quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Abra-se para Abraham



Sua cidade natal é Natal, RN, em 1928. O longevo Abraham Palatnik muda-se ainda nenê para Israel com a família, onde, nos anos 40, estuda especialização em motores de explosão – será que por causa da II Guerra? Ainda em Israel, estuda Arte e volta ao Brasil em 1948, para o Rio de Janeiro, fazendo amizade com diversos artistas. Em 1951, recebe menção honrosa na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, tornando-se pioneiro da Arte Cinética. Suas obras podem custar centenas de milhares de reais cada. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, M 16. São como elegantes colunas em um templo, em um castelo, numa elegância um tanto gótica, numa arquitetura depurada. São galerias um tanto sombrias, como um templo subterrâneo. As colunas são o sustentáculo, a estrutura sobre a qual uma sociedade se estabelece. É como um patriarca, mantendo a família unida, pois depois do falecimento de tal patriarca, as famílias se desintegram caso não surja alguém para assumir o posto vago. Vemos bem ao fundo um vão negro, num lugar aonde a luz ainda não chegou, como nos confins do Universo, com corpos tão distantes que os terráqueos sequer observam com o mais avançado dos telescópios. Aqui não há cores vibrantes, mas cores mais esmaecidas, no modo como um par de óculos escuros preservam o olho dos raios nocivos, mostrando um mundo na penumbra, numa luz suave, que nunca fere as vistas. Este sofisticado templo é o avanço intelectual humano, fazendo com que as sociedades evoluam de rudes tribos neolíticas para nababescas civilizações, como no Antigo Egito, um império então militarmente temido, na tendência humana em se impor por meio da força e da ameaça, diferente de Tao, o pai que dá plena liberdade aos filhos, fazendo metáfora com as democracias, sistemas que buscam fazer com que o cidadão pertença somente a si mesmo, no pensamento liberal, do qual sutilmente discordo, pois deve haver um discreto Estado Mínimo. Aqui, os tons de rosa são a ternura, a cor do Amor e da delicadeza, ou a cor de um belo filé grelhado, rosado no interior. É a Casa Rosada, havendo nas casas grandes símbolos de Poder, na fúria do leão cobrando impostos, com povos fartos de pagar tanto imposto, havendo uma trégua na Dimensão Metafísica, um lugar onde o Leão vira um inofensivo bichinho de pelúcia. Estas elegantes colunas estão em dança, como barras randômicas. É um sistema de fabricação têxtil, num momento em que o Homem parou de se vestir com peles de animais e passou a se dedicar ao trabalho de tear, no modo como há uma cafeteria que conheço na qual senhoras se reúnem no meio da tarde para tricotar (no sentido literal e no sentido figurado). Vemos aqui colunas verdes, que são os troncos das árvores, havendo nos campos e nas florestas roupas majestosas de vegetação exuberante, no talento de Tao em fazer coisas maravilhosas, num Ser Humano que, infelizmente, frequentemente só aprecia os palácios e ignora a Flora. Aqui, parece água escorrendo, como chuva numa janela de vidro, num Ser Humano tão submetido às intempéries climáticas, havendo no Céu Metafísico um clima sempre agradável, sem os flagelos de Verão ou Inverno. Aqui são como muitas e muitas páginas em um livro, em fartas bibliotecas, no acúmulo de Conhecimento, dando a máxima distinção ao humanos na produção de pensamento, derrotando as sombras ignorantes do preconceito. Aqui, são como longos e finos braços com mãos que têm a missão proteger os filhos de Tao, no modo como Aton protegia o faraó herege Aquenaton. As linhas delgadas são a sofisticação da Vida em Sociedade, um plano no qual o indivíduo tem que se arrumar, se limpar e ser polido, havendo naturais sistemas de punição àqueles que faltam com a civilidade, num mundo que reprova a grosseria e o desamor. Quando a civilidade é perdida, vem a Guerra, e Tao nada tem a ver com os caprichos de crueldade do Ser Humano. Aqui, vemos uma dança entre linhas finas e linhas mais grossas, como num código binário, o sistema em preto e branco que traz a mortificação espiritual e faz com que o indivíduo pare de construir tolas expectativas.


