quarta-feira, 10 de julho de 2019

Prazer em Conhecer



Heitor dos Prazeres (1898 – 1966) foi um compositor, cantor e pintor brasileiro que foi pioneiro em composições de sambas. Brasileiríssimo. Participou da fundação das primeiras escolas de Samba no Brasil e chegou a trabalhar de engraxate e vendedor de jornais. Negro, veio de uma família humilde, com um pai marceneiro/clarinetista e uma mãe costureira, e o pai músico deve ter influenciado o artista. Aos 13 anos idade, Heitor foi preso por vadiagem. Em 1999, teve retrospectivas no Espaço BNDES e no Museu de Belas Artes do Rio. Em 2003, o jornalista Alba Lírio publicou um livro sobre Heitor. Os traços de HP são simples e coloridos, retratando o cotidiano brasileiro. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Crianças Brincando. Quando eu veraneava com minha família em Jurerê, SC, nosso vizinho, o senhor Cabreira, já falecido, tinha no seu quintal um parquinho, e o generoso Cabreira permitia que as crianças da vizinhança brincassem lá. Como são doces são as memórias de infância, mas como é bom crescer também. É certo dizer que Heitor tem um traço doce e infantil, no modo como os rótulos de determinados vinhos portugueses levam a ilustração de desenhos feitos por crianças, no modo como me disseram: o melhor gráfico é aquele simples, que pode ser feito por uma criança, havendo na Simplicidade a passagem para um mundo melhor, sem tantas guerras nem ódio – as crianças são embaixadoras de um mundo menos aguerrido, pois não disse Jesus que viessem a Ele as criancinhas, e que o Reino dos Céus é destas? A própria assinatura de Heitor é cândida, como em um caderno de caligrafia. Nascido em um contexto simples, Heitor mantém simples sua própria arte. Aqui, temos um aspecto cíclico em torno do escorregador, que simboliza os altos e baixos da Vida. As crianças escorregam, dão espaço aos próximos que escorregam, e aquelas voltam a escorregar, como num ciclo natural, num bioma em que tudo é renovado e reciclado, como no planeta Terra, esta esfera cheia de Vida, com tudo sendo reciclado nos ciclos da Natureza, na sabedoria de quem inventou tais sistemas orgânicos, no modo como vivemos em uma era em que a preservação ecológica tem uma proporção gigantesca, tornando-se um discurso comum e corriqueiro, na questão de preservar o que Tao fez. Uma menina balança no balanço, e simboliza o relógio, a passagem do tempo, no modo como todos temos um certo tempo na Terra, pois cedo ou tarde o alarme vai tocar, assinalando a hora para se voltar para Casa, para a Dimensão Metafísica, o lugar que mostra que a Eternidade é o caminho lógico, pois, sem esta, nada teria sentido, e as vidas seriam em vão niilista. Este escorregador tem um aspecto piramidal, e há duas partes do trabalho – a lisa e a áspera. A áspera é subir pelas escadas fazendo esforço; a lisa e doce é escorregar, mostrando que todo trabalho sem um sabor geral agridoce, pois há esforço e recompensa. Este quintal é simples, feito de terra, a Grande Mãe Terra, o solo fértil do qual nasce a Vida. É a Simplicidade, numa época da Vida em que a pessoa tem a inocência de observar, sem ódio, o Mundo, na construção de laços afetivos com os amiguinhos de infância, numa época da Vida em que não há ainda os interesses adultos – temos muito o que aprender com os pequenos. Aqui é uma brincadeira unissex, e não há preconceito entre meninos e meninas, no modo como o espírito é assexuado, e ser homem ou ser mulher é uma questão encarnatória, não desencarnatória. É claro que podemos ouvir a gritaria usual de um parque de diversões, numa gritaria inevitável de crianças se divertindo, no breve espaço de tempo do intervalo na escola, sendo uma grande punição castigar um aluno privando este do intervalo em algum dia de aula. É a questão do recreio, do descanso, fazendo metáfora com o Desencarne, num momento em que a pessoa repousa em Paz, abraçando uma nova vida, ou uma vida antiga, da qual a pessoa se esqueceu enquanto encarnada. Dentro de uma casinha, talvez a escola, na janela há uma mulher zelosa, talvez a professora ou a diretora da instituição, certificando-se de que a brincadeira está saudável e de que a bagunça não está fora do controle. É o Superego, a reflexão ética da pessoa, num Ser Humano que tem a missão de espalhar moralidade e integridade pelo Mundo. É a questão da Dignidade, o ouro nobre do espírito.


