quarta-feira, 28 de abril de 2021

Bove Above (Bove Acima)

 

 

Nascida na Suíça em 1971, Carol Bove está há muito radicada em Nova York. Já fez muitas mostras, incluindo uma na Bienal de Veneza e outra no novaiorquino Museu de Arte Moderna, o fabuloso MOMA. CB é conhecida por suas arrojadas esculturas. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, Cor Caroli. Vemos algo amassado, desprezado, no modo como é importante que não guardemos rancor. Aqui é como uma roupa amassada, usada, sendo tirada do varal para ser passada novamente, no paciente trabalho do lar, da dona de casa, numa briga de casais, com a esposa gritando: “Eu me matando para manter esta casa limpa e organizada!”. Vemos duas rodas, como num carretel, na fase de carretéis pela qual passou o célebre artista Iberê Camargo. Aqui é a bênção que foi a invenção da Roda, esta invenção que nasceu da preguiça de se caminhar ou de se carregar coisas. Aqui é como um tecido muito nobre e fino, esvoaçante, nas maravilhosas roupas metafísicas, vaporosas, de uma sofisticação sem igual em qualquer tecido fino na Terra, no modo como muitas pessoas são apaixonadas por roupas, como em artistas para os quais é de extrema importância escolher o que vestir na hora de pisar no palco, fazendo um paralelo formidável entre Música e Estilo, com pessoas que lançam Moda e tomam conta do Mundo, como no atual paradigma capilar de Gisele Bündchen: cabelos longos ondulados. As rodas aqui são a parte lisa da Vida, como Tao diz: o áspero e o liso são parte do mesmo trabalho. É como um ator que, depois de tanto se esforçar e doar-se a um certo filme, viaja ao redor do Mundo para fazer a doce divulgação, sendo ovacionado ao fim de qualquer projeção da película. É como na metáfora do iceberg: a pontinha acima do nível do Mar é a divulgação; por baixo, há todo um sério e árduo trabalho de produção. Aqui temos uma aquosidade neste tecido ondulante, na delícia de se mergulhar na água, remetendo-nos ao prazer uterino, nosso primeiro lar, nosso lar logo após o Lar Metafísico, esta dimensão maravilhosa na qual não faltam trabalho e diversão, numa vida indescritivelmente maravilhosa, a qual não é possível ser completamente compreendida pela pessoa momentaneamente encarnada, nas palavras de desencarnados: “Se eu pudesse descrever a Vida que há aqui!”. Estas rodas são como dois chifres de boi cortados, numa castração, num bicho castrado para, assim, ser mais dócil para com os donos humanos, havendo em tal castração a metáfora para a pessoa que vai adquirindo apuro moral e vai, passo a passo, desprezando cada vez mais as riquezas mundanas como metais e pedras preciosas, estes sinais auspiciosos da Matéria, na ilusão que é a morte do corpo físico, no modo como os espíritas lidam tão bem com o óbito, ao contrário de outras pessoas, para as quais a Morte é algo absolutamente pavoroso. Estas rodelas são como palmito fatiado, na delícia que é assistir a programas de Culinária, no modo como cozinhar é algo que tanto nos faz humanos, remetendo-me a minha avó materna, a qual era uma deusa na cozinha, em memórias gastronômicas afetivas. Estas duas rodelas estão separadas, dissociadas, como numa Berlim segregada pelo célebre muro, cuja queda foi um símbolo do fim do Comunismo, o qual ainda agoniza, neste talento humano para oprimir as pessoas por meio da Ditadura. Aqui, enquanto uma rodela se revela, outra se esconde, num jogo de gangorra, com os altos e baixos da Vida, no fato de que a Vida é exigente, havendo nos moradores de Rua pessoas que não querem ser incomodadas nem confrontadas pela Sociedade – o mendigo quer se esconder da Vida. Esta obra tem um certo movimento, como num processo se desenrolando, como um aluno passando pelos semestres de uma faculdade, no modo como são tristes as história de Vida de pessoas que abandonaram as respectivas faculdades, havendo no forte rito da Formatura este fechamento de um ciclo. Esta forma sedosa é como um metal sendo derretido, como no Ouro, o qual pode ser reciclado infinitamente, neste apego humano ao palpável, ao produto, à Matéria, havendo nesta a ilusão de que riqueza mundana traz obrigatoriamente a felicidade.

 


