quarta-feira, 3 de junho de 2020


O pintor francês Paul Cézanne (1839 – 1906) é considerado uma espécie de ponte entre as Artes dos séculos XIX e XX. Dois grandes mestres – Matisse e Picasso – disseram: “Cézanne é o pai de todos nós”. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Menina ao Piano. A menina é a disciplina, o esforço, a dedicação, como numa hiperdisciplinada Maria Callas, dedicando-se ao máximo. Podemos ouvir a música tocada, enchendo a sala de perfume musical. A menina erra aqui e ali, num processo evolutivo, no qual os erros são inevitáveis, como num amigo meu, o qual, na primeira vez na vida em que pegava uma raquete de Tênis, já queria, de saída, ser um mestre no ofício esportivo. Isso me remete a uma vizinha que tive, preenchendo a vizinhança com o som de seu piano, uma vizinha que gostava muito de tocar a marcha nupcial. Este quadro é meio escuro, uma das marcas de Cézanne, e a luz entra pálida e fraca, como no pálido Sol londrino, fazendo com que os londrinos tenham uma pele tão alva, tão branca. Ao lado da menina, uma paciente costureira, costurando, trabalhando, como numa cafeteria/doceria que conheço, na qual, na parte da tarde, várias senhoras se reúnem para tricotar – no sentido literal e figurado – e, claro, tomar café. É como na deprimente história de Grace Kelly, a qual, após se casar, para ter algo para fazer com as vagas tardes de sua vida de dona de casa de luxo, fazia arranjos de flores secas. Vemos uma poltrona com uma estampa florida – é a Feminilidade. A menina ao piano busca tocar com suavidade, com carinho, como se soubesse o discernimento taoista, no qual fino é forte e grosso é fraco, nas lições de discernimento que os pais tentam incutir, desde cedo, nas cabeças das crianças. A cor preta tem uma certa predominância, e ambas as mulheres estão com as faces um tanto enegrecidas, concentradas, absorvidas pelo trabalho. A tecelã é o destino sendo selado, com os fatos acontecendo nas vidas das pessoas, no modo como há uma Divina Providência tecendo as existências, fazendo com que as pessoas passem pelas vidas umas das outras, sempre com importantes lições existenciais sendo aprendidas, fazendo com que o espírito evolua e depure-se. A moça de branco é a virgindade, a inexperiência, numa pessoa que tem ainda muito pela frente, no modo como as mulheres vintonas são o intermédio entre a malandragem adolescente e a maturidade balzaquiana. A menina aqui erra, várias vezes, sempre repetindo as notas, fazendo com que qualquer pessoa ao redor tenha a paciência para aguentar tais erros, no modo como Nossa Senhora tem a paciência com nós pecadores, como o Pai sempre perdoando os erros dos filhos, sabendo que o perdão é a chave da Eternidade. Esta sala tem estampas, num visual carregado, muito longe das casas modernistas brasileiras, com suas linhas retas, racionais, elegantes e limpas, num arquiteto sabe que tomar banho é também um banho na alma, num gostoso ritual diário de renovação, de refresco, no modo como a Dimensão Metafísica tem sempre esse frescor, essa limpeza, essa beleza, essa simplicidade japonesa limpa e minimalista, sucinta, sem excessos sujos ou pretensões. A moça veste uma farta saia branca, como numa Gisele toda de branco acompanhando o namorado numa entrega do Oscar, na ânsia da mulher em se casar lindamente na igreja, como numa família tradicional caxiense, com três filhas mulheres, e a mãe delas, numa entrevista televisiva, disse orgulhosamente: “As três casadas!”. No modo como vou dizer aqui algo bem machista, conservador e careta: Não entendo essas mulheres lindas heterossexuais que nunca casaram. Desculpem-me! A mulher tricotando é a Nossa Senhora desfazedora de um nó, de todos os nós, num exemplo de muita paciência e persistência, como numa pessoa que conheço, a qual foi uma linda atriz na juventude, mas que acabou não deslanchando na carreira: Você não fracassou porque não tem talento; você fracassou porque deixou de lutar. Aqui, é um quadro de rotina, como na minha rotina semanal em divulgar o blog no Facebook. As mulheres aqui estão com os cabelos devidamente arrumados e disciplinados, no encanto de uma mulher que se arruma antes de sair de casa – há Beleza na Disciplina.


