quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Quero Kerry (Parte 3 de 3)

 

 

Falo pela terceira e última vez sobre o pintor americano Kerry James Marshall. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, Cabeças mortas. O vaso é o receptáculo feminino, a jarra de Galadriel no espelho de água, num Tolkien de apelo tão universal. O vaso é tal artefato de artesanato, havendo aqui uma ironia de metalinguagem – Marshall artista pintando a obra de outro artista. O vaso é o vazio de Tao, o vazio que tanto serve ao Mundo, como no gigantesco vão na orla de Capão da Canoa, servindo ao Mundo, com crianças andando de bicicleta e patins, no enigma: Deus é o infinito, no descomunal poder da Vida Eterna, no poder que faz com que nós nunca cessaremos – não é poder demais? Não é isto o presente, o regalo supremo? Das flores saltam notas musicais, num bom artista de Rua, inebriando-nos com seu colírio auditivo, num bálsamo para os ouvidos, no modo como há tantos e tantos artistas no Mundo que não são reconhecidos devidamente, neste enorme desafio que é atingir a notoriedade e a fama. Aqui é o casamento entre as Artes, no modo como as Artes estão umas dentro das outras, no modo como o Cinema reúne todas as outras Artes – o que seria do Cinema sem a Música, por exemplo? As flores são radiantes sóis, como vi hoje no jornal a foto de uma estrela em formação, captada pelo supertelescópio James Marshall, digo, James Webb, num formato de ampulheta, na sobrecarga de enigmas do Universo, num Ser Humano ainda tão aquém de desvendar tais enigmas. Vemos ao chão flores mortas, descartadas, excluídas, no “prazo de validade” de nossos corpos carnais, no modo como ninguém está para sempre no Mundo, fazendo com que escolhamos algo de nobre para fazer em nossos dias na Terra, no fato de que, fora do trabalho, não há salvação, ao contrário de uma dondoca vazia, fofoqueira e maliciosa que conheço, uma pessoa de um grande vazio existencial, uma pessoa abonada, cercada de luxos, uma pessoa que só produz duas coisas: fezes e urina. As flores caídas são tal exclusão social, como na vinheta introdutória do seriado Os Simpsons, com a talentosa Lisa e seu saxofone, excluída da banda da escola, no modo como os verdadeiramente talentosos são excluídos, num Mundo tão cheio de pessoas cagonas, com o perdão do termo chulo, pessoas embebidas em constante mediocridade, na “vingança” que é uma pessoa ser, posteriormente, devidamente reconhecida, num artista subestimado, como uma pedra de ametista – opaca e insossa por fora e belíssima por dentro. Aqui é um quadro um tanto sombrio, escuro, num cômodo não muito iluminado, numa pessoa obscura e subestimada, como na postura da revista Veja em relação a um certo filme, subestimando este e, posteriormente, voltando atrás e dando o devido respeito e reconhecimento, no Diabo do filmão O Advogado do Diabo, sempre subestimado, sempre profundo, não gostando das indiscretas botas de crocodilo do personagem de Keanu Reeves, dizendo a este: “Eu posso ver você vindo, e isso não é bom”. E os subestimados são assim, pois ninguém consegue vê-los chegando, fazendo com que o subestimado nos surpreenda, como num Jô Soares se revelando um mestre entrevistador. As flores são esse símbolo de Vida e Beleza, na luxúria da loucura de acasalamento na Primavera, com adolescentes enlouquecidos em meio a seus próprios hormônios, na fase da Vida em que somos “escravos” de tal libido, como ouvi recentemente um adolescente na Rua, com este dizendo: “Eu quero sexo!”. Aqui é a passagem do Tempo, como numa linha de sucessão monárquica, no filho assumindo os negócios do pai, no poder poético da tradição, a qual existem para que tenhamos a sensação de que o Tempo para e de que há o Mundo Atemporal, no qual somos todos jovens, belos e brilhantes para sempre, na atemporalidade de Tao, no deslumbrante e supremo Mundo Imaterial. As flores jogadas respiram até o último momento, emitindo suas fracas notas musicais, lutando até o fim, nos versos imortais de Hemingway: “Eu nunca vi uma criatura silvestre tendo pena de si mesma!”. As flores caídas são como modas ou tecnologias ultrapassadas, na longevidade do cabelo de Gisele, ondulado, no poder de uma mulher tão notória – a estrela do Brasil!