Acima, Flying V. Aqui temos um contraste entre algo novo e algo velho, como na pirâmide pós moderna do Louvre; como no restauro do belo casarão de pedras em Flores da Cunha, RS, casa construída por meu tataravô imigrante italiano Felice Veronese, numa obra que juntou o antigo nostálgico com o arrojamento de modernidade, como num intelectual que conheço, que se diz com “dois olhos”: um moderno e o outro tradicional. Aqui temos um aspecto de oxidação, de passagem do Tempo, tendo acima algo mais novo, sem sinal de Tempo, como um neto no colo do avô, na sucessão de gerações, com as pessoas morrendo e outras vindo, nessa dança de “sucessão de cadeiras”, como numa família real, na linha de sucessão, com um príncipe que passou a vida inteira esperando que o rei ou a rainha morressem, nesta avidez humana por Poder, na sombria metáfora do Anel de Tolkien, a joia que tanto corrompe até o maior caráter. Aqui é como um toco de cigarro consumido, amassado, neste vício no qual nunca se pode fumar o suficiente de cigarros, na paciência de uma pessoa não fumante em aturar um cônjuge fumante. Aqui é como uma roupa sendo dobrada, num trabalho de organização, dando a deliciosa sensação de ordem e limpeza numa casa, fazendo com que as casas terrenas, materiais, assemelhem-se ao máximo com as impecáveis residências metafísicas, nas quais há sequer uma única bactéria, como na limpeza futurista da casa de Os Jetsons, no fascínio que o Futuro exerce sobre a Humanidade, com a Ciência sempre trazendo progressos imensuráveis, como a cura do Câncer. Esta tira amarela contorcida é o discernimento taoista de Humildade, pois se quero dominar algo, tenho que, antes de tudo, curvar-me e aceitar a carga do trabalho, no caminho humilde de eu não me achar um deus apolíneo, pois existe algo mais insuportável do que uma pessoa arrogante, que se diz dona e senhora do Mundo? Esta dobra é uma mudança de planos, de direção, como numa pessoa que abandonou uma faculdade para abraçar outra, no direito que todos temos em nos equivocar, pois nada mais humano do que recomeçar do Zero. Este metal oxidado tem diversos furos, como se submetido a um fuzilamento, ressuscitando após, no cânone cristão da Ressurreição, que nada mais é do que o Desencarne – a beleza do sonho sobrevive, e a Virtude acaba por decepar a Malícia. Esses furos são como poros que nos permitem respirar, num organismo saudável, vivo, sempre pulsando, sempre inventando e criando, havendo em Tao tal inventor impecável, dono de obras perfeitas e indefectíveis, inspirando o Ser Humano a se aproximar mais de Tao, o Grande Professor. Aqui o velho traz o novo, e o casulo se abre e revela uma linda borboleta, num casulo tão feio, tão subestimado, na vitória da pessoa subestimada, a qual a todos surpreende, no patinho feio que dá a volta por cima e se revela o que sempre fora, numa sábia frase que ouvi recentemente: “Não se torne; seja”. Este metal oxidado nos dá a vontade de usar um produto polidor e fazer uma renovação estética, como um bom banho depois de um dia de suor e fuligem da Rua, no divertido modo como no estado da Bahia é perfeitamente normal tomar de dois a três banhos por dia, algo diferente no Rio Grande do Sul, no qual um banho só já é o suficiente. Aqui temos uma Carol Bove empenhada em unir, em associar, na tarefa plástica de combinar elementos até então dissociados. Também temos aqui um bom contraste cromático, numa cor tão sisuda e discreta embasando um elemento de cor tão viva e alegre, no discernimento de que, apesar de ser necessário ter senso de humor, a Vida é um troço sério, pois é um galgar de depuração moral. A faixa amarela é como um satélite, um telescópio apontando para os confins do Universo, esta enigmática e vastíssima estrutura que nos cerca, fazendo da Terra algo tão ínfimo em escalas cósmicas, num Universo que rejeita as medidas humanas de Tempo e Espaço, como nos relógios derretidos de Dalí, num Universo onde não há nem Norte nem hoje, ontem ou amanhã. Aqui é a feiúra subestimada, como conhecer uma pessoa e encontrar dentro desta uma pessoa bondosa, misericordiosa e honesta.

 


Acima, Do Sol para Zurique. Esta espiral me remete à cadeira de Teoria da Comunicação de minha faculdade, na teoria espiralada na qual há duas pessoas se comunicando, com informações sendo trocadas como num ciclo, mas um assunto que vai se desenvolvendo, nunca voltando ao ponto inicial, mas crescendo numa espiral. Aqui é como a espiral de cadernos, esta invenção que facilita a vida de um estudante. Aqui é como uma lombriga se desenvolvendo num intestino, maliciosa, sugando Vida, tal qual um vampiro sociopata, uma pessoa de má índole, que leva vida dupla, num horrível monstro malicioso disfarçado de anjo. Aqui é como se Carol Bove tivesse tido que ter uma superforça de Mulher Maravilha, pegando uma haste reta e contorcendo o material, na função plástica de manipular coisas, associá-las e produzir algo novo. Aqui é como uma onda se desenrolando, desdobrando-se como um processo, como algo sendo aos poucos esclarecido na cabeça da pessoa, numa espécie de aurora psíquica, com fatos existenciais sendo esclarecidos, no modo como tudo é processo, na poderosa ideia da Vida Eterna, pois não há poder maior do que o fato de que jamais findaremos, algo que mostra o infindável e imensurável poder de Tao, na incapacidade humana em entender tal poder, tal infinitude. Aqui é como um parquinho de diversões, e podemos ouvir os gritos ensandecidos das crianças se divertindo, na pobre infância de Michael Jackson, um homem que não teve infância, sendo obrigado por um pai tirano a trabalhar exaustivamente, num Michael criança que, ao ver crianças brincando num parquinho, não podia ir lá se divertir com os amiguinhos, neste grande sacrifício que Jackson fez em nome da carreira, no modo como tudo tem seu preço. Aqui é como o jogo de se percorrer esta “lombriga” com um círculo de ferro magnetizado, desafiando o jogador a nunca tocar o metal segurado com o metal da “lombriga”, num trabalho de atenção e paciência. Aqui é como um intestino, um itinerário existencial, numa pessoa que tem que passar por muitas coisas até se descobrir cisne, e não pato, numa maravilhosa frase que ouvi recentemente: Agradeça se um pleno der errado, pois seria pior se ele tivesse dado certo. É a questão do desapego, numa pessoa que parou de sonhar obsessivamente com sucesso mundano, fazendo de tais obsessões um flagelo cruel, o qual ataca diretamente a autoestima do sonhador. Aqui é um embaralho, uma confusão, um labirinto, num organismo enigmático, misterioso, desafiando-nos a encontrar um caminho, uma lógica. Aqui temos saúde, e o ar circula livremente pela obra, respirando, sempre vivo, convidando-nos à interação, para que passemos, fazendo do artista tal anfitrião, uma pessoa que nos traz para dentro de sua própria mente, num artista construindo uma identidade, um estilo, no desafio da diferenciação, como num bem sucedido Andy Warhol, na dádiva que é um artista ser devidamente reconhecido ainda em vida, com tantos talentos que só foram devidamente valorizados só após o óbito do autor, como na triste história de Heath Ledger, o Coringa que simplesmente não conseguiu ir ao Oscar para ganhar seu merecido troféu. Aqui é como uma cobra se contorcendo, ardendo, com um desejo forte, um tesão pela Vida, na dádiva que é uma pessoa viver seus dias com tesão, com vontade de viver, abraçando olimpicamente os desafios, ao contrário de uma pessoa em Depressão, um paciente que simplesmente está amplamente prostrado com a Vida em geral, numa pessoa apática, sem vida, sem vontade de sair da cama. Aqui temos um aspecto mole, numa aquosidade, na beleza e na força da Vida, como se fosse um tubo contorcido, num túnel, num processo de desdobramento, no modo como é difícil detectar os modos da Divina Providência, esta força divina que nos guia por nossos dias duros na Terra, num Mundo que, se não fosse, duro, não teria sentido nem causaria crescimento ao espírito. Aqui é uma estrutura complexa de canos, numa urbe vibrante, cheia de demandas, num prefeito carinhoso, administrando tal cidade com amor, como Tao, o Grande Prefeito.

