quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Dias de Vida e Arte



Craque do Modernismo Brasileiro, o longevo pernambucano de nascença Cícero Dias (1907 – 2003) foi o sétimo de onze filhos. Entre 1925 e 27, conheceu modernistas no Rio de Janeiro e começou a estudar Arte. Em 1937, fixou-se em Paris e ficou amigo de Pablo Picasso. Dias foi preso pelos alemães durante a ocupação da França na II Guerra Mundial, e nos anos 40 expôs pela Europa. Em 1965, a Bienal de Veneza fez uma retrospectiva sobre CD. Uma obra do artista pode custar até 650 mil reais. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Casal no Barco. Como é plácido este lago! Que delícia! A superfície está completamente inabalada, num artista centrado, que encontra muita paz em seu dia a dia, na felicidade das pessoas produtivas. O barco é o invólucro, o lar, o pertencimento, preservando o casal de se afogar. O lago é como um espelho, na necessidade de uma pessoa que tem que se conhecer, olhando para si mesma, no caminho da autoaceitação, levando a Vida de um modo mais simples, sem tantas ambições que abalam a calma. O casal não sorri, mas também não está triste. Eles estão estáveis, como numa inabalável equação, sendo um igual ao outro, apesar de parecerem ser tão diferentes um do outro. É claro que o remo aqui é fálico, penetrante como uma agulha, numa penetração incisiva e precisa, dando o diagnóstico certo e certeiro. É a abreviação, a simplificação trazida pelo Pensamento Racional, num remo muito fino e elegante, quase invisível, impecável em sua discrição, como se soubesse que qualquer coisa poderá abalar a estabilidade deste lago espelhado. É como se o barco estivesse numa superfície vítrea, a qual, apesar de ser fina, é forte, como uma pessoa carregando o Mundo nas costas. O casal está fazendo amor, só que de uma forma doce e calma, como se soubessem que o Mundo não vai acabar. São os traços simples (e quase infantis) do Modernismo, no movimento transgressor que veio para renovar a percepção do brasileiro, na aquisição de uma identidade nacional, como no grande desafio frente ao Cinema Brasileiro – estabelecer uma identidade. O barco parece ser leve como uma folha seca flutuando, numa fragilidade passiva, que inspira ser protegida. A impressão que se tem é a de que qualquer leve brisa poderá perturbar a folha flutuante, no modo como é leve e agradável a pessoa fina, que trata os outros com respeito e delicadeza, no perfume metafísico – as fragrâncias mundanas são uma mera cópia do perfume psíquico, pois de que adianta um psicopata assassino usar um perfume fino e delicioso? Atrás do casal, a Flora Brasileira explode em todo seu esplendor, num ecossistema único no Mundo. Parecem ser esfuziantes fogos de artifício, na euforia da virada de ano, com grandes auspícios, enchendo de encanto os olhos de quem vê o espetáculo de luz explosiva. Esta mata, aqui, é bem colorida e diversificada, e são folhas retilíneas, espinhosas, fálicas, como se fosse uma releitura retilínea das aquosas linhas curvas da Natureza. Como é colorido o Modernismo! O homem veste branco, clamando por Paz, num homem que quer simplesmente curtir a Vida ao lado da mulher amada. Aqui, temos uma submissão patriarcal, pois quem está no controle do barco é o homem, cabendo à mulher um papel passivo e coadjuvante. Em outra leitura, talvez a mulher, aparentemente secundária aqui, exerça um papel sutil, porém poderoso, ditando ao homem qual direção tomar. Neste quadro, temos muita estabilidade, controle emocional, num momento eternizado. Logo abaixo da mata, vemos morros curvilíneos, como nas curvas de uma mulher exuberante, na beleza da Mulher Brasileira. Os morros são voluptuosos, e são doces, sem arestas, sem agressivos espinhos, na face doce de todo trabalho árduo, pois onde há aspereza, há lisura. A mulher parece ser mulata, mestiça, ao contrário do homem de pele pálida. A mulher usa um vestido rosa, da cor da feminilidade, do perfume, das coisas agradáveis. Seu decote é generoso, no modo sensual e tropical da Mulher Brasileira. Aqui, temos uma plácida ausência de expectativas.


