como não se trataria um animal. Aqui são como códigos de barra que reduzem um cidadão a uma mercadoria, sempre a serviço de um ditador em soberba, enviando soldados para a morte certa num campo de batalha, transformando seres humanos em meros peões num tabuleiro de vaidades. Aqui as estrelas estão sufocadas, e o ditador jura que é um líder amado, respeitado e admirado, como se o ditador fosse uma coisa a qual definitivamente não é – um homem de Tao. Aqui, vemos uma guerra entre linhas horizontais e verticais, e as verticais se impõem da forma mais brutal e cruel possível, na questão: “Quem é o vencedor na Guerra?”. Esta bandeira está dura, sem tremular, num marasmo entediante, numa propaganda governamental que insiste em vender o ditador como um anjo apolíneo, num país em que o cidadão sequer pode ter o cabelo do jeito que quiser, trazendo aqui Adam Smith: Cada homem é livre e responsável por si mesmo, no respeito às diferenças. Ao contrário de Marx, que acha a espiritualidade uma piada, num cidadão escravo de um Estado Paternal. Aqui, a frase impositiva assusta o cidadão, mas, na verdade, o ditador é quem teme o cidadão.

 

Referências bibliográficas:

 

About Faith. Disponível em: <www.faithringgold.com>. Acesso em: 11 nov. 2020.

Art. Disponível em: <www.faithringgold.com>. Acesso em: 11 nov. 2020.

Faith Ringgold. Disponível em: <www.en.wikipedia.org>. Acesso em: 11 nov. 2020.