Acima, O Relógio Negro. O relógio é a inevitável passagem do Tempo, nos seus tictacs delimitando nosso tempo de passagem pela Terra, pois nada mais natural do que o Desencarne, no modo como os espíritas lidam de uma forma saudável com a Morte, ao contrário de outras crenças, para as quais a Morte é algo absolutamente escuro e horroroso. Aqui, temos uma sala escurecida, quase na penumbra, no modo como Xuxa Meneguel disse gostar de dormir em um quarto absolutamente escuro, tapando até o buraco da fechadura! Neste silêncio, apenas o relógio predomina, num barulho hipnótico, no modo como eu não gostaria de morar perto das badaladas de um relógio na Rua, como o icônico relógio do Eberle, em Caxias do Sul. Vemos aqui uma xícara, talvez ainda quente, no modo como os dinossauros foram extintos por terem, a partir da queda de um grande meteoro, uma falta de calor, o que exterminou os animais de sangue frio, abrindo espaço aos mamíferos. O perfume do chá enche este lúgubre cômodo, no modo como os chás são universais, desde o Japão até os Pampas. O relógio é o controle, com o Tempo sendo vigiado para que não haja desperdícios, como numa pessoa fofoqueira, que perde o tempo cuidando da vida dos outros, na absoluta e inútil malícia que é a fofoca. Nesta mesa, vemos uma grande concha, extraída das profundezas oceânicas, com o som das ondas, do chiado marítimo. É a Vênus de Botticelli emergindo das águas, numa Iemanjá nua, casta, bela em sua simplicidade nua, na Estrela Matutina, despontando num céu ainda escuro, anunciando um novo dia, no modo como as estrelas sempre fascinaram o Homem, chamando de “estrelas e astros” os artistas de Hollywood, nas tentativas humanas em compreender o Universo ao redor, na curiosidade científica em esclarecer tais enigmas, num Tao que nunca entrega isso de bandeja, num pai amoroso e exigente, que quer ter orgulho de nós, como num zeloso pai vendo o filho com um canudo em uma cerimônia de formatura – o canudo é o falo do Conhecimento, no paladino obelisco anunciando, como um galo, o novo dia. Ao lado da xícara, vemos uma forma que parece ser um limão ou alguma outra fruta, no frescor cítrico, como em fragrâncias que perseguem tal frescor, numa vida plena, da qual exala o perfume comportamental dos espíritos moralmente evoluídos, em profundo contraste com o fedor da malícia escura de sub esferas, as quais são nada mais do que prisões para a mente – é são quem gosta de estar preso? Uma grande toalha veste esta mesa, numa fartura, num manto de rainha, digno da Pietà de Michelangelo. A toalha é o aconchego do lar, numa dona de casa dedicada, deixando tudo em ordem, nas demandas que é lavar a roupa de uma família inteira, dentre outros árduos serviços da casa. Acima do relógio, vemos a parte de um vaso refletida atrás, ou seja, é um espelho. O espelho é a reflexão, numa pessoa que, ao evoluir, dá-se conta de como era anteriormente – egoísta e fútil, centrada no próprio umbigo. O espelho é a Narcisismo, numa pessoa que está pedindo, desesperadamente, por um choque térmico psíquico, como passar por uma internação psiquiátrica, como no infame choque de Lasier Martins na Festa da Uva. Esta concha decorativa tem o formato da cabeça de uma divertida planta carnívora, num ser ardiloso, moldado por muito tempo de evolução, como vi ontem uma aranha querendo devorar um inseto que caiu em sua teia. O limão aqui é um Sol dourado, na magia dos temperos, das especiarias, no modo como os perfumes remetem à impecabilidade higiênica do Plano Imaterial, no modo como, observando os transtornos da Covid-19, chegamos à conclusão de que nosso mundinho imperfeito é uma mera e grotesca cópia de um plano melhor e mais elevado. O chá aqui está esfriando, e temos que agir rápido se não quisermos perder tal oportunidade, no modo como a Vida nos dá sempre oportunidades, como numa pessoa que, no fundo, está esperando pela próxima encarnação para agir. A hora é agora!


