quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Milhões de Milhazes



Carioca de 1961, Beatriz Milhazes chegou a estudar Comunicação Social antes de, em 1980, começar a estudar Arte, tendo também trabalhado como professora e coordenadora na área artística. Em 2010, recebeu a honraria mais elevada do Governo do Estado de São Paulo – a Comenda Ordem do Ipiranga. Beatriz é tida como uma artista mercadologicamente rentável – segundo vídeo da TV Folha no Youtube, por exemplo, uma obra da artista foi recentemente vendida por 16 milhões de reais. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Aubergine III (Green). Uma majestosa roseta em um templo pomposo, colorido, fazendo metáfora com o Corpo Social, com o regente ao centro e tudo girando em torno de tal poder. É também uma metáfora da Vida, numa pessoa que encontrou algo para colocar no centro existencial, como uma pessoa centrada no trabalho, ou uma mulher que coloca o marido e os filhos no centro de sua própria vida. É uma metáfora dos ciclos, com tudo voltando ao ponto de origem. É a magia primaveril, no bom gosto de Tao, em flores lindas, simbolizando a paixão dos enamorados na explosão do cio de Primavera, com a Vida se renovando, na fertilidade natural. Aqui, temos um pouco de Pop Art, neste fundo com embalagens de produtos alimentícios, na exaltação da Cultura de Massa, da produção industrial pujante, com embalagens de deliciosos produtos, no bom pecadinho da Gula. É como uma farta gôndola de supermercado, na tarefa feminina de coleta, como em tribos indígenas amazônicas, sobrando ao homem a tarefa agressiva da Caça & Pesca. As embalagens estão escancaradas, desdobradas, como no Cubismo, tentando expor todos os lados do mesmo elemento, desconstruindo estruturas, pegando objetos triviais e transformando em Arte, na missão plástica de produzir coisas novas a partir de elementos originalmente dissociados. O chocolate Garoto é meio amargo, como numa paixão, onde há a doce rosa e o amargo espinho. O Garoto é a jovialidade, a brincadeira, no modo como a pessoa não pode deixar completamente de lado o aspecto doce e infantil que traz leveza à Vida, havendo em Tao o pai zeloso que proporciona diversão à sua gurizada, num lindo parque de diversões, no sonho infantil de viver em uma loja de brinquedos. Os produtos aqui são uma mãe amamentando as crias, proporcionando o sagrado alimento, em zelosos pais pássaros, levando minhocas ao ninho, encarando escancaradas bocas famintas de seus filhotes. Estas embalagens estão dispostas como quadrados e retângulos de Mondrian, evitando a Simetria. Podemos ouvir o som de carrinhos de compras dentro do mercado, havendo na mercadologia um ancestral talento humano para a negociação e a barganha, num Jesus Cristo furioso dentro de um mercado, destruindo as bancas de gananciosos e desonestos mercadores, no modo como a Espiritualidade vem para combater o tradicional materialismo humano, num Ser Humano sempre ávido por Dinheiro e Poder, como um rei infeliz, nunca satisfeito com os domínios do próprio reino, sempre querendo mais, sempre disposto para lançar mão da violência e da crueldade para satisfazer seus sonhos materialistas, na obsessão por pedras preciosas, bens que não têm como acompanhar a pessoa após o Desencarne desta. Aqui, temos produtos doces e irresistíveis, no modo como o cacau, primordialmente subestimado, tornou-se um colosso mercadológico ao ser misturado com leite e açúcar, como um artista subestimado, o qual levou algum tempo para ser bem vendido e bem aceito, recebendo o “açúcar e leite” tão necessários. Este é um quadro extremamente colorido, leve, engraçado, num momento em que Beatriz estava de Paz com a Vida, sem, no momento, ter alguma dor para catarsear. Esta roseta é riquíssima em estampas, como numa artesanal colcha de retalhos, na riqueza de uma floricultura, com o perfume de um espírito bondoso e clemente, ao contrário do Ser Humano em geral, que é cruel, egoísta e incapaz de se colocar nos sapatos do próximo. Esta roseta é como um sistema solar, com a estrela ao centro, sempre entretendo, sempre encantando, numa pessoa que está aprendendo a brilhar por conta própria, obtendo a imprescindível “autonomia de voo”.


