quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Quero Kerry (Parte 1 de 3)

 

 

Americano de 1955, Kerry James Marshall é conhecido por seu protesto político e pelo seu enfoque em figuras de negros, num artista nascido em meio ao movimento de direitos civis americanos. Tem renome mundial. Faz parte de numerosas coleções públicas. Expôs no poderoso novaiorquino Met. No ano de 2017, Marshall foi considerado pela revista Time uma das cem personalidades mais influentes do ano. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, Quando a frustração ameaça o desejo. Aqui são como confetes, multicoloridos, na diversidade racial, nuns EUA em que a questão racial é delicada, na contradição de um país que se diz o baluarte democrático de igualdade democrática, em filmes tensos como Crash, em tal tensão racial americana, num filme digno de ser considerado o filme do ano, numa Hollywood volúvel, na qual o sucesso é tal amante infiel. Aqui temos uma levitação, uma leveza, num artista que atinge tal grau de efeito leve, numa Gisele, leve como uma pluma, num caminho autodidata – não há livro ou faculdade que nos ensine a brilhar, como no livro de Tao, o qual só pode ser compreendido instintivamente. A serpente é tal malícia, tal preconceito, em momentos tão áureos da História Americana, num negro presidente, num país que ainda não teve uma presidente mulher, nuns EUA “rachados” em duas metades, assim como no Brasil nestas últimas eleições, em bolsonaristas que não querem aceitar a acirrada derrota, pessoas que têm que entender que vivemos numa democracia. O gato negro é tal sinal auspicioso, no preconceito em relação a uma pessoa negra, como na injúria racial sofrida pela supermodelo negra Naomi Campbell, barrada pela aeromoça ao entrar na primeira classe em um voo – como uma negra ousa entrar na primeira classe? É como na China, onde o pôster de um filme da franquia Star Wars foi modificado, retirando do pôster a foto de um ator negro – é um horror de preconceito. Vemos uma mão decepada, na crueldade da Escravatura, na eterna vocação humana para com a grosseria e a estupidez, arrancando pessoas de suas terras e forçando-as a trabalhar, tudo em nome da ambição materialista, na eterna sede humana pelo maldito Anel do Poder, um anel que tanto pode corromper até os homens mais éticos, num Tolkien sombrio, adulto, estranho, muito longe de filmes açucarados de Disney, num Tolkien que pediu aos herdeiros que nunca vendessem os diretos de sua obra para a Disney! Os confetes aqui são tal diversidade, como no tema de uma edição da Festa da Uva – “Na alegria da diversidade” –, brindando todas as etnias que formaram a cidade, numa Caxias do Sul na qual, hoje em dia, são minoria os moradores descendentes de italianos, numa espécie de Babilônia, numa lamentável falta de respeito para com as pessoas que não concordam ideologicamente conosco, numa certa patética infantilidade – já ouvimos falar em liberdade? Num detalhe ao pé do quadro vemos dados, que são a sorte lançada, em filmes como Cassino, numa Las Vegas a qual pode ser desinteressante para quem não quer jogar e perder dinheiro, na insanidade humana em direção ao apego material, no verso da canção célebre de Silvio Santos: “Do Mundo não se leva nada! Vamos sorrir e cantar!”. Aqui são como muitos planetas, individuais, com características tão exclusivas e próprias, numa diversidade em uma família, como cada filho tendo os seus predicados, com cada um escolhendo uma carreira, no caminho do labor que nos traz identidade e autoencontro – não tem identidade uma mulher que é só dona de casa, com a vida centrada no marido, vivendo a vida de outra pessoa, quando que a pessoa tem que se centrar no trabalho, no labor, na lida. Os negros aqui são retintos, nigérrimos, nuns EUA cuja Música é tão marcada por tal cultura afro, como na contundente sessão africana do Met, com artigos de magia, estranhos, poderosos, intimidantes, como vi, em tal seção, um rapaz negro, olhando este para as peças e se sentindo orgulhoso de tal ascendência africana. A levitação é a transcendência, numa pessoa que supera desafios e observa que estes vêm para ajudar, no espírito olímpico de aceitar desafios e obstáculos, pois como posso estar feliz se não tenho um norte nobre em minha vida?