Acima, Homens jogando sinuca. Heitor gosta de retratar momentos de prazer. Aqui, temos um momento de distração, num jogo apaixonante como a Sinuca, com o prazer da violação, nas bolas estuprando os buracos. Os dois homens negros jogam, e acima da janela temos as bolinhas que contam a pontuação. Os pontos são os sucessos da Vida, em momentos felizes em que a pessoa faz a coisa certa e recebe a recompensa, no modo como cada um de nós abraça as consequências de suas próprias escolhas, na questão da responsabilidade. Pela janela vemos uma noite escura, e é uma cena de boemia, na qual, é claro, não pode faltar álcool, o eterno companheiro do boêmio. Vemos uma mesinha com uma garrafa de cachaça e dois copos, com os homens compartilhando o drinque, como irmãos. Os tacos são a Objetividade, a abreviação de frescuras, no pensamento lógico que rechaça os meandros traiçoeiros das emoções ilusórias. Podemos ouvir o barulho típico do jogo, com os tacos agredindo as bolas, e estas fazendo barulho umas contra as outras, com o barulho glorioso da bola entrando caçapa a dentro, na técnica impecável dos sinuquistas profissionais. Os tacos são como alfinetes, transmitindo para a bola a força do jogador. O taco é um instrumento, uma extensão do jogador, como a perna é uma extensão do futebolista. É no pensamento malévolo do sociopata, para o qual as pessoas são meros instrumentos, meras coisas, feitas para que o sociopata obtenha outras coisas. A cor interna deste bar é de um rosa cândido e delicado, como no interior de um bife de gado, no ponto certo para ser comido, no nível em que a carne crua está sutilmente cozida. O rosa é a delicadeza, o feminino, no interior do útero, no modo como, ouvi certa vez dizer, que, num determinado estádio de futebol, o vestiário para os times visitantes era pintado de rosa, pois isso, na crença do time da casa, assustaria e humilharia o time visitante. Mas é uma faca de dois gumes: por um lado, o time visitante está sendo chamando de afeminado; por outro, em uma leitura de pura contradição dialética, o time visitante poderá ter a impressão de que o rosa corresponde ao time da casa. Dois lados para cada moeda, no sendo de humor de Tao, o grande palhaço. O chão deste bar é listrado, como numa lavoura, com tratores passando e deixando suas marcas, no modo como cada pessoa encontra um modo de deixar sua marca no Mundo, e com o artista não é diferente – o artista quer ficar para sempre na lembrança do Mundo, com legados que desafiam a passagem do tempo, como numa Marilyn Monroe, com pessoas que, até hoje, creem que a atriz era, de fato, aquela loira burra, na capacidade hipnótica dos grandes artistas. As bolinhas na mesa são os planetas de um sistema solar, como pérolas dissociadas, dançando a dança gravitacional, nas energias do Universo, na sensação de gloriosa de uma pessoa se sentir linkada a tal Universo, numa pessoa que encontrou um lugar no Mundo. As bolas são os ovos num ninho, como na logomarca da Nestlé, com uma mãe pássaro alimentando os filhotes no ninho, numa cena de devoção e dedicação, num pai presente, que leva o filho à Escola e paga a mensalidade desta. A mesa de sinuca é de um verde intenso, que descansa os olhos. O verde é a flora, na Natureza exuberante do Rio de Janeiro, um dos lugares mais belos do Mundo, com suas praias, morros e céus azuis, num Tao que se dedicou muito para conceber tal lugar. Podemos ver tacos descansando, que não foram usados, simbolizando a reserva, o resguardo, na fábula da formiguinha que trabalhou o Verão inteiro para ter o que comer no Inverno, punindo a inconsequência da cigarra, a qual não fez reservas. Ambos estes senhores estão de chapéu, e seus rostos estão semiocultados. O chapéu é o telhado, a proteção, como num agricultor zeloso que protegeu com plástico sãs lavouras temendo uma eventual chuva de granizo. A porta deste bar é arejada, como num saloon de faroeste, numa casa generosa, que recebe quem entra e não impede alguém de sair. É a Democracia, a nobre intenção igualadora.


