Antônio Poteiro nasceu
Antônio Batista de Souza em 1925, em Portugal, falecendo no Brasil em 2010, e
teve este nome artístico porque era ceramista e escultor, e só mais tarde em
sua vida virou também pintor. Cresceu no Triângulo Mineiro e sofreu forte influência
do próprio pai, que era ceramista. Em 1958, Poteiro constitui família em Goiás,
e o motif brasileiro permeia as
pinturas deste artista. AP lecionou Cerâmica no Brasil e na Alemanha. Em 1985,
foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte, e em 1997 recebeu do
Ministério da Cultura do Brasil a Comanda da Ordem do Mérito Cultural. Há um
instituto que homenageia e divulga a obra do artista. Os textos e análises
semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, Festa Brasileira. Podemos ouvir o som dos instrumentos musicais e
da cantoria, num momento de explosão de Cultura Popular Brasileira, no
espontâneo e natural modo como esse tipo de cultura vem do povo e com este
permanece, nos mistérios de origem, no enigma de, por exemplo, como surgiu o
Samba. Temos aqui um formato de procissão, com a Madona e o filho sendo
carregados em um momento de devoção. As ruas estão enfeitadas, com bandeirinhas
coloridas e arranjos florais, num momento especial, de garbo, de alegria e
euforia, na tentativa do Ser Humano em compreender como é sexy e pura a
dimensão acima. No canto esquerdo superior, um rei e uma rainha, coroados,
abrindo a procissão altivamente, num momento em que todas as classes sociais
estão unidas e representadas, como numa euforia de Carnaval, num momento em que
os abismos sociais desaparecem e rendem-se à união em torno da celebração do
Povo, das pessoas, do Mundo. Logo atrás, figuras que parecem ser de Candomblé, com
seus rostos cobertos, representando orixás, no muito especial Sincretismo
Brasileiro, com culturas se fundindo e produzindo uma identidade nacional
única, transformando Maria em Iemanjá, por exemplo. É o poder da batucada, da
fluidez rítmica, numa vibração irresistível e contagiante, no momento de festa
em que a Música reina plenamente, sendo essencial a tal momento de garbo
social, num momento em que o cidadão se desliga temporariamente da rotina
diária, ordinária, para abraçar uma ocasião especial, uma celebração, como num
feriado, proporcionando descanso e descontração, visto que a Vida não é só trabalho.
Algumas pessoas aqui parecem carregar ramos, na celebração da Vida, da
fertilidade, como vi hoje me um templo uma imagem de deusa de fertilidade, com
uma Virgem cercada de anjinhos, numerosos como ovinhos num ninho de Páscoa, na
generosidade biológica que traz Vida à Terra, consolidando tal vitalidade, num
momento em que a festa representa tal força, tal beleza, como na beleza de uma
rainha da Festa da Uva. O formato de procissão influenciou o Carnaval, como no
desfile de uma escola de Samba. Vemos todos aqui com roupas coloridas, como num
cristal mágico, fascinante, glamoroso, pomposo e especial, na hora de tirar do
armário as roupas bonitas, abandonando, por algum tempo, as roupas do dia a dia,
as roupas do árduo labor, no modo como a pessoa tem que se aprumar para passar
uma véspera de Natal ou uma virada de ano, numa hora em que o ritualismo
coletivo toma forma, com a missão de unir o Mundo em torno de um Sol em comum,
que é Tao. Aqui, as flores são a arrebatadora força primaveril, renovando a
Vida e proporcionando a ressurreição do Salvador, na vitória da Beleza sobre a
Feiura; da Mente sobre o Corpo. Aqui é como uma história em quadrinhos, num
enredo sendo contado, e todos caminham no mesmo passo. Os chapéus aqui são a
proteção, num devoto pedindo a proteção da Santinha, como numa imagem de
Iemanjá em Capão da Canoa, adorada no dia de Nossa Senhora de Navegantes, no
modo como a Cultura é um corpo dinâmico, em constante evolução e aprimoramento.
Esta fila traz ordem, e todos têm um espaço importante, não importando qual
seja sua classe social. É a Festa unindo o Mundo, opondo-se à Guerra, que
desune.