 


Acima, Retrato de um curador (em memória a Beryl Wright). A flor é tal delicadeza, numa pessoa de fino trato, cuidadosa, diplomática, sempre primando pela paz e pelo diálogo, numa nobre neutralidade suíça, tornando-se uma casa de negociações, ou uma pessoa que está cagando e andando para Política, com o perdão do termo chulo. A água no copo é a Vida, sempre lutando para viver, numa pessoa que passou a não levar o fracasso tão a sério, pois você acorda no dia seguinte a Vida continua, num caminho de ponderação e sabedoria; num caminho autodidata que vem com a experiência de Vida. Os óculos são a erudição, no modo como intelectualidade nada tem a ver com a cor da pele, indo contra os misóginos, que acham que as mulheres são de inteligência risível, no machismo de considerar Eva tal bruxa diabólica, ou como ao final da Copa do Mundo de 1998, quando a namorada de um jogador brasileiro foi acusada de afetar maleficamente este, nos versos de uma canção dos anos 1980 – Menina Veneno. É como queimar mulheres vivas numa fogueira – Jesus, que estupidez. O rapaz é tão retinto que se confunde com o fundo escuro do quadro, num Hitler que se recusou a aplaudir um atleta negro nos Jogos Olímpicos, num psicopata de marca maior, querendo simplesmente destruir o Mundo, no caminho oposto do Amor, que quer construir e proteger. Aqui é como na herança afro da Umbanda, a religião dos socialmente execrados, permitindo o casamento gay, no caminho de coragem do governador Eduardo Leite, assumindo-se gay num Mundo tão heterocentrado, fazendo a façanha de ser o primeiro governador gaúcho da História se reeleger, num caminho de coragem, altivez e dignidade – erga a cabeça; seja digno! A roupa aqui é estranha, parecendo um quimono, na superficialidade das diferenças culturais, pois é de extrema universalidade o Ser Humano, em eventos tão universais como os Jogos Olímpicos. O branco do traje é como um jaleco de médico, numa responsabilidade de cuidar de pacientes, num dia a dia tumultuado em um hospital, no feliz modo como a Humanidade está vencendo a guerra contra a Covid, na vitória do conhecimento, da Ciência e da tecnologia, no desafio de encontrar tratamentos e curas, num astrônomo perplexo perante os mistérios cósmicos – há mais estrelas no Universo do que grãos de areia na Terra, ou seja, é CLARO que há Vida fora da Terra, e vida inteligente, sendo só questão de tempo até tais descobertas serem feitas. Ao fundo vemos uma folhagem, num item de decoração, no dia a dia do cuidar de uma casa, molhando diariamente as plantinhas, como vi recentemente uma buganvília florida, farta, majestosa, deslumbrante, no modo como nada mais chic do que flores na calçada – o chic e o rico nem sempre andam juntos. A flor aqui luta para viver e sobreviver, na competição de vegetais por um lugar ao Sol, na luta diária pela Vida, pois quem para de lutar, some completamente, no modo como há tantos artistas talentosos que não conseguiram sobreviver aos coloridos anos 1980, uma época de tamanha sinergia cultural, englobando, de forma muito peculiar, Moda, Cinema e Música, na explosão de cores joviais que definitivamente romperam com os anos 1970. O negro aqui é extremamente sério, muito sério, como se soubesse da brutalidade que acometeu seus antepassados, em figuras tão importantes e libertárias como a princesa Isabel, vítima do golpe de estado que gerou a República Brasileira, no tipo machista: “Vamos receber ordens de uma mulher?”. Os óculos são a percepção do Mundo, no modo como o Mundo não muda; só muda o modo de eu ver e lidar com este, pois nem Jesus Cristo, na sua majestosa superioridade, soube resolver as guerras do Mundo, no modo de uma pessoa ter a capacidade de se tornar uma figura na qual as pessoas podem depositar suas esperanças, como no mito da princesa Anastácia, num mistério já resolvido – a princesinha não sobreviveu à execução que os comunistas fizeram contra a família do czar. Aqui remete à figura pop negra de Grace Jones, a qual brilhou nos anos 19080 em termos de Cinema, Música, atitude e estilo, em explosões tão peculiares como uma Lady Gaga, na Arte como modo pacífico de transgressão, no poder do Pensamento Humano.

