quarta-feira, 10 de junho de 2020



Volto a falar sobre o grande pintor francês Paul Cézanne. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Banhistas. 1874-1875. O cenário é de um doce dia de Verão, de férias, de delícia, na libertadora experiência de se andar nu numa praia de Nudismo, pois, com essa simplicidade, numa “mão sem anéis”, sentimo-nos conectados à Natureza e ao Cosmos, numa sensação deliciosa de libertação, como o feto no útero. O dia aqui é lindo, ensolarado, e podemos ouvir o poderoso som de pássaros, dando a trilha sonora para este momento de férias, de descanso, como no lindo resort salvadorenho Vila Galé, com suas piscinas, jardins e praia. Aqui, as mulheres se banham despreocupadas, sem saber que estão sedo vistas pelo espectador, como na tentadora oportunidade de se observar dentro das casas dos outros, no fetiche voyeur, como em câmeras esfomeadas em um estúdio de Big Brother, no termo “zoológico humano”. O doce vento aqui faz farfalhar as folhagens, como no sutil som de veludo em um guardarroupa silencioso, na delícia de se acariciar um casaco de pele, como mergulhar em um armário cheio de tais casacos, numa pessoa se sentindo muito à vontade entre a família e os entes queridos, na delícia que é conversar com um amigão, uma amizade que não se corrói com o passar das décadas, pois amigo de verdade é aquele no qual olhamos nos olhos, numa intimidade psíquica enorme. Aqui, é o “Clube da Luluzinha”, e meninos não são bem vindos aqui, como numa festinha de aniversário de menina, só com colegas meninas do colégio, num momento de intimidade, no modo como fui tolhido por uma menina homossexual quando em insinuei para fazer amizades com as amigas dessa menina, estando esta se sentindo numa espécie de “protetor” de tal “harém”. A água aqui é absolutamente cristalina, limpíssima, no modo como, em certas culturas, a noiva, momentos antes de se casar, banha-se com o restante das mulheres da tribo, havendo na água tal poder nesses rituais de purificação e de renovação, havendo na água um símbolo de Tao: sem cor, sem cheiro, sem gosto, ou seja, sempre subestimada, sempre passando despercebida e, ainda assim, absolutamente vital, no líquido que permeia toda e qualquer vida na Terra. Aqui, a vegetação é vibrantemente verde, nutritiva, alimentando dinossauros vegetarianos, na opção vegana de pessoas em busca de uma vida mais saudável, tecendo toda a cadeia alimentar, num ciclo no qual as bactérias acabam vencendo sempre. Todas as mulheres aqui são belas, e parece-se com um harém faraônico, numa competitividade para ver qual das esposas se tornará a mãe do próximo rei do Egito, no modo patriarcal no qual é absolutamente impensável uma mulher ser casada com vários homens, no modo como a Humanidade está irremediavelmente dividida entre Clube da Luluzinha e Clube do Bolinha. Aqui, a nudez nos mostra como a Natureza deve ser, sem roupas, no modo como Tao concebeu a beleza do Corpo Humano, havendo nas bonecas metáfora com a plenitude mortificada espiritual da Beleza, num lugar onde a pele de todos sequer tem um poro, na Beleza que só é possível a nível metafísico, havendo na Terra um mundo tão propositalmente imperfeito. Os cabelos das moças estão soltos, à vontade, como cavalgar sem camisa, na ausência de malícia na nudez dos povos indígenas, na maçã do Éden que trouxe à Humanidade a culpa, o pecado, a restrição aos sete pecadinhos gostosos capitais. Uma das moças aqui está deitada, completamente descansada, e podemos ouvir a vibrante prosa feminina, como num chá de panela, só com mulheres, como quando se encontram minha mãe e minhas tias, naquela conversa de vozes femininas embrulhadas umas nas outras, inaudível e indecifrável para um homem. Uma das moças, digna de Vênus de Botticelli, carrega uma grande toalha branca, na cor da limpeza, da leveza. Aqui, há perfume cítrico, refrescante, e tudo de sujo e malicioso vai embora pelo ralo – é o modo feminino de Simplicidade.