Acima, Pirâmide. Acrílica sobre madeira. Qualquer pirâmide é abrasiva e agressiva, como setas apontando para o Céu, para a depuração moral na qual a pessoa vai se desprendendo mais e mais dos bens terrenos, até chegar ao cume, num ponto de sofisticação em que a pessoa se nega a ser uma escrava do Ouro e de tesouros terrenos, rechaçando a filosofia sociopática do “poder pelo poder”, pois tudo relacionado à Matéria não sobrevive à morte física, num ponto em que a pessoa tem que deixar para atrás essas “roupas”, havendo no avarento uma pessoa que simplesmente não aceita a morte do corpo físico, querendo, a todo custo, voltar à Terra, quando o que deve ser feito é exatamente o contrário. Os obeliscos são uma espécie de galo viril, pois os primeiros raios solares da manhã começam a banhar a ponta fálica, iluminando por fim toda a estrutura, num processo em que a Verdade é revelada aos poucos, num processo cognitivo existencial em que a pessoa vai se dando conta de que a Matéria é uma ilusão auspiciosa, havendo na mortificação psíquica e rejeição para tais auspícios, como uma criança que vai se dando conta de que não existe Papai Noel. Aqui, é uma estrutura muito sólida e estável, num paradigma arquitetônico universal, com muitas pessoas crendo que a Terra, quando o Ser Humano era ainda muito tosco, foi visitada e colonizada por seres extraterrestres evoluídos, havendo na pirâmide essa arquitetura tão universal. Aqui, são como camadas geológicas, revelando um lento processo geológico, com várias camadas sedimentadas, como fatias em um bolo, no delicioso fato de que os doces metafísicos não engordam. Aqui, uma bruta rocha foi quebrada, esculpida, no poder transformador das mãos de um artista plástico, produzindo coisas novas a partir de elementos subestimados. É como uma rocha de ametista sendo aberta e desbravada, revelando toda a beleza interior de uma rocha exteriormente tão feia e subestimada, no modo como a beleza metafísica nasce do que a pessoa é por dentro, havendo na beleza física um mero auspício, com uma pessoa mortificada que mal se importa se seu namorado é lindo ou não, rejeitando os conceitos obtusos, num caminho de crescimento e desilusão, na poderosa luz da Aurora, a deusa dourada que faz da Morte uma bobagem ilusória. Nas pirâmides, temos uma metáfora do corpo social com muitos pobres e poucos ricos, havendo na base a classe que mais sofre pressões, na promessa cristã de que os últimos serão os primeiros. No topo, o faraó, o representante de Tao na Terra, na universalidade das hierarquias humanas, como no sistema hierárquico militar, no qual a obediência é a chave para o funcionamento de tal sistema, num corpo social que prevê todas as punições cabíveis àqueles que desprezarem tal sistema, no modo como os presídios terrenos são sucursais do Umbral, o amargo purgatório que flagela aqueles que não têm depuração moral. Este espinho é um aviso expresso – mantenha distância. É uma imposição de respeito, tendo juízo aquele que se recusar a dar murro nesta ponta de faca. As pirâmides são como escadarias para o Céu, no túnel de luz que nos acolhe após o óbito, com espíritos de paz nos guiando em direção a tal luz, para que, assim, entendamos o que é o regresso ao Lar, à proveniência, ao lugar onde somos depurados príncipes, havendo nas dinastias sanguíneas terrenas uma tosca cópia da realeza espiritual, num nobre plano de puro pensamento, no qual os vínculos de famílias não se desfazem. A pirâmide é o símbolo de ambição, num trabalho tão árduo, de arquitetura tão depurada, num faraó construindo o próprio túmulo, no enigma que é o pós-morte, no modo como o Ser Humano teme muito a Morte, evitando lugares como cemitérios e capelas mortuárias. Aqui, temos o formato de gota caindo, só que de forma retilínea, com um orvalho de formando e pingando, na beleza de fenômenos como a geada, quando os gramados parecem ser feitos de cristal. A pirâmide não tem timidez nem recato, e deixa tudo de forma clara, no poder do esclarecimento científico, numa personalidade imponente.