Acima, Músicos. Como eu já disse nesta postagem, é claro que o pai artista de Heitor influenciou este. Este quadro tem movimento e música, no modo como o Samba, uma grande manifestação de Cultura Popular Brasileira, veio espontaneamente dos morros, das classes baixas, dos descendentes de escravos negros, assim como os negros norteamericanos geraram toda uma riqueza musical nos EUA, como o Blues e o Jazz. Estes dois cavalheiros estão em ampla sintonia um com o outro, numa bem-sucedida parceria, como na formação de uma banda, num casamento sem sexo, em bandas tão longevas como o U2, por exemplo. Qual é o segredo para tanta longevidade de parceria? Paciência, assim como num casamento o marido tem que suportar os defeitos da esposa, e viceversa. O chão deste salão tem linhas retas elegantes, aristocráticas, na delícia que é a fluidez de tambores, em altivas tribos africanas que foram destruídas pela tradicional crueldade humana, num europeu ávido por riqueza, riqueza e riqueza. Há algo mais estúpido do que a Escravidão? Os cavalheiros aqui estão elegantemente vestidos, com roupas novas, sem rasgo algum, e sapatos novos, o que me remete a um senhor negro portoalegrense que marcou a boemia da cidade, vendendo flores pela noite e usando impecáveis sapatos. Qual é mesmo o nome dele? Assim como Liza Minelli, em sua passagem por POA, quando entrevistada pelo célebre intelectual Tatata Pimentel – que Deus o tenha –, olhou para os sapatos deste e disse, em inglês: “Sapatos fabulosos!”. Aqui, é um momento de descontração, e de produção cultural, com homens negros que provavelmente levam uma vida muito dura, com um trabalho árduo e, por vezes, mal remunerado. É uma válvula de escape, num momento em que a pessoa encontra consigo mesma, trazendo toda a riqueza popular do Brasil. Os homens aqui estão impecavelmente barbeados, no ritual matinal de um homem, na memória que tenho de ouvir, de manhã bem cedinho, meu pai fazendo a barba com uma maquininha – a Vida em Sociedade tem lá seus parâmetros e suas exigências. Estes instrumentos musicais são de raiz africana, fazendo apolíneo e dionisíaco se misturar um com o outro, formando um continuum, no modo como a fluidez, que vemos na Natureza, tem sem link com os belos e iluminados salões aristocráticos metafísicos – Dioniso e Apolo são faces da mesma moeda. O fundo deste quadro é de um azul bebê, suave, na delicadeza dos homens ao lidar com os instrumentos musicais, com pessoas finas, as quais sofrem com a discriminação racial, pois, realmente, ao olharmos através da pele, somos todos irmãos, não? O azul bebê é a candura, a delicadeza infantil, num bebezinho absolutamente inofensivo e dependente, dependendo dos cuidados dos pais, como me encontrei, por acaso, nesta semana com um velho colega do Ensino Médio, e este colega estava levando o filho ao colégio, num trabalho paciente e persistente, sem falar no pagamento das mensalidades! É claro que aqui ouvimos o tambor e o barulho dos búzios em atrito, no delicioso ambiente de uma sessão de Umbanda, ou de um passe espírita, num momento em que a pessoa se encontra com a deliciosa liquidiscência de Tao, o liquefeito, aquele que flui sempre, deliciosamente, como mergulhar numa piscina térmica quentinha. Estes senhores cantam e dançam, e a cor de sua pele simboliza o negror terrível escravocrata, com escravos sendo impiedosamente punidos com chibatadas em um tronco, na eterna capacidade humana de impor brutalmente a hierarquia, muito diferente de Tao, que tem uma hierarquia irresistível, pois visa o Bem e o Amor, ora bolas. É um quadro de alegria e prazer, feito pelo dos Prazeres. As meias brancas são a Paz, acreditando num mundo em que as diferenças pouco significam, crendo em um mundo sem Criminalidade, em que podemos morar e caminhar pela Rua com absoluta sensação de Paz, junto ao canto de bem te vis.


