O pintor francês Édouard Vuillard (1868 – 1940) estudou na Escola de Belas Artes de Paris, onde conheceu o mestre Pierre Bonnard. Vuillard é conhecido por seus interiores intimistas. Também foi cenógrafo. Em 1938, tornou-se membro da Academia de Belas Artes de Paris. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, As Costureiras. Uma identidade feminina, com as comadres tricotando nos dois sentidos – literal e figurado. As agulhas fincam fundo, como num psicoterapeuta, para chamar atenção a algo importante ao paciente, no termo “dar espetadas”. A agulha é a precisão, num corte cirúrgico, no modo como ufologistas creem que os cortes cirúrgicos alienígenas, evoluidos, são de uma precisão sem igual na Medicina Humana. Aqui, um tecido rubro cai como sangue derramado, nas dores das cólicas menstruais, no modo como as mulheres são mais tolerantes à dor do que os homens o são – como eu já disse aqui no blog, como é duro ser mulher! O sangue é como um suicida, numa pessoa que quer fugir da Vida, numa ilusão, pois no Umbral há um setor chamado Vale dos Suicidas, no modo como todos temos que encarar a dureza da Vida, nunca deixando de lutar pela Vida, deixando orgulhosos nossa família e amigos – verás que filho teu não foge à luta. O sangue é a vaidade humana, sempre sem pé de Guerra, num Ser Humano tosco ao ponto de jamais crer que pode haver Vida em alguma Guerra, como numa Evita Perón, a qual cultivou inimigos tais quais repolhos em horta, numa pessoa que não concebia uma vida sem inimigos, ao contrário de Tao, o conciliador, o caminho diplomático do diálogo, da concórdia, num líder que sabe instintivamente que o Ser Humano é universal em suas mazelas e virtudes. O sangue é um parto doloroso, como numa princesa Isabel, com 48 horas de trabalho de parto – quando nascemos, nós choramos e o Mundo ri; quando morremos, nós rimos e o Mundo chora! Aqui a tesoura é uma ruptura, numa pessoa que cortou laços com pessoas importantes, como família e amigos íntimos. As costureiras são as linhas tecidas pela Divina Providência, esta forma de governo que, de tão sutil, dificilmente é percebida. São os destinos, com pessoas passando umas pelas outras, como um certo senhor, o qual conheci quando ambos passávamos por um momento de devastação existencial enorme, mesmo que por motivos diferentes, ou seja, há Beleza nas teias pertinentes da Divina Providência, num Tao brilhante, num pai sempre empenhado em fazer com que os filhos cresçam moralmente, alcançando a excelência moral, a luz que emoldura os espíritos perfeitos, que gozam da Suprema Felicidade – são ao arcanjos. Podemos ouvir aqui a pacata conversa das comadres, quase sussurrantes, com uma se abrindo para a outra, num nível de amizade íntima, como um terapeuta que passa a conhecer profundamente o paciente, como um amigo que tenho, com a intimidade para me ligar às três da manhã! Aqui, uma senhora é mais idosa e a outra é mais jovem – podemos ver pela cor dos cabelos delas. A idosa veste o discreto preto de luto, como minha bisavó, a qual, quando enviuvou, só passou a vestir preto até o fim da Vida! É o momento de alto respeito pela pessoa falecida, nas divertidas lendas de que quem profanar o túmulo de um faraó sofrerá uma maldição enorme... A mulher mais jovem, de meia idade, tem uma bochecha rubra e uma pele também enrubescida, entrando em harmonia com o tecido vermelho, no modo como a Vida pulsa, em culturas gastronômicas apimentadas, ou na sensação de queimação na boca ao se beber um vinho. É a Vida em sua irrefreável força, como Mike Tyson é tido como uma força da Natureza, assim como um artista é tido como um tornado, causando comoções catárticas, estimulando percepções e apimentando as mentes dos espectadores. O quarto aqui não é muito iluminado, nos ambientes intimistas de Vuillard. O tecido flui como água, e a conversa vai fluindo também, numa intimidade, com duas amigas que passam a menstruar juntas.