 


Acima, Estrela negra II. Aqui remete à grande estrela negra dos anos 1980 Grace Jones, a qual, infelizmente, não soube sobreviver ao seu próprio boom, no modo como há tantos talentos de tal década que não sobreviveram, em exceções como Madonna, sobrevivendo a décadas de carreira, no fato de que o Mundo é dos fortes. O negro aqui se funde com a estrela negra, num continuum cromático, na majestade da cultura afro, na magia de magos africanos em suas tribos, no casamento entre Arte e magia, dotando de superpoderes amuletos artesanais, num poder ritualístico em sintonia com as forças da Natureza, como tempestades, auroras e crepúsculos, na magia das estrelas da manhã e do crepúsculo. A figura aqui é um tanto andrógina, pois não sabemos dizer se é homem ou mulher, na assexualidade de uma estrela no firmamento, como num Michael Jackson no palco, sem sexo, como na indefinição sexual dos anjos, pairando acima dos sexos humanos, como dividir deuses entre deuses e deusas. Aqui vemos uma nudez integral, na fusão do corpo com o fundo, na beleza afro, em uma raça tão marcante, em contraste com os povos nórdicos, em tal variedade racial, como na diversidade de raças de cachorros, com vários tamanhos e cores. A estrela aqui é agressiva em suas pontas cortantes, na necessária agressividade de uma pessoa em se destacar em um mundo tão competitivo, tão cheio de pessoas que almejam o mesmo sucesso, como no mercado de modelos de Porto Alegre, o qual conheci, um ambiente altamente competitivo, cheio de pretendentes para poucas oportunidades de trabalho, como uma moça que conheci, a qual obteve algum sucesso como modelo, mas uma moça que se encheu de tudo e acabou virando dona de casa, como numa brilhante Grace Kelly, a qual abandonou uma carreira brilhante para se casar e virar uma dona de casa de luxo, num vida enfadonha de princesa, na qual a pessoa tem casa, comida e roupa lavada, tudo grátis, num grande machismo que é tirar a carreira de uma mulher. Aqui é um jogo provocante, pois ao mesmo passo de que temos uma total nudez, temos também uma ocultação, como num profundo negror de céu noturno, com estrelas no firmamento, vibrantes eternamente como o mais fino dos cristais, na assexualidade de uma estrela, sem sexo, sem cor, sem raça, apenas um ponto deslumbrante no céu guiando os navegadores, no alvo de ambição de qualquer pessoa, querendo se tornar tal referência apolínea, numa Hollywood que é duas coisas – a terra do sucesso e a terra do fracasso, numa gangorra que hoje pode te levar lá em cima e amanhã pode te levar lá em baixo. Aqui é a ambição de um artista em subir no conceito das pessoas, em fenômenos de popularidade como um Andy Warhol, num estilo inconfundível, recebendo inúmeras encomendas, em marcas registradas, como nas célebres bolas e círculos de Yayoi Kusama, num limiar sexy entre repetitividade e originalidade. A estrela aqui brilha em profundidade, com uma estrela pequena nascendo de uma estrela grande, na capacidade de uma pessoa em se manter em tal topo, sobrevivendo aos inevitáveis altos e baixos da Vida. A nudez é tal crueza de autenticidade, numa sinceridade, como nos seios expostos de uma Gal Costa cantando: “Brasil, mostra a tua cara! Quer ver quem passa para a gente ficar assim!”. É uma crueza, uma autenticidade, numa pessoa que se nega a viver numa mentira. A figura negra aqui se agarra às pontas da estrela, como numa pessoa se agarrando à própria carreira, dedicando-se ao máximo, num trabalho de devoção e dedicação, numa pessoa que sabe que tem que produzir se quiser se sedimentar, num artista que sabe que, se parar, virará “peça de museu”. O negror aqui é uma noite de lua nova, negra, profunda, com a pálida luz das estrelas. A nudez aqui exige ser encarada com naturalidade, pois foi assim que viemos ao Mundo, na inocência da nudez do Éden antes de ser mordida a maçã da malícia, no mito misógino de ter sido de uma mulher a culpa das desgraças da Humanidade. A estrela é tal estouro, numa revelação estelar, em obras de Arte causando comoções, como num Louvre, grande demais para ser apreendido completamente.

