A pintora espanhola
surrealista Remedios Varo (1908 – 1963) era anarquista e tinha aversão à
Religiosidade. Seu pai era intelectual e amante das Artes. Remedios começou
copiando plantas produzidas pelo pai, o qual era também engenheiro hidráulico.
Remédios também começou a fazer retratos da própria família e autorretratos.
Aos 15 anos de idade, ingressou em uma escola de Arte de Madri. Era visitante
regular do Museu do Prado. A geração de Remedios vivenciou a Guerra Civil Espanhola.
Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, Paraíso dos Gatos. Um cenário mágico, de contos de fadas, numa
terra mística, onde reinam os bichanos. Podemos ouvir os miados, e os gatos
mostram como são brincalhões. Os gatos são símbolo de beleza, sofisticação e
sensualidade, e eram sagrados no Antigo Egito. Os gatos combinam liso e áspero,
pois, apesar de terem uma aura aveludada e macia, têm garras agressivas, como
na Mulhergato, que combina a Bela e a Fera, ou seja, o macio e o áspero.
Diferentemente dos cães, os gatos são um tanto indiferentes e blasês, pois o
cão é muito autêntico, e mostra com clareza quando gosta ou não gosta de algo.
Este quadro é como uma Gramado, encantando visitantes, numa cidade de sinergia,
num lugar que investe pesado em
Turismo. O castelo é a fortaleza, a prisão, o claustro, um
lugar de retiro, como a Rapunzel aprisionada, jogando as tranças para ser salva
por um príncipe que jamais virá... O gato preso na fortaleza olha para fora,
sonhando sair e se libertar, fazendo metáfora com a situação do encarnado, pois
este olha além das barras da prisão e quer, com todo o seu coração, libertar-se
e criar asas, voando pelas mágicas terras metafísicas, terras livres das
vicissitudes encarnatórias. Este castelo é composto de falos, de setas, que
apontam ao Céu, como pirâmides, e são como foguetes levantando voo, na promessa
de libertação, como se os astronautas estivessem embarcando para maravilhosas
terras, terras livres das forças gravitacionais, na vitória do Pensamento sobre
a Matéria; na vitória da mente sobre a bunda. Só que, aqui, este foguete não dá
sinais de que irá alçar voo, como se estivesse em uma situação de impotência
sexual, sem vontade, e o gato prisioneiro está deprimido e desanimado, e não
mais sabe o que fazer para sair de tal dolorosa situação, só lhe restando
esperar e esperar, numa espera que seria atenuada se este gato fizesse algum
trabalho, se este gato pudesse empregar, em algo, sua própria inteligência,
pois, já ouvi dizer, tudo o que você precisa mostrar ao Mundo é inteligência. O
gato aprisionado olha com inveja os gatos livres do lado de fora, os quais
parecem se divertir. No topo de uma das
torres, uma espécie de hélice – é a passagem do tempo, os dias de Encarnação,
como um prisioneiro, que conta os dias para sair da prisão, absolutamente
arrependido de ter cometido um crime, estando punido com todo o rigor da Lei,
mas uma lei amorosa, que visa o Bem, numa Divina Providência empenhada em
propor, aos espíritos, cronogramas de aprimoramento, na garantia de que as
terras metafísicas jamais extinguir-se-ão. Este lugar parece um Éden,
paradisíaco, e podemos ouvir o canto dos pássaros. A paisagem é bucólica e
primaveril, e parece ser um campo francês ou inglês, num cenário de conto
mágico, com fábulas que têm a incumbência de educar as crianças sobre o que é
virtuoso e o que é vulgar. Bem ao fundo vemos um pequeno chatô, o lar que
parece ser tão longínquo, em outra dimensão, um castelinho que, no momento,
está fora de alcance, como um espírito sendo amorosamente barrados no Céu,
ouvindo as palavras: “Volte, pois você ainda não cumpriu sua missão na Terra”.
Conduzindo a estas torres no centro do quadro, uma trilha parecida com a de O Mágico de Oz, no sedutor caminho para
a casa da bruxa que aprisionou João e Maria, como uma isca que seduz o peixe,
arruinando este. São as ardilosas teias tecidas pelo sociopata, esperando que
alguém caia em fios pegajosos e traiçoeiros, num amigo falso, o qual quer, no
fundo, que eu me dê mal, muito mal. Aqui, os gatos são diversos e
multicoloridos, numa pluralidade, na rica obra onírica de Remedios, na
capacidade surrealista de transmitir para a tela os enigmático códigos do
Inconsciente, numa autoiluminação. Arte é Saúde.