 


Acima, Arlequim. É como uma cesta de lixo, esperando para ser cheia de lixo e, assim, tornar-se digna e útil ao Mundo, no caminho da Dignidade, numa pessoa que, de certa forma, vê-se útil, pertinente, pertencente a algo. Aqui temos uma transparência, uma clareza, uma autenticidade de um velho amigo, aquela pessoa íntima a qual conhecemos muito bem, nas grandes amizades que, apesar de fazer décadas que não falamos com tais pessoas, parece que a última vez que as vimos foi ontem, ao contrário de amizades frívolas, as quais ficam para trás. Aqui é como um tecido de algodão, deixando a transpiração passar, nunca bloqueando, nunca retendo algo para si, num ambiente de trabalho saudável e arejado, no qual as pessoas se respeitam mutuamente, num ambiente de muito prazer no dia a dia de labor, pois que ambiente de trabalho é este o qual se transforma em sofrimento? Aqui é algo que nos revela, que nos permite ver, num esclarecimento de fatos, com dois cavalheiros conversando polidamente para, assim, encontrar um áureo ponto de concórdia, numa comunhão, como reinos vizinhos que não ambicionam um ao outro. Aqui temos uma leveza, algo leve, fácil de ser levado, como numa pessoa polida e agradável, leve como uma pluma, num anfitrião que faz com que nos sintamos tão confortáveis e tão agradados. Aqui é como um prédio de vidros espelhados, dando um aspecto leve, como se fosse feito de ar, no talento fotogênico de um competente modelo, no talento de “devorar” as câmeras e encarnar a Beleza de Tao, o primordial, o limpo, o inesquecível. Aqui é como uma colmeia ou um formigueiro, com sua complexa estrutura interna, sempre vivendo, no fascínio que o Mel exerce sobre a Humanidade, em insetos tão laboriosos, incessantes e incansáveis, como numa pessoa que chegou à conclusão de que, fora do Trabalho, não há salvação, ao contrário de uma pessoa improdutiva, para a qual, miseravelmente, tudo o que resta é fazer fofoca e cuidar da vida de outrem, numa maliciosa miséria existencial. Esta fragilidade é como uma pessoa sensível, a qual observa quando uma brincadeira é de mau gosto, detectando brincadeiras que são agressivas demais. É a leveza das linhas de Niemeyer em Brasília, com formas que parece que serão levadas pelo vento, e parece que qualquer sopro derrubará esta obra de Carol Bove. É uma transparência que nos permite ver, ao contrário de vidros opacos, leitosos, que pouquíssimo podem revelar, no modo como há coisas as quais não podemos antever, pois se pudéssemos antever, não aconteceriam, ou seja, nada de errando em não conseguir ver algo antes do tempo, na delícia que é uma certa imprevisibilidade, em lances de grande senso de humor em Tao, o irônico, o bem humorado. Esta lixeira nos permite ver o que há dentro, sinalizando quando está na hora de esvaziá-la e chamar o caminhão de lixo. É como no famoso ensaio fotográfico da escandalosa e maravilhosa Marilyn Monroe, com a deusa nua ocultando-se em tecidos transparentes, no sensual jogo de revelar e esconder, na sensualidade do luar, uma luz que ilumina mas que, ao mesmo tempo, conserva mistério, naquele limiar do dia em que não é nem noite, nem dia, como na canção famosa de Britney Spears: Nem menina, nem mulher. Aqui é um tecido fino e sofisticado, vaporoso, como uma toalha debaixo da água, fluidia, sensual, agradável, com véus que, antes ocultando, vão sendo removidos num processo cognitivo, até a Aurora vir e mostrar algo antes oculto, como na resolução de um mistério policial, com o assassino sendo revelado e o caso resolvido, na vitória da Ordem sobre o caos, na Terra Sagrada da Estrela da Manhã, um lugar em que temos a sensação de absolutamente tudo estar em ordem e no seu devido lugar, num sentimento de Paz, muita Paz, esta força tão subestimada pelo aguerrido Ser Humano, o qual é viciado em guerras, deixando Tao de lado, ou seja, subestimando o criador de tudo. Aqui temos a sensualidade do vazio, do nada, num vão, como num calçadão, abrigando as pessoas, com criancinhas andando de bicicleta – a Sensualidade reside, precisamente, no espaço vazio.

 


Acima, Ícone. Um efeito sedoso, como num tecido luxuoso. O verde é a Natureza, no modo como Tao diz que os campos e florestas vestem roupas majestosas, mas num Ser Humano que admira só os palácios, ignorando as maravilhas naturais. O verde é a imaturidade, numa pessoa ainda muito jovem e inexperiente, uma pessoa um tanto arrogante, que ainda não tomou muitos tufos da Vida, numa pessoa que crê que os percalços são só para os outros. Aqui temos o efeito de raros e exímios escultores, numa técnica maravilhosa e deslumbrante, fazendo com que um pedaço duro de pedra se assemelhe a um fino véu esvoaçante, como na técnica imortal de Michelangelo, simplesmente trazendo Vida a um pedaço inanimado de pedra. Aqui é algo se contorcendo, como uma pessoa com uma grave cólica, como numa gata no cio, contorcendo-se, louca para fazer sexo, no modo como as influências da Matéria afetam em cheio o Ser Humano, como nos hormônios do desejo sexual, remetendo-me ao que ouvi de uma idosa, sobre a perda da libido: “Você não sente mais desejo na ‘periquita’. É uma libertação”. Aqui é como uma coberta sendo dobrada, num ato de disciplina e arrumação, numa pessoa colocando uma casa em ordem, numa pessoa adquirindo disciplina para organizar a própria vida, tendo horário e tarefas, ao contrário de uma pessoa em situação de Rua, numa pessoa que se esconde do Mundo, não querendo saber de disciplina nem de cobranças – há pessoas que fogem da seriedade da Vida, pagando um preço alto, que é a degradante situação de mendicância, aceitando esmolas e refugiando-se numa vida sem regras nem objetivos, numa miséria física e metafísica. Aqui temos um organismo vivo, num ser vivendo e respirando, lutando para viver, reconhecendo o ambiente ao redor, num trabalho cognitivo, como num bicho colocado num zoológico, tendo que se relacionar com os outros na mesma jaula, como num presídio, no qual temos que nos relacionar com as pessoas em volta, mesmo se não gostarmos muito de tais pessoas; é como num submundo de amizades frívolas, no qual nos relacionamos com pessoas pelas quais, no fundo, não morremos de amor. Aqui é como um disco de vinil esquecido acidentalmente sob a luz do Sol, estragando o produto, numa tecnologia analógica que nada quer dizer para a gurizada que vem aí, uma geração nascida em plena Era Digital, não fazendo ideia do que era levantar do sofá para trocar de canal, num aparelho com no máximo sete canais de TV aberta, numa certa nostalgia ao relembramo-nos de tais fatos cotidianos de outrora. O sinal verde é a oportunidade, a permissão para passar, como num ano letivo chegando ao fim, com o aluno abraçando os doces meses de férias, num breve recreio, pois a maior parte da Vida é feita de labor e dedicação. Aqui temos um objeto em transição, em transformação, numa pessoa tomando consciência de algo, como no processo autocognitivo do patinho feio, numa pessoa que, no fundo da luta para se encontrar, acaba encontrando a beleza em si mesma, numa pessoa que passa a gostar de ser quem é, num processo que pode ser longo, com tantas e tantas pessoas que não amam muito a si mesmas – como posso ser feliz se não me curto? Este grande círculo é como um grande olho que nos fita, um olho grande, apreendendo e aprendendo muito, um olho faminto, descobrindo maravilhas ao redor de si, como num potente Hubble desbravando os confins de galáxias e de vastidões infinitas. Aqui é como uma cobra se movendo, explorando a selva ao redor, farejando presas, num bicho rico em instinto, como no instinto autodidata de uma pessoa que passa a brilhar e a ser respeitada por outrem, como um homem que conheço, uma pessoa de um respeitável cavalheirismo e polidez. Vemos aqui uma pequena gruta escura de mistérios, desafiando-nos a pegar uma lanterna e explorar o inexplorado, como na sede de um arqueólogo descobrindo os milhares de tesouros da tumba do rei Tut.