 


Acima, Mestre olheiro. Aqui é a iluminação, numa pessoa que brilha, no caminho autodidata – nenhum curso ou livro nos ensina a brilhar. Aqui é uma mente esclarecida, em países eruditos e ricos como a Suécia, em honrarias científicas dadas pela família real do sofisticado país. A bandeira americana é o patriotismo, na cena de Superman recolocando a bandeira americana na superfície da Lua, numa cena em que quase podemos ouvir as plateias “ianques” ovacionando tal ato patriota, pois nada de errado há em ser patriota, mas na pessoa que também não pode ir de encontro ao chauvinismo, como uma pessoa que conheci, para a qual um filme era perfeito só porque era brasileiro, como numa cena de um chauvinista no filme Amélie Poulain, num senhor desdenhando de Lady Di e enaltecendo Renoir. Aqui é uma pose solene, séria, como numa formatura, na conquista de um diploma adquirido mediante anos de estudo e disciplina, em uma ocasião que tanto enche de orgulho um pai e uma mãe, no aspecto fálico do canudo de diploma, desbravando as profundezas pretas da ignorância e trazendo esclarecimento científico ao Mundo, na vitória da Mente sobre as traiçoeiras emoções do coração, como me disse um digno senhor psicoterapeuta – é preciso que tenhamos os pés no chão, na canção de Erasmo Carlos: “É preciso saber viver!”. No peito aqui vemos uma medalha, uma honraria, uma distinção, num monarca condecorando os súditos de brilho excepcional, como num Elton John, irreverente sempre, jovial, ironizando o fato de ser calvo e usar peruca, falando em uma premiação: “Meu cabelo e eu gostaríamos de agradecer!”, pois rir não é o melhor remédio? Aqui é essa dignidade americana, evoluindo após as trevas escravocratas, dando ao negro o status de cidadão livre, o qual pode escolher entre votar e não votar; entre servir militarmente e não servir militarmente. Este rapaz retinto remete a uma personagem controversa do extinto televisivo A Escolinha do Professor Raimundo, no qual uma mulher negra dizia palavras de gosto duvidoso, do tipo: “Negro gosta mesmo é de comer carne queimada e preta!”, na linha tênue entre sátira e ofensa, como no polêmico televisivo Pânico na TV, com piadas que nem sempre agradam as celebridades alvo, como na atriz Luana Piovani, farta de ser perseguida obstinadamente pelos humoristas do programa, ou como nas duras palavras de Bethânia, dizendo ao humorista Ceará: “Não toque em mim!”. O brilho aqui é uma explosão, na vitória do Pensamento sobre a Matéria, sobre o Corpo. Como já ouvi dizer: “Gisele é a vitória da cabeça sobre a bunda!”. Aqui é a coroa de Maria, no brilho da disciplina e da polidez, num mito que traz a virgindade como um modo de compreendermos a Imaculada Conceição que gerou a todos nós, na impecabilidade do Plano Metafísico, no Útero Divino como vitrais mágicos e coloridos de ovos de Páscoa numa farta cesta num domingo tão especial. O homem aqui é extremamente sério e austero, digno de respeito, sabendo que ninguém, no fundo, respeita o “robert”, ou seja, a pessoa que quer pura e simplesmente aparecer, nem oferecer algo de interessante, como um certo senhor carioca, o qual, infelizmente, não tem o profundo e silencioso respeito alheio. Aqui é como uma bomba explodindo, no triste modo como uma experiência bélica pode sequelar psiquicamente o rapaz em serviço militar, num trauma grande o suficiente para fazer com que o rapaz, após tal serviço, não consiga se ressocializar completamente, como na provável sequela do detonador da bomba atômica de Hiroshima: “Meu Deus, o que fiz?”. Este boom de luz é como nas antigas embalagens do sabão Omo, no poder de limpeza, no humilde papel de dona de casa, numa pessoa que não tem exatamente algo que se orgulhar, pois ser apenas uma dona de casa não trará identidade a tal mulher, a qual vive a vida de outra pessoa, sempre centrada no marido: Seja você mesma, mulher! Siga o exemplo feminista da Mulher Maravilha, uma guerreira.