Acima, Imperador Aquiles. 1868. O imperador está diminuto em seu trono, como se fosse pouco para assumir tal cargo, tal responsabilidade, tal coroa. Ele é tão diminuto que precisa de um suporte para apoiar as pernas. Este suporte é uma caixa, que é a reserva, algo que tem que ser guardado com cuidado, como uma boa amizade, aquele amigo o qual reconhecemos inteiramente na Dimensão Metafísica, após o Desencarne, com dois amigos que se olham nos olhos e se conhecem muito bem, no feliz som de alegria de amigos se reencontrando, pois, no final, tudo se resume a Amizade, a Amor. O imperador aqui está entediado, talvez envolto em mil e uma formalidades, como deve ser enfadonho o cargo de pessoas como Elizabeth II. Ele olha para o lado, talvez evitando os fotógrafos ou o pintor – difícil imaginar momento mais entediante do que posar para ser pintado numa tela, como na divertida imagem que vi num parque da Disney, nos EUA, numa Monalisa claramente impaciente, contando os segundos para ir embora do atelier de da Vinci. O casaco do imperador é azul marinho, nobre, discreto, numa pessoa que conhece o valor da Discrição, como num instinto de sobrevivência, numa pessoa que apenas nasceu assim, sem ter que frequentar caras instituições privadas de Ensino, como num artista com décadas de carreira, sempre na luta, sempre no ringue, sempre se reinventando e dando a volta por cima das inúmeras vicissitudes, no lamentável modo como há tantas pessoas talentosas que simplesmente não sobrevivem, ou que param de lutar, atirando-se nas cordas da Vida, como me disse uma inesquecível médium: Tao quer nos ver lutando pela Vida, com tesão de viver. Este frágil imperador parece ter uma paralisia nas pernas, como numa pessoa paraplégica, como no pesado encargo físico sobre o gênio astrofísico Stephen Hawking, lutando bravamente para continuar se expressando, num exemplo de como a Vida tem que ser desbravada e batalhada, como uma querida amiga minha portoalegrense, a qual postou recentemente em uma rede social a marca de dez anos em uma empresa, e eu disse para ela: “Parabéns! Continue no ringue!”. As mãos do imperador são cadavéricas, sem vida, sem graça, pálidas, mortas, como as assustadoras garras de Gary Oldman em Drácula de Bram Stoker, na divertida metáfora do vampirismo, o qual fala de psicopatas ardilosos, manipuladores, inteligentes e altamente maliciosos, dando-nos um conselho: Nunca duvide da malévola inteligência de um psicopata. Aqui, o homem está numa posição depressiva, exatamente no modo como nos sentimos ao falarmos com uma pessoa deprimida, vendo esta olhar para o lado, prostrada, desanimada, sofrendo cada minuto de sua encarnação, prostrada numa cama, sem conseguir, porém, dormir – é um horror – que doença horrorosa. A estampa do “trono” é florida, feminina, agradável, mas parece não trazer contentamento ao prostrado regente, num tédio total, como numa pessoa vestida de preto dos pés à cabeça, sem diversão, sem sortimento, sem vibração de Vida. O fundo do quadro é bem sombrio, como os sintomas de Depressão, numa pessoa que passa por um descomunal momento de decepção com a Vida, achando esta muito dura, muita impiedosa, muito cruel. O preto é imprevisível; é o mistério, no modo como Tao não nos revela o futuro, pois se este fosse revelado antes da hora propícia, não aconteceria. É como uma densa cortina, com camadas e mais camadas, na sensação infernal de virar páginas de um livro que não acaba, na desolação de se caminhar por uma cidade toda deserta, sem uma alma amiga para trocar uma palavra, no modo como a pessoa deprimida se sente assim, em desamparo, duvidando da existência de Tao, o Pai sempre atencioso, altamente atencioso, num Pai que coloca atenção sobre todo e qualquer filho, sem fazer distinção, numa linda parábola que ouvi, de uma pessoa que se sentia sozinha, vendo que, na areia sob seus pés, só havia as pegadas de uma pessoa, e quando esta pessoa reclamou para Tao, este lhe disse: “Havia só as pegadas de uma pessoa porque era eu que te carregava em meus braços!”. Este quadro mostra que o Poder, por si só, não traz felicidade, e que a pessoa, para ser feliz, tem que ser humilde e produtiva.