 


Acima, La Luce. Esta obra remete a um recente comercial televisivo de amaciante de roupas, no qual uma bela mulher desfila com um vestido esvoaçante lilás, espalhando inebriante perfume e encantos femininos, seduzindo o Mundo com encantos de delicadeza e sutileza, gentileza, na vitória do Fino sobre o Grosso; da virtude de Tao sobre a vulgaridade; da cabeça sobre a bunda. Bove gosta desses efeitos esvoaçantes e fluidios, com todo um processo intestinal, nos alimentos sendo absorvidos e assimilados, numa pessoa assimilando fatos e crescendo como pessoa, no caminho divino da depuração moral, numa pessoa que passa a rechaçar os auspícios da Matéria, do palpável, vendo que as pedras preciosas são ilusões, pois, sendo Matéria, estão danadas à ruína, como num Jesus ressuscitando e deixando para trás tudo de mundano, abraçando Tao, o sensual vazio. É como a Galadriel de Tolkien rejeitando o sedutor Anel do Poder, rejeitando a sedução de Sauron, o senhor destrutivo das ambições mundanas, seduzindo reis e degradando estes moralmente. Aqui é como uma água turva que vai se tornando translúcida, revelando lentamente as coisas, como num dia que vai amanhecendo, como no processo de aprendizagem, na criança passando por vários anos escolares, na importância capital para uma nação que é a formação de cidadãos letrados e eruditos, como em nações apolíneas como a Suécia. Aqui é como a brincadeira de massinha de modelar, fazendo com que a criança crie o que quiser criar, obtendo intimidade com o material, nesta tarefa do artista plástico de ter mãos transformadoras, que criam coisas novas. Bove gosta também desses círculos, que são olhos que fitam o espectador, num momento em que artista e espectador interagem, conhecendo um ao outro, na importância que um artista tem em saber como sua obra entrou na mente do espectador, recebendo um feedback, um retorno. O círculo é a perfeição ultrapolida da Divina Providência, esta forma de governo que, de tão poderosa, mal é captada por nós na Terra, num governo que faz com que passemos uns pelas vidas dos outros, construindo relacionamentos e promovendo trocas de experiências, pois o que seria de tudo sem nossos amigos e irmãos, tão filhos de Tao quanto eu mesmo sou filho de Tao? No fim das contas tudo se resume a Amor, sem pieguice, numa pessoa que tem a sensibilidade de “se colocar nos sapatos do outro”, entendendo como este se sente, ao contrário do sociopata, uma pessoa fria que, definitivamente, não sabe nem quer saber como o outro se sente, no caminho arrogante da insensibilidade, num sociopata que não sabe o que é comiseração, empatia, compartilhamento. Este círculo é como um disco de virtude que gravita acima de mediocridades. É como o disco solar do faraó Aquenáton, o herege que rejeitou milênios de tradição religiosa egípcia politeísta pagã, num ato corajoso de ruptura, no modo como o Monoteísmo ganhou o Mundo. O círculo é um ponto de ponderação sobre meandros complexos, procurando manter a simplicidade, a desconstrução, a simplificação, como num presidente que, numa reunião, desconstrói os assuntos, simplificando-os ao máximo, pois a Vida é boa quando é simples, sem afetações pretensiosas, ou seja, sem frescuras, na limpa elegância minimalista. Aqui temos ordem e desordem, como no desafio de um professor em impor disciplina e silêncio numa sala de aula cheia de crianças alvoroçadas, no desafio de acalmar os ânimos e chamar a atenção para o que importa, que é a lição dia. Aqui é como um chiclete sendo mastigado, num hábito que se tornou tão comum. É um alimento sendo mastigado e digerido, remetendo às radicais cirurgias bariátricas, tolhendo uma parte do estômago do paciente obeso. Este círculo está se equilibrando em cima deste alvoroço, na busca de um designer por equilíbrio em suas concepções gráficas, no grande desafio publicitário, que é vender um produto ou serviço, procurando sempre atiçar o desejo que já preexiste dentro da mente do consumidor. Temos aqui um papel amassado e desprezado frente ao círculo intacto, num trabalho de discernimento de se observar o dispensável e o indispensável.

 

Referências bibliográficas:

 

Carol Bove. Disponível em: <www.en.wikipedia.org>. Acesso em: 21 abr. 2021.

Carol Bove. Disponível em: <www.mcachicago.org>. Acesso em: 21 abr. 2021.

Carol Bove. Disponível em: <www.ocula.com>. Acesso em: 21 abr. 2021.

