quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Um Almirante da Arte



Nascido no Rio de Janeiro em 1925 e falecido na Alemanha em 2018, o pintor alemão de origem brasileira Almir Mavignier adquiriu renome internacional na Arte Concreta e Op Art. Estudou Arte na cidade natal e em 1951 fez sua primeira exposição individual, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, ano em que adquiriu uma bolsa de estudos em Paris. Fez centenas de cartazes para exposições artísticas e culturais, e acreditava na Arte como meio de terapia ocupacional. Teve obras expostas na Bienal de Veneza de 1964 e no MoMA, em 1965. Em 1967, primeiras retrospectivas, em Munique e Hannover. Naturalizou-se alemão em 1981, mas permaneceu importante em terras brazucas. Fez várias mostras entre 1989 e 2000, como no Museu de Arte Contemporânea da USP. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, sem título. Uma quadra de tênis toda calejada, com as marcas das furiosas bolinhas amarelas, assim como fica calejada a mão do artista de longa carreira, já pegando a malandragem e a manha. Aqui, as bolinhas parecem competir umas com as outras, num páreo duro, pois todas são iguais em potencial, entrando numa disputa muito justa. É um quadro que chama à organização, como pingos perfeitos de chuva, sem irregularidades, sem acidentes, sem arestas. É o caminho de depuração do espírito, fazendo com que este sinta a necessidade de aprimoramento, sentindo o cheiro de estagnação e repetitividade. São as cores do Mar, da Mãe Mar. É uma rede de pesca, farta, abençoada por Jesus, trazendo fartas pescas, alimentando muitas bocas numa esfomeada família, como num ninho, em que irmãos passam a competir pelo alimento e pela atenção dos pais, nos primeiros momentos em que a Vida em Sociedade vai se revelando uma grande competição, no culto à vitória. É como uma caixa com ovos, com tudo organizado, na gloriosa sensação de organização que paira sobre a pessoa que está sabendo ter uma vida produtiva, centrada. Aqui, são como muitas e muitas luas em torno do mesmo planeta, mas as luas neste quadro estão devidamente organizadas e catalogadas, como no acervo de um museu, expondo os itens de forma racional e pertinente, no prazer de se entrar em contato com as obras de artistas, de pessoas com a capacidade de criar coisas novas. Aqui, é como um vestido cintilante de paetê, no fascínio de uma mulher arrumada e bela, pronta para um baile, um evento, um jantar, no prazer de autoestima que se abate sobre a pessoa que quer se colocar da melhor forma possível. Aqui, são como loucas luzes numa boate, num espaço em que a Noite seduz os boêmios, lançando Música e luzes, tudo para seduzir, como um empresário da noite, construindo uma nababesca casa noturna, tornando-se o Rei da Noite, num contexto boêmio que pertence ao fervo da Juventude, pois as pessoas mais experientes querem paz e quietude. Aqui, é como um numeroso cardume de peixes azuis, camuflados para ser confundidos com a água, protegendo-se assim dos predadores, no modo como a Discrição trata de proteger a pessoa, pois a pessoa que atrai muita atenção sobre si mesma não é uma pessoa muito respeitada... Aqui, é como um fio de fibras óticas cortado, e podemos observar cada fio que compõe o conjunto, no modo científico de cortar e dissociar as coisas, fazendo análises. É como um organismo vivo cortado ao meio, revelando entranhas, como numa ecografia, revelando coisas que o olho humano não vê. Aqui, temos uma árvore cortada no tronco, revelando os mecanismos de transporte da seiva, como vias de uma cidade vibrante, movimentada, no sonho da pobre camponesa Teresa, criada por José Clemente Pozenato, em querer se mudar para São Paulo, para um lugar vibrante, com amplas avenidas, teatros e cafés, com muitas conduções transportando coisas e pessoas. Aqui temos um instinto grupal, com seres que sabem que estão protegidos se ficarem unidos, como numa família, em que o membro adoentado é cuidado pelos irmãos.