Acima, Natureza Morta com Maçãs e Laranjas. 1895-1900. Um majestoso pano branco respalda as coloridas frutas, as quais são maduras, doces, deliciosas, suculentas, implorando para ser devoradas, num perfume frutado, como num bom vinho branco fino, o qual, depois de ser bebido, deixa na boca o gosto residual da fruta. Aqui, é uma mesa farta, como na mesa farta de Tom Bombadil, personagem de Tolkien, numa mesa rica que recebe muito bem os convidados, num talento de anfitrião, como numa socialite, a qual faz questão de bem receber seus ilustres convidados, numa pessoa rica, que não sabe o que fazer com o dinheiro que tem, talvez numa pessoa cheia de amarras, achando-se sexy demais para arregaçar as mangas e fazer algum tipo de trabalho de fato, como numa dondoca improdutiva, achando-se pretensamente uma deusa que sequer pode ir ao mercado fazer compras. Aqui, são as maçãs do Éden, deliciosas e tentadoras, trazendo as delícias dos pecadinhos capitais, com a Gula em primeiro lugar, pois não há algo de errado em comer um bom negrinho de panela, pois o que seria da Vida sem prazeres, só com Disciplina? É no fato de que, no Nível Metafísico, há sim, além de trabalho, muita diversão, numa vibrante agenda social, de fazer inveja a qualquer socialite na Terra. Atrás do pano alvo, respaldando a cena toda, fartas estampas, no modo como, ao redor do ano de 2000, entraram na moda as bermudas de surfista com estampas floridas, quebrando a “regra” de que estampas floridas são algo estritamente feminino, como me disse certa vez um surfista, o qual divagou sobre a beleza de uma simples flor, num surfista que de afeminado nada tinha. Uma grande taça branca carrega algumas frutas – é a taça da vitória, dos doces frutos dourados da vitória, os quais vêm depois de um esforço e um empenho de dedicação, como num investimento, numa pessoa que sabe que não é necessário ser workaholic para se atingir o sucesso. É a glória de um tenista a final de um campeonato, fazendo da vitória mundana a metáfora com a perene sensação de vitória no Nível Metafísico, um lugar onde todos nos sentimos grandes estrelas, grandes espíritos, na sensação de estarmos nos trilhos de uma carreira brilhante, havendo, no Umbral, a deprimente sensação de fracasso. Este manto branco é digno da Nossa Senhora da Pietà de Michelangelo, numa mulher que, em vida, foi pobre a anônima e que, depois, ao desencarnar, adquiriu dignidade de rainha, como uma pessoa falecida de minha família, a qual, com certeza tem, lá no Céu, a dignidade de uma rainha – sou neto de uma rainha, pois os vínculos de família não se dissolvem com o Desencarne. É como uma pessoa emoldurada por uma luz, na lei inabalável de que Beleza vem de dentro, muito além de qualquer cirurgia plástica. Vemos aqui uma jarra florida. A jarra é o receptáculo original, como na Galadriel de Tolkien, no princípio feminino de útero armazenador, numa fruteira bem farta, com alimento para todos os filhos da ninhada, numa teta que nunca seca, na arrebatadora imagem da loba amamentando Remo e Rômulo. As frutas aqui foram cuidadosamente selecionadas, como numa esteira de produção, selecionando cuidadosamente frutos que vão para exportação, na luta que é conquistar, na cabeça do consumidor, uma posição de predileção e excelência, pois sucesso é para quem batalha por tal sucesso – se você está esperando pelo príncipe encantado, acorde! As frutas são a Saúde, a fartura, numa mesa de rei, numa abundante mesa de galeteria ou de café colonial, impressionando o turista, que se depara com uma mesa que era o sonho de fartura de um imigrante italiano que levou uma vida árdua carpindo seu lote. As frutas são o milagre da Vida, numa prova do bom gosto de Tao, ao ponto de inventar sabores e mais sabores, como numa manga, num mamão formosa, num caqui etc. É como uma farta ninhada, no milagre da multiplicação dos peixes.