Acima, Olhos sobre a Mesa. Um momento de repouso, em que a pessoa entra em
casa e deixa lá fora o Mundo a as complicações deste. Estes olhos são
oniscientes, sempre despertos, sem a interrupção das piscadelas, como no Sol, o
qual, apesar de parecer que nasce, morre e renasce, está sempre brilhando e
desperto. As lentes de vidro são o vidro pelo qual observamos o Mundo, e o
vidro pode variar de pessoa para pessoa, podendo ser um vidro translúcido ou um
vidro opaco. Os olhos aqui são como os olhos despertos da famosa máscara mortuária
de Tutancâmon, na tradição egípcia da pessoa não só estar desencarnada como
também de saber que está desencarnada, numa pessoa que tem consciência de si
mesma, de sua própria existência, pois os ignorantes passam suas vidas sem ter
consciência de suas próprias existências. Aqui vemos um gramado fértil, sempre
brotando, sempre crescendo, como na criatividade de Remedios, fazendo com que a
imaginação seja inesgotável, como numa chuva intermitente. Essa grama é como
pelos, no modo como somos todos símios racionais, e os pelos vão crescendo,
assim como a Vida vai seguindo, numa demanda constante. Aqui, os pelos crescem
livremente, numa pessoa que lida bem com sua própria mente criadora, num
artista que não reprime a si mesmo, bem pelo contrário – a Liberdade é a
tempero da boa Arte, no modo como, imagino, deve ser duríssima a vida de um
artista em um contexto ditatorial opressor, onde a Arte não é livre; onde a
Arte é escrava de ideologias. Aqui, os olhos são o implacável olhar crítico
sobre o Mundo, com intelectuais que não se deixam ser enganados ou ludibriados
por discursos preconceituosos e ignorantes, na luta do esclarecimento contra as
forças sombrias da ignorância cruel. Aqui, uma tábua levita, desafiando a Lei
da Gravidade. A tábua é a estabilidade, a leve tranquilidade, num coração que
sabe que faz o Bem, sempre o Bem, no inferno astral que é a consciência de uma
pessoa que tem pouco apuro moral. A tábua é a base, a referência, a base de
comparação, numa pessoa feliz que encontrou um rumo, um norte, centrando a
própria vida em um contexto produtivo, não mais reclamando da dureza da Vida,
pois esta é dura com qualquer um de nós... Portanto, não devemos reclamar, pois
escolhemos esta dura vida antes de reencarnarmos, e é da dificuldade que nasce
o aprimoramento. Os óculos aqui têm cílios femininos, graciosos, numa Remedios
lúdica. Os óculos são como um disfarce, uma maquiagem, e são símbolo de leitura
e intelectualidade. Os olhos aqui estão dissociados, mas mesmo assim não
separados, como irmãos gêmeos. São como duas galáxias irmãs, girando em um balé
em volta uma da outra, fundindo-se, nas demandas cósmicas, num Universo
enigmático e vasto, fazendo do Ser Humano um microscópico microbiozinho, numa
Humanidade com tecnologias ainda toscas e ingênuas. O chão aqui é terroso, com
o acolhedor cheiro de terra, de campo, na belíssima roupa que os campos e
florestas vestem. As paredes aqui são de madeira, na intervenção humana em
cortar árvores e fazer móveis, no poder do artista plástico de combinar
elementos e produzir coisas novas, fazendo do Arte uma das maiores evidências
da singularidade humana – será que outras civilizações extraterrestres produzem
Arte? Se produzem, como seria tal Arte? Os olhos oniscientes olham o Mundo de
forma direta e realista, sem maquiagens, e são da cor do planeta Terra, com
seus vastos oceanos, na sedução que tais águas exerceram nas Navegações, numa
corrida desbravadora competitiva, com potências europeias concorrendo pelas
devolutas terras americanas, como no ímpeto do artista, jogando-se por águas
nunca antes navegadas, produzindo um legado de transgressão e brilho. Aqui, os
óculos são um mero arremedo humano, havendo nos olhos azuis a obraprima de Tao,
pois o que este faz, o Ser Humano apenas tenta fazer igual. Os olhos são como
um ovo cortado ao meio, na fertilidade de uma mente que bota um ovo, num
pintinho catártico que quebra a casca com agressividade e vem ao Mundo para se
aventurar.