Acima, Pierrô e Arlequim. Um dos homens carrega uma retilínea vara, como na vara mágica de Harry Potter, no modo como é mágica a pessoa disciplinada, que tem os pés no chão, sabendo que o trabalho é a única coisa que pode fazer com que a pessoa dê a volta por cima. Este homem com a vara é altivo, ereto, e é muito orgulhoso de si mesmo, na sensação gloriosa que é iniciar e finalizar uma faculdade, pois as pessoas que abandonam a luta são como uma transa sem orgasmo, sem sentido, sem realização. O homem altivo tem uma estampa circense, remetendo-me à impressionante técnica dos artistas do Cirque du Soleil, na magia da beleza circense, e podemos ouvir aqui a música no picadeiro, como na música circense na introdução de uma das turnês do monstro pop Madonna, uma pessoa cujo ímpeto vai se transformar em lenda após à inevitável morte da artista. Atrás do homem altivo, vemos um homem curvado, mais humilde, no polido cumprimento de curvatura ao início de uma luta de judô, no conceito de “O Deus em mim reconhece o Deus em você”, no incrível controle emocional que um lutador tem que ter no momento do embate. O homem humilde veste branco, como nos terríveis enfermeiros do filmão Ilha do Medo. É a cor do princípio, da tela em branco, esperando para ser preenchida, como num grande ator, que sabe que tem que se tornar uma página em branco sobre a qual o personagem será desenhado. O ereto é a pessoa estelar, que conquistou seu espaço e goza das benesses da vida de estrela, como obter um tratamento diferenciado no set, sendo tratado como um rei, cheio de paparicos em volta, como num diretor, o qual, ao invés de dizer “Bom dia!”, diz “Como vai, minha estrela?”. É a nauseante realidade da bajulação, em pessoas que oferecem e pessoas que aceitam a massagem de Ego, na imortal inclinação humana em colocar o Ego no centro de tudo. Atrás na cena, vemos majestosas cortinas floridas, no modo como Tao dá aos campos e florestas vestes maravilhosas, mas um trabalho divino o qual é tão ignorado pelo Homem, sendo este só capaz de ver as belezas dos palácios, pois a beleza de um reino está em suas veste naturais, como na bandeira nacional canadense, fazendo de uma singela folhinha o símbolo de uma nobre, rica e organizada nação. O homem de branco está discreto, coadjuvante, sempre à sombra de alguém, numa pessoa que decidiu trabalhar nos bastidores, nunca exigindo massagem de Ego, como se soubesse que tais massagens são perde de tempo; uma ilusão. As cortinas floridas são dignas de uma pomposa cerimônia britânica de coroação, como o grande peso que uma coroa tem – sentido literal e figurado. Esses dois artistas parecem estar se preparando para pisar no palco, nervosos, tensos, na divertida tradição teatral dos atores que, instantes antes das cortinas serem abertas, dizem uns aos outros: “Merda!”, na crença que desejar “boa sorte” atrai azar. Podemos ouvir uma ávida plateia gritando histérica, exigindo o máximo do artista, num Mundo duro e exigente, no qual não é bom que a pessoa tenha pena de si mesma, tendo a força para reagir e enfrentar a Vida, como uma dona de casa acordando de manhã cedo, fazendo as camas dos filhos, no modo como o duro labor vem depois do lindo e glamoroso enlace na Igreja. O homem de branco parece empurrar e encorajar o homem altivo, e eles trabalham em equipe, como numa dupla sertaneja, na qual um cantor tem a voz mais aguda e o outro tem a voz mais grave, mais discreta, como no trabalho sutil de um baixo numa banda de rock, no jogo taoista entre Razão e Loucura, faces do mesmo planeta. O chapéu branco é pontudo, digno de Gandalf, o mago de Tolkien. É o cume de um pico, num ninho de águia, a salvo de engraçadinhos predadores em busca de ovos ou filhotes. Já, o chapéu do homem altivo é menos altivo (!), no modo como tudo dentro de si carrega a própria contradição, como disse o mestre Luis Fernando Veríssimo – o homem tímido é, na verdade, uma Elke Maravilha de escandaloso. Aqui, a Humildade respalda o Orgulho, no discernimento de que, para dominar, preciso, antes de mais nada, curvar-me.