Carol Bove. Disponível em: <www.thecontemporaryaustin.org>. Acesso em: 21 abr. 2021.

Carol Bove. Disponível em: <www.timeout.com>. Acesso em: 21 abr. 2021.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Radares de Radaelli

 

 

Natural de Nova Bréscia, RS, Gelson Radaelli (1960 – 2020) formou-se em Comunicação Social e estudou pintura com o talentoso pintor Fernando Baril. GR foi editor de Arte do jornal O Continente e conquistou dezenas de prêmios, tendo morrido cercado de respeito. Ainda por cima, Radaelli foi dono do maravilhoso restaurante portoalegrense Atelier de Massas, decorado com várias pinturas, com um antepasto divino. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, título não informado na referência bibliográfica (1). Aqui temos uma curvatura, num ato de humildade, de quem sabe que a arrogância é insuportável, na capacidade da pessoa nobre em nunca ingressar em narcisismos, sabendo que, para se conquistar algo, é necessário ser humilde e curvar-se antes da conquista. É a curvatura antes do embate de Judô, quando os oponentes expressam respeito mútuo, num grande controle emocional para não levar os golpes para o lado pessoal. Pode ser também alguém triste, chorando, com alguma dor, nos sombrios meandros depressivos, num momento em que a pessoa enfrenta uma grande decepção generalizada com a Vida, prostrando-se numa cama, apático, desanimado, mal querendo conversar, num momento em que Tao nos carrega nos braços, o Pai amoroso que nunca abandona um filho. É uma pessoa num momento intimista, refletindo, longe da interação social, num saudável momento de solitude, no modo como é importante que a pessoa selecione alguns momentos para ficar sozinha consigo mesma, mesmo amando os amigos e a família. Aqui temos um azul discreto e profundo, introspectivo, numa imersão, no modo como é bom que eu seja uma boa companhia para mim mesmo. É alguém se debruçando intensamente em algo, concentrando-se, num momento de dedicação integral, no modo como ninguém é insignificante demais para desmerecer a total atenção de Tao, no modo como cada um de nós tem um anjo da guarda, um espírito benéfico desencarnado que visa nos guiar sempre pelo bom caminho, preservando-nos, num ato de puro Amor Fraternal. As pinceladas de Radaelli são vigorosas e incertas, apaixonadas. Esta curvatura é como um artista ao final de um espetáculo, agradecendo aos aplausos, numa pessoa que, além de fazer seu trabalho e ser remunerada, recebe este momento de maravilhoso de júbilo que é a ovação, num agradecimento humilde, pois não é insuportável a pessoa arrogante, embebida em Ego? Aqui pode ser uma pessoa num momento intenso de riso e piada, rindo tanto que chega a doer o estômago, no prazer de se ver amigos e rir muito com essas pessoas que tanto se identificam com nós, nos eternos vínculos de amizade, os quais sobrevivem ao Desencarne, como, no Plano Metafísico, temos a total certeza de estar cercados de amigos, e a Vida não é dura sem amigos? É triste como uma criança no Colégio, sem amigos para brincar no intervalo, numa criança com uma inclinação depressiva, com dificuldade em fazer amizades. Ao lado desta pessoa se curvando, vemos um grande buquê de flores brancas, na cor das noivas, no modo como nenhuma outra mulher na festa pode usar branco. É como num belo casal de amigos meus, com ambos se vestindo de branco para a cerimônia de enlace, numa visão de harmonia, com um penetrando no outro, num ato de entrega e confiança. É o buquê dos apaixonados, num homem numa floricultura, esforçando-se para comprar o mais belo arranjo floral, sabendo que, além do Coração, deve entrar no jogo a Cabeça, ou seja, lençóis de cetim são muito românticos, mas o que acontece quando se está fora da cama? As flores, os órgãos sexuais das plantas, são a força explosiva de Vida na Primavera, como na cena de Cleópatra em que um grande cortejo suntuoso é feito em Roma, para a regente egípcia ser recebida pelo César, como um desfile de escola de Samba, encantando o Mundo com suas cores e batidas. Aqui também pode ser uma chaminé explodindo, num artista tendo um momento raro e intenso de inspiração, buscando colocar isso em forma de pintura, na explosão das chaminés apocalípticas no início de Blade Runner. Aqui pode ser um escravo sendo impiedosamente punido com chibatadas.

 


Acima, título não informado na referência bibliográfica (2). Aqui é a constituição de uma personalidade, com experiências de Vida que vão moldando a pessoa, nessa bateria de momentos existenciais que vai fazendo que a pessoa, nesse “baile”, cresça e depure-se moralmente, adquirindo o discernimento de que os bens materiais estão fadados à danação da Matéria, e que o que é mundano no Mundo fica. A cabeça é o símbolo do intelecto humano, da Razão, num Homo sapiens que levou vários milênios para se depurar e trazer ao Mundo a Civilização, esta organização que tanto nos diferencia dos demais seres vivos do planeta. Aqui é como um artista plástico catando elementos no lixo seco, transformando lixo em luxo, concebendo uma associação de elementos até então impensada pelo Mundo, na capacidade do grande artista em abrir os olhos da Sociedade, na vitória da Sensibilidade sobre a estupidez, como pessoas que fazem brincadeiras agressivas demais, não sendo estas bem vistas por quem tem um mínimo de Sensibilidade. Aqui, este homem, retratado pelas apaixonadas pinceladas de Radaelli, parece estar de olhos fechados, dormindo ou sedado, num momento onírico, com partes do self da pessoa projetadas em elementos do sonho, fazendo com que a interpretação psicológica de sonhos seja nada mais do que uma análise semiótica. Aqui temos uma diversidade carnavalesca, esta festa popular tão alegre e eufórica em que o brasileiro, por um breve momento, esquece das durezas inevitáveis do Mundo, encarando a volta à lida na Quarta-Feira de Cinzas. Este homem pensa, como se tivesse que tomar uma decisão difícil, como num rei ou rainha, em profunda ponderação, visando sempre o bem coletivo, pois que líder é esse que não se importa com o próprio súdito? Aqui temos um trabalho paciente de Radaelli, dando-se ao trabalho de buscar novas cores na paleta, esforçando-se para fazer uma composição de tanta diversidade, como numa pessoa que sabe a diversidade é uma dádiva social, e que o desrespeito às diferenças leva a um câncer de fragmentação social, como em crimes de ódio racial, como nos EUA, o qual, apesar de ser tal baluarte democrático da igualdade e da liberdade, pode ser também um caldeirão de conflitos de tez racial. O homem aqui parece estar calvo, talvez preparando-se para uma radioquimioterapia, tendo que dar graças a Deus por viver numa época em que há tratamentos oncológicos. O homem aqui está num limiar entre jovem e velho, e parece ter maturidade para fazer sábias decisões, na ação de se pensar muito antes de tomar ação, perguntando-se se esta é mesmo necessária, num homem que vai se aproximando de Tao, o minimalista, aquele que só toma ação quando é necessário e, ao tomar tal ação, só faz aquilo que é necessário, na limpeza da ação minimalista. Aqui é como todo um povo formando o caráter de um regente, como se este guardasse a todos num portajoias, sendo o Povo o maior e melhor bem de qualquer rei, numa mão que lava a outra – eu me curvo perante o rei e este age em meu serviço. Aqui temos um contraste entre sisudo e carnavalesco, pois o homem, em suas cores alegres e divertidas, é embasado por um fundo frio e cinzento, numa fria tarde de Inverno, naqueles dias em que tudo o que queremos é estar em casa embaixo de uma coberta, com doces memórias de aconchego na Infância. O fundo é a ponderação, a cautela adulta, a responsabilidade e o juízo; já, as cores são o riso numa formidável piada, no verdadeiro e divino dom de uma pessoa ter senso de humor, sempre observando a Vida num plano geral, conseguindo ver as pinceladas de ironia em tudo, como na Metalinguagem, onde ator fala de ator. Estas cores me remetem ao maior mico que já paguei em minha vida, quando fui numa festa a fantasia fantasiado de faraó, algo que, definitivamente, jamais farei novamente, havendo valor na discrição, sem amargor, é claro. Aqui é uma das cenas finais da trilogia Matrix, na qual um grande e poderoso rosto é formando por vários pontinhos, no poder da voz de Tao, o uno.