Acima, Autorretrato com bengala e chapéu de palha. Uma candura infantil, com um retrato pintado com pinceladas simples e mínimas, como os olhos, que são duas simples pinceladas. O chapéu é o resguardo, a proteção, dourado como Ouro, nos sonhos de um artista em brilhar e ser amplamente reconhecido, sonhos que muitas vezes se veem frustrados, nesta avenida de sonhos despedaçados, como um senhor que conheci, o qual cursou uma carreira de ator por quinze anos, desiludindo-se e tornando-se advogado – todos temos o direito de “dar uma sacudida na poeira”; de sonhar com uma vida melhor. Aqui é um quadro colorido e alegre, apesar do paletó negro. O preto é o siso, numa pessoa que deixou de ser pós adolescente e que finalmente criou algum juízo, pois a Juventude não é a glória, bem pelo contrário – a pessoa jovem demais faz muita besteira, numa atitude inconsequente e imatura. O chapéu tem um laço negro, numa tarja, numa proibição, como nas caixas de remédios que podem causar dependência química, esta prisão química que transforma vidas em infernos na Terra, como tenho alguns amigos que desembocaram na Cocaína, vendo-se presos a este diabo branco. A bengala fálica é o cajado patriarcal de Moisés, jogando as pragas no Egito, num homem comum que resolveu desafiar o império mais poderoso da época, como Jesus Cristo, um homem pobre, humilde e comum que mudou o Mundo, sem ser herdeiro de qualquer trono mundano – a pessoa precisa ter atitude e coragem para desafiar o Mundo. Este jogo de retângulos é um tanto Mondrian, no charme dos equilíbrios assimétricos. Uma faixa marrom, quase ao centro, corta o quadro verticalmente, numa cor discreta. A tarja é o antes e depois, num marco importante na vida de uma pessoa, como numa Elizabeth I, partindo e duas a História da Inglaterra, numa líder com atitude e coragem, resolvendo desafiar a então arrogante potência espanhola, numa época em que nem a toda poderosa Espanha ousava contradizer o Vaticano, na coragem da Reforma Protestante, numa Europa turbulenta com tal questão de credo, no modo como as novas ondas, as novas vogues, vêm vindo, pois nunca ouvimos numa certa canção que o novo sempre vem? O verde aqui é musgo e discreto, nas cores da flora temperada francesa, muito longe do luxuriante verde das matas brasileiras, no modo como o Modernismo Brasileiro rompeu com esta “escravidão” da arte acadêmica europeia. A barba de Vuillard aqui é rubra como fogo, numa ambição artística coruscante e ardente, num artista querendo muito se colocar para o Mundo, chamando a atenção das pessoas, querendo valer algo, algum respeito. Vemos aqui um retângulo cor vinho, no sangue de Cristo que pulsa na tradicional bebida, no momento da missa em que ingerimos o sangue e a carne Dele, numa espécie de canibalismo do Bem. Aqui, a maçaneta, o chapéu e a bengala formam um continuum, numa tentativa de unificação, no trabalho de um faraó em unificar o Alto e Baixo Egito, num império de medidas tão gigantescas. A porta aqui é a passagem para uma nova fase, com lições que já foram absorvidas e aprendidas, fazendo a pessoa desembocar em uma nova fase, de novos desafios, como nas fases de um jogo de videogame, na sucessão de semestres numa faculdade, com aqueles professores excelentes, que vale cada centavo da mensalidade – professor bom é professor que inspira o aluno a fazer mais e melhor. Podemos ouvir aqui a porta batendo, num marco, numa divisão entre eras, numa agressão auditiva que estabelece um limite entre dois reinos, como na política de boa vizinhança por trás da figura de Carmen Miranda. É o limite entre vizinhos, ao contrário de pessoas que têm o desrespeito para com o que é de outrem. Vuillard aqui está indeciso, e não sabe se entra ou sai, num momento crucial de escolha em que a pessoa tem que tomar uma decisão existencial, pois, realmente, não dá para fugir. Vuillard aqui está quase ao centro, incerto se quer ou não ocupar tal papel, talvez numa timidez de discrição, nunca querendo aparecer do que seu próprio trabalho.