Acima, Guerreiros. Aqui, temos um tabuleiro de Xadrez, ou Damas, na
natural belicosidade humana, num mundo competitivo, onde o campeão é exaltado e
o perdedor volta ao seu próprio e humilde lugar. É como nos Esportes, onde a
alegria de um é a tristeza do oponente. Temos aqui um campo de batalha no
momento do início da batalha, onde as comissões de frente estão recém começando
as agressões mútuas, num Antônio Poteiro que, ainda muito jovem, testemunhou a
II Guerra Mundial, nos horrores que varreram o Mundo, desunindo este em meio à
Raiva no campo de batalha, com irmão odiando irmão, com sangue sendo derramado
dentro do útero, com um Tao descontente com tais eventos destrutivos. Os falos
de espada estão aqui em riste, desafiando o oponente, como em época de Copa do
Mundo, num momento em que o Brasil se une ao redor de um objetivo comum, que é
vencer, é claro, no doce sabor da vitória, na recompensa pela batalha e pela
persistência, como um ator se frustrando, decidindo mudar de carreira,
tornando-se advogado – todo mundo leva socos. Neste quadro temos um equilíbrio,
e ambos os lados parecem poder vencer, numa luta palmo a palmo, onde um simples
e único gol é o suficiente para delinear o vencedor. Um lado passa a invadir o
lado do outro, num assédio, uma penetração, um desrespeito, e toda a ordem e a
cordialidade são perdidas aqui. É como um campo neutro, numa neutralidade
suíça, num mundo aguerrido entre o time amarelo e o time azul, havendo no
intermédio verde um espaço para diálogo e negociação, diplomacia. Quando a casa
verde se perde, perde-se tudo, e nem uma nobre nação neutra é capaz de evitar a
horrível guerra, num momento grosseiro em que os polidos meios diplomáticos são
esquecidos, e o Homem vira Animal. Ambos os lados aqui são paladinos e valentes,
e ambos entram em campo com vontade de trucidar o inimigo, na eterna
incapacidade humana em se colocar nos sapatos do outro; em ter compadecimento.
A Guerra se reduz a um jogo de vaidade de tiranos, e o tirano quer provar que
tem o falo maior do que o do oponente, arrastando para o conflito todos os
respectivos corpos sociais, como na Guerra dos Farrapos, em que o Povo foi
usado como massa de manobra por uma elite vaidosa. Aqui, as espadas são
douradas, da cor do Sol, o astro rei, o Rei Leão regendo a floresta, rugindo
com sua força e revelando um coração nobre e corajoso, capaz de revidar
estúpidas provocações de nações vizinhas, como numa paladina Elizabeth,
vencendo uma armada dita invencível. A nação nobre é pacífica e amigável, mas
se for provocada, realmente a Guerra é inevitável, num momento em que o Diálogo
perde a força, infelizmente. Aqui, temos um gesto de ruptura, num Antônio que
saiu de Portugal para se radicar no Brasil, num momento bipolar que divide um
coração, num artista que ama ambas as nações, mas teve que escolher uma dentre
elas. Aqui, também temos um momento de ruptura no sentido de um artista, que
começou como escultor, virou pintor, numa certa mudança de carreira, de ofício,
mas sempre permanecendo artista, acima de tudo, no sentido de que as Artes
estão umas dentro das outras, na universalidade do objeto de Arte, como nas
universais seções do Met de Nova York, numa instituição que visa mostrar como o
Ser Humano é o mesmo ao redor do Mundo e em várias épocas. Então, a Arte chega
como elixir, como remédio, buscando curar feridas sociais. Aqui, temos o choque
entre duas civilizações, entre dois modos de pensar, como numa pororoca, num
choque térmico entre quente e frio, numa pessoa adquirindo o controle sobre sua
própria vida. Neste quadro, há dois fundos, que, apesar de ser em diferentes
cores, têm uma certa harmonia, sendo tons diferentes de vermelho, cada um de
uma cor, mas com algo em
comum. Talvez seja o sangue derramado no campo de batalha, na
insanidade do conflito entre iguais. AP dá aqui um clique fotográfico num
momento em que a Paz ainda pode ser restabelecida, numa esperança. E até os
pobres cavalos são arrastados para este derramamento de sangue, servindo às
vaidades bélicas humanas.