 


Acima, Souvenir II. Ao fundo vemos rostos de figuras políticas, nos mitos americanos, e, no centro, uma figura negra, na surpresa de um grande homem como Obama, um dos maiores líderes da História da Humanidade, no incrível avanço que foi a Casa Branca abrigar uma família negra, sepultando séculos de cruel escravidão, na vitória da razão sobre a ignorância. Populacionam este quadro outras figuras célebres dos EUA, nesta capacidade de certas pessoas em se destacar e tornar-se célebres, conquistando carismaticamente os corações das pessoas, com figuras nas quais as pessoas depositam esperanças, no mais alto papel de uma pessoa, que é ser uma representante da plenitude metafísica, como Jesus, o qual não resolveu os problemas do Mundo mas segue como tal figura da promessa do Reino dos Céus, trazendo o importante papel da religião, sem querer ofender os marxistas: As religiões não são bobagens! Respeite as religiões! Vemos aqui uma confortável sala de estar, com bons estofados, na capacidade de um anfitrião agradável em fazer com que nos sintamos tão à vontade, na sensação de prazer perante a liberdade, tendo dor e desconforto nos sistemas ditatoriais, que oprimem o seu próprio cidadão, como em nações como o Catar, na qual um homossexual é cruelmente executado – é um horror. As celebridades aqui são emolduradas por nuvens celestiais e asas de anjo, no papel de um bom astro hollywoodiano, que é imitar a impecabilidade moral dos espíritos evoluídos, em meio a tanto glamour, beleza e tesão de viver, pois como posso ser feliz de pau mole, com o perdão do termo chulo? Como posso viver sem a força e o sentido do Yang? Lá alguém pode ter só Yin? É a junção cosmogônica dos opostos, em Céu e Terra fazendo amor e gerando o Universo. Aqui vemos a anfitriã negra retinta, nesses sisudos negros de Marshall nos quais só vemos o branco nos olhos. A mulher está alada, na liberdade do Pensamento Racional, pairando sobre ilusões e tolos sinais auspiciosos, desprezando coisas monótonas como alas vip de boates, os inferninhos auspiciosos, como uma pessoa que conheci, a qual era admirava festas com celebridades, nesta pessoa dizendo: “Imagine estar numa festa dessas!”. As flores são a beleza da Vida, como flores de lantanas multicoloridas com avivadas borboletas ao redor, como numa rainha da Festa da Uva, cheia de beleza e paz, na beleza da harmonia e da concórdia entre os povos, em momentos de união como num mundial da FIFA, momento em que todos se unem em torno de um esporte, fazendo dos esportes tal prova da universalidade humana. A escada aqui é um acesso para um nível superior de limpeza e simplicidade, num da Vinci nos dizendo que a simplicidade é o mais alto grau de sofisticação, pois a simplicidade é limpa, longe das terras imundas e fedorentas do Umbral, a dimensão dos que não querem lutar pela Vida, numa vida vazia sem produtividade direcionada, centrada. A sala aqui é tal ambiente de lar, de invólucro, numa sensação de pertencimento, ao contrário caótico de um acumulador compulsivo, numa casa sem limpeza, sem acolhimento, numa pessoa que sofre em meio a tal insalubridade, com cheiro tóxico de chorume. Ao fundo vemos quadros com Céu de Brigadeiro, na capacidade de uma pessoa em fazer com que enxerguemos tal Mundo maravilhoso, num ato tão simples, tão grátis como olhar para tal céu, encher os pulmões de ar e agradecer a Tao por termos saúde, no jargão: “Saúde é que interessa! O resto não tem pressa!”. A mulher negra angelical é tal zelo, tal cuidado, no amor de mãe em deixar em ordem as roupas do filho, fazendo com que sintamos um “choque térmico” ao sair de casa e ir morar sozinhos, deixando para trás tal zelo, tal cuidado, num processo de “desmame”, por assim dizer. Aqui se celebram as pessoas importantes que já faleceram, no modo como só a Fé pode nos colocar em contato com tal Mundo pós Vida, na dimensão que só é um paraíso para os que gostam de se manter norteados, pois não é o Umbral o lugar dos que carecem de tal norte nobre? A moça negra é a cor de luto, de discrição, de pesar, na dignidade de um funeral de realeza.