Acima, Cinnamon. BM nos traz explosões cromáticas, como num colorido Romero Britto. Aqui, temos uma cena dinâmica, com muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, como na cena cultural de um grande centro urbano, numa cidade pujante e vibrante, com peças de Teatro e shows internacionais acontecendo, como numa São Paulo, com sua extensa agenda cultural, cheia de salas de Cinema, ou numa Porto Alegre, com seus cafés. Aqui, temos uma delicadeza e um perfume feminino, com formas orgânicas e vegetais, com Vida sempre brotando, como capim brotando em fendas no asfalto, na Vida sempre encontrando meios de perseverar, sempre vencendo sobre a infertilidade e a Morte. No canto esquerdo superior, vemos um poderoso Sol, explodindo em energia, nutrindo vários planetas e luas, irradiando seu poder para alimentar cada árvore, cada plantinha, na nobre capacidade de distribuição, na generosidade de Tao, o provedor. Este sol é como uma gota mínima de água que cai sobre uma superfície plácida, fazendo “o chão tremer”, na capacidade artística de causar comoções, na beleza do escândalo. É como uma transmissão de Rádio, irradiando para aparelhos próximos e distantes, unindo as pessoas em torno de uma programação, na ambição da Cultura de Massa em atingir o máximo possível de pessoas. Aqui, é como um olho arregalado, perplexo com um artista tão rico. Abaixo deste sol, vemos luzes redondinhas em fila, e são as luzes de um camarim, ao redor de uma diva que se prepara para pisar no palco, vendendo muitos ingressos, com pessoas ávidas por um pouco de brilho e entretenimento. Mais abaixo, uma colagem, como um mágico álbum de figurinhas sendo finalmente completo, mediante muita luta e persistência do colecionador em encontrar as figurinhas mais difíceis e raras, trocando figurinhas com os coleguinhas na Escola. Este quadro tem calor. Na extremidade direita, uma grande base em laranja, cítrica, no modo como chefs fazem das casas de laranja um ingrediente cheio de sabor e frescor, na criatividade de Tao ao criar as frutas, esses produtos de sabor fascinante. Nesta laranjada, vemos ramos de folha em cores mais frias, talvez tremulando docemente a uma brisa, como numa bandeira nacional, havendo a universalidade do Patriotismo, num pedaço de tecido representando a riqueza metafísica de uma nação, como valores e tradições, como nas tradições inglesas em torno da Monarquia. Vemos vários círculos neste quadro, como explosões vibrantes de uma bateria em um show de Rock, numa multidão enlouquecida, unida em torno da Arte, da Música, do brilho de um popstar que sabe causar comoções e provocar o Corpo Social, como um chef lançando mão de pimenta e outros condimentos “mágicos”. Quase ao centro do quadro, um retângulo que parece ter sido feito de madeira, na capacidade humana em transformar, pegando um ser vivo, que é uma árvore, e transformá-lo em um móvel, e um bem, talvez em um barril de vinho, como de carvalho francês, dotando o vinho de um sabor incomparável, como em fragrâncias amadeiradas, no cheiro gostoso de madeira nova ou antiga. Mais ou menos ao centro do quadro, vemos uma figura vegetal, numa arvorezinha se insinuando, lutando para viver, para prosperar, na inevitável luta que é a Vida, numa plantinha que tem que tirar força do nada para sobreviver, lutando por seu espaço ao Sol, num discreto azul marinho, como se soubesse da necessidade de se ter uma certa discrição, uma invisibilidade, para, assim, pegar  Mundo de surpresa e ensinar a lição de que não devemos evitar subestimar outrem. Vemos também no quadro formas que parecem ser tijolinhos, na paciente trabalho de construção, numa formiguinha persistente, como na casa de tijolos a vista na qual morei por muitos anos de minha vida. É o trabalho persistente, pé por pé, com passinhos de bebê, comendo o Mundo pelas bordas para, no momento menos esperado, dar o “bote”! Aqui, temos uma força rítmica complexa, como várias camadas de sabor num prato refinado, feito por quem sabe fazer.