Acima, Os Jogadores de Cartas. 1892-1895. A cena pode ser descrita como um patético preenchimento de tempo livre, talvez dois senhores alcoólatras, matando o tempo, quando, na verdade, não deveriam estar bebendo nem jogando, mas trabalhando, deixando a bebida só para o momento da happy hour, da descontração depois de um dia disciplinado de labor. Entre eles, uma garrafa, com uma precisa pincelada de Cézanne que mostra o perfeito lustro da peça de vidro, num momento de sutileza em que um artista mostra a que veio. A garrafa é o vício, como nos vários alcoólatras que conheço, e é muito fácil, para o não alcoólatra, dizer a um alcoólatra que este deve parar de beber, no fato de que não há ex-alcoólatra, mas uma pessoa que tem que se esforçar, diariamente, no sentido de não beber, como num alcoólatra que conheço, cuja força de vontade me admira, pois ele está há décadas sem beber uma só gota de álcool. Os homens aqui estão carteando, só para passar o tempo, numa vida desinteressante, com nada sendo construído, sem uma luta, sem um esforço, sem uma batalha para que se vença no ringue da Vida, pois a pessoa disciplinada é sempre recompensada, como numa colega estudiosa que tive no Ensino Médio, a qual simplesmente não tirava notas abaixo de nove, numa rotina espartana de estudos, talvez num espírito que, numa encarnação anterior, levou uma vida desregrada e desinteressante, sem construir algo para se orgulhar, num espírito que, na nova encarnação, tratou de partir em busca do tempo perdido. Os dois homens aqui estão cabisbaixos, talvez sabendo, no fundo, que suas vidas não estão exatamente nos trilhos, no modo como é enfadonha a vida do bon vivant, como no personagem Oscar Schindler, o qual inicia a trama como um playboyzinho fútil e, ao fim do processo de crescimento, acaba se compadecendo do sofrimento do Mundo, tecendo a famosa lista, como numa pessoa desencarnada que decide visitar no Umbral todos os infelizes psicopatas que conheceu na Terra – a lista é Amor. A toalha na mesa está encobrindo algo, escondendo algum fato, alguma verdade, como se estes homens estivessem já sentindo o modo como a Vida cobra sério e, realmente, não dá pata fugir, havendo na fuga um preço muito alto. Aqui, os chapéus são a última proteção desses cavalheiros ociosos, numa vida que, de algum modo, tornou-se agonizante, como num paciente que morre de Covid-19, simplesmente não mais podendo respirar, nem com a ajuda de aparelhos. Aqui, é uma matação de tempo, pois, fora do reduto vicioso do bar, a vida não tem sentido, numa pessoa que se conformou em ser uma escrava de alguma substância. É como um alcoólatra se internando numa clínica de desintoxicação, começando a sentir, na pele, os efeitos de abstinência, como falta de calma ou paciência, fazendo do álcool uma fuga, uma ilusão de resgate, ao ponto de considerar o Álcool um amigo. Um dos senhores aqui fuma um cachimbo, talvez em outra tentativa de passar o tempo, num hábito relativamente inofensivo, desde que cercado de moderação. A garrafa aqui é este lago, esta piscina na qual mergulha a pessoa, e o que era um “amigo” pode se revelar algo bem pelo contrário. O som aqui é pontuado por silêncio, como numa carteada, quando joguei com uma senhora que era fera no carteado, e ela me disse: “Preste atenção às cartas na mesa”. Então, o Ser Humano se mostra tão vulnerável aos vícios, fazendo com que estes tenham uma decisiva interferência psíquica, como certos rapazes, viciados em videogames – o segredo está na moderação. Os dois chapéus aqui são diferentes, no inevitável e saudável modo como Tao nunca faz um filho igual ao outro, e somos isso, filhos de Tao, como Zeus animou um pedaço de barro e criou a Mulher Maravilha, numa Imaculada Conceição – somos todos sangue azul, mas não a nível mundano; a nível metafísico, chique. Esta cena é o Ócio, num artista que sabe que tem que sentar e produzir, pois, do contrário, cairá no poço da improdutividade, como num ator que, há anos, atingiu muito sucesso na televisão, mas que hoje está por baixo, improdutivo.