Acima, Cigano e Arlequim. Vemos uma travessia estreita, num sufocamento,
levando a um lugar que não podemos visualizar, como num desfiladeiro, com
paredes opressoras, que nos têm como prisioneiros, numa horrível sensação de
estar preso ou limitado, no modo como as limitações na Vida são inevitáveis, e
nunca podemos fazer tudo o que desejamos fazer. O Céu aqui é um tanto duvidoso,
pois é predominantemente cinzento, apesar de ter uma nesga de luz e esperança,
como a famosa luz no fim do túnel, o feliz desfecho da encarnação de uma
pessoa, pessoa esta que viveu levando a sério os parâmetros morais, como a
célebre tábua dos Dez Mandamentos, no modo como o Ser Humano, de forma
universal, sempre pregou o apuro moral, numa Sociedade que naturalmente pune
aqueles que são desatentos a tais parâmetros. Vemos um homem todo atado e
enfaixado, controlado, preso, no modo como encarnar é encarar tal prisão. Neste
mesmo homem brotam folhas de árvores, que são a fertilidade da mente criativa,
pois a pessoa criativa não precisa fazer força para sê-lo, pois a criatividade
brota de dentro da pessoa tal qual grama crescendo no jardim. Ao longo deste
percurso, vários objetos destruídos e inutilizados, num Umbral de inutilidade,
como numa tenebrosa casa de acumulador compulsivo, num apego ao material, num
fetiche, numa pessoa que se afoga em meio a seus objetos acumulados, como se
estivesse enterrada viva, no apego do Ser Humano ao material, ao tangível, nos
cruéis apelos da Sociedade de Consumo, sociedade na qual os mendigos, as
pessoas em situação de rua, são invisíveis e desprezíveis, num mendigo que
fugiu das regras da Vida em Sociedade, vivendo uma vida sem regras, na infelicidade
das mentes refratárias, pois em abrigos filantrópicos há certas regras, como
horários. Vemos buracos quebrados nesse desfiladeiro de paredes, e dentro dos
buracos vemos formas fantasmagóricas, com seres transtornando e perturbando o
encarnado, ao ponto deste ir a um centro espírita para ver se há como expulsar
tais fantasmas, tais espíritos obsessores. Essas rachaduras são as intempéries
da Vida, numa vida que não é e nunca será perfeita, havendo exatamente nas
imperfeições a oportunidade de aprendizado, no modo como é necessário que a
pessoa tenha senso de humor para aguentar tais imperfeições. Vemos aqui uma
mulher envolta em linhas de um novelo de tricô, ou como teias de aranha, num
trabalho paciente e lento, como na construção de um formigueiro, e sua cintura
é fina e elegante, como uma Iemanjá pós moderna. Seu cabelo é negro e
misterioso, como uma terrível aranha negra sobre uma folha de papel branco, e a
mulher aqui ergue um gigantesco ovo, que é a magia da Vida, como uma ninhada de
cães nascendo, na magia de uma cesta de Páscoa, cheia de ovinhos coloridos, nas
magias de cornucópia da Dimensão Metafísica, lugar onde não há os padecimentos
encarnatórios. O ovo é o mistério da Vida, e não sabemos o que faz um coração
bater, nem parar de bater. Dentro deste ovo místico vemos uma cabana branca,
que é o Lar, o abrigo, o lugar onde nos sentimos acolhidos e a salvo, na
gloriosa sensação de morrer e voltar para um lugar onde realmente nos sentimos em
casa; sentimo-nos acolhidos por tantos espíritos amorosos, que acompanharam
nossa trajetória na Terra. Abaixo da barraca, vemos uma mulher em frente a um
pavão. O pavão é a exuberância, a extravagância da Vida, na magia do período de
reprodução, numa instigante Primavera, no momento em que a Vida entra em cio,
na eterna Primavera de dias agradáveis e noites amenas. A mulher em frente ao
pavão está seduzida e hipnotizada, querendo fazer filhos e trazer Vida ao Mundo.
Este grande ovo é uma ogiva nuclear, na explosão de sensibilidade de um artista
que aprendeu, por si só, a se expressar, e a Vida está aí, exigindo o máximo de
nós, e cada um tem que aprender por si mesmo o que é Expressão, num Mundo em
que não há livro ou faculdade que ensine a lição do brilho. Não podemos ver o
fim deste caminho, e tudo é processo; tudo continua.