Acima, Madame Caduvel. Temos aqui um quadro com muita identidade feminina, com algo exótico. Podemos sentir o cheiro de Chanel No. 5, e talvez ouvir o som de mulheres perfumadas conversando em uma sala, no encanto de fragrâncias. Vemos aqui formatos de lustres suntuosos, com penduricalhos e ornamentos, e talvez ouvir o delicado som das peças de cristal tocando umas nas outras. Vemos aqui dois elementos que parecem ser mandalas, assinalando os ciclos das estações, na natureza cíclica do Mundo, com processos iniciando e decaindo, no modo como a Vida morre no Outono e renasce na Primavera. São como teias de aranha, teias sedutoras, numa mulher que soube fisgar seu homem, e que soube casar bem, elegendo um homem que a trate como uma rainha. São buracos negros no meio das galáxias, no vazio que acaba tomando o Universo, no modo como Tao é o vazio, é o copo vazio, sempre pronto para portar Vida e ser útil ao Mundo, na felicidade das almas que se veem úteis aos que as cercam. Vemos aqui uma certa estética oriental, um tanto indiana, com os perfumes de especiarias que tomaram a Europa de assalto, seduzindo o Ocidente com os aromas e sabores de terras distantes, no poder da delicadeza, no modo como a sutileza caba se impondo sobre a grosseria. São como guardachuvas abertos, na função de proteger como o teto de um lar, no telhado que é Tao, o grande protetor; o grande agregador, no talento de patriarca ou matriarca, unindo a família em uma noite de Natal. São como leques abertos em 360 graus, desdobrando-se, revelando-se ao máximo. São como antenas parabólicas, na função de captar, no modo como o artista quer ser captado por um mundo que, por sua vez, pode se mostrar tão frio e indiferente em relação a assuntos que tratem de Sensibilidade, num mundo aguerrido, em que a Guerra destrói o que é belo e harmonioso, no horror que é irmão derramando o sangue de irmão, num campo de batalha miserável, em que só há sangue, lama e devastação, no modo como a vida de uma pessoa pode passar por um lento e gradual processo de empobrecimento, cabendo a esta pessoa a árdua e difícil tarefa de reconstrução existencial, num processo reconstrutivo que pode levar muitos anos, algo que exige da pessoa um esforço gigantesco, porém necessário, ou seja, o indivíduo é levado a encarar os fatos. Ao topo do quadro, vemos uma forma que parece ser um coração, no fato de que, sem Amor, nada se faz, talvez numa Beatriz Milhazes apaixonada pelo que faz, convertendo tal amor em valorização de Mercado, na capacidade das grandes almas, as quais têm o ouro, mas o ouro não as tem. O coração é a paciente dedicação, num trabalho calmo e lento, no prazer imensurável de se fazer algo sem sofrer pressões. Neste quadro, vemos golas elizabethanas, numa rainha enérgica que transformou uma nação desrespeitada em uma nação rica e poderosa, num talento de estadista, fazendo de Beatriz uma rainha no que faz. Aqui, são como tortas enfeitadas, apresentadas de forma agradável aos olhos e ao paladar, no modo como há deliciosos doces para ser apreciados na Dimensão Metafísica, mostrando que os pecadinhos capitais não são assim tão tenebrosos, no fato de que a Preguiça, por exemplo, foi responsável pelas maiores invenções da História – a Roda e o Telefone, ou seja, na preguiça de carregar coisas ou de sair de casa para ir conversar com outra pessoa na casa desta, nos mágicos e-mails, numa Humanidade progredindo muito, muito rapidamente. E o artista tenta acompanhar e interpretar tais momentos de coletividade, numa dança que coloca todos no mesmo passo, como Tao, o grande DJ. Aqui, são como flores, expandindo-se em todas as direções, formando formas simétricas, equilibradas, numa pessoa que encontrou equilíbrio ao centrar a própria Vida e torno de algo válido e nobre.