Acima, Procissão. Um saudável momento de coletividade, no modo como as
celebrações não são fúteis nem dispensáveis, mas recursos sociais de união em
torno do Bem Comum, e neste aspecto a Arte toma importância, havendo na
aprumação e na beleza os meios humanos de se compreender a ordem e a beleza da
Dimensão Metafísica. Temos aqui um trabalho minucioso de Poteiro, num quadro
repleto de detalhes, de riqueza, no culto de riqueza em nome da nobreza da
Virgem Santíssima, o recurso católico pata entender Tao, a grande mãe que nos
concebeu imaculadamente; que nos concebeu na forma de puro pensamento,
rejeitando os valores mundanos que norteiam a Matéria. Dos dois lados da via,
que representa Tao, o caminho eterno, um mundaréu de gente se acumula para
contemplar o momento de tal beleza e alegria, havendo na celebração uma
saudável fuga temporária da vida rotineira. A comunidade está toda envolvida
aqui, participando, prestigiando, no modo como um artista busca ser
prestigiado, reconhecido, querendo contribuir e desejando fazer algo de bom e
importante par ao Mundo, no inocente desejo de autoencontro, encontrando um
papel (importante) na cena social. A grande Virgem é a maior figura do quadro,
devidamente coroada e adorada por pessoas que sentem que, num feliz dia,
desencarnarão, só levando consigo o Amor que acumulou em Vida, pois a quem não
acumulou Amor, há o inevitável Umbral... A Virgem veste um manto majestoso, tal
qual uma rainha da Festa da Uva desfilando, no culto à imaculada virgindade,
visto que o regulamento do concurso diz que a rainha da Festa não pode ser
casada. É a força da feminilidade, invadindo um mundo tão machista e
patriarcal, um mundo no qual a mulher está condenada a um eterno papel coadjuvante,
servindo apenas para ter filhos, lavar, passar... Então a rainha se impõe,
lembrando-nos de que, sem ela, o Salvador não teria vindo ao Mundo, ou seja, o
que seria do Mundo sem as mulheres? Vemos aqui um pomposo cortejo, e podemos
ouvir a multidão bradando e os instrumentos musicais ressoando em euforia, num
momento mágico em que cada pessoa tem seu lugar reservado, num momento em que a
cena social se revela branda e generosa, tendo em cada cidadão um papel muito
importante, como disse certa vez uma então jovem Elizabeth II: Todos
pertencemos à Grande Família Imperial, ou seja, ao clã metafísico que nos
colocou no Mundo e deste nos tirará, no retorno ao Lar. No flanco direito do
quadro, vemos meninas adornadas com asas coloridas, que representam o desejo de
Liberdade, de alçar voo, de se libertar e passar a atender às demandas do
Mundo, no desejo de se tornar útil e relevante. São como borboletas excitadas
na Primavera, numa explosão de Vida e Sexualidade, havendo na Festa a
celebração da Vida. Atrás da Virgem vemos figuras dançando eufóricas, havendo
na Arte algo tão peculiarmente humano, talvez algo que nos diferencie
profundamente de outras civilizações extraterrestres – o que nos cerca afinal?
Música, Dança e Artes Plásticas, tudo se une aqui em torno da Virgem, na
universalidade do desejo humano em compreender a dimensão acima da Terra. A
Virgem aqui nos rege de forma gentil, nunca se impondo brutalmente, ao
contrário do talento dos ditadores, que acham que é ok reprimir o próprio povo,
assustando este, havendo nas ditaduras uma cópia (muito tosca) da doce
hierarquia que norteia a nobreza da Virgem, a Mãe que nunca força os filhos a
algo. Oh, mas os meios humanos são diferentes, sempre com crueldade, sempre com
egoísmo, nunca se colocando nos sapatos do outro, nunca entendendo as dores do
outro, do próximo. É um horror. Este quadro parece ser uma tapeçaria habilmente
bordada, por mãos graciosas e pacientes, no incessante e vagaroso trabalho de formiguinha,
com passinhos de bebê, num artista que entende que não é possível ir de zero e
cem de um momento para o outro. Aqui, folia e ordem se unem em torno de Tao, o
uno.