 


Acima, sem título. Aqui é a dignidade de um negro, numa autoridade, representando a rígida disciplina militar, a qual é uma tosca cópia da hierarquia espiritual: os espíritos evoluídos são agradáveis e interessantes ao ponto de tecer ordens irresistíveis, numa hierarquia que gira em torno de apuro moral – os mais verdadeiros regem os menos. Aqui é um momento relaxante à paisana, com tudo em ordem, com tudo nos trilhos, na tensão que deve ser alguém que atende às ligações no fone 190 da Brigada Militar, nas vicissitudes de cidades maravilhosas como Nova York, com suas constantes sirenes perturbando a urbe vibrante, no modo como NY pode ser uma cidade bem dura, fria e cruel, numa cidade bem americana, ou seja, onde tudo é dinheiro, na inclinação econômica protestante, na qual Deus quer que sejamos ricos. Vemos aqui várias luminárias públicas, que são o esclarecimento de fatos, em elucidações de crimes e mistérios, como num romance policial sendo desvendado, numa Agatha nos desafiando divertidamente, sendo poucos os leitores desta que adivinham de antemão quem é o assassino. A sirene aqui descansa desligada, num breve momento de paz, com Neo de Matrix dizendo o que queria que houvesse: “Paz!”. É como no broche de uma enfermeira que vi certa vez, com a imagem do Espírito Santo escrito: “Paz!”. E não é um inferno a vida de quem não tem paz? Não é maravilhoso o Plano Metafísico porque lá estamos cercados de amigos e de paz? Não é a Terra um lugar complicado que acaba nos causando grandes crescimentos espirituais? Qual é o sentido de uma vida perfeita, sem vicissitudes? O policial retinto tem um broche, talvez uma honraria, uma distinção, como num lutador de Judô, indo da faixa branca para a faixa preta, nas palavras sábias de uma moça que conheci: “Não espere ir de zero a cem num piscar de olhos!”. É como um disco vinil girando numa grande espiral, cada vez mais perto do centro, no modo como uma pessoa tem que se centrar na Vida, como na menina no filme cult Labirinto, tendo que chegar ao centro do labirinto traiçoeiro e desvendar os mistérios deste, como numa pessoa em dúvida existencial, não sabendo se vai para este ou para aquele lado – como posso saber quem sou se não tenho um nobre e produtivo norte existencial? A figura aqui é um descanso e uma pausa, como num intervalo no meio da tarde numa firma, tomando um café, numa gloriosa pausa, como professores na sala dos professores: tocado o sinal do fim do recreio, hora de voltar para a sala e dar aula! O chapéu aqui é garboso, elegante, no modo como hoje em dia tal acessório esteja tão defasado, remetendo a uma certa elegante mulher caxiense, a qual é apaixonada por Moda, como Madonna, aqueles artistas para os quais é uma questão muito importante escolher o que vestir para pisar no palco ou para dar uma entrevista, numa pessoa que aprendeu que na Indústria Fonográfica Mundial o estilo e a atitude são muito importantes, como na deliciosa transgressão estilística de Lady Gaga, a artista que trouxe a jovialidade de volta ao tapete vermelho. A mão na cintura é uma pose de autoridade, numa pessoa que sabe ser dura quando precisa ser dura, numa imposição de respeito, no crime de desacato à autoridade, no infeliz e chulo termo “porco” para se referir aos profissionais que zelam por nossa segurança e nossa integridade – respeite o PM! A cena aqui traz um predomínio de azul, sem cores quentes de sirene, talvez numa cena noturna, com os postes de luz ligados, numa cidade vigiada, no suplício de bolsonaristas pedindo a volta do Governo Militar, algo um tanto inviável, pois a dura Ditadura Militar Brasileira surgiu em meio aos efeitos tensos globais da Guerra Fria, a qual acabou faz tempo – a fila anda, meu irmão! Aqui é a disciplina de um homem que se barbeia ao ir trabalhar, dando um exemplo de civilidade – uma coisa é ser macho; outra coisa é ser um animal, como um certo senhor vazio e obtuso cujo nome não mencionarei. O radinho do guarda é a comunicação, esta força que gerou o Telefone e, depois, a sofisticação da Internet, no modo como se sente “nua” uma pessoa desconectada.