Acima, Menina na Sacada. A menina está um tanto entediada, talvez tendo que matar tempo num estilo de vida que a fez uma dona de casa de luxo, cheia de criadagem. Uma verdejante palmeira explode à direita, como no estouro de uma supernova avassaladora, como uma Gisele, ditando tendência capilar ao redor do Globo. É o eterno desejo do artista em ser valorizado e reconhecido, com tantos e tantos talentos que jamais foram reconhecidos em vida, havendo no Desencarne uma libertação, com o artista deixando para trás um mundo tão duro e insensível, no remédio amargo que faz surtir doce efeito. São os sacrifícios. Atrás da palmeira explosiva, uma parede rubra aveludada, num tecido delicioso, na sedução táctil de peles de animais, numa deliciosa e gentil cama, convidativa, da qual não queremos sair jamais. É a sensação deliciosa de Lar. Quase ao centro do quadro, um vaso com flores delicadas. O vaso é a domesticação, a disciplina, numa planta forçada a viver em cativeiro, num processo tolhedor, em que arestas de rebelde personalidade são domadas e polidas, numa pessoa que teve que aprender a acalmar seus próprios “cavalos” de ímpeto. A planta no vaso passou por um processo apaziguador, e sua explosão, apesar de continuar bela, é mais contida e comedida. É como esta mulher, com sua feminilidade sendo aprisionada por um mundo tão masculino e competitivo. É como um bicho em cativeiro, sendo condicionado, domesticado, suavizado, numa pessoa que aprender a ter calma, como se soubesse que Roma não foi construída em um só dia, numa pessoa plácida, observando as estações climáticas ir e vir. Ao fundo no quadro, temo um pitoresco vilarejo, deserto, silencioso, como no silêncio desta mulher que pousa pacientemente para o pintor. A vizinhança está impecável, com casas devidamente pintadas, num cenário de vizinhança feliz, numa pessoa vivendo em Paz os dias da Vida. É um morro, convidando-nos ao esforço para que possamos subir ao cume, ao topo da pirâmide social, e é lá que está este mulher, numa posição social privilegiada, abastada. A mulher aqui tem o papel passivo, como um vale, atraindo para si as águas da chuva, no poder gravitacional da pessoa com Tao, colocando-se na posição mais inferior e subestimada, acabando então, invisivelmente, por tomar conta de tudo, no poder de um ímã passivo, sempre quietinho no seu canto, sempre humilde. É como uma mulher que, de forma passiva, acaba conquistando seu homem, atraindo este por suas ladeiras que levam sempre para baixo, como no poder passivo da aranha, que tece a ardilosa teia e aguarda por um inseto desavisado. E o artista tece tal teia, esperando captar a atenção e a valorização do público, nos sonhos de um artista em se tornar famoso e bem cotado, um sonho que, infelizmente, nem sempre se torna real. A mulher senta languidamente num divã, como se estivesse numa paciente sessão de Psicoterapia, abrindo ao terapeuta as gavetas da mente, querendo saber os porquês em sua vida. Ela veste um vestido com tecidos delicados, frágeis, na cor do Mar, como uma Iemanjá, banhando a areia, trazendo Vida e fartos peixes aos pescadores. Esta mulher é recatada, e não tem o vestido decotado, mas um vestido discreto, cheio de pudor e resguardo, e mal podemos observar as formas de seus seios. Seu ventre é um tanto aparente, e pode estar grávida, no papel que uma mulher de luxo – trazer ao Mundo filhos do marido, numa vida entediante, sempre vivendo na sombra de um homem, algo que está ok para a Sociedade Patriarcal, na qual a mulher tem que ser representada por um homem, sempre. Este colorido quadro tem as cores de um prisma, e são casaríos nobres, não de favelas. São como as ladeiras do Pelourinho, convidando-nos a um passeio pelo Passado. Esta mulher não cruza as pernas, seguindo a norma misógina de que as mulheres não podem ter ou expressar sexualidade, cabendo um papel transgressor a algumas mulheres corajosas, que ousam desafia o stablishment machista. Seu rosto é jovem seu cabelo não tem fios brancos. É um jovem estreando na vida de mulher.