Acima, sem título. Um grande prédio se erguendo, com um topo em forma triangular, numa cidade cheia de Vida, com uma grande necessidade de fornecimento de energia elétrica. O verde oliva é a floresta, a reserva ambiental, no modo como o Mundo se debruça sobre o Brasil, exigindo a tomada de medidas antidevastação. É o verde do azeite de oliva, numa deliciosa harmonização com um vinho. As cores verde e rosa remetem à tradicional escola de Samba Mangueira, no modo como os artistas brasileiros acabam sendo muito influenciados pela cultura popular nacional, numa mescla cultural muito única e rica, fascinando o Mundo pela sua sensualidade e força vibratória. O rosa é o aconchego, o acolhimento, como um morador de Rua sendo recebido em um abrigo, recebendo alimento e cobertas para dormir, no esforço caridoso de fazer algo de bom para o próximo, na questão da pessoa se colocar nos sapatos do outro, entendendo como este se sente – amar é compreender. Almir gosta muito de suas inúmeras bolinhas, fazendo com que elas componham uma forma geométrica, num trabalho paciente e meticuloso, como um pai zeloso, cuidando do ninho. É algo que remete a um certo artista plástico, o qual usa tampinhas plásticas para compor cenários coloridos. Aqui, são como ponteiros de relógio, num ângulo querendo completar 360 graus, querendo fechar um ciclo, no modo como os produtos comercializados, por exemplo, têm um ciclo de vida, surgindo como novidade e tendo tal novidade, depois de um certo tempo, esgotando-se, virando um “abacaxi” e acabando por “morrer” mercadologicamente. É como o ciclo de um ser vivo, fadado à Morte, como num inevitável prazo de validade, num espírito que tem que ter o que fazer neste espaço de tempo que lhe é dado na Terra. É a inevitabilidade da passagem do Tempo, com forças orgânicas trazendo o envelhecimento e, em compensação, trazendo ponderação e sabedoria à pessoa vivida. São os ciclos lunares regendo a Terra, nas magnéticas forças gravitacionais que regem o Cosmos físico, trazendo a influência da Matéria. É o ciclo das estações, esquentando e esfriando, numa cômica dança, pois enquanto é frio no hemisfério de cima, é calor no de baixo, numa prova do senso de humor de Tao, aquele que tudo planejou, pois Tao está sempre trabalhando, elaborando, tirando também um tempinho para descansar. Aqui, são gotas rosas de uma doce chuva de verão, na brincadeira de crianças tomando chuva na quente estação, no modo como uma chuvarada veranil traz alívio a um dia abafado. É a contagem regressiva para entrar no ar um programa de televisão, numa contagem regressiva para algum lançamento de veículo, como um foguete. É o fato de que todos temos dentro de nós uma contagem regressiva, pois, cedo ou tarde, deixaremos a Carne para trás, abraçando a vida metafísica. Aqui, são como asas de anjo batendo, ansiosas por Liberdade, no modo como é abençoado o cidadão que vive num país livre. Temos aqui um bailarino abrindo os braços, numa onírica obra de Arte, no momento mágico de uma cortina teatral abrir, revelando a imagem do sonho de um diretor de Teatro, na suntuosidade do Theatro São Pedro, de Porto Alegre. Aqui, temos um Almir trabalhando com espécies de pixels, colocando pontinho por pontinho. É o rastro de uma brusca freada, deixando uma marca, uma cicatriz, como num rosto envelhecido, mostrando todo um caminho já percorrido, no modo como a pessoa é educada sempre a respeitar os mais velhos. Esta porosa estrutura rosa não é egoísta nem narcisista, pois não quer desesperadamente se apossar do quadro, tendo uma estrutura translúcida, sempre deixando respirar, sempre deixando o ar passar, nunca asfixiando ambiciosamente, como se soubesse que temos que deixar uns aos outros livres. É como o Ar, sempre invisível, sempre subestimado, num artista que aprendeu o valor de ser como o Ar. Esta estampa de bolinhas deixa o fundo transparecer, na beleza transparente de uma peça de cristal. É uma majestosa ave voando livre.