Acima, Modinha. Este quadro parece ter uma dinâmica, com coisas acontecendo ao mesmo tempo, como no Mundo de hoje, onde a Internet tomou conta da Humanidade, e quem não tem um dispositivo digital simplesmente se sente deslocado e desconectado da Realidade. Aqui, temos o diálogo entre reto e tortuoso, talvez numa relação entre siso e delicadeza. Beatriz gosta de formas vegetais, na sedução de uma hera, que vai chegando aos pouquinhos, imperceptivelmente, e acaba por tomar conta de tudo, assim como receitas com chocolate acabam com o chocolate tomando conta de tudo. É a festa da Vida, como na natureza sedutora e exuberante do Rio de Janeiro. É como um jardim botânico, ou uma acolhedora sala de estar, com suas estampas que nos remetem a florestas “artificiais”, por assim dizer, como numa floresta coberta de carpete e árvores com folhas de veludo, num lugar que definitivamente nos atrai, numa sala com um anfitrião polido, que nos faz sentir à vontade. Tal qual uma Yayoi Kusama, Milhazes costa de círculos, como se fossem explosões, mas não explosões destrutivas, mas explosões de percepção cromática, bombardeando a mente do espectador. Alguns dos círculos aqui são formados por vários pontinhos, numa metalinguagem – o ponto maior falando de pontinhos menores, e viceversa, ou seja, ponto falando de ponto, no modo como é inevitável que um artista seja inspirado por outro, numa retroalimentação, num beijo mútuo. Esses furinhos são os furos da burca de uma muçulmana, não só limitando nossa percepção sobre tal mulher como também limitando a visão que tal mulher tem do Mundo. São furinhos dos quais escapa o gás no fogão, no caos da recente Greve dos Caminhoneiros no Brasil, com o estoque de gás estando comprometido – é a força da união, pressionando governos em nome de reivindicações. São os furinhos do chuveiro, no saudável ritual diário de purificação que é o banho, no modo como tudo na Dimensão Metafísica é limpíssimo, havendo nas faxinas do Plano Material uma tentativa de imitar tal plenitude salubre, pois Tao é limpo e cheiroso. As esferas aqui parecem estar apostando uma corrida, na excitação das competições, quando o público assiste para ver quem será o campeão, o doce mel da vitória. Podemos ouvir o som de corrida de Fórmula 1, nas mágicas manhãs de domingo em que o Brasil via Senna vencer, com a tradicional musiquinha da vitória, o famoso “tã tã tã”. Há nas vitórias esportivas uma metáfora para o fato de que a Consciência sobrevive à morte do Corpo Carnal, na vitória do Pensamento sobre sobe a Vulgaridade. Difícil não gostar dos quadros explosivos de Beatriz, com tanto bom gosto. Aqui, são mágicas bolhinhas de sabão, encantando as crianças com tamanha leveza e delicadeza, como algo mágico, que desafia as rígidas leis de Gravidade. Vemos aqui uma hierarquia, pois há círculos de diversos tamanhos. Alguns círculos aqui estão enfileirados, como uma mãe pato conduzindo os filhotinhos em fila, como uma professora de Pré-escola, conduzindo os alunos em fila em ordem de altura, tentando impor alguma ordem e lógica ao caótico mundo bagunceiro das crianças, numa idade em que o indivíduo criança começa a ser cobrado em nome do bom comportamento, pois quem descuida dos estudos desencaminha-se na Vida. Aqui, são como colares de pérolas, no poder transformador da mão artesã humana, pegando elementos da Natureza e arranjando-os de forma a estabelecer ordem e beleza. Este quadro nos diz que as coisas e as fases passam, e que temos que aproveitar o momento para captar a beleza dos processos da Vida, parando um pouquinho de trabalhar tanto e arranjando um pequeno espaço de tempo para a contemplação. Aqui, é uma explosão de fragrâncias, como uma bandeja no banheiro, cheias de frascos coloridos de perfumes, com os frascos sendo iluminados pelo sol que entra elegante pela janela do banheiro, remetendo à canção de Rita Lee: “Que tal nós dois numa banheira de espuma?”.