Acima, sem título. Temos aqui um Abraham talvez catarseando um sentimento de melancolia, num lago triste, cinzento, num frio e fechado dia de Inverno, num ambiente sem Vida, sem graça, com peixes tristes nadando num purgatório, numa situação de pobreza e desolação. Aqui, temos uma perturbação sísmica, como num terremoto, num abalo, trazendo desgraça e destruição, instabilidade. É um momento de repentino choque que se abateu em um cenário outrora plácido e estável. É o sentimento depressivo de estar no fundo de um lago aprisionador, sem forças para se reerguer e vencer tais vicissitudes, num processo de reconstrução que leva vários anos. É o modo como as drogas trazem desestruturação à Vida da pessoa, num quadro de dependência química em que a pessoa se torna um mero escravo de uma substância, com traficantes ambiciosos e inconsequentes, que sequer querem saber o que as drogas fazem ao indivíduo em particular ou à Sociedade como um todo. Aqui, temos um choque elétrico, num dedo sendo colocado na tomada, como no infame choque de Lasier Martins na Festa da Uva. É uma pessoa que se acostumou com um mundinho de ilusões e subvalores, tendo que voltar ao Mundo Real, sofrendo, assim, tal incômodo, num remédio amargo que acaba curando o paciente, no inevitável modo como a Dor é típica de qualquer vida, de qualquer encarnado, fazendo com que o indivíduo tenha que conviver e negociar com tal dor, negando-se a sofrer por esta, na promessa cristã de que há um Mundo sem dor, um Mundo que está garantido e que nos espera após o inevitável Desencarne. Portanto, aguente aí. Neste quadro cinzento, tem um tom de vermelho querendo se destacar e querendo trazer mais calor a tal desolador dia invernal, como, por exemplo, nos seis meses de frio na Escandinávia, numa situação em que a depressão pode aflorar. O vermelho de sangue tenta aqui trazer um pouco de calor e alegria, como numa acolhedora lareira, secando e aquecendo uma casa, enquanto, lá fora, o frio mostra as caras, fazendo com que o Ser Humano tenha que lidar com os ciclos sazonais, encontrando peculiaridades e prazeres em casa estação, num ato de contentamento, o qual combate o sentimento de vazio e de inquietação. Aqui, temos ondas magnéticas, ou ondas de som, expandindo-se, explodindo como as perturbações explosivas de uma supernova, ou nas explosões de aeronaves na franquia Star Wars. Aqui, temos um quadro de interferência, numa perturbação, talvez num indivíduo “sacudindo a poeira”, querendo dar uma guinada na Vida, talvez abandonando uma carreira para abraçar outra, no modo como todos temos o direito de querer uma vida melhor, sem tanta privação. Aqui, são as ondas eletromagnéticas de calor solares, banhando o Sistema Solar. É como a energia de uma pessoa, afetando tudo e todos ao seu redor, como na capacidade um artista em tocar e inquietar as percepções das pessoas, na tarefa da Arte em estimular a Inteligência Emocional, o instinto das pessoas, no modo como o Taoismo, por exemplo, só pode ser compreendido instintivamente, estando bloqueado para frios psicopatas. É a vitória do Bem sobre o Mal. Aqui, vigorosos pingos de chuva perturbam a placidez deste lago, fazendo barulho, mexendo com as pessoas, num artista provocador, apimentado, como uma caliente Scarlet O´hara, a dama escarlate que tirou força do fundo d’alma para contornar os horrores destrutivos da Guerra. Aqui, serpentes aquosas se liquefazem, fluindo instintivamente, na força da Vida, das forças da Natureza, como na abertura famosa do programa televisivo Fantástico, revelando Isadora Ribeiro. Então, o artista observa a Natureza e quer ser como esta, influenciando as pessoas. Aqui, um grande vento assola o cenário, talvez um terremoto, um tsunami, nas vibrações que emanam de uma pessoa que tem o poder de unir as pessoas ao redor de algo nobre e vibrante, como num bruxo em uma tribo, agregando as pessoas, incluindo.