Acima, Criança com xale laranja. A menina é a vulnerabilidade, a dependência, como filhotes de ave num ninho, indefesos, esperando pela “mesada” alimentar proporcionada pela regorgitação do genitor. A menina é a inocente falta de noção adulta, numa pessoa que tem um longo caminho até se tornar uma adulta com juízo. Mas há coisas com as quais a pessoa já nasce, aquilo que é figura na pessoa, aquela característica inata, como algum talento, como a Dança ou o Canto – se não tenho uma dádiva, esforços são inúteis, como, por exemplo, minha completa inabilidade para cantar – o que Tao não concede o Homem não obtém. É uma enorme demanda cuidar e instruir uma criança, num trabalho de muita paciência. Faz metáfora com a escala evolutiva dos espíritos, como num espírito evoluído e aperfeiçoado, que olha para nós e diz, com muito amor: “Como vai, pequenino?”, no modo como o Amor acaba sendo a cola que mantém todos unidos. O vestidinho parece estar salpicado de sangue, no modo como os vínculos de família não se desfazem com o Desencarne, na eternidade dos laços afetivos, o maior presente que pode ser dado, pois não tem prazo de validade – não é poderosa demais a ideia de que jamais findaremos? Não é essa a demonstração do poder de Tao, o infindável? Não passaremos toda a Eternidade tentando desvendá-lo? O xale laranja é uma flor crescendo, numa flor que tem um longo caminho em direção à plenitude adulta, no modo como a Vida é oportunidade ininterrupta de aprendizado, no termo do título de um famoso filme com Jack Nicholson: Cada vez melhor. Aqui, o homem, o responsável, é o siso, a discrição, na responsabilidade de se tomar conta de um infante, como num irmão mais velho numa família, encarando desde cedo a incumbência de cuidar dos irmãozinhos, numa pessoa que teve que criar juízo muito cedo na Vida. A menina é apenas metade do tamanho do homem. O homem é a responsabilidade, ao contrário de pessoas irresponsáveis, que saem na Rua sem usar máscara antiviral em tempos de Corona. Fora a menininha, o quadro tem um predomínio de tons plúmbeos, cinzentos, sisudos e discretos, como na personagem Sarah no fantástico filme Labirinto, numa menina que assume a enorme responsabilidade de libertar um irmão bebê das mãos perversas de um rei tirano. Podemos ouvir aqui o burburinho de rua, de movimento, e a criancinha deve estar pedindo algo, como um doce ou um sorvete, na linha tênue na qual se equilibra um pai ou uma mãe – ao mesmo tempo em que quero mimar meu filho, tenho que criá-lo com a noção de que não se pode ter tudo na Vida, num responsável que tem que saber dosar generosidade com rigor, apesar de, no fundo, um pai ou uma mãe sentir do filho. A menina é tão pequenina que o homem tem que se curvar suavemente para pegar na mãozinha da pequena, na bênção que é uma criança chegando numa família, no ciclo da Vida reiniciando, com os falecidos dando espaço para os mais jovens, no modo como um nenê se torna os centros das atenções numa casa, com pais encarando noites mal dormidas por razão dos choros de madrugada – é o peso de ser adulto, ao contrário de uma pessoa que conheço, uma pessoa que se perdeu no Álcool e nas Drogas, tornando-se irresponsável por si mesma, pois a Vida, apesar de ter traços divertidos, é algo muito sério, num espírito que passa por momentos duros, de fundo de poço. A menininha é a candura infantil que nunca pode morrer, no modo como todos temos que ter um lado doce em nossas vidas, evitando o empedernimento e a amargura, como uma colega minha da época de Colégio, um indivíduo está se tornando duro demais... A menininha é o início, o princípio, numa nova chance que sempre aparece, nos erros cometidos, os quais inspiram um recomeço, um perdão, como na experiência que tive em ser reprovado no Colégio, tendo que recomeçar do zero, na força que temos que ter para beijar o fundo do poço e empreender um esforço gigantesco rumo ao reerguimento. Aqui não podemos ver rostos, numa reserva, num segredo que ainda não pode ser completamente revelado, com um passo de cada vez.