 


Acima, título não informado na referência bibliográfica (3). A árvore seca é a desolação, talvez num artista catarseando um sentimento de abandono ou rejeição. É no termo chulo “levar um chute na bunda”, ou seja, uma pessoa que se sente um lixo ao ser magoada pelo namorado, como no filme de Bridget Jones, numa experiência traumática que contribuiu para que a personagem construísse autorrespeito, autoestima, e não ficar por aí “se vendendo a um e noventa e nove”. Esta árvore seca está num momento do ano de escassez, num momento de crise, de miséria existencial, no qual a pessoa tem tão pouco para se sentir orgulhosa de si mesma. Podemos ouvir aqui o zunido de um vento frio cortante, nas terras infernais do Umbral, um lugar para quem não vê além da Vida Material – não tenhamos pena, pois cada um escolhe para onde quer ir. A terra vermelha aqui é sangue derramado, talvez num terrível campo de batalha, coberto do sangue de irmãos que se matam, inevitavelmente remetendo a Caim e Abel, como num ganancioso ditador, matando pessoas de sua própria família, tudo em nome da perpetuação no Poder, este malévolo Anel de Tolkien que corrompe a alma dos homens, na sedução do Poder, como num ardiloso e inteligente sociopata, brincando com a cabeça dos outros, no modo como há pessoas que fazem exatamente o que não se pode fazer, que é dar informações pessoais de si para um sociopata, até o ponto da pessoa saber “farejar” e detectar sociopatas, evitando estes como o diabo evita a cruz. O céu é escuro e pessimista aqui, trazendo escuridão, como numa espessa nuvem de tempestade chegando, com seus trovões como propaganda, propagando a tormenta, como numa crise chegando, a qual no frigir dos ovos, é positiva, pois as desilusões são irmãs da Verdade, e nada pior do que viver numa mentira... As desilusões colocam no chão os pés da pessoa, e só é bom um amigo que nos traz para o chão, pois que amigo é este o qual me engana e me aprisiona num jogo de mentiras míopes? É como um puxassaco, que anuvia o pensamento da pessoa bajulada, como no filme Celebridades de Woody Allen, com astros absolutamente mimados, de Ego sempre massageado, em pessoas que começam a pensar que podem absolutamente tudo – nada mais vulgar e desinteressante do que a arrogância. A figura humana aqui é esverdeada, num sinal de esperança, prevendo que a crise passará e que o campo voltará a ter verdejante Vida, com campos fartos, cheios de alimentos, com belas uvas que causarão uma safra excepcional, no árduo trabalho do colono italiano, dedicando jornadas inteiras ao labor, só não trabalhando no Domingo porque o padre não permitia, pois até Deus descansou no sétimo dia, não? Esta pessoa aqui está imersa em pensamentos, talvez ponderando para tomar uma decisão, em escolhas difíceis, como num líder, sentindo-se acuado para tomar uma providência em relação a algo, como numa rainha acuada, forçada e dar um funeral de princesa a uma mulher que, na teoria, não mais princesa era, na diferença entre teoria e prática, como num estudante universitário num estágio, aprendendo enormemente na prática. Esta curvatura é o maravilhoso sinal de humildade, como cumprimentar camelôs na Rua, ao contrário de uma pessoa equivocada, que sequer cumprimenta o porteiro ou o zelador de seu próprio prédio – pouco custa ser nobre e cortês. Aqui é como uma pessoa que se sente muito sem amigos, com dificuldade para fazer amizades na Escola, numa pessoa que se sente muito desolada, precisando desesperadamente de um amigo que a defenda e a respalde, aplacando o sentimento de abandono. O verde é a imaturidade de uma fruta que ainda não está doce nem madura, nas lições que trazem a sabedoria da maturidade, da experiência de Vida, talvez numa pessoa ainda muito jovem, que se acha imune a erros ou fracassos, nas duras lições de humildade que a Vida vai ensinando como um persistente e paciente professor. Este mato rubro é como uma queimada desoladora, numa grande frustração geral com a Vida.