Acima, T 10. Vários delgados e elegantes prédios em uma vibrante metrópole, numa cidade cheia de Vida e oportunidades, com gente – como diz em uma canção – fina, elegante e sincera. Muitos elevadores sobem e descem para atender a tal demanda urbana, com casas de suntuosas salas de visitas, recebendo chiques convidados, numa agenda social de fazer inveja a qualquer agenda na Terra. Os elevadores sobem e descem como em ondas, num lugar onde os perfumes e cores são liquefeitos, em fragrâncias divinas, que revelam personalidade de altíssima depuração moral, num lugar em que a vulgaridade, a mediocridade e a mesquinhez nada significam. Abraham faz aqui um jogo entre contrastes, dando um aspecto acetinado ao quadro, com finas roupas de tecido maravilhoso, vaporoso, mais fino do que qualquer tecido na Terra. Este quadro tem cores douradas, numa era dourada, em dias de felicidade em que a bondade psíquica se revela ser uma versão aprimorada das riquezas mundanas, as quais, por suas vezes, são cópias grotescas do ouro espiritual, pois este é eterno, sendo condenada à danação qualquer coisa relativa à Matéria, como mundanas pedras preciosas. Este deslumbrante complexo de prédios elegantes revela refletir um entardecer monumental, dourado, enchendo de significado a Vida da pessoa que busca agir da forma mais moral possível, uma pessoa que está aprendendo a rechaçar o mundanismo, a ambição materialista, uma pessoa que está reconhecendo e desprezando os maliciosos apelos da Sociedade de Consumo, pois, para esta, as pessoas nunca têm o suficiente. Estas elegantes e aristocráticas listras são a sucessão entre Dia e Noite, como na máscara mortuária de Tutancâmon, nos ancestrais modos humanos de compartimentar o tempo por meio da distinção entre claro e escuro, como no contraste barroco, como num código binário, na construção técnica do espírito, tudo em nome da mortificação, da destruição de tolas ilusões materialistas. Nesta urbe, há muita riqueza existencial, e muitas coisas ocorrem ao mesmo tempo, num lugar em que o Tempo não passa, pois, nesta cidade de sonhos, a Força da Gravidade desaparece, e as influências da Matéria perdem toda a força. Aqui, temos muitas pistas de corrida alinhadas, no costume humano de promover competições para ver qual é o merecedor da taça vitoriosa, fazendo metáfora com a vitória do espírito que desencarnou e está pleno, livre e feliz na Vida Metafísica. São como raias de Natação, colocando os competidores lado a lado para haver uma claríssima comparação, mostrando de forma clara quem é o melhor, o campeão. É a ambição olímpica de bater recordes, como numa competição consigo mesmo, vendo o quanto eu posso me aprimorar para me tornar uma pessoa que ama amplamente a Vida, pois, quem não ama a Vida, não é feliz... Portanto, ama esta maravilhosa escola na qual estás matriculado. Aqui, temos um ambicioso sonho de Arquitetura, com obras que ficam impossíveis em nossa precária dimensão mundana. As cidades da Terra precisam de gigantescos sistemas para a garantia de seu funcionamento, como redes de esgoto, de água, de luz etc. E o Ser Humano é sempre ambicioso, querendo construir prédios cada vez mais altos, numa competição, para ver qual nação tem o fálico prédio mais alto do Mundo. Neste cenário tão tenso e retilíneo, a dança dos elevadores traz liquidiscência. E lá estou no elevador, indo visitar uma pessoa a qual amei muito na Terra, na vitória que é o fato de que a Consciência sobrevive ao perecimento do Corpo Físico, no grande plano divino para conosco. Estes elevadores subindo e descendo são como uma sensual respiração, numa Vida que pulsa, com ondas à beiramar indo e vindo, respirando, trazendo Vida e mais Vida a esta preciosa esferazinha na qual estamos encarnados. Contentamento é encontrar beleza nesta prisão, tentando levar uma Vida produtiva, com coisas sendo feitas e negócios sendo resolvidos.