Acima, O Alfaiate do Subúrbio. A rua ladrilhada é a Disciplina, o trabalho árduo, de formiguinha, persistente, num artista que entendeu que, além de paixão e talento, tem que ter a disciplina para sentar e produzir. As roupas carregadas pelo alfaiate explodem em cores, como num prisma, celebrando a diversidade, acreditando em um mundo mais alegre e elegante, com fidalgos lustres cristalinos, explodindo cromaticamente, seduzindo por sua beleza e por sua classe, sua alta classe. É o persistente trabalho no Egito Antigo, empilhando pedras, durante muito tempo, para compor toda a suntuosidade de uma civilização, no modo como a última edição da Festa Nacional da Uva de Caxias do Sul esqueceu um pouco da grandiosidade característica da festividade serrana, a Mãe de todas as outras festas. O alfaiate é a elegância, com sua camisa listrada, no modo humano de compartimentar as horas entre dia e noite; entre claro e escuro, nos contrastes barrocos. As cores da roupa são as riquezas culturais do Brasil, num país exótico que encanta o Mundo. A bicicleta é a passagem do Tempo, nos ciclos naturais da Vida, algo entre nascer e morrer, no inevitável Desencarne, o momento em que a pessoa assiste ao “filme” de sua própria vida, num processo intermitente de crescimento, de aprendizado, numa pessoa que, com as vicissitudes naturais da Vida, cresceu e evoluiu, morrendo mais nobre do que quando nascera. Portanto, não tema os percalços, pois estes acabam ajudando a pessoa, na benevolência de Tao, o pai carinhoso. O muro amarelo é o ouro da Cultura Popular, com manifestações que vêm do povo e com este ficam. É o ouro da cornucópia, num reino farto e rico, com cidadãos felizes e produtivos, no modo como o Labor é necessário, estando você encarnando ou desencarnado. A mulher aqui parece gritar para o alfaiate, chamando-o. A mulher está elegante, com belas roupas, joias e maquiagem, e seu cabelo está aristocraticamente amarrado e controlado, na questão de se controlar o caos, impondo ordem a um mundo tão caótico. É a autoestima, em uma pessoa que ama a si mesma, só saindo de casa quando estiver propriamente aprumada, nos rituais de polidez que norteiam elegantes salões, com o Samba pulsando e fluindo, numa monarca que tem dentro de si mesma o próprio povo pulsante. Então, as serpentinas cortam os salões carnavalescos, e são como veias ou dutos vegetais, transportando sangue e seiva, nutrindo o reino inteiro, num povo que vê no próprio regente um agente de Saúde, sendo saudável confiar em tal líder, ao contrário do líder mentiroso, que acaba desprezado e rejeitado, como diz Tao. O alfaiate transporta uma caixa, um baú, numa Caixa de Pandora, que jamais poderá ser aberta, sob a pena de trazer desgraça. O interior da caixa é a reserva, de uma pessoa que está muito à vontade dentro de casa, sem se preocupar se seu cabelo está desgrenhado ou se sua roupa está feia. Os postes de luz são o esclarecimento, num Heitor que se encontrou na Arte, tornando-se tão importante ao país. São as luzes da ribalta, que iluminam a estrela, num astro carismático, vencendo um concorrido Oscar. São as pérolas do Mar, as dádivas da Mãe Iemanjá, o orixá mais pop de todos. Os simples traços de Heitor não têm pretensões, nem querem vender o artista como genial, e é precisamente assim que o gênio se estabelece, sempre subestimado, sempre discretinho, como um preto velho, quietinho no seu canto, somente assistindo à ascensão e à queda de egos narcisistas, como líderes opressores, ditadores, homens escravos do Ouro, como tenho uma parente a qual admiro muito, pois ela tem o Ouro, mas o Ouro não a tem! Este quadro, assim como tudo em Heitor, tem movimento e fluidez, num ritmo, num bioma sempre respirando, sempre vivendo, sempre se reciclando. As palmeiras aqui estão tapadas e tímidas, talvez num artista reservado, quietinho produzindo, numa simples e produtiva rotina. O céu aqui não é muito colorido nem carnavalesco, pois é cinzento e incerto, no certo modo como ninguém pode prever todo o Futuro, num mistério instigante, com surpresas que dão à Vida um tempero inigualável.