Acima, Interior. O interior é a introspecção, no momento da pessoa consigo mesma, na reflexão, no observar os próprios atos, como na Paz do momento do banheiro, na hora da necessidade fisiológica. As flores são a identidade feminina, como foi moda numa época as bermudas surfistas com estampas floradas, no masculino se curvando perante a Beleza do feminino, como o Marte de Botticelli se entregando aos braços despertos de Vênus. Aqui é como a luxuosa suíte de Rose em Titanic, na sedução de ambientes belos e acolhedores, querendo imitar a fineza das salas metafísicas, com anfitriões tão polidos e agradáveis, quando luz, luxo e leveza tomam conta do ambiente, remetendo à maravilhosa Cinderela, com seus sapatinhos translúcido, nos confins translúcidos do Universo, com uma infinidade de galáxias jogadas como conchinhas à beiramar, nas leis materiais da Natureza que se estendem para muito, muito além da Terra, na crença ufologista de que o Cosmos está repleto de Vida, e Vida inteligente, no temor de que a revelação de tais vidas traga uma histeria em massa ao Ser Humano. Aqui as flores tomam conta do espaço. As flores são a força da Vida, na lembrança que tenho de coloridas flores de lantanas cortejadas por borboletas também coloridas, como na beleza de Tatiane Frizzo, rainha de uma edição da Festa da Uva, no modo como uma rainha tem que ter carisma, polidez, liderança e sensibilidade, numa alma de artista, ao contrário de uma belíssima mulher que conheço, uma pessoa desprovida de qualquer carisma... Aqui temos um momento de produtividade, pois numa mesa uma senhora parece fazer algo, como costurar; mais ao fundo no quadro, um senhor parece estar dando uma aula particular a um menino, como nas inúmeras aulas particulares que tive em meio a minha dificuldade em Matemática! É um trabalho de paciência, para que a pessoa tenha a paciência para perceber que, na Vida, não há controle remoto, ou seja, não há como pausar, retroceder ou avançar, no modo como a Vida é processo intermitente – se até o mestre John Lennon achava a Vida dura demais! Nesta sala, ingressa uma luz difusa, ao contrário de generosos raios solares dourados, enchendo de Vida os ambientes, na lembrança que tenho ao visitar o gabinete da então deputada federal gaúcha Maria do Carmo, como uma estante cheia de flores recebidas, e uma janela aberta para o clima fresco e agradável de Primavera, numa mulher com uma energia boa, contagiante, vestindo uma camisa de estampa de pele onça – que mulher marcante. Acima no quadro, um luxuoso lustre de cristal, como na recepção fina do residencial caxiense Dona Ercília, residência de Zila Pieruccini, rainha da Festa da Uva de 1958, entrevistada por mim certa vez, numa mulher que é a prova de que, quem já reinou, jamais perde a majestade. O ambiente aqui é silencioso, e o professor quase sussurra ao instruir o menino, numa passagem de tocha, com um monarca morrendo e sendo sucedido pelo filho, no ritmo natural da Vida, como num príncipe Charles, que passou a própria vida esperando pelo longínquo dia do falecimento da Rainha. As cadeiras vagas são o vazio, as vagas, nos segredos de Tao, o vazio, o nada, um copo que só serve ao Mundo porque é vazio, no modo como o Taoismo só pode ser entendido de maneira instintiva pelo leitor, numa doutrina à prova de psicopatas frios e imorais, os quais riem (como idiotas) ao ouvir falar de Tao – a psicopatia é simples de ser observada, num espírito que simpatiza com o Mal. Ao longe, lá fora, podemos ouvir o som de carruagens passando, entrando de forma branda e discreta neste cômodo, num lugar em que podemos até ouvir um sutil farfalhar do vestido da mulher. É um momento de Paz, esta força que mostra como não há força na Guerra – só na Paz há força, na Harmonia, num mundo em que todos vivem sem querer subjugar o próximo, o irmão, no modo como as vaidades ambiciosas são o flagelo na Terra. As cortinas aqui revelam o Mundo lá fora, na opção de controlar a luminosidade, num livre arbítrio que deixa a pessoa à vontade, numa deliciosa sensação de Liberdade.