 


Acima, sem título (1). Aqui remete à capa do álbum Oops, I did it again, de Britney Spears, ou seja, Ops, eu fiz de novo, dando-nos a impressão de que a jovem diva nada teve que fazer para gerar tal trabalho, na cantora cercada de cristais brilhantes, em tal revelação pop ao Mundo, na magia das cores cristalinas, em povos primitivos olhando ao Céu noturno e perguntando-se dos deuses lindos que habitam tais moradas elevadas, na tentativa humana em entender o Plano Metafísico, na promessa cristã do Reino dos Céus, o qual é mais deslumbrante do que qualquer lugar na Terra, a qual é uma mera cópia de tal plenitude espiritual. Aqui é uma cortina sensual que vai se revelando, como num processo lento, que leva anos para se desenrolar, no modo da pessoa entender, como me disse uma moça certa vez: “Não espere de ir de zero a cem num piscar de olhos!”. A moça aqui é um vulto negro, no eterno motif racial de Marshall, numa América na qual a questão racial pode ser tão complicada, no avanço moral que foi colocar uma família negra dentro da Casa Branca, como disse uma certa vidente antes da eleição de Obama: “Os EUA terão um presidente negro, e todos depositarão suas esperanças em tal homem”. É a semelhança entre EUA e Brasil, dois países americanos que fizeram brutal uso de força de trabalho escravo, em avanços humanitários e morais como a Lei Áurea, numa Argentina racista, na qual, ao fim da escravatura, os negros foram colocados em navios e enviados para a África – sinceramente, isto é ou não é racismo? Aqui são estrelas mágicas, no rico panteão de astros hollywoodianos, encantando o Mundo com charme e sedução, no talento nato de certas pessoas em atingir tal nível estelar, num Mundo em que não há um livro que nos ensine a brilhar, num inevitável caminho autodidata, como numa pessoa rica em instinto, sabendo conduzir uma carreira, ao contrário de certos artistas que perecem, não sabendo conduzir tal carreira, como uma certa cantora, a qual teve, nos anos 1990, um boom interessante mas que, depois, não conseguiu se manter “em pé”, na questão complicada do sucesso: Quando ele não vem, é depressor, desnorteante e prostrante; quando vem, torna-se um problema, pois a pessoa bem sucedida tem que saber sobreviver a tal áureo momento, e os exemplos são vastos. Darei um: o ator Macauly Culkin, o brilhante astro mirim que até hoje não soube sobreviver a tal boom em sua infância. Os desenhos do vestido da negra remetem à arte tribal africana, nesta mescla tão singular nos EUA, em ritmos tão ricos como o Funk, o Rap etc. É o momento decisivo em que o Ser Humano, com intenções de magia, passou a fazer Arte, dotando de valor mágico tais artefatos, como em rituais fúnebres, desde um funeral tribal até um funeral de um membro da Família Imperial Britânica, no modo humano ritualístico em se aproximar do intangível metafísico, como em rituais de limpeza e higiene, na intenção de fazer o que não é possível no Plano Material, que é eliminar cem por cento das bactérias. As estrelas são este áureo momento de casamento, de enlace, no curioso modo como, em tribos amazônicas, os casais fazem Sexo em frente ao todos os outros membros da tribo, encarando Sexo com naturalidade, longe do modo protestante de tanto condenar o Sexo, como num padre condenando a masturbação, esquecendo-se de que Sexualidade é extremamente natural no Ser Humano, como num psicoterapeuta, tirando de nós tal culpa religiosa, na atitude libertária de uma Barbra Streisand, a artista que é tida como uma figura que desafia o Judaísmo Ortodoxo, talvez lutando contra a figura patriarcal do sacerdote, na libertação que é a Psicoterapia, num tratamento que busca fazer com que vejamos o Mundo da forma mais fresquinha e desmitificada possível, como num Niemeyer, na iluminada catedral brasiliense, longe da escura culpa em relação ao pecado. Aqui é uma revelação prestes a ser feita.