Acima, Natureza Morta com Caveira. A caveira é o destino, a finitude. São os restos mortais de um faraó sepultado e mumificado, dando uma ideia muito vaga de sua majestade enquanto vivo, como diz uma canção cantada por Monroe: “No fim, todos perdemos nosso charme”. As frutas aqui são frescas, deliciosas, como no famoso espírito Patrícia, o qual, ao desencarnar, recebeu como cortesia uma pêra deliciosa para comer. A caveira é o Mal mortificado, vencido, como a cabeça de Medusa sendo cortada, no termo “cortar o Mal pela raiz”, num ato de sanidade, de limpeza, de algo sagrado, como uma assepsia sendo feita com álcool gel, no modo como o ano de 2020, com a Covid-19, não deixará saudades, pois existe algo mais enfadonho do que ficar improdutivo? A caveira é um vago vestígio, como nas cinzas da lareira de manhã, após uma noite ardendo rubra, no mito construído ao redor de Elizabeth I, com súditos dizendo: “A pele dela é branca como neve; o cabelo, rubro como fogo”, na eterna tendência humana em eleger líderes, num papel representativo, no termo “Quem já reinou jamais perde a majestade”, como um espírito que, em uma encarnação anterior, reinou de fato algum povo. O pano branco aqui é a limpeza, a sanidade, como um vaso sanitário sendo higienizado, no glorioso modo como, na Dimensão Metafísica, sequer há um só fungo, bactéria ou sujeira, fazendo dos hábitos de higiene, na Terra, uma referência à absoluta e simples limpeza metafísica. A mesa aqui é o sustentáculo, como num chefe de família, sustentando a casa, querendo chegar em casa, no fim do dia, e encontrar o jantar sendo feito e a ordem sendo estabelecida no lar, como num pai zeloso, que jamais deixou algo faltar dentro de casa, na empreitada de responsabilidade que é ter filhos e criá-los, incutindo valores nobres nas cabeças das inexperientes crianças. Essas frutas, fartas e doces, remetem-me a uma querida vizinha que tive, a qual sempre nos presenteava com produtos do pomar, como chuchu, figos e caquis, no modo como há no Mundo pessoas generosas, que gostam de presentear os outros, como numa pessoa que conheci, a qual, todo fim de ano, encarregava-se de presentear cada membro da família, fazendo das pessoas generosas verdadeiras fontes de Vida e Amor, como num oceano vasto, cheio de atum e sardinha, rendendo uma deliciosa massa à putanesca, na sensualidade dos sabores do Mar, da Mãe Iemanjá dos Navegantes, como no milagre cristão da multiplicação dos peixes, num Jesus generoso, combatendo a fome e a desigualdade social. A mesa aqui está feita de modo casual, sem muita ordem geométrica, sem formalidades, fazendo com que as coisas rústicas sejam acolhedoras, sem doloridas regras de disciplina, trazendo, assim, a simplicidade de Tao, o Pai que limpa as formalidades e traz o que realmente importa, que é amar, visto que tudo se compra, menos Amor. Ao fundo da cena, vemos um cenário sombrio, no modo como a Ciência tem grande dificuldade em provar que a Alma sobrevive à morte do Corpo, como baratas sobrevivendo a hecatombes nucleares, como num artista de forte personalidade, sobrevivendo a décadas de carreira, no triste modo como há muitos e muitos artistas os quais simplesmente não sobreviveram a uma determinada época, a determinado momento de carreira, no modo como ganhar um Oscar pode ser uma bênção ou uma maldição, pois o sucesso é complicado, pois se torna um peso, como numa Whitney Houston, a qual passou a sofrer descomunais pressões após o sucesso do álbum O Guardacostas, na história triste de uma voz devastada pelas drogas – nossos irmãos, que sofrem. A caveira me remete a uma divertida brincadeira de estudantes de Medicina, os quais, numa das janelas do prédio universitário, colocaram uma réplica de esqueleto, para assustar quem passasse por lá! A caveira é oca, como uma casa desabitada, uma casa vaga, um copo esperando para ser preenchido, numa pessoa que se vê útil ao Mundo. O ar circula e renova, como numa casa sem mofo, agradável. Um prato torto sustenta uma fruta – é o respaldo, a ajuda sem a qual não poderíamos vencer, no caminho da Humildade.