Acima, A Batalha. Falos cuspindo fogo atingem qualquer um que queira se
aproximar, numa atitude arredia, refratária, belicosa e agressiva, no modo como
a Vida exige que desenvolvamos agressividade para, assim, sobrevivermos. O
castelo é altivo, e representa a dignidade, o orgulho, a altivez, numa
personalidade pétrea, mortificada, que sabe como é importante dizer não. Remedios nasceu num país que tem
uma longa e orgulhosa tradição, num país que já foi a maior potência da Europa,
com sua Invencível Armada, a qual foi vencida. As fortalezas são defesas,
resguardos, numa pessoa que adquiriu muitas camadas de defesa, a fim de se
proteger. Os canhões aqui são furiosos, como nos horrores da Guerra Civil
Espanhola, com irmão derramando sangue de irmão, no modo como Tao tem pavor das
guerras, pois Tao é o mestre da Paz e da Concórdia, com seus diplomatas divinos
que prezam pela Paz no Mundo, como anjos sendo enviados para amenizar a eterna
vontade humana em derramar sangue. O Céu aqui é fechado e tempestuoso,
pessimista, e não podemos ver qualquer raio de luz ou esperança, como no Céu
que se fechou na Crucificação de Cristo, no eterno mau tempo que aflige o
Umbral, o horroroso lugar onde não há noção de tempo ou espaço, nas pessoas que
se desencaminharam e se perderam. Podemos ouvir o som dos canhões atirando em
fúria, na total declaração de Guerra, na total perda da delicadeza diplomática,
com nações cortando quaisquer vínculos, caindo na desgraça do sangue derramado,
pois, oh meu amigo, o Ser Humano adora derramar sangue, como um Drácula
faminto, sempre insaciado, sempre querendo destruir mais e mais. Os canhões são
o rigor da Lei, punindo impiedosamente os que ousam sair da linha, como em regimes
totalitários, em que o cidadão, privado de liberdade, é vampirizado por um
estado doente e opressor. A fortaleza aqui é impávida e colossal, e jamais
permitirá que um inimigo entre. Aqui, os invasores são terríveis monstros, que
emergiram das profundezas da Terra, das profundezas infernais do Umbral. Os
monstros são o Caos, a desordem, a confusão. São as forças obscuras do crime e
da ignorância, querendo se entranhar na Vida em Sociedade e destruir o Mundo,
destruir aquilo que foi construído com tanto esmero e Amor. São monstros ávidos
por sangue, insaciáveis, talvez sendo as forças opressoras que precisam ser
combatidas pelas luzes do Esclarecimento. Os monstros são enviados do Inferno,
no modo como o cruel Esqueleto quer destruir a virilidade de He-Man. Os
monstros são o Crime, a infração. Então, o artista catártico e transgressor que
emergir e entrar no Mundo, num Mundo frio e insensível no qual o artista é
combatido como se fosse um câncer social. Então, os canhões do preconceito
baleiam o artista, o qual se vê mal visto, como se fosse uma aberração, na
vitória de artistas que souberam, ainda em vida, ser reconhecidos. Ao fundo no
quadro, vemos um deserto, um lugar inóspito. É o deserto da obscuridade, do
anonimato, num artista que acha insuportável ser ignorado, vagando por uma
cidade fantasma, solitário, perdido, sem ter a mínima noção de qual é seu lugar
no Mundo, sentindo-se uma aberração de um circo de horrores. Esta fortaleza,
que é a Vida em Sociedade, está erguida sobre penhascos cruéis e dolorosos, e
escalar tais penhascos não é algo agradável de se fazer, bem pelo contrário – é
terrível. São penhascos escuros e cortantes, numa espinhosa roseira, num
artista que sente o gosto amargo do irreconhecimento. Os inofensivos artistas
são rechaçados, classificados como estranhos, como difíceis de ser entendidos.
É como um jogador de futebol invadindo o campo do inimigo, num jogo repleto de
percalços, num Mundo duro em que um simples gol é motivo para muita celebração.
É a luta pela Vida. E cada pequena vitória é contabilizada com muita alegria.
Os canhões jamais pararão de atirar, e as vicissitudes jamais cessarão. E nesta
escalada o artista cresce como pessoa e aprende que não deve sentir pena de si
mesmo.