 


Acima, Vinheta número 2,25. Aqui é algo inusitado na obra de Marshall, pois aqui não é um quadro colorido, mas um quadro em preto e branco, nos opostos que traduzem a complicada questão racial nos EUA, em épocas em que banheiros públicos americanos eram divididos entre banheiro de negros e banheiro de brancos, isso logo num país que se diz um baluarte democrático de igualdade, numa peculiaridade: enquanto no Brasil há um intensa miscigenação, nos EUA, em geral, negro casa com negra e branco casa com branca. Aqui traz a palavra “amor”, numa cena doce e romântica, numa brincadeira, com o homem aqui sustentando a mulher – no mundo patriarcal, um homem deve sustentar uma mulher, e nunca o contrário. É a misoginia do mito de Eva, aquela que tirou a Humanidade do doce Éden. Talvez aqui é um casal apaixonado e recém casado, com seu gostoso lar para iniciar a vida a dois, no modo como a doçura da Lua de Mel vai se esvaindo, e o dia a dia, o cotidiano, toma conta de um casamento, com um tendo a paciência para aguentar os defeitos do outro, como em bandas longevas como o U2, num casamento sem sexo, num casamento em que um tem que suportar o defeito alheio, pois já diz a sabedoria popular: “Ninguém é perfeito”. Aqui é como o bailarino respaldando a bailarina, num sustento, nas responsabilidades de um homem em prover um lar e alimentar suas crianças, naquele pai dedicado o qual nunca deixou algo faltar dentro de casa, como meu falecido avô Ibanez, o qual teve a pesada responsabilidade de prover um lar com esposa e seis filhos. Vemos doces coraçõezinhos, numa ternura e numa delicadeza, remetendo ao desenho animado das Meninas Superpoderosas, a quais juntam o agradável feminino com a agressividade masculina, num pequeno ícone feminista, como eu gostaria de dizer para várias pessoas: Ter só Yin ou só Yang não basta, e cada um tem que partir em busca, dentro de si, do que lhe falta, sem fazer projeções, no modo como é inevitável num casal heterossexual, publicamente, ele personificar o Yang dela a ela personificar o Yin dele. As flores aqui são este romantismo, como trazer flores para sua amada, no eterno flerte romântico entre Professor Girafalez e Dona Florinda, com ele apaixonado trazendo flores para a donzela, com os dois desabando após uma briga entre eles, no modo como uma pessoa apaixonada se ferra inevitavelmente. A cerquinha aqui é a delimitação, na delimitação de espaço entre propriedades, havendo numa certa doutrina o desrespeito para com o que é do outro, como uma certa pessoa a qual, ao ser recebida como uma rainha por uma pessoa na casa desta pessoa, “cuspiu no prato em que comeu”, não percebendo que o indivíduo tem que ser livre e pertencer a si mesmo, e que não devemos ser xiitas – posso ser simpatizante de uma doutrina, mas nunca um escravo cego. Não falo mal do Espiritismo, pois tenho “um pé” em tal doutrina, mas o Espiritismo é um dos “dedos” da “mão” que prega o Bem, ou seja, sou livre para fazer meu próprio amálgama de crença espiritual. Aqui é o termo popular: “Quem casa quer casa”. Vemos ao fundo uma bandeira tremulante, mas não necessariamente a bandeira americana, mas outra bandeira qualquer, na universalidade do patriotismo, em datas pátrias como em Londres, com multidões de cidadãos acompanhando as pompas de um casamento de realeza, esses rituais que nos dão a impressão de que o Tempo não passa, na eternidade irrefutável do Plano Metafísico, o lugar onde não há a passagem de Tempo nem o envelhecimento. O homem aqui é o forte baluarte, tratando uma mulher como uma rainha, nas divertidas palavras de um colega que tive na faculdade: “Quem gosta de homem é veado! Mulher gosta mesmo é de dinheiro!”. Aqui é um portarretrato, na tentativa de eternizar e cristalizar um momento doce, com uma mãe guardando fotos dos filhos nenês. Aqui, o que importa é a qualidade do tempo que se vive, e não a quantidade.

 

Referências bibliográficas:

 

Kerry James Marshall. Disponível em: <www.jackshainman.com/artists/kerry_james_marshall>. Acesso em: 02 nov. 2022.

Kerry James Marshall. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 02 nov. 2022.

MUNIZ, Leandro. Kerry James Marshall: uma escola de beleza. Disponível em <www.artequeacontece.com.br/kerry-james-marshal-uma-escola-de-beleza/ >.

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