Acima, São Francisco e os Pássaros. Uma multidão de pássaros voa em júbilo
ao protetor, que voa livre nos Céus. Podemos ouvir a cantaria dos pássaros em
glória nas alturas. Dourados, os pássaros são a dourada liberdade, na deliciosa
sensação onírica de voar pelos ares. Eles voam de forma organizada, nunca
caótica, e voam em harmonia grupal, nunca atrapalhando um ao outro, numa
comunhão, uma irmandade, num mundo organizado em que o trabalho é a ordem,
havendo tantas e tantas amarras em torno daquele que somente contempla e que nunca
contribui. O Céu é de Brigadeiro, limpíssimo, vibrante, limpo, enchendo os
pulmões de ar e de alegria, no prazer de se viver a Vida com simplicidade e
despretensão. Esses pássaros voam como em procissão, num desfile de Sete de
Setembro. São Francisco voa com vestes majestosas, com um manto esvoaçante, no
vento passando e varrendo a sujeira para longe. Amigo incondicional dos
animais, o santo monta em uma onça pintada, como confetes em um salão de
Carnaval, numa pelagem capciosa, que tem como objetivo “disfarçar” o predador e
garantir a este um outro animal como refeição, no poder da invisibilidade, como
Tao, sempre imprevisto, sempre subestimado, sempre invisível, surpreendendo a
todos num bote, ensinando o poder da Discrição. A onça pintada monta em um
chapéu, que parece ser um óvni. O chapéu é a proteção, no modo como a Fé tem
como objetivo proteger o fiel da Igreja. O chapéu é o telhado, o teto, o lar,
no gesto polido de um cavalheiro tirar o chapéu para cumprimentar alguém, numa
demonstração de respeito. O chapéu é masculino, no poder da palavra de um homem
honesto e idôneo, com a honestidade no fio do bigode. E não cai em desgraça o
homem que não tem palavra? É um suicídio social, e o sociopata vai assim, queimando-se
com tudo e todos. Mais abaixo no quadro, a Flora Brasileira, representada por
vigorosas e verdejantes palmeiras, num Poteiro brasileiro, em busca de uma
identidade nacional, num homem que nasceu após a deflagração do Modernismo
Brasileiro, pegando carona deste, desfrutando dos caminhos abertos por artistas
corajosos, desejosos de transgredir o ranço conservador. As palmeiras são
respaldadas por gramíneas também verdes, na força da Natureza, da Vida, na
força avassaladora de um tsunami, na força da Arte em causar saudáveis
incômodos, no modo como a Liberdade é o principal aliado da Arte. Aqui, o santo
está com as palmas das mãos viradas para cima, no modo como tem que estar quem
vai a um centro espírita para receber um passe, posicionando as mãos de modo a
aceitar aquilo que Tao nos coloca nas mãos, num ato em que a pessoa vê que tem
que aceitar a si mesma, havendo na autoestima a felicidade das pessoas que têm
amor próprio, estando existencialmente confortáveis, pois como posso ser feliz
na cidade X se odeio a cidade X? Tudo aqui ruma num curso comum, na mesma
direção, como tendências estéticas que se tornam universais, marcando épocas,
pois lembro de uma professora de Arte no Ensino Médio, pois a mestra dizia
todos temos que caminhar no mesmo passo ao redor do Mundo, numa comunhão, numa
suruba psíquica. Esta onça pintada tem uma espécie de asa colorida, havendo nas
asas dos anjos uma metáfora para a Liberdade, para a glória do Livre Arbítrio,
e não são piadas nações como os EUA, que primam pela liberdade do cidadão, ao
contrário de certos estados, que forçam, por exemplo, o serviço militar e o
dever do voto. Como posso ter individualidade se não sou livre? Como posso
saber, assim, quem sou? Tao nos fez únicos, realmente, como na genialidade de
um Chico Anysio, o qual construiu uma rica galeria de personagens, sendo
distinto cada um desses. Que sentido teria Tao em criar duas pessoas idênticas?
As palmeiras aqui dançam ao vento do Brasil, numa época – os anos 80 – em que
os ecologistas tomavam força no discurso ambiental. Aqui, vemos pássaros
grandes, mais à frente, e pássaros menores, mais atrás, o que dá uma certa
profundidade ao quadro, como filmes em 3D.
Acima, sem título.