Acima, Nu Azul. Parecem dois olhos arregalados olhando diretamente para o espectador. São olhos ávidos, querendo ver tudo e todos. São olhos ambiciosos, sedentos por conhecimento, na sede humana científica por conhecimento, com astrônomos enviando sondas Sistema Solar afora. São duas gotas perfeitamente simétricas, com duas gotas sendo derramadas ao mesmo tempo num plácido lago, causando perturbação, inquietação, numa Beatriz criativa, que não quer se repetir. Ao centro, uma bela rosa púrpura, simbolizando a Feminilidade, a Rosa Mística de Maria, os encantos perfumados de uma mulher com autoestima, que se arruma antes de sair de casa, sabendo que idade não é pretexto para parar de se arrumar. A rosa está cercada por uma coroa de flores, talvez uma coroa fúnebre, na tentativa humana de encontrar alguma beleza no Desencarne, num Ser Humano que, frequentemente, associa a Morte a algo, horrível, muito horrível, ao contrário dos espíritas, os quais, apesar de sentir a morte de um ente querido, levam a Morte de um modo mais tranquilo e natural, pois a qualquer momento... Num subconjunto maior, uma guirlanda de flores rubras, da cor do batom, num quadro feminino, assinalando o momento em que as mulheres Homo sapiens deixaram de lado a animalidade e se tornaram femininas, entrando em harmonia com conceitos civilizatórios, como nas belas mulheres do Egito Antigo, com suas sobrancelhas impecavelmente delineadas, como no famoso busto de Nefertiti, uma mulher que simboliza a depuração da dimensão acima da nossa, na tentativa egípcia de apreender o metafísico, fazendo do faraó um link entre Terra e Céu, com pirâmides agressivas apontando para o Céu, para a Grande Morada, para o lugar onde os egos desaparecem, com pessoas vivendo com mais Paz, sem tanta avidez por poder. Num círculo maior, vemos vários pequeninos círculos formando outro círculo, como uma roda de crianças, numa brincadeira que faz metáfora com o Corpo Social, numa mesa redonda, sem cabeceira, onde somos todos iguais, no modo democrático de eleger líderes, colocando-os no Poder e retirando-os depois, numa alternância que a Humanidade considera saudável, no poderoso paradigma democrático. Na porção inferior do quadro, vemos uma silhueta de arranjo floral, talvez numa madeira esculpida, como adornos em molduras de quadros ou espelhos, no hábito feminino do enfeite, do adorno, em busca de beleza, harmonia e paz, com estruturas florais se expandindo de forma equilibrada e simétrica, num Ser Humano empenhado em encontrar lógica em um mundo tão caótico, num Ser Humano incapaz de entender a totalidade do Universo. Nos quatro cantos do quadro, vemos uma estampa em dourado, com formas orgânicas entalhadas, um pouco psicodélicas, tortuosas e insinuantes, como o perfume de uma mulher se espalhando no ar, inebriando pretendentes, no modo como muitas pessoas, ao consultar com o célebre médium Chico Xavier, afirmam que sentiam, de forma metafísica, o perfume comportamental do mestre, o qual, em profunda humildade, afirmava ser apenas um “carteiro”, entregando cartas entre dimensões, apaziguando os corações de mães que perderam seus filhos. Neste quadro, vemos círculos concêntricos, como bonecas russas, como os vários sarcófagos que guardaram o corpo de Tutancâmon, numa espécie de proteção, como uma pessoa agasalhada para enfrentar o frio, com várias camadas de roupas, como uma mãe zelosa, que agasalha os filhos antes destes enfrentarem o frio do lado de fora. Este quadro traz uma comoção, uma explosão escandalosa, como uma perturbação na Força, a energia que une o Universo na ficção científica Star Wars. É uma metáfora para Tao, a “cola” que nos une, fazendo-nos irmãos. E tudo aqui vai girando em torno de um ponto escuro e misterioso, no modo como ninguém pode saber exatamente tudo o que vai acontecer, nos mistérios das esquinas da Vida.