Acima, Bruxa indo ao Sabbath. A bruxa tem uma grande cabeleira ruiva,
enorme. O cabelo é a fertilidade de uma horta, numa lavoura farta, alimentando
uma família. A cor ruiva é o ardor do fogo, no calor que queima dentro de um
coração que quer fazer algo de interessante da Vida. É a força que pulsa dentro
de um artista, numa pessoa que quer mostrar a que veio. Esta bruxa é
consideravelmente simétrica, num equilíbrio, na experiência libertadora que é
se render dançando num batuque, deixando tudo fluir harmoniosamente. Esta bruxa
tem um misterioso coração negro, num vão, um buraco negro, um enigma, algo que
só ela própria conhece. É a imensidão negra do Universo, com corpos tão
distantes que jamais serão vistos da Terra, no modo como é incapaz o Ser Humano
de imaginar o Infinito, pois este vem de Tao, o incansável trabalhador, o
sempre produtivo. As botas da bruxa também são negras, e são delgadas e
elegantes, e insinuam um passo jeitoso e ardiloso, de quem vem aos poucos, pé
por pé, aproximando insinuantemente, devagarinho, sempre quieta e discreta,
sempre subestimada, até chegar no momento do “bote” e afirmar-se, numa pessoa
que conhece o valor da discrição, pois o showman, o exibidinho, não tem a
cautela de chegar imperceptivelmente. Em uma das mãos, a bruxa carrega uma
grande pedra preciosa brilhante, no brilho das mentes humildes e criativas. A
pedra é o dom de Tao, numa pessoa que aprendeu, por si própria, a brilhar e
encantar o Mundo, no brilho que emana aquele que age sob a luz de Tao, o grande
astro, o sempre subestimando, como um artista vem vindo, cautelosamente, pois
só quem é invisível consegue agir. Esta bruxa está caminhando discretamente,
aproximando-se do espectador, lembrando-nos de que não ficaremos para sempre na
Terra, ou seja, temos que fazer algo de bom com o tempo que nos é dado aqui. Na
outra mão, a bruxa nos traz um pássaro estranho e exótico, belo e exuberante,
com uma majestosa cauda, no modo como Tao coloca em tudo o que cria a sua
própria majestade, como numa majestosa araucária, com seus elegantes troncos
retilíneos e suas copas apontando para o Céu, dando-nos o pinhão no Outono.
Este pássaro tem alguma semelhança com a bruxa que o carrega, no modo como tudo
o que fazemos traz um tanto de nós mesmos, ou seja, comporte-se e dê bons
exemplos, pois o que fazemos fica impregnado em nós mesmos, sendo essas as
amostras que damos de nós mesmos. Abaixo da exuberante cabeleira ruiva, a bruxa
veste uma roupa branca, na cor da limpeza e da pureza, e os botões estão todos
abotoados, simbolizando a disciplina, numa pessoa que sabe que tem que sentar e
produzir, sem ficar refém das forças instáveis e duvidosas dos ímpetos – ter
ímpeto é essencial, claro, mas se não tenho disciplina, não posso produzir. E a
pedra brilha majestosamente, num coração muito nobre, numa pessoa que quer o
Bem de outrem, na serpente da malícia sendo impiedosamente esmagada pelos alvos
pés de Nossa Senhora, a Mãe Imaculada e perfumada que nos espera em uma
maravilhosa cidade metafísica, um lugar produtivo e divertido. Do rosto da bruxa,
brotam descomunais sobrancelhas brancas, que simbolizam a idade, a experiência
e a sabedoria, num sinal da passagem do tempo, trazendo à pessoa ampla
experiência de Vida. As sobrancelhas têm forma de fumaça, numa acolhedora
chaminé em um dia frio de Inverno, reunindo amigos e familiares, no modo como a
Arte é essa lareira acolhedora, agregando as pessoas e causando uma união entre
estas, no poder da Arte de unir a Humanidade, dando provas do apuro humano,
fazendo da Arte algo muito, muito humano. Podemos ouvir o som exótico desse
pássaro estranho, e sua cauda é como o manto de um grande rei em um dia de
coroação, como na pompa britânica, numa cerimônia sendo transmitida ao vivo ao
redor do Mundo, encantando as pessoas, mostrando a cornucópia de uma nação
rica, pois se há ricos, há pobres... O cenário ao redor da bruxa é cinzento, e
a lareira ruiva tem a a missão de fazer com que esta tarde invernal seja o
mínimo cruel possível. A Arte é esse fogo.
Referências bibliográficas:
Remedios Varo. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>.
Acesso 11 jul. 2019.
Remedios Varo Obras. Disponível em <www.google.com>.
Acesso 11 jul. 2019.
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