Realmente, Poteiro gosta de cenas de celebração, de interação e integração
social. Aqui, é um dia perfeito, sem qualquer insinuação de nebulosidade no
Céu, muito longe do sentimento depressivo de dias brumosos e frios, como nos
extensos invernos noruegueses, com seis meses de risco de depressão por causa
da meteorologia nórdica. Aqui, guirlandas floridas adornam a rua, representando
a generosidade da Vida na estação do renascimento, do ressurgimento, da
ressurreição da Vida, varrendo a sisudez invernal e abraçando a doçura do
Verão, num país tão tropical como o nosso, com turistas que visitam o Brasil
exatamente para curtir tal clima tropical. Cavalheiros tocam vários
instrumentos, como em uma serenata para uma donzela desejada. É o galanteio. Na
extremidade inferior direita, um pequeno e discreto altar, com velas ardendo,
fálicas, apontando direções, como uma Virgem sugerindo que os filhos adquiram
apuro moral, bondade e nobreza, ou seja, Tao, o classudo. A santinha tem
formato triangular, e parece ser Nossa Senhora Aparecida, a imagem de uma
mulher negra, lembrando o Brasil de seu tenebroso passado escravocrata e
inspirando o mesmo país a abandonar o Racismo para sempre, numa mãe que não
cansa de dizer aos filhos que estes são todos iguais, num país que já evoluiu
muito nesse sentido, enquadrando o crime de injúria racial. As velas acesas são
os corações com fé, no modo como não há prova científica da vida pós Terra, no
desafio que é manter a fé e não deixar que o coração fique amargo nem
empedernido. Várias flores adornam este altar, simbolizando feminilidade, como
vi certa vez vários buquês de flores no gabinete da então deputada estadual
Maria do Carmo, uma mulher extremamente feminina, porém firme. O altar, com
suas pernas, é a sustentação da fé, havendo o incansável trabalho dos padres e
freiras para incutir nos fiéis a ideia de que há uma inteligência suprema que
nos rege, num ente que sempre existiu e sempre existirá, dando a seus filhos o
maior presentes de todo – a Eternidade, o mais fino perfume que pode existir,
numa vizinhança pacífica, onde há violência zero, num lugar onde a pessoa pode
viver em Paz, ouvindo o canto de bem te vis na Rua. As flores são símbolos de
celebração, como num baile de debutantes, sendo depositada nas meninas
debutantes a tarefa de representar tal frescor de renovação da Vida, nos
incontáveis rituais que permeiam a Vida em Sociedade. Neste
céu perfeitamente limpo e arejado, belíssimos seres alados voam com força e
vigor, na força impositiva da Beleza, que acaba se impondo implacavelmente,
dando-nos a mensagem de que há apenas um Tao, apenas um caminho, sem atalhos
traiçoeiros. Os pássaros são exuberantes e coloridos, na exuberância da Fauna
Brasileira, numa riqueza de encher os olhos de biólogos do Mundo inteiro. Suas
plumagens são macias e esvoaçantes, como no luxo de fantasias de Carnaval, na
intenção humana em imitar a iluminação da mente que criou o Universo, com
majestade e beleza, no modo como o Ser Humano elege regentes para que estes
representem tal majestade e altivez. Aqui são como cardumes num aquário,
coloridos, diversos, na beleza da amizade, num amiguinho chegando arrumado a
uma festinha de aniversário, presenteando o anfitrião e comendo negrinho. É
como um desfile de Moda, com roupas majestosas que buscam transmitir as roupas
majestosas que a Natureza veste, na fertilidade da mente que criou este
pequenino e maravilhoso planeta. Aqui, há harmonia, e ninguém parece atrapalhar
o outro, na idealização de uma sociedade na qual só há pessoas boas e
construtivas, sendo assim desnecessário o trabalho de policiais de segurança,
pois a Dimensão Metafísica é absolutamente livre de problemas como Drogadição e
Tráfico. Esses seres são belos e exóticos, um tanto estranhos, no estranhamento
que causam, de início, os movimentos de vanguarda, quebrando paradigmas até
então tidos como supremos e inquebrantáveis. É a jovialidade, a irreverência, o
senso de humor.