Acima, Succulent Eggplants. Aqui, há uma “luta” entre simetria e assimetria, talvez num impasse entre Arte Acadêmica e Arte Moderna, no “choque térmico” que foi o impacto do Modernismo Brasileiro, um movimento que abriu inúmeras portas a artistas de gerações posteriores, na saudável transgressão, numa adorada Diana, uma pessoa que agrediu comodidades e mandou um príncipe à merda, com o perdão do termo. Vemos aqui uma loja de bijuterias, ou de roupas femininas, com muitas estampas. É como uma cerca ornamental, a qual tem função dupla – enfeitar e proteger, na tradicional junção “útil ao agradável”, ou seja, utilidade e frivolidade, como Yin e Yang, como os espinhos em uma rosa, dando-nos o recado de que a flor tem que ser protegida da ação de predadores, como formigas, nos inevitáveis espinhos encarnatórios, numa pessoa que tem que saber lidar com tais arestas, na necessidade da pessoa em desenvolver agressividade, protegendo-se de sociopatas maliciosos e nocivos, como num homem que se torna fisiculturista, cheio de músculos, querendo construir uma defesa, um resguardo, mandando um recado bem nítido: “Não se meta comigo. Sou amigável, mas irei à guerra se provocado”. Mas na parte inferior do quadro, vemos um pilar, um retângulo, algo que ergue uma coisa a um patamar mais alto, numa mulher que quer casar bem, com um marido que a trate muito bem, fazendo metáfora com o salto alto, algo que faz com que a mulher se sinta mais alta, mas elevada, mais exaltada. É o pilar mínimo, quase invisível, que sustenta as futuristas casas do desenho Os Jetsons, remetendo-nos às mansões metafísicas, que não precisam ser sustentadas por pilar algum, separando-se drasticamente das vicissitudes materiais. As rosas de Beatriz remetem ao cenário do acústico de Cássia Eller, fazendo contraste com a agressividade viril da intérprete, numa Cássia catártica, que subia no palco para desabafar, para extravasar toda uma energia estancada por um mundo tão duro em relação ao que não tange ao plano heterossexual – todos temos feridas as quais precisam de catarse, ou seja, de cura. Neste jardim estilístico de Milhazes, podemos ouvir o cândido cântico de passarinhos, numa brisa suave que faz farfalhar como som sutil de veludo em atrito, no farfalhar de uma borboleta, namorando com o máximo possível de flores. Coco Chanel, que trouxe as bijuterias, libertou a Mulher, afirmando que o que importa é o efeito visual, e não o valor econômico do adorno, no poder do estilo, da atitude, derrubando ranços milenares e trazendo ventos de renovação, libertando a Humanidade. Na porção superior do quadro, vemos dois seios femininos, na dolorosa “loucura” que uma mulher comete para siliconar os próprios seios, na universal busca por beleza, por submissão a padrões de beleza, muitas vezes padrões um tanto cruéis e ditatoriais, trazendo insegurança à Mulher, ferindo a autoestima desta a fim de vender produtos e serviços cirúrgicos. É um horror. Estes seios estão em completa simetria, no modo como Tao concebeu muitos seres vivos de forma simétrica, compondo o equilíbrio ambiental, com as formas cíclicas da Cadeia Alimentar, num sistema autossustentável. Estas formas orgânicas remetem aos detalhes de Direção de Arte de Os Senhor dos Anéis, com formas artesanais orgânicas élficas que remetem às formas liquidiscentes da Natureza, do modo como os campos e florestas vestem vestes majestosas. Nesse quadro de identidade feminina, lembro de uma conversa alegre de duas mulheres dentro de um elevador, e uma disse para a outra: “Adoro usar bijus, muitas bijus que fazem barulho, como pulseiras. Quanto mais barulho, melhor!”. É a alegria feminina, quebrando um pouco a sisudez a trazendo perfume e suavidade a um mundo tão sério e masculino. Estas mandalas de Beatriz parecem girar, como num carrossel em um parque de diversões, no registro cíclico de tempo: não estamos vivendo um ano atrás do outro; estamos vivendo um ano que, ao findar, volta ao mesmo lugar de origem.

Referências bibliográficas:

Beatriz Milhazes. Disponível em <www.escritoriodearte.com>. Acesso 7 ago. 2019.
Beatriz Milhazes. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 7 ago. 2019.
Beatriz Milhazes Obras. Disponível em <www.google.com>. Acesso 7 ago. 2019.

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