Acima, sem título. A habilidade de Almir em construir pacientemente com tantas bolinhas. Dá um efeito degradê, ou gradiente. Bolas de diferentes cores e dimensões se intercalam, formando uma comunidade harmônica, em que cada agente é uma parte importante dos elos sociais, talvez num Almir nos ensinando a lição de que o Corpo Social deve ser recheado com mais respeito e menos egoísmo. O fundo rosado é cândido, como num picolé sabor morango, em felizes memórias de infância, na piscina ou na praia, numa época deliciosa na qual a única obrigação da criança era estudar. Podemos sentir a brisa suave de Verão embalando sensualmente as folhas das árvores, como num dia de hoje, 9 de setembro, um dia atipicamente quente em Caxias do Sul, com as ruas da cidade varridas por ventos vigorosos. Almir nos traz algo um tanto cintilante, como num vestido de lantejoulas, na magia colorida de um baile de gala povoado por mulheres em seus múltiplos vestidos coloridos, quebrando a sisudez bicromática dos smokings dos cavalheiros, no choque entre Razão e Loucura, entre Yin e Yang, no momento social de flerte. São como várias estrelas em uma paisagem galáctica, com esfera de vários tamanhos, havendo aqui uma organização astronômica da NASA, na árdua tarefa de nomear e catalogar as muitas e muitas estrelas, e as muitas e muitas galáxias, numa tarefa inacreditável que equivale a catalogarmos cada grão em um punhado farto de areia, na ainda incompreensível vastidão cósmica. Vendo este quadro de longe, vemos o efeito gradiente, como uma superfície metálica reflexiva, como uma peça metálica sendo fabricada, no modo como o artista se sente esta “fábrica”, tendo que desovar as obras, distribuir e vender as obras, como uma fêmea colocando seus ovos ou parindo seus filhotes, numa explosão de criatividade produtiva, no modo como a obra do artista, mesmo se vendida, continua pertencendo ao artista, assim como um filho, apesar de casar e sair de casa, continua sendo um filho. Vemos aqui uma tela de proteção, cheia de furinhos, como na proteção de apicultores, ou uma pessoa passando protetor solar, no positivo instinto de preservação, numa pessoa que aprendeu a amar a si mesma, no caminho cognitivo da autoestima, pois como posso amar o Mundo se, a princípio, não amo a mim mesmo? Esta tela é como uma prisão, retendo animais num zoológico, e é o cárcere encarnatório, a inevitável e bela prisão, num artista que tem que resolver o que fazer com o tempo que lhe é jogado nas mãos. É uma rede protetora nas janelas de um apartamento, com pais zelosos que querem prover aos filhos um ambiente seguro, transmitindo valores e estimulando a criança a se centrar desde cedo. É como um filtro, não deixando passar certos elementos. É uma purificação, um processo industrial de filtragem, ou um controle ecológico, numa indústria que trata seus próprios dejetos antes de jogar estes na rede de esgoto. É a teia da aranha, filtrando o ar e não deixando passar um inseto desavisado, numa posição passiva, como um sociopata, que tece suas ardilosas teias para manipular e explorar outrem. Aqui, é como um abrasivo ralador, talvez ralando queijo ou cenoura, processando alimentos. Aqui, é como uma esteira industrial, com vários biscoitinhos passando e sendo embalados. São como várias moedinhas catalogadas, no trabalho de um artista plástico, agregando elementos primordialmente dissociados, mostrando uma visão, um ponto de vista, uma sensibilidade, com mãos transformadoras, de artesão, metendo a mão no barro e jogando-se ao prazer de produzir, pois não é desinteressante a Vida de uma pessoa que não produz? Aqui, são várias explosões em série, com um bombardeio planejado e premeditado, nos horrores bélicos que assassinam crianças, na infeliz tendência humana à estupidez. Aqui, são como bolhas numa garrafa de espumante, no fascínio de um espumante geladinho na noite de virada de ano. É a vitória de um corredor de Fórmula 1, havendo na vitória mundana uma metáfora com a vitória de sobreviver à morte do próprio corpo carnal.