 


Acima, sem título (2). Aqui é um engajamento, uma aliança, um conchavo, numa pessoa que observa que não pode fazer tudo sozinha, na humildade de aceitar ajuda, como num apadrinhamento, num diretor observando tal potencial num ator, apadrinhando este. Aqui é como nos trios de Música, como as Supremes, no modo como uma banda musical é um casamento sem Sexo, sendo difícil manter certo casamento por décadas de carreira, em bandas longevas como U2 ou Rolling Stones – é necessário que haja paciência para um aturar os defeitos do outro, como num casal em que um é fumante e o outro não é, no modo como não há perfeição: Meu apartamento não é perfeito, mas eu amo ele. Aqui é como uma tríade, em pirâmides egípcias alinhadas com o Cinturão de Órion, numa civilização tão notável, em métodos que até hoje são mistério, no modo como, já ouvi dizer, ao redor de tais pirâmides colossais existe uma energia fascinante e contagiante, em ambiciosas obras gigantescas que nos dão uma amostrinha modesta da grandiosidade metafísica do Amor Incondicional – tive vários amigos que se revelaram sociopatas, mas eu, apesar de ter me distanciado de tais pessoas, amo-as, pois são meus irmãos. As roupas aqui são coloridas e vibrantes, joviais, numa pessoa que entende a magia das cores, na magia da televisão colorida, tornando-se objeto de desejo tecnológico, como hoje em dia em relação aos dispositivos móveis, sonhos de consumo numa Sociedade de Consumo a qual faz com que nos sintamos um lixo se não tivermos tais artefatos tecnológicos. Frequentemente, os negros de Kerry são assim, retintos, no interessante modo como as raças se distanciam, como negros na África, vermelhos na América, amarelos no Oriente e loiros escandinavos, diferenças superficiais, pois somos todos humanos, pois podemos gerar prole fértil – é uma fria questão científica, combatendo as trevas da ignorância e do insano preconceito. Aqui é um doce Verão, pois as moças vestem roupas curtas, na magia veranil de diversão na praia ou na piscina, como amigos que fazem com que nossas vidas sejam tão felizes, num glorioso descanso de férias, ao contrário do workaholic, o qual não se permite ter prazer como descansar ou sentar para simplesmente conversar. Aqui é como numa identidade feminina numa família, com irmãs compartilhando as coisas como bijuterias e cosméticos, como uma certa prima minha, a qual, sem irmãs, sonhava em ter uma irmã para compartilhar as coisas, numa identidade feminina, no ato de Amor por trás do compartilhamento, pois de nada adianta ter as coisas na Vida se não pudermos compartilhar, como receber pessoas em nossa residência de praia, ou no prazer de reunir pessoas em torno de uma mesa farta, com uma bela travessa de comida ao centro, como uma pessoa se centrando na Vida, observando que a Vida é um inferno quando não tem um norte sério e sólido. Quase ao centro do quadro vemos um detalhe curioso, que é um círculo rubro, que é o ardor do artista, querendo produzir e ser compreendido, naquela vontade que arde no fundo da alma, num desejo, num tesão, numa pessoa que entende que a Vida é ruim se não houver tal tesão, como num alpinista com vontade de escalar, ao contrário da pessoa sem norte, não sabendo o que fazer de seus dias vagos na Terra, no fato de que não pode faltar trabalho, no curioso modo como, após o Desencarne, a pessoa encara o fato de que a produtividade tem que continuar, na construção áurea da Grande Carreira Espiritual, na qual nenhum trabalho passa despercebido, até o espírito alcançar o nível de Arcanjo, gozando da Suprema Felicidade e recebendo as ordens diretamente de Tao, o eterno mistério divino. As moças, com seus dedos elegantes e delgados, parecem sinalizar algo, enviando um código, num nível de intimidade em que podemos tranquilamente conversar em telepatia com a pessoa à nossa frente, sem precisarmos abrir a boca para a comunicação, no vínculo telepático entre um menininho e um negro adulto em O Iluminado. Aqui é a união fazendo a força, como nas mulheres aliadas em O Clube das Desquitadas, em auxílios recíprocos, num amor fraternal.