Acima, sem título. Aqui, temos uma mulher independente, que dirige seu próprio barco, tendo o controle de sua própria vida, segurando por si só o fálico remo, dando a direção que quiser dar à vida. Ela está bem calma e relaxada, e seu semblante plácido esboça um suave sorriso, talvez numa pessoa feliz com a própria vida, como um artista existencialmente preenchido, feliz em fazer o que faz. Estas águas são doces como a Vênus de Botticelli. A mulher está recostada e lânguida, talvez pensando em deitar e dormir ao doce embalo de águas tão agradáveis. O Sol a banha sem queimá-la, e o barco boia como numa sessão de massagem, em que os músculos estão sem tensão alguma, num momento de entrega, numa pessoa que, pela primeira vez na vida, deixou de fazer sexo para fazer amor, num coito doce e calmo, no qual há total intimidade entre os amantes, no modo como um verdadeiro amor pode fazer com que a pessoa, antes se sentindo tão perdida e solitária, possa encontrar uma lua feita de cristal, cheia de Verdade, no fato de que se compra tudo, menos Amor, que é o que importa, havendo na prostituição a cópia grotesca de tal Amor, pois a prostituição é uma fria transação de negócios. Estas águas fluem e arrastam a mulher, e ela passou pelo artista, como se este tivesse tirado uma foto em tal momento, no poder da obra de Arte em eternizar momentos, na ambição do Ser Humano em controlar o Tempo, a Cronologia, havendo na Dimensão Metafísica tal ausência de Tempo. Atrás da mulher, uma orla de areia doce e limpa, num lugar que ainda não foi tocado pela porquice do cidadão que joga lixo na areia. A areia aqui é como um delicioso pão quentinho, na questão cristã da Transubstanciação, em que comemos a carne de Jesus, no momento precioso de comunhão, em que todos nos sentimos gêmeos dentro de um mesmo útero, na simplificação que é colocar vários objetos em um mesmo saco, organizando o Caos e simplificando as relações – somos iguais em divindade; somos filhos de Tao, o eterno mistério, pois passaremos a Eternidade tentando conhecer este Pai, e não é a Eternidade um poder que não pode ser medido? Mais ao fundo no quadro, lindas folhagens, não só verdes ou amarelas, mas azuis também, talvez nas cores da Bandeira Nacional do Brasil, numa identidade tropical colorida, vibrante, cheia de vida luxuriante, como exuberantes aves tropicais, exercendo o fascínio brasileiro ao redor do Mundo. As folhagens farfalham, e o cenário é uma delícia, como os meses de Inverno em Salvador, com temperaturas entre 21 e 25 graus centígrados. Este lago parece ter várias vias, como numa estrada com várias pistas, na intenção humana em impor ordem a um Mundo tão selvagem. O barco aqui tem cor de tijolo, de construção, de casa, no paciente trabalho persistente de empilhar peça por peça, como um artesão mortificado, que observa sem expectativas o Mundo, pois quem tem expectativas, frustra-se invariavelmente – não é amargo, desnorteante e desmotivante o sabor da frustração? A mulher aqui é mulata, mestiça, no caldeirão único brasileiro de miscigenação, na beleza das raças que vão se misturando, deixando para trás o purismo e trazendo todo esse sabor brasileiro. A mulher veste um cândido vestido rosa, como um chiclete tutifruti, num delicioso perfume, como numa fruta doce e madura, como uma bela maga suculenta, na magia das frutas, frutos de invenção de Tao, o generoso. Este rio tem cores de formidável harmonia cromática, e traz um perfume azul, nas cores mediterrâneas, nas vastidões aquosas de um planeta que é mais “Água” do que “Terra”. A mão da mulata conduz suavemente o remo, como se soubesse que o bom governante é aquele discreto, quase invisível, que faz com que o povo se sinta naturalmente seguro, num regente que interfere o mínimo possível no dia a dia do cidadão, sempre pensando neste, sempre pensando com delicadeza e respeito, pois não são insuportáveis os autocratas? Esta mata aqui é densa, e é como uma sala de estar natural, com fofas almofadas e quadros e papéis de parede com vegetação acolhedora e sensual – é o prazer de uma boa conversa e uma bela sala, com calma, numa vida sem as vicissitudes cronológicas.