Acima, O Vestido Floreado. Um paciente momento de um dia a dia. Aqui temos silêncio e concentração, numa disciplina, tal qual artista no atelier, como me disse uma famosa atriz, quando eu a perguntei como se faz para se construir um personagem: “Paciência”, como num compositor paciente, compondo seus versos. Não há conversa aqui, o que me remete a uma fase workaholic de minha vida, quando tudo o que eu fazia era trabalhar, perdendo sábados, domingos e feriados, num vício masoquista, degradante, pois, citando Stephen King, “Muito trabalho e pouca diversão fazem de Jack um bobão”. A mulher em pé traz uma hierarquia implícita, com suas funcionárias sentadas, no ditado popular: “Manda quem pode; obedece quem precisa”. São as hierarquias mundanas, baseadas em poder, muitas vezes econômico, ao contrário da hierarquia espiritual, calcada no apuro moral – os mais dignos regem os menos dignos. Ao fundo no quadro vemos um espelho, que é a reflexão, numa pessoa que aprendeu a enxergar a si mesma. É o Narciso, afogado em meio à sua vaidade, no modo como o Ser Humano é assim mesmo, vaidoso, no caminho da arrogância, como um publicitário que conheci, uma pessoa que, ao obter um certo sucesso, passou a se achar dono e senhor do Mundo – a Arrogância precede a queda... O espelho é num momento de psicoterapia no consultório, num ambiente silencioso, no qual nenhum suspiro escapa aos ouvidos do terapeuta, auxiliando o paciente a se enxergar e a enxergar a própria existência, numa pessoa que parou de projetar em outrem o seu próprio comportamento – como é fácil julgar achando-se imune a críticas! O vestido floreado é a abundância, como numa vista para uma mata atlântica virgem, com suas árvores nativas, que não tiveram que ser plantadas pelas mãos humanas, mas plantadas por Tao, o jardineiro do Céu e da Terra, este ser útil ao Mundo, nunca deixando de produzir – como pode haver Felicidade no Ócio? A estampa floreada são bactérias se reproduzindo por mitose, prosperando, gerando fartura. A flor é a Feminilidade, numa mulher passando e deixando seu perfume no ar, encantando os cavalheiros, no encanto de uma mulher arrumada, com autoestima – idade não é pretexto para parar de se arrumar, pois gostar de si mesmo deve haver sempre na vida da pessoa, pois dá gosto de ver uma pessoa que se ama sem narcisismos. Este trabalho de costureira era evitado pela mãe perua de Rose em Titanic, uma mãe horrorizada com a perspectiva de perder status social e ter que costurar para ter o que comer, e as peruas são assim, improdutivas, achando-se sexy demais para fazer tarefas simples, como supermercado – não existe preenchimento existencial sem trabalho, como disse Leonardo DiCaprio: “Realmente, não pode faltar trabalho”. E como Leo teve que ralar para chegar àquele Oscar! O espelho é uma janela para si mesmo, numa pessoa que se deparou com um quadro de devastação existencial enorme, tendo que recomeçar, angariando forças do fundo de sua alma, num paciente trabalho de formiguinha, reconstruindo o formigueiro destruído – e por acaso ouvimos a formiguinha reclamar da Vida? E a Vida está aí, com deficientes visuais tendo que atravessar uma rua. O cinto da mulher em pé é a disciplina, o rigor, num alarme tocando, avisando que é hora de sair dos doces braços de Morfeu, como numa manhã gelada de Inverno, com meu pai acordando minha irmã e eu, dizendo: “It’s fire!”, ou seja, “É fogo!”. É o momento em que os impulsos de prazer do Id têm que ser mandados embora, com a Disciplina tomando conta do início de mais uma jornada. O cinto é a restrição, num patrão exigente, que paga bem, mas que cobra muito do subalterno, como um bom professor, que exige do aluno. Provavelmente abaixo do espelho há uma lareira, só que desativada, sem vida – é um momento de crise, de vacas magras, sem o consolo de um fogo num dia tão úmido e frio. Uma das costureiras sentadas está extremamente curvada, num momento de dedicação total, desligando-se de tudo e todos ao seu redor, com as costas curvadas sequeladas por uma encarnação dura, como vida de gari, varrendo ruas.