Acima, sem título. Uma coluna vertebral quebrada, dissociada, talvez por uma mente científica ávida por dissociar e analisar por partes, no modo como são compartimentadas as especialidades médicas. São como gavetas sendo abertas e fechadas, e podemos ouvir o barulho do dia a dia de uma casa, com barulhos de portas sendo abertas e fechadas. Vendo a obra de longe, o efeito que se tem é de quatro latas metálicas empilhadas, desafiando a Lei da Gravidade, nos ambiciosos sonhos de Engenharia, querendo construir prédios que pareçam desafiar as regras que regem a Dimensão Material, querendo se parecer ao máximo com os prédios futuristas de Os Jetsons. Essas latas coloridas dão cor a um profundo fundo negro, imprevisível, com mistérios que só serão elucidados no devido tempo, com surpresas sendo preparadas, como amigos organizando uma festa surpresa. Aqui, é como uma fila inquieta, com pessoas inquietas, impacientes, mexendo-se e vendo quando serão atendidas. São como carros frenéticos, querendo ultrapassar uns aos outros, como numa concorrência empresarial ou industrial, numa corrida em nome de inovação, em nome de invejáveis concepções de Marketing, com empresários concorrendo para ver qual deles cai mais nas graças do Povo. Podemos ouvir o som dos carros acelerando, numa competição acirrada. É como um videogame, na tensão competitiva de dois ou mais jogadores, no modo como os games podem ser viciantes. Aqui, são como bobs de cabelo numa mulher se aprumando, nos rituais de aprumação, numa pessoa com autoestima, querendo se colocar da melhor forma possível para um momento de interação social, talvez visando chamar a atenção de algum pretendente. É o garbo, nas memórias de Infância que tenho, com meus pais saindo para algum compromisso social, deixando seu perfume se espalhar pela casa logo antes de sair. Aqui, é como cilindros de um pujante motor, como numa cidade de pujança industrial, agropecuária ou turística. É como a força de um atleta superpreparado, treinado, sabendo que tem que entrar no jogo sem subestimar o oponente, pois, se subestimo, sou pego de surpresa. Aqui, é como se um grande cilindro fosse cortado em cinco partes, num processo dissociativo, de desconstrução, como pegar um muro e dissociar cada tijolo. É como mapear uma região, classificando em áreas de Serra, de Litoral, de Depressão etc. São como unidades federativas que formam um só país, e, apesar de tal dissociação, há uma certa unidade, num poder federal que busca respeitar as particularidades de cada região. São como muitos carretéis de linha, como na paixão de Iberê Camargo por carretéis, com fios enrolados, como a cobra preparando o bote, como se a cobra soubesse que, se quero vencer, tenho que antes me submeter, numa pessoa que, ao parecer que anda para trás, na verdade está andando para frente, no discernimento taoista de agir sem chamar a atenção, pois se podem observar minhas pretensões, serei fracassado. Este jogo de Almir entre bolinhas pacientemente colocadas lembram um trabalho de serigrafia, ou até uma xilogravura, como “carimbos” numa esteira de produção, dando riqueza cromática ao clichê, como num Andy Warhol, produzindo diferentes imagens em meio a um mesmo “carimbo”. Aqui, é um jogo de xadrez colorido, num jogo entre Luto e Vida, na negra gruta que temos que desbravar, trazendo cor e contentamento a uma Vida tão séria e exigente. Os cilindros se colocam no centro do quadro, talvez querendo galgar um “antes” e um “depois”, no modo como grandes personalidades marcam época, tendo em Jesus Cristo o maior astro de todos os tempos e que, mesmo assim, não é unanimidade, ao menos para os islâmicos, os judeus e os chineses... Aqui, temos uma unidade que não é exercida por meio da força, por meio de estados totalitários e opressores. É uma união leve e arejada, num líder que sabe que tem que respeitar o pacato dia a dia do pacato cidadão.