Acima, sem título. É claro que temos aqui um CD flertando com o Impressionismo, com pinceladas afoitas que, de longe, têm sentido; de perto, não. O Mar aqui está revolto, cheio de ondas, talvez num dia de muita ventania, com a Natureza mostrando impiedosa força. Vemos uma reunião de moças elegantes, com suas sombrinhas coloridas e femininas, e a única moça sem sombrinha é a que está de frente para o espectador. O resto das moças está numa secreta reunião, de costas para o espectador, fabricando segredos que jamais veremos. Parece que a moça cuja face podemos ver está excluída. É o sentimento de exclusão, de rechaço, de discriminação, numa pessoa que se sente menosprezada pelo Corpo Social, condenada a uma vida de retiro e resignação, contentando-se a observar tudo de longe, nunca se sentindo parte de algo. É o sentimento que se apodera do artista cuja obra ainda não foi reconhecida, numa pessoa que se sente invisível; ignorada. Esta moça está recatada, com os braços ligeiramente cruzados, observando a reunião desta panelinha. A moça até quer entrar para o grupo, mas está polidamente esperando por um convite, como se soubesse que de nada adianta se impor perante um grupo que ainda não deu sinais de aceitação e acolhimento. Podemos sentir em nossas faces este vento litorâneo, com o agradável odor de Mar, de orla. Podemos ouvir o som revolto das ondas, talvez num Mar um tanto inóspito, pouco hospitaleiro, só entrando no Mar um homem com coragem, como um surfista ou um pescador. Não é um Mar que acolheria estas frágeis senhoritas, com suas roupas esvoaçantes e perfume inebriante. Suas leves roupas esvoaçantes farfalham ao vento, por vezes revelando sensualmente a forma de seus quadris, glúteos e seios, ou de suas pernas. A mulher de rosto revelado pode ser uma criada, uma aia, uma pessoa que nasceu num contexto social não muito privilegiado, condenada a uma vida de subserviência, de árduo trabalho doméstico, na crueldade das diferenças sociais, diferenças que, na Dimensão Metafísica, dissipam-se, pois lá não existem riquezas mundanas, ou seja, lá, a Pirâmide Social é horizontal, e a hierarquia não gira em torno de dinheiro, mas de depuração moral. Vemos aqui uma vegetação florida, talvez numa época primaveril, com flores douradas, silvestres, que não tiveram que ser plantadas ou cultivadas, nos gratuitos presentes que a Natureza nos traz, nunca nos cobrando pelas belezas naturais, pois Tao não cobra; Tao inspira. As cores deste grupo são predominantemente em tons pastéis, suaves, desmaiados, recatados, como cores de um enxoval de bebê. A única sombrinha mais marcante é a da frente, rubra, chamativa. Talvez seja a sombrinha da líder do grupo, uma líder que ousa transgredir, como na chic transgressão de Coco Chanel, libertando as mulheres de certos paradigmas estilísticos. Talvez este seja um vulgar e mundano momento de fofoca, pois o fofoqueiro nada mais tem a fazer com a própria vida. A mulher sem sombrinha está alheia a toda esta frivolidade, e rejeita esta malícia que é o processo de fofoca. Esta moça olha para o grupo sem se identificar muito com o mesmo. Podemos ouvir o som de risadas femininas. É como se fossem galinhas no galinheiro, em torno do milho, competindo pela comida. A moça revelada não se interessa por isso, e está retirada para, polidamente, “comer” sua parte correspondente. Aqui, as sombrinhas são o resguardo, protegendo do Sol e da Chuva, no modo como cada pessoa tem que construir sua própria sombrinha, no caminho da autoestima, preservando-se de danos e de machucados. As pontas superiores destas sombrinhas são pontiagudas e agressivas, e a moça revelada não demonstra qualquer agressividade – talvez esta moça precise desenvolver agressividade, pois aqui temos uma cena competitiva, cena na qual cada mulher tenta se destacar e se sobressair. É a luta por um lugar ao Sol, como num jogador de Futebol dando tudo de si, apertando e passo para correr atrás de uma bola.