 


Acima, título não informado na referência bibliográfica (4). Na porção esquerda vemos um buquê, com duas flores douradas, como dois olhos observando quem observa o quadro, como nos olhos rubros do Aragorn de Viggo Mortensen, tragando seu cachimbo, quieto no seu cantinho, só observando, como num “preto velho”, sempre discreto, sempre neutro, apenas observando os egos acendendo e descendendo no Mundo, nessa fogueira de vaidades, com mulheres competindo para ver qual delas tem o vestido mais maravilhoso do baile, neste ser tão competitivo que é o Ser Humano. As flores são a persistência da Vida, sempre lutando para sobreviver, como num empresário que encara um momento de decepção, vendo seu próprio negócio ruindo e fracassando, como um Titanic afundando impiedosamente, numa ruela de sonhos despedaçados. Aqui são como olhos de uma serpente, na sua sensualidade ondulante, num bicho tão elegante a minimalista, tido em certas culturas como símbolo de fertilidade, e não símbolo de maldade como na Serpente do Éden. O fundo rubro é como uma decoração de bordel, com tudo remetendo a Sexo, num abajur cor de carne, como na boate cabaré parisiense Moinho Vermelho, remetendo à sedução da loja Victoria’s Secret, fascinando um Woody Allen, com o personagem deste dizendo ao próprio filho que há algumas mulheres que fazem compras em tal loja, nos segredos de Feminilidade fascinando o Masculino, inebriando este com fragrâncias sedutoras, agradáveis e convidativas, encorajando o homem na aproximação no mágico momento de interação social, num momento em que a menina abandona as bonecas e debuta. Radaelli gosta dessas figuras humanas neutras, assexuadas, como bonecos de modelo para aulas de desenho, ensinando as proporções do Corpo Humano, esta obra tão linda de Tao, o grande designer, havendo numa boneca Barbie a tentativa humana em compreender a vida de desencarnado, na qual a pessoa vira um boneco racional e perfeito, sem as vicissitudes da vida de encarnado, como a necessidade de alimentação ou repouso, sem qualquer doença ou enfermidade, na construção técnica do espírito, até este entender o que é Frieza Racional atrelada ao Amor Fraternal, combinando Yin e Yang na assexualidade dos anjos, ou seja, dos espíritos livres desencarnados. Esta pessoa de silhueta aqui quer esconder algo, num recato, num pudor, numa vergonha, num momento íntimo de escovar os dentes, num ato só podendo ser feito se a pessoa acompanhante é uma pessoa próxima e íntima, como na sensação de se sentir à vontade dentro de casa, fora da esfera do “Mundo lá fora”, dos relacionamentos sociais. Esta pessoa está planejando algo, fazendo planos para tomar alguma decisão, num empresário que viu ruir suas próprias expectativas, no eterno trabalho de reconstrução, na formiga laboriosa, reconstruindo o formigueiro depois de um algum dano, na necessidade da pessoa continuar tocando a Vida para frente, aprendendo lições e tornando-se mais forte. Este “vaso” que abriga a dupla de flores é como uma lagarta no casulo, feia, subestimada, desconsiderada, depois tornando-se borboleta, bela, colorida, fascinante, dando a volta por cima e alfinetando todos que a subestimavam, numa gostosa vingancinha, como em Uma Linda Mulher, na personagem de Roberts se vingando das arrogantes atendentes que, no dia anterior, tinham se negado a atendê-la, nos gostosos pecadinhos capitais, visto que ninguém é “de ferro”. A figura humana sentada está em repouso, talvez depois de um dia laborioso, como num artista que perde a noção de tempo no labor, como num genial Einstein, o qual não sabia dizer em qual dia de semana ele mesmo estava, no momento em que a pessoa começa a observar o Mundo de forma atemporal, na atemporalidade da Dimensão Metafísica, o lugar que é como uma tradição britânica de coroação, dando a impressão de que o Tempo não passa. Esta solitária figura humana é acalentada pelas flores calorosas, numa pessoa que encontra, em simplicidade, o contentamento, numa pessoa que precisa aceitar onde está, fazendo, assim, as pazes com o Mundo.

 


Acima, título não informado na referência bibliográfica (5). Um impiedoso afogamento, numa pessoa que precisa de uma ajuda, de um auxílio, de um empurrãozinho, mas talvez uma pessoa que não quer ser salva, lamentando por si mesma. É uma crise depressiva, um fundo de poço. As águas cinzentas são a dureza da Vida, nas cinzas mortas que um dia abrigaram um acalentador fogo, um desejo, uma vontade de viver, numa pessoa que simplesmente perdeu a vontade de viver, de fazer as coisas, de batalhar pela Vida, e que solução existe sem tesão? É como uma pessoa perdida, que se esqueceu de quem ela mesma é, no meio de um traiçoeiro labirinto, cheio de sinais auspiciosos, de pistas falsas, testando a capacidade da pessoa em pular obstáculos, no submundo daqueles que vagam perdidos e solitários. Esta água escura é pessimista, num acúmulo de problemas, numa pessoa que sequer tem vontade de sair da cama, num momento em que tudo dói; tudo é difícil. Esta figura humana, da cor de um belo céu ensolarado, é a esperança, esta força que faz com que a pessoa creia que a vicissitude vai passar e que será possível dar a volta por cima, como no tombo do ator Robert Downey Jr., o qual, depois de ser indicado a um Oscar ao interpretar Charlie Chaplin, caiu na Vida por causa das drogas, tornando-se presidiário, saindo da prisão fortalecido, disposto a retomar a carreira, e o fez, retornando triunfante, mostrando que há sim esperança, como ouvi de um pregador na Rua certa vez: “Deus ajuda, mas a pessoa precisa ter vontade”, e que esperança existe de eu assumir o controle de minha própria vida se entrego tudo nas mãos dos outros? É como a pessoa em situação de Rua, escondendo-se da Vida numa vida desregrada, fugindo de tudo o que a Sociedade tem a oferecer, havendo nos abrigos de Assistência Social uma confrontação, no qual do indigente é exigido de buscar um emprego e reerguer-se, não podendo depender para sempre de Caridade. O céu aqui é rubro, sangrando, numa ferida aberta, desatada, numa emergência, numa pessoa que está sofrendo, com seu sangue rubro sendo sugado por um sociopata disfarçado de amigo. Logo acima da pessoa aqui, vemos uma nuvem que a persegue, num carma, naquilo que acompanha a pessoa por qualquer lugar, por qualquer contexto, fazendo com que a pessoa chegue à conclusão de que o autoencontro é sempre dentro de si, e nunca fora. Esta nuvem é impiedosa, perseguindo sempre, até a pessoa olhar para si mesma e amar seus próprios predicados, suas próprias virtudes, havendo pessoas que, de tão deprimidas, não curtem seus próprios predicados, como Inteligência, numa autoestima para lá de bombardeada. A nuvem é a trajetória espiritual, até a pessoa enxergar tudo de forma existencial, psíquica, como num professor exigente, valendo cada centavo da mensalidade da instituição de Ensino. É como uma pessoa que sempre se sentiu perseguida por algo, adquirindo a ilusão de que a Vida mudará só porque tal pessoa se mudou de cidade – as vicissitudes são universais; o Ser Humano é universal. Esta pessoa azul luta para sobreviver, nunca se entregando ou “atirando-se nas cordas”, nunca tendo pena de si mesma, observando que é preciso ter força para superar olimpicamente os percalços oferecidos, num espírito que, antes de reencarnar, seleciona todas as dificuldades pelas quais passará quando reencarnado, como num aluno matriculando-se numa faculdade, selecionando as cadeiras que cursará. Esta água cinzenta é a luta entre branco e escuro, ou seja, Bem e Mal, como algo sendo disputado por heróis e vilões, ensinando desde cedo à criança a noção entre válido e inválido, no desafio de se ensinar Tao, que não é o melhor caminho – é o único caminho. A cor azul aqui é um sonho, sonhando com um dia mais ensolarado, não tão escuro. É o desafio de uma vida, uma luta, numa pessoa que se vê obrigada a fazer escolhas, como um colega meu de Colégio, uma pessoa que fez tal escolha e tornou-se padre. O autoencontro é tão importante que ouvi sobre isso numa palestra num centro espírita certa vez, na universalidade das vicissitudes existenciais. Esta água turva impede que enxerguemos o Mundo e a Vida.