Acima, Retrato de Louis-Auguste Cézanne. 1886. Este é o pai do artista. O senhor aqui está entronado, muito confortável em sua poltrona, na condição de rei do lar, chegando em casa depois de um dia de labor, esperando encontrar tudo em ordem no lar, com o jantar sendo encaminhado, num pai zeloso, que nada deixa faltar dentro de casa. Ele lê seu jornal calmamente, como uma pessoa de minha família, que gosta de ler o jornal enquanto toma café da manhã, ao contrário da Rainha da Inglaterra, que lê os jornais ainda na cama, indo tomar café já bem informada sobre as notícias de seu reino. Neste quadro há um silêncio profundo, e a única coisa que podemos ouvir é o farfalhar das folhas sendo viradas, no modo como o jornal físico, impresso em papel, ainda não foi suplantado pela edição eletrônica. As pinceladas deslumbrantes de Cézanne deixam a luz branca natural entrar, num efeito iluminador sem igual, num efeito muito natural, tão natural que nos esquecemos de que é um quadro pintado – a luz entra despercebida em nossas mentes. Atrás da poltrona, um quadro de natureza morta, numa metalinguagem – Arte falando de Arte, como um sonho dentro de outro, como no contundente filme A Origem, como bonecas russas, em um receptáculo dentro do outro, numa sensação que se pode ter ao dormir, acordando de um sonho, mas ainda sonhando outro, como em Matrix. A poltrona cinzenta tem um efeito acetinado, suave ao toque, nas magia deslumbrante dos tecidos metafísicos, vaporosos, delicadíssimos, muito mais finos do que qualquer tecido nobre sobre a face da Terra. Este senhor está vestido discretamente, numa pessoa que sabe a importância de passar despercebida, subestimado, como um colega de faculdade que tive, uma pessoa que acabou me mostrando minha subestima por ele, “dando-me nos dedos”, como diz a gíria, ou seja, ensinando-me uma lição. Suas pernas estão sutilmente cruzadas, confortáveis, no momento glorioso de relaxar um pouco, como meu falecido avô, que gostava de, depois de aposentado, tomar um uisquinho antes do almoço. Este senhor tem uma toca sobre a cabeça, um acessório negro, denso – é o aconchego protetor do lar, numa pessoa que aprendeu a se apaixonar pelo próprio lar, cuidando deste, curtindo o hábito de tomar um chá ou chimarrão, num momento em que as demandas do Mundo ficam do lado de fora, proibidas de perturbar a calmaria do lar. A poltrona aqui dá e sobra, ou seja, é mais alta do que o senhor sentado, num cuidado extra, numa pessoa que sabe que cuidado nunca é demais, mas que pode ser demais, como uma pessoa que conheci, uma pessoa que teve uma mãe superprotetora, a qual dizia: “Meu filho não merece dez; meu filho merece onze!”. A poltrona é um colo aconchegante, na lembrança que tenho, quando pequeno, deitar no colo de minha mãe, ouvindo os barulhos cósmicos orgânicos do organismo dela, no “choque térmico” que é sair de casa para morar sozinho, no modo como eu tive que aprender, na marra, a me virar sozinho dentro de casa, lavando minha roupa e minha louça, num processo de “desmame”, como me disse uma grande amiga psicóloga: O carinho materno está em aspectos como naquela roupa quentinha, recém saída da secadora, com perfume de amaciante. Ainda atrás na cena, uma porta escura – é a passagem, o destino, a próxima etapa, como o estudante saindo do Ensino Médio e ingressando no Superior, ainda trazendo consigo um considerável residual adolescente, só depois ingressando na pós adolescência. A porta é a próxima dimensão, como li esses tempos no Facebook: Se você está assistindo cada vez menos televisão, é porque você já está se preparando para o próximo passo, ou seja, o retorno ao Lar Primordial, fazendo do Desencarne uma mera vírgula, no modo como os espíritas lidam de um modo natural e saudável com o Desencarne. O jornal é a ligação com o Mundo lá fora, com a Vida em Sociedade; o jornal é o Senso Comum, a coletividade, a Sociedade que é construída e preservada em conjunto, como num time, havendo no cidadão de bem uma pessoa que ama o Mundo, pois, se amo o Mundo, por este sou amado.