Acima, sem título. A sedutora Lua está alinhada com o cavalheiro que faz a serenata. É uma noite romântica, com a magia do luar em uma agradável noite tropical, e podemos ouvir não só as notas do brasileiro cavaquinho como também dos grilos nos canteiros. Barcos estão atracados, plácidos, calmos sobre uma água estática e pacífica, doce. Os barquinhos atracados são juízo, o siso, a estabilidade de uma pessoa que cresceu e que não mais quer ter os ímpetos imaturos de infância, adolescência e pós adolescência. O traje azulado do músico entra em harmonia com as cores enluaradas e o mar espelhado, numa calma que nem uma bomba atômica poderá perturbar – e não é feliz quem sabe que Roma não foi construída em um só dia? O cavalheiro aqui se aprumou, e colocou sua melhor roupa para galantear uma moça. Quase ao centro do quadro, temos um retângulo vertical que revela duas moças interessadas na serenata, e elas ouvem atentamente. Não há sorrisos aqui, e os rostos de CD são frequentemente plácidos, mas não tristes. Aqui, temos uma pessoa que se convenceu de que, na Vida, é necessário ter muita seriedade. É a seriedade de um artista debruçado sobre a própria tela e sobre as próprias pinceladas. Abaixo das moçoilas, vemos uma breve escada e um corrimão. É a inacessibilidade, num rapaz que vai ter que penar muito até ser aceito pelo pai da pretendente. A escada é o esforço, uma força empreendida, no modo como, ao beijar o fundo do poço, a pessoa tem que empreender um esforço titânico para se reerguer. As duas moças ouvem, e talvez estejam apaixonadas pelo mesmo homem, e aqui não podemos saber por quem este está apaixonado. Uma das moças está sentada de forma recatada, limitando-se a ouvir a música, com suas pernas colocadas sem estar cruzadas, talvez num sinal de timidez. A outra moça está só com a cabeça para fora da porta, como se tivesse medo ou receio de se revelar por completo, como se soubesse que a serenata não é para si. O rapaz aqui é mulato, na brasilidade apaixonada dos Modernistas, empenhados em lutar por uma identidade cultural, um feito inédito até então, libertando-se da Arte Acadêmica, que mais tem a ver com a Europa do que com o Brasil. Este rapaz me lembra de um senhor negro de Porto Alegre, que varava pela boemia vendendo flores para casais apaixonados, e este senhor tinha sempre sapatos impecáveis. É a delícia da Vida Noturna, uma vida que foi feita para o fervo da Juventude. CD gosta muito da típica Arquitetura Brasileira, um artista que se tornou um verdadeiro embaixador da Arte Brasileira. A placidez deste pintor está revelada em seu traço, na felicidade de uma pessoa que encontrou paz e tranquilidade em seus dias de labor, como uma Patricia Pillar produzindo um documentário sobre Waldick Soriano, um trabalho feito com dedicação e muita calma, pois não é insuportável ter pressa? Este quadro é cortado por uma brecha, talvez no rapaz querendo abrir uma brecha e entrar na vida da moça amada. É uma porta entreaberta, que nem está fechada, nem escancarada. O rapaz terá que ter muito zelo e cautela para entrar na vida da moça, pois a família desta está completamente debruçada sobre o rapaz, analisando-o e julgando-o. Ser aceito e ser aprovado é um desafio. Várias partes do quadro trazem tons de vermelho, na cor da paixão, dos namorados, de caixas de bombons e buquês de rosas, como num apaixonado Professor Girafalez, presenteando a mulher amada, com uma paixão indisfarçável, muita clara e perceptível para o Mundo ao redor. Não dizia a marchinha carnavalesca que “a Lua é dos namorados”? É uma pessoa que, no fundo, sempre quis descobrir tal Lua de cristal e, ao encontrar esta, passa por uma experiência de Vida, uma experiência única, por um momento no qual não há quantidade, mas qualidade. Os jovens neste quadro estão com os olhos despertos e arregalados, num estado de consciência, numa pessoa que acordou do sonho e partiu em busca da realização deste, no famoso termo “deve haver um por cento de inspiração e noventa e nove por cento de transpiração”. É a disciplina de sentar e produzir, mas sem se tornar workaholic, como me dizia um prezado professor: “Não se estresse demais”.