 


Acima, título não informado na referência bibliográfica (6). Vemos aqui o artista frente à própria obra. O vermelho é a Vida que pulsa, numa pizza calabresa apimentada, num belo show de Dança Flamenca, neste calor latino, temperado, como nos pratos do Atelier de Massas. O vermelho é como uma paisagem marciana, na estrela rubra associada ao sangue derramado na batalha, neste imortal talento humano para com a briga, a desavença e o desentendimento. O vermelho é uma sirene gritando, pedindo prioridade para passar, numa emergência, como nas legiões de motoboys na cidade de São Paulo, em intermináveis levas de motoqueiros gozando de pista livre, tudo a serviço de uma grande metrópole desenvolvida. O vermelho é uma sedutora mulher de vestido rubro, uma feiticeira, sedutora, como na descomunal capa rubra do Drácula de Gary Oldman, nesta sede de sangue, buscando fazer com que um vampiro faça metáfora com os sociopatas, estes sugadores de almas, em busca de escravos, elucubrando malévolas malícias destrutivas e odiosas. O vermelho é um doloroso parto, numa descomunal dor para a mulher, enchendo a casa de gritos desesperados de dor, num pai nervoso, tenso. Aqui vemos uma grande esfera azul marinho, como um impiedoso meteoro chegando à superfície, como no meteoro responsável pela extinção dos dinossauros, cobrindo a Terra de sombras, só permitindo a sobrevivência de animais de sangue quente, como os mamíferos e aves. É o sonho de um artista em se tornar tal impacto, tal “tragédia”, como numa Gisele sendo introduzida ao Mundo, numa força tal que passou a ditar o padrão de beleza capilar global – cabelos longos ondulados. É claro que não existe artista que quer passar despercebido, nesta fome por respeito e reconhecimento, nesta grande provação que é a pessoa se expressar frente a um Mundo tão duro, frio e insensível. Aqui é como uma grande pedra negra, numa nuvem densa, a qual não permite, por hora, que enxerguemos muito longe em nossas próprias vidas, fazendo com que só possamos prever o mínimo, pois como poderei passar pelas coisas se já as previ todas? As esquinas da Vida têm lá suas surpresas, e isso é até divertido, se pudermos observar a Vida num plano abrangente, podendo, assim, que percebamos o talento piadista de Tao, o formidável. Aqui vemos um encontro entre sisudo e vibrante, como num sisudo senhor japonês sucedido pela esposa sorridente, no modo como é inevitável que o casal heterossexual carregue tal carga representativa – ela personifica o Yin dele e ele personifica o Yang dela. Esta bola escura é uma invasão, uma intromissão, como numa pessoa “furão”, aparecendo numa festa sem ser convidada. É uma ousadia, num artista que sabe provocar, sempre atiçando o Mundo, como numa artista mulher, pagando caro por ser mulher num inflexível mundo de homens, havendo neste a limitação de uma mulher, a qual nunca pode passar de um ator coadjuvante. Aqui é como uma pedra afundando, tendo que aceitar onde está, pois o primeiro passo para eu sair da crise é aceitar que estou em tal crise, no caminho da Humildade, da aceitação, do eu perceber que não sou o suprassumo no centro do Universo... Aqui é como uma bola de papel amassado, numa pessoa que descartou algo, alguma expectativa, em um personagem tão humano como o desenho animado do Coiote e do Papa Léguas, num Coiote que sempre se ferra, sempre fracassa, sempre perde, sempre se dá mal, no modo como é tão comum, tão humano que é se frustrar. Aqui é como algo ambicioso chegando, querendo tomar conta do quadro, tomar conta de algo, numa fome por sucesso, este sinal auspicioso que tanto corrompe as almas da Humanidade – se não estou o tempo todo querendo, posso ter Paz. Aqui vemos um momento de transição, de suplantação, num quadro que mostra uma sucessão de presidentes, com um entrando e outro saindo, no paradigma democrático da renovação do Poder, ou como numa sucessão monárquica, representando a tradição de tempos em que a Democracia era um mero vestígio grecorromano.

 

Referências bibliográficas:

 

Gelson Radaelli. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 14 abr. 2021.

Morre aos 60 anos o artista plástico gaúcho Gelson Radaelli. Disponível em: <www.g1.globo.com>. Acesso em: 14 abr. 2021.

PANDOLF, Fernanda. Gelson Radaelli inaugura exposição de pinturas e esculturas na Bolsa de Arte. Disponível em: <www.wp.clicrbs.com.br>. Acesso em: 14 abr. 2021.

PRESTES, Eleone. Gelson Radaelli: No espelho não sou eu. Disponível em: <www.eleoneprestes.com>. Acesso em: 14 abr. 2021.