Acima, Vertical ZVV. Uma furtiva gota de sangue é derramada, talvez um herbívoro desavisado sendo vítima de um esfomeado carnívoro. Aqui é como um vidro em dia de chuva, com as gotas caindo, num pranto, num dia fechado e melancólico. Este quadro traz muito da marca registrada de Abraham, com o nome do patriarca Abraão, numa sociedade machista na qual a mulher só é respeitada se for absolutamente desprovida de livre arbítrio, numa prisão, numa mulher que não pode escolher entre abortar ou não abortar um feto. Temos aqui a silhueta de finíssimas taças de espumante, e podemos ouvir o divertido som dos tintins num brinde, num momento de celebração e descontração, no fascínio que os espumantes exercem sobre o Mundo, num gole que causa uma deliciosa sensação de cremosidade na boca. Aqui, são cristais finíssimos, fragilíssimos, ameaçando quebrar a qualquer momento, com colunas que, apesar de delgadas, cumprem a missão de sustentação, no modo como o comportamento fino é mais forte do que o grosso, ou seja, como diz Tao, fraco é forte; forte é fraco, numa lição intuitiva de discernimento, numa pessoa que vive para aprender Tao, o Deus que nos mostra, de forma limpa, perfumada e divertida, que menos é mais. No quadro, predomina a retidão vertical, com pouca liquidiscência. São como gotas condensadas em um vidro embaçado, nas inevitáveis Leis da Gravidade, uma lei que, na Dimensão Metafísica, simplesmente não existe, pois o Pensamento está livre da Matéria, ou seja, a Lei é Razão sem Paixão, sem sofrimento, no caminho de mortificação do espírito – a Mente está sempre sobre o Corpo. Como Tao, que vê o Mundo sem expectativas, podendo, assim, ter Paz. Neste quaro há um claro predomínio de azul, no fascínio de mares e céus azuis, ou como no por do Sol em Marte, na qual a estrela fica azulada. É a cor dos Céus, dos sonhos, da abstração, da metafísica, num Jesus Cristo que trouxe uma mensagem muito à frente de seu tempo, a mensagem de que vivemos abaixo de uma dimensão melhor, havendo na Encarnação uma espécie de casa de passagem, uma casa fadada à ruína, à decomposição, à finitude. Aqui são como cortinas sendo embaladas por doces brisas de Verão, num lugar onde as temperaturas são sempre agradáveis, num lugar em que ar condicionado e calefação são totalmente desnecessários. Aqui, a pessoa acorda em um outro mundo, num lugar tão estranho e familiar, peculiar. É um lugar que podemos chamar de Lar, pois lá estamos cercados de pessoas queridas que já abandonaram seus respectivos corpos carnais. É um saudoso abraço, com amigos se reencontrando, numa eterna festa de recomeço, num lugar onde não há fadiga, fazendo metáfora com a Juventude terrena, havendo nesta uma cópia vaga da plenitude dos desencarnados. Essas linhas elegantes parecem querer passar pelo buraquinho de uma fechadura, como se fosse uma pessoa que soubesse que, para passar, a pessoa deve ser delgada em seus pensamentos, em sua moralidade, fazendo com que a grosseria seja absolutamente incapaz de passar por tal portinhola. Essas elegantes barras querem passar por brechas tão estreitas, na questão do desapego, pois, como diz Tao, se o que você tem você acha que não é o suficiente, então você nunca terá o suficiente! São delgados os dedos que se desfazem dos anéis. Aqui, é a grossura de um livro extenso, com muitas páginas, no incrível trabalho que foi a constituição da Bíblia Sagrada, uma espécie de colcha de retalhos, os quais, colocados juntas, fazem sentido em termos gerais. Quase ao centro do quadro, uma brecha escura, imprevisível, nos mistérios da Vida, com coisas as quais não nos é permitido descobrir, ao menos não descobrir por enquanto, no modo como cada revelação tem seu tempo. É uma brecha de porta que conduz a um quarto escuro, em algo que ainda está por vir, por ser revelado. São os negros confins do Universo. É a discrição da cor do luto, no modo humano de dar esta cor ao Desencarne, num Ser Humano que não tem como saber cientificamente o que nos aguarda após o óbito. Estas linhas de Abraham são como rastros numa pista de corrida, e podemos ouvir o som dos carros correndo, numa pessoa competindo consigo mesma, tentando se superar.