Acima, sem título. Temos aqui um Cícero variando de estilo, escapando um pouco do que costumava pintar com frequência. Temos aqui um quadro totalmente tenso, sem aquosidade. É como se as formas buscassem produzir alguma letra, algum texto, numa pessoa querendo se comunicar com o Mundo, talvez tendo dificuldade para se expressar, trilhando um árduo caminho até o ponto do autoencontro. Aqui, é como um sonho de Arquitetura, ou num painel grandioso em algum hall suntuoso, na grandiosidade da Arte, num artista que pensa longe, que pensa grande, muito distante de ser simplório – o artista tem lá sua ambição, é claro, o seu sonho, e não é vazia uma vida sem sonhos ou aspirações? É ir à luta, atrás de tal meta. A maioria das cores aqui é sisuda, discreta, profunda. O fundo é de um azul turquesa bem profundo, fechado, numa seriedade, numa sobriedade. A forma preta é o luto, o imprevisível, no inevitável mistério encarnatório – por que passei, passo e passarei por tudo isso? Até a pessoa se dar conta que encarnar é como escolher as cadeiras a cursar numa faculdade. O preto é a inevitável mancha, naquele pontinho preto no Sol, naquele eterno pontinho negro no Sol, impedindo ao encarnado de desfrutar, por hora, da total felicidade metafísica – é só uma questão de tempo. O vermelho é de um batom, na mulher de vermelho de Matrix, contrastando com um mundo tão sério, tão cheio de adultas responsabilidades, na necessidade do indivíduo em desenvolver senso de humor, sempre capaz de captar as piadas de Tao, o grande piadista, nas inevitáveis ironias que pontuam nossas vidas. As outras cores aqui são neutras, desmaiadas, retiradas, comportadas. O desmaiado azul é um Céu de Brigadeiro, só que um céu meio dodói, doentinho, inspirando cuidados. É o sentimento depressivo de não encontrar prazer em coisas que, anteriormente, davam prazer. Aqui, é como uma vista em perspectiva de fachadas de imponentes prédios, erguendo-se altivamente, impondo-se, numa cidade que está crescendo e desenvolvendo-se, como no caminho de crescimento do espírito, que está encarnado para encarar situações de vida que causarão depuração, como num personagem em um filme, um personagem que cresce, que aprende e que se torna uma pessoa melhor, menos fútil. Podemos ouvir o som de carros e coletivos passando, deixando no ar seu hálito de poluição, nas demandas de uma selva de pedra, tomando o lugar das florestas, no fato de que não há outro jeito – o Progresso tem lá seu preço. Aqui são como prédios concorrendo para ver quem tem o falo maior, para ver quem é o mandachuva, o dono do campinho, quem tem o poder e a influência para mudar os rumos da História. É a luta pela Vida, num mundo competitivo, num lugar onde tenho que me empenhar para ser único, pois se sou único, ninguém poderá competir comigo. É o processo de Identidade, como na personagem Mulan, de Disney, que corta os cabelos e vai à Guerra para descobrir quem ela própria é. Aqui, é como uma letra querendo se expressar, querendo se fazer entender. É uma complexa malha viária, num labirinto. São curvas truncadas, duras, sem sinais de sensualidade feminina, sem as curvas da Garota de Ipanema e sem as curvas da própria praia de Ipanema. Aqui, é um ambiente técnico, na fria relação aluno/professor, num âmbito em que prevalece a fria Razão, sem chance para as paixões sofridas, no caminho de construção racional, positivista: “Ordem e Progresso”. É um elegante desfile de elegantes moças, num charme e num porte de uma mulher que sabe carregar com elegância um vestido, no deleite de vermos uma boa modelo desfilando, mostrando seu charme e seu profissionalismo, pois não é toda mulher que tem porte... É como na elegância de um cavalo, um dos animais mais divinos concebidos por Tao, o classudo. Aqui, são como vários tacos de golfe, numa competição acirrada, como vários espermatozoides cortejando o mesmo óvulo.

Referências bibliográficas:

Cícero Dias. Disponível em <www.bolsadearte.com>. Acesso 18 set. 2019.
Cícero Dias. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 18 set. 2019.

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