Acima, O Fumante. O homem está pensativo, num momento consigo mesmo, no modo como são sempre pertinentes, na vida de uma pessoa, alguns momentos de solitude, como num casal, o qual não pode ficar grudado o tempo todo. O homem está esperando por algo, talvez por uma oportunidade, e seus olhos estão distraídos, revelando um pensamento que está longe do próprio homem. O chapéu é a proteção, como me disse uma matriarca: “Não sei do que sou capaz para proteger um filho meu”, quando eu, de certa forma, agredi o filho dela – perdoe-me, por favor. As cores dos trajes aqui são de um discreto azul marinho, profundo em pensamentos, num momento em que a interação social está lá, do lado de fora. É um homem discreto, que sabe do valor de se passar despercebido, sendo sempre subestimado, pois só os subestimados podem surpreender. Sua cabeça está apoiada sobre uma das mãos, num amparo, talvez numa pessoa com uma certa carência, talvez cercada de amizades fúteis, numa vida sem preenchimento, na qual tais amigos superficiais não são capazes de aniquilar o sentimento de solidão, o sentimento de se estar perdido existencialmente. Atrás no quadro, garrafas de bebidas, talvez numa pessoa fazendo do álcool um “amigo”, numa pessoa a qual admiro profundamente, um alcoólatra que está há décadas sem colocar uma gora de álcool na boca. É como um filme com Ralph Fiennes e Susan Sarandon, no qual ambos interpretam alcoólatras que passaram pela vida um do outro, na perfeição das teias tecidas pela Divina Providência, fazendo com que irmãos se (re)conheçam e troquem carinho, no modo como Tao quer que sejamos uma família feliz, com irmãos respaldando irmãos. As garrafas aqui são negras e imprevisíveis, numa pessoa que está com dificuldade em prever o futuro, o qual, se fosse previsto, não aconteceria, pois há um motivo importante para que não saibamos direitinho como tudo acontecerá, pois como posso aprender uma lição antes do tempo? O cachimbo é como uma chaminé num dia frio e úmido, num acolhimento, num aconchego, como um personagem criticando a adorável personagem Bridget Jones, inconscientemente apaixonado pela mesma: “Ela bebe como um peixe, fala como um papagaio e fuma como uma chaminé”. O homem aqui está confuso, como num labirinto, num submundo, com pistas traiçoeiras, numa vida que pode se revelar uma prisão para a mente, numa malha complexa que acaba por aprisionar tal qual mosca em teia de aranha, num submundo que, antes de se revelar, promete libertar a pessoa que mergulha em tal vida negra e desinteressante, pois não é tão simples assim voltar do submundo, pois voltar ao Mundo traz um terrível “choque térmico”. O cachimbo aqui está apagado, e não produz fumaça. É como um melancólico fim de fogueira, com as últimas faisquinhas remanescentes, numa morte melancólica, numa pessoa que passou meses numa cama de hospital, apagando-se aos pouquinhos, preparando os entes queridos para o inevitável desligamento. O homem aqui está um tanto cansado, um tanto farto. Seu rosto é belo e jovem, e está sentindo a cobrança séria da Vida, a qual exige que sejamos o mais adultos possíveis, como me disse uma inesquecível amiga: “A Vida nos apronta cada uma...”. O homem aqui é jovem, pois não vemos grisalhos no cabelo ou na barba, talvez numa pessoa que ainda tem um longo percurso pela frente, no modo como a inexperiência faz com que não observemos o Mundo do jeito que este é, e existe algo melhor do que ser uma pessoa realista, com os pés no chão? Pobre daquele que acha que pode fugir da seriedade existencial, apesar de ser necessário ter senso de humor, pois aquele que só brinca, nada constrói. Os olhos do homem aqui são negros, e estão mergulhados em uma reflexão, talvez numa pessoa que está sentindo uma certa dureza. A luz branca entra neste cômodo, nas fascinantes pinceladas incertas de Cézanne, libertando a Arte desta ter uma mera função retratista, no escândalo saudabilíssimo que foi a ruptura com a Arte Acadêmica.