Acima, sem título. Poteiro
gosta de impor uma certa ordem a seus quadros, num desejo por organização, por
sedimentação, desejando um mundo melhor, não tão caótico e injusto. Aqui, não
vemos uma cena de festa, mas de labor, de demanda do dia a dia. Três burros
brancos carregam cargas ou homens, com mercadores indo a outros lugares para a
comercialização de produtos, como tecidos, talvez. Os vegetais aqui são cactos,
altamente espinhosos, exigindo que os observemos à distância, com retiro, com
respeito. São os espinhos que coroaram o Salvador, fazendo escorrer o sangue
inocente de um homem que apenas queria trazer à Humanidade um mundo melhor. Os
cactos aqui não estão dispostos de forma aleatória ou caótica, mas de forma
ordeira, como numa plantação, ou numa floresta de reflorestamento, nas
intenções humanas de impor padrões e ordem a uma Natureza naturalmente
desordenada. É como um cavalheiro que delineia sua própria barba, tentando
trazer garbo e beleza a esta folha em branco que é o Mundo. A cor do chão da
terra aqui é vermelha, na vibrante cor da Vida, como no majestoso manto rubro
que Gary Oldman usou em Drácula, na
sede vampiresca em se aproveitar dos outros, fazendo forte metáfora com os
psicopatas, que são verdadeiros vampiros: se eu estou bem, o psicopata fica
mal, para que, assim, eu fique mal e, então, o psicopata fique bem... Cuide-se
com essas pessoas tóxicas! O vermelho é a Vida explodindo em cor, num bebê
coberto de sangue amniótico da barriga da mãe, no choro primordial que traz a
Vida ao Mundo, nas terríveis dores do parto, num momento em que a mulher tem
que ser muito macho. É uma cascata de Vida, como no sangue saindo do elevador em O
Iluminado, nas dores menstruais que castigam o ventre
sangrando às ordens lunares. Aquele que mexer nesses cactos, ferir-se-á, mas
dentro há a recompensa, que é a água refrescante, ou seja, é claro que os
desafios têm seu preço, e a persistência e a coragem são, enfim, recompensadas,
nos frutos dourados da vitória após um árduo momento de esforço, no modo como a
Vida é esforço incessante, havendo apenas curtos períodos de descanso. O
vermelho é a Terra Mãe cheia de Vida, sempre pulsando aos sons rítmicos da
Música Popular Brasileira, na inevitável herança afro no Brasil, num caldeirão
de miscigenação cultural, fazendo da Arte uma porta voz de tais explosões de
percepção – Arte é identidade. Os burricos aqui são da cor da Paz, albinos, e
caminham tranquilamente e sua demanda ordinária de carregar coisas e pessoas. É
a tranquilidade da rotina de trabalho, da ordem do dia a dia, havendo nas
festas um recreio, uma pausa dessa rotina, num momento em que o extraordinário
se revela em sua importância, pois pobre do povo que não celebra. Aqui, os
pássaros também voam de forma ordeira, como se estivessem numa coreografia,
como aviões cruzando os Céus e deixando rastros retilíneos de fumaça colorida.
Os pássaros aprecem observar a cena de trabalho, numa metalinguagem – trabalho
falando de trabalho, ou seja, Poteiro trabalhando, pintando trabalhadores. Os
burros aqui estão totalmente carregados, sendo de absoluta serventia, num
artista cujas mãos foram muito úteis ao Mundo. Os pássaros são como anjos, numa
horda angelical cruzando os Céus em cânticos de Amor e Paz, como uma Virgem
Santíssima cercada de flores e anjos, no implacável poder da Irmandade, pois
tudo o que temos são uns aos outros. Aqui, os espinhos são como cercas
elétricas, dando um recado claro a quem começar a pensar em cometer um delito –
não vale a pena ser espetado aqui, rapaz. O burro da esquerda e o da direita
transportam três homens cada, como os Três Reis Magos trazendo presentes ao
Menino Deus, na linda tradição natalina de se montar um presépio e adornar,
acima de tudo, com a Estrela Guia, que é Tao, o Guia, o recado que nos diz que
somos todos filhos de Imaculada Conceição. A cena transcorre calmamente, num
artista que não tem pressa em produzir, como se soubesse que fazer algo com calma
é ter prazer em
produzir. Quem gosta de pressões?
Referências bibliográficas:
Antônio Poteiro. Disponível em <www.antoniopoteiro.com>.
Acesso 24 jul. 2019.
Antônio Poteiro. Disponível em <www.bolsadearte.com>.
Acesso 24 jul. 2019.
Antônio Poteiro. Disponível em <www.guidasartes.com.br>.
Acesso 24 jul. 2019.
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