 


Acima, sem título (3). Os braços para cima são como uma rendição, nuns EUA que precisam dizer o básico do básico: “Vidas negras importam!”. É num passado sombrio, no qual os banheiros públicos americanos eram divididos entre banheiro para brancos e banheiro para negros, equivalendo a dizer que cachorros poodle e rusky têm que ir para pet shops diferentes – o racismo é uma insanidade grotesca e gigantesca, não havendo sentido em menosprezar um judeu, por exemplo. As mãos para cima são a limpeza de uma pessoa honesta, mostrando que não há armas em suas mãos, no ato amistoso do aceno, mostrando que não temos intenções malévolas, na pureza das amizades de Infância, na época em que não temos os interesses adultos. A aliança é o compromisso, no compromisso do púlpito no templo, no qual um homem e uma mulher juram se amar e respeitar, na saúde e na doença, sendo moralmente complicado haver adultério, num juramento sendo quebrado, no caso de Evita e Perón: Ela se manteve altamente fiel ao marido; já, ele deu umas puladinhas de cerca. A vida dupla é complicada porque tange à integridade, no modo como o Mundo só pertence às pessoas íntegras, dignas de respeito. Aqui é como no brutal assassinato de um certo inocente jovem negro americano, num assassino que cometeu um grande erro, executando um inocente, no modo como o coração pode ser traiçoeiro, no sentido da pessoa ouvir a mente, a cabeça, tomando decisões da maneira mais lógica possível, pois se só ouço o meu coração, certamente serei enganado por este, como uma pessoa que acha que mudar-se de cidade vai lhe fazer uma grande diferença – se você é triste e solitário aqui, será triste e solitário acolá. É a questão de encarar o carma, aquilo que nos persegue por onde vamos, como nossa sombra, numa pessoa que tem que encarar a si mesma, observando que é necessário que faça um esforço enorme para vencer tal carma, num desafio existencial, até a pessoa encontrar um norte positivo na Vida, ao contrário de uma dona de casa sem identidade, girando em torno de um homem – é muito machismo, num machismo que tanto enfurece as feministas, as quais, em suas inteligências, vão contra o vento dos preconceitos do patriarcado. Aqui é como num assalto, numa rendição, como num Tony Tornado sendo assaltado no bairro negro novaiorquino do Harlem, num assaltante negro que pouco se importava se estava roubando um irmão de raça. No topo do quadro vemos uma faixa dourada, que é a cor da vitória, numa vitória de Obama, em esmagadores carismas, numa cantora ultratalentosa como Christina Aguilera, a qual, apesar de tanto talento, não tem tanto carisma quanto a “rival” Britney, a qual tem uma voz medíocre, sinto dizer. A estampa do pulôver aqui tem linhas entrelaçadas, no modo como as pessoas vão passando umas pelas vidas das outras, em lições sendo aprendidas e preciosos amigos sendo feitos, no inferno que é uma vida sem amigos, como no impiedoso Umbral, no qual não temos uma alma amiga para conversar. E por que o Reino dos Céus é tão maravilhoso? Porque lá estamos entre amigos, os quais são o ouro da Vida, no reinado perene do Amor Incondicional – meu irmão ainda é pequeno e sem muito apuro moral, mas eu amo tal irmão, apesar deste não ter muito amor no seu próprio coração. O pulôver é o agasalho, o cuidado, como na Campanha Anual do Agasalho no RS. É como hoje mesmo vi um mendigo dormindo na calçada, uma pessoa que simplesmente não quer saber de encarar a luta pela Vida, numa pessoa que quer fugir do que não é possível fugir, que é a seriedade da encarnação, numa personalidade refratária e revoltada, numa pessoa de autoestima absolutamente apodrecida. As palmas das mãos aqui remetem a um colega meu que debochava de uma colega de escola pela menina ser negra, nessa herança de preconceito secular, lá nos princípios da Escravatura. Aqui é a figura folclórica do Preto Velho, o senhor quietinho no seu canto, só observando os egos ascendendo e descendendo, na fogueira de vaidades do Mundo.