Acima, Mulheres se Banhando. As mulheres estão num momento de descanso e intimidade, pois estão confortáveis estando nuas umas na frente das outras. Cézanne aqui é como um voyeur, como se fosse um inescrupuloso paparazzo em busca de fotos que podem lhe render muito dinheiro. O único nu frontal aqui é de uma mulher se espreguiçando, relaxando, com os braços para cima, revelando seios bem voluptuosos, de dar inveja a qualquer mulher siliconada, na busca de eterno aperfeiçoamento em nome da estética, numa pessoa que pode se viçar em cirurgias. Podemos ouvir a conversa, e alguns risos, e podemos ouvir o som de água fluindo, como dentro de um banheiro, num momento que a pessoa tem consigo mesma, fazendo a revigorante higiene. A mulher se espreguiça no gostoso pecadinho da Preguiça, na sensação gloriosa de ficar um pouco mais na cama, adiando um pouco a hora do sacrifício; a hora de sair da deliciosa e acolhedora cama. O cenário aqui é um bosque, um refúgio, um esconderijo, na sensação erótica de se desvendarem enigmas, segredos, como vi certa vez, em um filme, um personagem pernóstico, que dizia que o misterioso mundo das mulheres tem que ser ocultado por um véu branco. As três moças que estão de costas para o espectador querem obter um papel mais sutil e coadjuvante, nunca querendo se expor por completo, num grande recato. É a timidez, no modo como pode ser sensual uma mulher tímida, delicadamente insegura, delicada, fina, uma verdadeira dama, no termo machista: “Bela, recatada e do lar”. Neste quadro, é revelado um padrão de beleza da época, com mulheres carnudas, voluptuosas, bem alimentadas, muito, muito diferente do padrão contemporâneo, com mulheres tão magras que parecem estar em um nível semianoréxico, numa magreza incompreensível, num padrão cruel que faz vítimas, com certas meninas que simplesmente se recusam a comer, num pesadelo: Como pode ser feio um padrão de beleza. As nádegas são dignas de comercial de talquinho para criança, e aqui a nudez não é colocada de forma maliciosa, mas como algo natural, no modo como os franceses lidam de uma forma muito natural em relação a Sexo e Nudez, numa Paris que é o epicentro do Mundo Ocidental, com o majestoso e inesgotável Louvre. Aqui, neste momento de descontração, os cabelos das moças estão soltos, revoltos, sendo lavados, muito longe do recatado momento de interação social, aos olhos dos homens, no momento em que a mulher precisa estar devidamente aprumada e disciplinada, com seus cabelos presos em penteados arrumados, como no footing de antigamente na Rua da Praia, em Porto Alegre, num local e num momento em que as pessoas passeavam devidamente aprumadas, com fotógrafos clicando a juventude arrumada, no modo como cada cidade tem sua “calçada da fama”, locais em que os cidadãos passeiam preocupados com o garbo e a elegância, fazendo metáfora com os salões majestosos metafísicos, numa vida social vibrante, um lugar em que nos damos conta do plano divino para conosco. As mulheres de costas são o mistério, algo irrevelado, no modo como posso secretamente respeitar uma pessoa, sem de fato declarar tal respeito. As moças de costas são a renúncia, talvez numa pessoa que tomou a decisão de cursar a vida religiosa, como uma freira, talvez num espírito que, numa vida anterior, levou uma vida fútil, vazia de significado, no modo como é raro, hoje em dia, alguém querer ser freira ou padre. Aqui, a relva é aconchegante, como numa sala de visitas confortável, cheia de almofadas, na missão de deixar o convidado o mais confortável possível, no modo como, num consultório de Psicoterapia, o paciente tem que estar confortável e “jogar-se nos braços do terapeuta”, numa relação de confiança e intimidade, como duas comadres, que abrem, uma para a outra, todas as gavetas de suas mentes, no modo como dizem que um psicoterapeuta é uma comadre bem paga! Vemos aqui algumas toalhas brancas, na cor da bandeira da Paz, num momento em que a pessoa quer esquecer de todo o estresse.

Referências bibliográficas:

Paul Cézanne. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 26 mai. 2020.
Paul Cézanne Obras. Disponível em: <www.google.com>. Acesso em: 26 mai. 2020.

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