Acima, Três mulheres conversando. A divertida identidade feminina, como no filmão O Clube das Desquitadas, com mulheres rejeitadas pelos maridos, desejando vingar-se destes, ou como no divertido As Bruxas de Eastwick, na complicada questão feminista nos EUA, um país que no passado condenava mulheres acusadas de bruxaria. Aqui é como um trio de cantoras, como As Supremes, numa competição inconsciente, para ver qual das três é a mais gostosona, na natural competitividade mundana, este ringue no qual sempre queremos celebrar alguma vitória. Cada mulher aqui tem seu estilo, como nas Spice Girls, como num panteão, com cada deus com sua particularidade, com sua função própria e específica, como nos arcos de panteão ao redor do Coliseu, no modo como o Paganismo sobreviveu ao Monoteísmo, numa fusão cultural, como o panteão hollywoodiano, por exemplo. As mulheres aqui vestem vestidos diferentes, evitando que uma se pareça muito com a outra, numa busca por identidade, como num grupo de amigos adolescentes, no qual, inevitavelmente, um se veste mais ou menos como o outro – são as identificações, no ditado: “Diga-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Ao fundo no quadro vemos uma cadeira vazia, como um trono, talvez um objeto de cobiça entre as três herdeiras, numa querendo decapitar a outra, na arte de Tolkien – o Ser Humano, acima de tudo, visa obter poder. É um jogo de cobiça e intrigas, como no frenesi de sucessão quando morria um faraó, com todas as mulheres do harém sonhando em ser a próxima rainha mãe, em sonhos de cobiça, que se afastam da simplicidade de Tao, aquele que tem Paz ao não ter Ambição. O vestido da mulher mais à direita tem uma estampa com bolinhas, ou como lantejoulas coruscantes, querendo obter algum destaque, na diversão feminina de partir em busca de alguma roupa para uma festa importante, como num competitivo baile da revista Vogue, com uma mulher querendo ser mais maravilhosa do que a outra, num jogo de competição, rechaçando os amadores, os tolos e os simplórios. Já, a mulher ao lado tem um vestido cor sangue, cor vinho, este sangue alcoólico que tanto fascina a Humanidade, desde a Antiguidade, no sedutor passeio pelo Vale dos Vinhedos, com lendárias vinícolas, cheias de ônibus de turistas em compras, com vinhedos que vão se espalhando como tranças rastafári, domesticando a terra, fazendo esta ser a mãe geradora do precioso fruto. Já, a mulher mais à esquerda parece estar em luto, discreta, sem querer se sobressair muito, como na princesa do novelão Que Rei sou Eu?, da Globo, com a princesa que não se identificava com as vaidades e as frivolidades ociosas da corte, numa cabeça que queria ir mais fundo do que seu fútil papel de útero reprodutor a serviço de alguma coroa de um reino vizinho. Ao fundo vemos uma estampa floreada, algo que apraz muito Vuillard, com identidades femininas, perfumadas e agradáveis, como numa extrovertida Tânia Carvalho, uma das maiores comunicadoras do Rio Grande do Sul, uma mulher que sempre se disse “exibida”, na irreverência feminina que se impõe ao sisudo masculino, num jogo de sedução entre Razão e Loucura. Este quadro não traz tropicais cores vibrantes, mas um retrato intimista, bem de Vuillard, com cores cinzentas, como na cidade de São Paulo, a cidade cinzenta dos negócios, em contraste com o Sol e a exuberância de Fauna e Flora do Rio de Janeiro. O cinza é a ponderação, o zelo, o cuidado, num adulto que abraça a responsabilidade de cuidar de uma criança. O chão aqui é como cimento queimado, nas rotinas laboriosas de quem cuida de um lar, numa briga de casal, com a mulher dizendo ao homem: “Eu me matando para manter esta limpa e organizada!” – não existe trabalho fácil, pois, como diz Tao, o fácil e o difícil são faces da mesma moeda, do mesmo trabalho. Aqui são as Três Marias no céu noturno, num trabalho em equipe, com sócios juntando forças, num organismo harmônico no qual cada um tem sua função, no modo como as bandas de Música são casamentos sem Sexo.
Referências bibliográficas:
Édouard Vuillard. Disponível em: <www.en.wikipedia.org>. Acesso em: 18 nov. 2020.
Édouard Vuillard. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 18 nov. 2020.