Acima, Três Crânios. 1900. São os Três Porquinhos, já devorados pelo lobo. É como o Cinturão de Órion, com as Três Marias perfeitamente alinhadas, como nas três grandes pirâmides do Egito, no enigmático modo como o antigo egípcio conseguiu construir tudo o que construiu, no modo como o tempo passa e as civilizações são perdidas. Aqui, é como um laboratório de Faculdade de Medicina, na memória que tenho quando visitei, num passeio do colégio, os cadáveres conservados em Formol na Unisinos, com os estudantes de Medicina se divertindo ao assustar as meninas em meio a um ambiente tão lúgubre, contraindicado para quem é muito sensível, como na terrível imagem de um braço decepado, com as unhas pintadas de vermelho, numa pessoa com autoestima – Jesus do Céu. Os crânios são o lembrete de que a Matéria perece, só permanecendo, só sobrevivendo o espiritual, o psíquico, no embate inevitável entre Fé e Ciência, e a primeira coisa que vou dizer a uma amiga minha psicóloga, ao encontrá-la no Plano Metafísico, será: “Acreditas agora em Vida depois da Morte?”, no modo como o Espiritismo se serve de Lógica para explicar aquilo que vai além da Ciência, pois qual seria a razão de tudo sem a Eternidade? Aqui, é como uma tumba de faraó sendo arrombada e saqueada, na ávida sede humana pela Matéria, por Dinheiro, num Ser Humano tão mundano, tão distante da virtude de Tao, o Elegante. É como uma família sendo enterrada junta, como nos Romanov fuzilados pelos comunistas, no modo como deve ser terrível de carregar consigo, para sempre, a carga de ter fuzilado crianças inocentes, nos horrores que o Ser Humano é capaz de fazer em nome do Poder, como num Getúlio Vargas, infeliz ao ponto de dar cabo da própria vida, não conseguindo imaginar a Vida sem Poder. As caveiras são a carcaça que sobra, no termo “do pó ao pó”, no modo como é uma virtude saber quando se tem o suficiente, nas disputas insanas das guerras, girando em torno de quem tem a maior espada, envolvendo, nesses pesadelos, pessoas inocentes, como na Guerra das Malvinas, ceifando jovens vidas dos dois lados do tabuleiro, no modo como a competitividade pode extrapolar os limites, gerando sangrentos conflitos, pois, se sou único, ninguém pode competir comigo; se sou único, reconheço que meu irmão é único também. Então, tudo se resume a Respeito, o concreto sobre o qual a Vida em Sociedade se sustenta. As caveiras são três irmãos, talvez ceifados num acidente de carro, remetendo-me a um inesquecível carrinho de bebê com trigêmeos, no milagre da Vida, sempre fértil, sempre renovando, como nos ciclos climáticos das estações. A mesa aqui é a base, a referência, o discernimento, um juízo que só pode vir com a Maturidade, quando a pessoa aceita que o Mundo não muda, só mudando o como eu me relaciono com tal Mundo. A base é a família, a educação, os valores incutidos na cabeça da criança, no desafio que é incutir valores nobres na cabeça de um filho, num pai se esforçando para ser o mais exemplar possível, no discernimento taoista – menos é mais, ou seja, quanto mais limpinho, melhor. As caveiras são a lembrança de um tempo, de uma época, no modo como os amigos são o que fica, sendo família ou não, na riqueza que é reencontrar, no Mundo Imaterial, pessoas tão queridas, numa linda e calorosa festa de retorno ao Lar, de retorno ao Mundo Real, onde somos todos jovens, belos, produtivos e divertidos – é a Grande Vida, havendo na Eternidade a prova do poder imenso, imensurável de Tao, a charada eterna. As caveiras são o residual, o vestígio, como fotografias de tempos idos, com fotografias que acabam se perdendo enquanto o tempo passa, no modo como na Dimensão Metafísica nada se perde, nada se esquece, e tudo faz sentido em nome da plenitude, como os personagens plainando em O Tigre e o Dragão, na sensação deliciosa de se desafiar a Lei da Gravidade, a Lei da Matéria, a Física. As caveiras são alunos comportados, mortificados em sua disciplina, numa pessoa que sabe que, realmente, não pode faltar Trabalho, a fonte da Dignidade.

Referência bibliográfica:

Paul Cézanne. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 3 jun. 2020.

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