Acima, Zebra. Resina de poliéster. A Seleção Natural faz com que os seres desenvolvam mecanismos de sobrevivência, no modo como a estampa desta zebra a ajuda a ficar discreta e camuflada, para, assim, ficar livre de predadores, no modo como a Vida é sobrevivência, fazendo com que um artista, com décadas de carreira, conserve a capacidade de se reinventar, esforçando-se para ser o mais inédito e criativo possível, no modo como há tantos artistas talentosos que simplesmente não souberam sobreviver a uma determinada década. Esta zebra translúcida é Tao, o invisível, o imprevisto, aquele que sempre surpreende, tramando uma surpresa em cada esquina, no senso de humor divino. Estas listras são como impressões digitais, com o cidadão sendo registrado por meio das digitais, no divertido modo como não há duas pessoas com as mesmas digitais, desbravando uma cena do crime, cena na qual o criminoso deixa sua marca. É uma eterna criatividade, com um Tao sempre criando, sempre elaborando, no modo como uma pessoa só é feliz se laborar, inventar, criar. Esta simpática zebrinha nos convida a embarcar nela, levando-nos para passear pela rica Flora Africana, havendo na biologia da Terra uma prova do poder de criação de Tao, o criativo. As linhas aqui não são tensas ou racionais, mas tortuosas, formosas, e podemos ouvir o prazeroso som do vento beijando as folhas das plantas, como num Éden, um lugar que nos convida ao descanso, fazendo com que nos despluguemos dos estresses do dia a dia, só tendo Paz aquele que não for escravo das tensões, negando se estressar. Estas listras são como barras em uma prisão, ou um código de barras, uma impressão digital industrial, numa dança entre barras finas e grossas, num código binário, em preto e branco, na magia glamorosa de fotos de artistas em preto e branco, um charme que sobreviveu ao advento da foto colorida, pois na imagem em P&B há mais simplicidade, e é belo e limpo tudo o que é simples. São como dunas esculpidas pelo vento, numa areia imaculada, convidando-nos ao desbravamento, à agressão, como uma bola entrando triunfante em uma goleira, no prazer da desvirginação, num atleta motivado, que entra em quadra querendo muito vencer, tendo garra, vontade, tesão, no modo como um bom trabalho é aquele que a pessoa faz com tesão e motivação, pois, sem Amor, não há prazer. Aqui, são muitos galhos de árvore, expandindo-se como veias ou raios de tempestade, nas forças naturais, num artista querendo jogar um olhar emocional e intuitivo sobre tais forças, num adulto que já foi criança, observando deste pequeno as deslumbrantes forças da Natureza, numa prova do poder de Tao, o onipotente. Esta zebrinha de Abraham não tem patas, como se não precisasse fugir de um predador. É como um cavalo sendo calçado por ferraduras, na imposição de Disciplina às forças tempestuosas do Ímpeto, como numa cavalaria tendo que ser controlada pelo Juízo, pelo Siso, no caminho de maturação que transforma criança em adulto. Estas listras fazem uma sensual transição entre dia e noite, como uma Lua sendo engolida por um eclipse, como um dragão esfomeado, sendo furado pela lança fálica da Racionalidade. É como uma pintura ritualística de alguma tribo indígena, no modo humano de sair de vez em quando da rotina e abraçar um momento especial de celebração, celebrando o Corpo Social, num índio enfeitando-se para tal gesto de celebração, como numa pessoa se arrumando para ir a um baile de gala, nos rituais sociais de interação, imitando a limpeza e a beleza metafísica. Aqui, são como persianas as quais deixam passar listras de luz, deixando um cômodo na penumbra, num dúbio momento entre dia e noite. São como folhas de palmeira, escondendo um pouco daqui, revelando um pouco dali, no jogo sensual de um striptease, atiçando o desejo entre mostrar e esconder, nunca entregando completamente o jogo, nunca sendo óbvio, nunca sendo tedioso. Aqui, são como entranhas de penhascos, com sulcos, atraindo a água para o fundo de vales, numa Natureza que se autorregula.

Referências bibliográficas:

Abraham Palatnik. Disponível em <www.bolsadearte.com>. Acesso 28 ago. 2019.
Abraham Palatnik. Disponível em <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso 28 ago. 2019.
Abraham Palatnik. Disponível em <www.enciclopedia.itaucultural.org.br>. Acesso 28 ago. 2019.

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