 


Acima, sem título (4). Aqui é o glorioso momento do banho, quando nos aproximamos da glória limpa metafísica, num banheiro embebido em perfume e frescor, num ato de civilidade e autoestima. A toalha enrolada na cabeça é o arremate de um processo, numa coroação, como num formando, encerrando um ciclo e formando-se na faculdade, no modo como são tristes as histórias de vidas de pessoas que abandonaram o curso e não finalizam os estudos, como numa transa sem orgasmo. O chuveiro é a força da Vida, sempre brotando, sempre vivendo, sempre lutando para viver, numa fonte que não cessa, num reino rico e abundante, em países tão ricos e fartos como o Canadá, com produtos de alta qualidade, em países prósperos como o Chile, com seus vinhos, nozes e cerejas de primeira qualidade. O banho é tal ritual que não tem cor ou raça, num ato de limpeza e purificação, remetendo a épocas em que não eram tomados banhos diários, remetendo a épocas de tamanha falta de higiene, como na Idade Média, com condições insalubres gerando movimentos malévolos como a Peste Negra, ceifando tantas vidas, ou como no Egito Antigo, numa época de tal insalubridade na qual a mortalidade infantil era alta e a expectativa de vida era baixa, no ato civilizatório de lavar as mãos várias vezes ao dia, remetendo ao insalubre chão da praça central de Caxias do Sul, um chão repleto de fezes de pombos, numa bomba de bactérias, fungos e doenças, fazendo das cidades terrenas meras cópias das maravilhosas cidades espirituais, lugares onde não há uma só bactéria. Aqui são esses negros retintos de Marshall, negros como a asa da graúna, remetendo à figura idealizada de Iracema, a índia perfeita com hálito de baunilha, nas aulas de Literatura do Ensino Médio, quando o aluno é introduzido à riquíssima Literatura Brasileira, fazendo do Brasil um país tão rico culturalmente, na riqueza da MPB, com cada geração com seus ícones, como Marisa Monte, dando a matiz para uma época, na vitória do bom gosto sobre a mediocridade e a vulgaridade, num gênero musical digno de ganhar o respeito da Inteligência, penetrando nos lares de médicos e advogados, na vitória da cabeça sobre a bunda; na glória da Bossa Nova ganhando o Mundo com sua classe e discrição. A negra está sensual, com seu busto coberto por uma toalha, como num decote provocante, revelando o peito e os ombros, mas, ainda assim, ocultando os seios, numa espécie de tomara que caia, no modo como a Moda foi avançando e conquistando o Mundo, em movimentos estéticos de alcance global, na liberdade ocidental que não reprime a mulher, em contraste com a mulher muçulmana, com o rosto e corpo totalmente cobertos, fazendo da mulher um mero objeto de possessão masculina, em culturas em que uma mulher só pode sair na Rua sob expressa autorização do marido – é um horror. O chuveiro é a chuva, a força da Natureza, em chuvas necessárias para encher represas e fertilizar campos e plantações, em tenebrosas secas no Nordeste Brasileiro, em terras inóspitas e hostis, na canção Segue o Seco, de Marisa Monte, nesta Elis Regina de minha geração, numa artista de bom gosto necessário para ganhar o respeito do público. O banho é um ritual que não tem raça ou cor, pois está na autoestima, no amor por si mesmo, remetendo a um certo colega de faculdade que tive, o qual, provavelmente, não tomava banhos diários, pois era um rapaz que tinha cheiro de queijo – existe ritual mais básico do que um banho? É como no estado da Bahia, no qual é perfeitamente normal tomar dois banhos por dia, fazendo da Bahia um país a parte, num Brasil tão diversificado, como uma simpática operadora de caixa de supermercado que conheço, uma moça que veio do extremo norte brasileiro para a Serra Gaúcha. O chuveiro remete à demanda do eixo turístico Gramado-Canela, na questão de sustentabilidade, em cidades que não são inesgotáveis em relação a fornecimento básico de água. A chuva é tal fartura num reino próspero, numa mesa farta de café colonial, cheia de variedades, no encanto de um farto café da manhã de hotel, num momento em que nos sentimos como reis.

Referências bibliográficas:

Kerry James Marshall. Disponível em: <www.jackshainman.com/artists/kerry_james_marshall>. Acesso em: 02 nov. 2022.

Kerry James Marshall. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 02 nov. 2022.

MUNIZ, Leandro. Kerry James Marshall: uma escola de beleza. Disponível em <www.artequeacontece.com.br/kerry-james-marshal-uma-escola-de-beleza/ >.

 

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