Acima, sem título. O sincretismo religioso brasileiro, pois aqui vemos um ritual afro pagão, mas no quadro vemos também uma imagem de Nossa Senhora e uma cruz. Maria é o carinhoso retorno ao Lar, um lugar onde a pessoa é tratada com carinho fraternal. Maria é o pertencimento, o nosso porto seguro, a promessa de um amanhã melhor. A cruz é a passagem existencial, com suas dificuldades e suas dores, havendo uma dourada recompensa ao final, com o Desencarne, numa missão que foi cumprida: hora de voltar para casa. As mulheres dançam vibrantemente ao som dos tambores, e dançam formando um redemoinho, como uma frente fria, ou uma galáxia, nos movimentos cíclicos que movem a Vida. O chão é simples, terroso, e as mulheres e os homens estão descalços, na delícia que é uma vida vivida com Simplicidade. Aqui, temos uma divisão de tarefas, algo bem característico da Vida em Sociedade: homens para um lado; mulheres para o outro. São as ritualizações humanas em torno de gênero, dando a cada gênero uma representatividade, como um casal heterossexual: ele representa os homens; ela, as mulheres. Os tambores são inevitáveis em culturas afros, e suas batidas reproduzem a liquidiscência, a fluidez da Vida. Heitor representa o contexto humilde em pobre em que nasceu, nunca se esquecendo de onde veio. As mulheres aqui são coloridas, e suas listras mostram alternância entre liso e áspero, entre masculino e feminino, na alternância rítmica entre grave e agudo, reproduzindo as irresistíveis batidas, como em um casamento de primos meus em Salvador, BA, festa na qual tocou uma banda de tambores tal qual a famosa Olodum, algo muito incomum e exótico para um gaúcho como eu. Nas religiões afros, a Música é muito importante, com cerimônias de dança, na mesma sensação libertadora de dançar até suar numa pista de dança, num momento de entrega e prazer, algo entendido pelo dos Prazeres. Vemos uma palmeira reservada, discretinha, no canto direito. A palmeira é uma espécie de protetora, zelando pelos brasileiros, e o vento a faz tremular tal qual uma bandeira, no sensual farfalhar de folhas de palmeira em uma enluarada noite de Verão, num som como veludo sendo tocado em uma sala silenciosa. Todas as pessoas aqui têm algum adorno nas cabeças, herdando da África seus estilos, como na cantora negra americana Erica Badu, que gosta de sair a público paramentada de acordo com os estilos africanos, num ato de orgulho racial. Os homens estão sentados e descansados, e o banco é o aparo, o relaxamento, o recreio, o descanso após uma semana inteira de muito trabalho nas casas dos brancos ricos do Rio de Janeiro, nos abismos sociais brasileiros, como na Bahia, no legado colonial – o preto pobre trabalha para o branco rico. É um momento de lazer, neste quadro, que faz com que a pessoa esqueça isso tudo e celebre um pouco a Vida. Vemos, em torno do grupo, capim alto, de pontas agressivas, talvez como cercas, como lanças ou armas de um guarda, de um segurança – o capim é o que separa entre duas coisas: rotina cotidiana de trabalho e diversão. É uma linha divisória, talvez até rechaçando algum branco rico que ouse ir a um baile funk nos morros cariocas, na inevitável segregação social entre rico e pobre, uma segregação que é ilusória, pois o os espíritos pertencem todos à mesma “classe social”, numa irmandade. O céu aqui não é de Brigadeiro, nem corresponde à exuberância paisagística do Rio de Janeiro. É um céu cinzento, talvez carregado de chuva, e, junto aos tambores rítmicos, podemos ouvir trovoadas anunciando a tormenta, e as pessoas estão aproveitando enquanto ainda podem, antes de cair a chuva. No canto esquerdo, vemos uma simples casinha, com um humilde teto de palha, indicando que se trata de uma casa de pobres. Há uma cortina rubra, da cor do sangue dos escravos, sangue derramado em vão pela crueldade colonialista. Aqui, o mestressala reverencia a portabandeira, no jogo de sedução entre Masculino e Feminino, cuja junção resulta em Tao, o uno, o absoluto, o Pai que nos deu o presente da Eternidade. O céu cinzento é a incerteza, só bastando à pessoa fazer uma festa de vez em quando, pois nunca sabemos quando seremos chamados de volta para Casa.

Referências bibliográficas:

Heitor dos Prazeres. Disponível em <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso 2 jul. 2019.
Heitor dos Prazeres. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 2 jul. 2019.

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