Acima, sem título. Uma cidade perfeitamente quadriculada, sem curvas sensuais ou insinuantes, mas quarteirões altamente planejados, como os circuitos dentro de um aparelho eletrônico. É uma estampa, num estofado, ou num papel de parede. Pode ser um tapete felpudo, e podemos ouvir o som do aspirador limpando o carpete, nos rituais por trás das sessões de faxina, numa rotina de limpeza e purificação que faz com que as casas limpas se pareçam ao máximo com as casas metafísicas, pois a limpeza de Tao rejeita o desnecessário e repudia a sujeira, fazendo da preguiça o meio para se atingir o minimalismo, atendo-se ao básico necessário, sem frescuras nem excessos, pois se o que tenho não acho que é o suficiente, então nunca terei o suficiente; se não estou o tempo todo querer mais e mais, posso ter Paz – e não é infernal a Vida sem Paz? Aqui, temos uma total disciplina e organização, com as bolinhas sendo ordenadas, numa vida centrada, com cada coisa guardada na apropriada gaveta, no modo como os meios de organizações de computadores, com suas pastas, fazem metáfora com a organização mental da pessoa. Aqui, são vários olhinhos nos olhando, ávidos por um espetáculo, por uma demonstração da fé em Tao, a Pai que é doce e delicado como uma azaleia florescendo, anunciando a renovação do frescor de Primavera, pois Tao é o renovador, o banho tomado, o perfume comportamental. É uma grande caixa de ovos, com os produtos organizados, opondo-se ao caos das fúrias naturais, na intenção humana em “domar” as forças do Id, do Inconsciente, da gaveta instintiva animal. Temos aqui uma cidade na qual é absolutamente simples de se locomover, em oposição a cidades que não foram planejadas, a cidades que cresceram de forma desordenada, no inevitável caos urbano que faz com que só os nativos saibam se locomover perfeitamente. É como uma plateia totalmente cheia, na expectativa de se assistir um bom e esperado espetáculo, como num show de um grande popstar, de uma grande dama do Teatro, como numa Marília Pêra, que dizia ficar contente com um teatro cheio e ficar triste com um teatro vazio, na decadência de certos artistas, cujos ingressos de show encalham, no modo como a seriedade da Disciplina tem que existir, pois só terei sucesso se eu for competente, como me disse um grande amigo. Aqui, é como a grade de um ralo, filtrando as impurezas e só deixando passar o líquido, no diário ritual de banho renovador, no modo como na Dimensão Metafísica estamos sempre limpos e perfumados, emoldurados por uma luz, na prova do poder imenso e infinito de Tao, a razão de tudo. Aqui, é como uma grade de prisão, no termo “ver o Sol nascer quadrado”, na infelicidade de um presidiário, pois estar na cadeia é a prisão dentro da prisão, pois mesmo quem não está na cadeia já é um pouco prisioneiro... Aqui, são como verdes limões organizados, num dia de feira, com senhoras donas de casa com seus carrinhos, fazendo as compras para abastecer o Lar, como uma índia ianomâmi coletando coisas na floresta, na universalidade da divisão de tarefas – homem faz isso e mulher faz aquilo, como nas brincadeiras de infância, nas inevitáveis imposições sociais entre brincar de boneca e brincar de carrinho, pois a Sociedade tem certas expectativas em relação ao gênero da criança, tolhendo o comportamento considerado anormal. Aqui, temos um sistema perfeito, sem anomalias, sem arestas, num contexto de ponto pacífico, em relação a algo que a pessoa bateu veementemente o “martelo”, adquirindo certas verdades inabaláveis como, por exemplo, querer se relacionar amorosamente com pessoas que tenham o mínimo de maturidade. É um sistema inclusivo, onde ninguém fica de fora, pois Tao é o Pai que jamais se esquece de filho algum. É como uma peça de Teatro na qual todos têm papel de igual peso e importância, fazendo com que o indivíduo se sinta feliz e satisfeito em ter um papel tão relevante e essencial, na sensação de pertencimento, de Lar, de família, de carinho.


Acima, Zero. Uma patente sendo aberta, no total momento de privacidade da pessoa, num momento tão íntimo que sequer seu íntimo cônjuge pode ver. O zero é a base, a referência, o ponto de eterno retorno, como no feto no fim de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, no retorno ao Lar primordial, à barriga imaculada de Nossa Senhora, a Virgem Concepção da Glória Metafísica. Aqui, são duas argolas dissociadas, perdidas, e poderiam estar aliadas, formando algo novo, unindo forças, como a união de forças entre marido e mulher, da conveniência da vida de um casal, numa divisão de tarefas. Os zeros são buracos de fechadura, no fetiche de espiar a privacidade de outrem, no pecado indiscreto da curiosidade. A palavra “zero” está aqui escrita em tom bordô, ficando discretão à frente do fundo negro, quase invisível, numa pessoa que não quer aparecer mais do que o próprio trabalho, como um ator que opta por uma vida retirada e discreta, como se soubesse que já está devidamente exposto devido ao trabalho como ator, estando exposto nos Meios de Comunicação de Massa, como a Televisão – se sei quando tenho o bastante, estou livre das instabilidades da Ambição. O zero é a Disciplina, no espartano corte de cabelo do soldado, numa vida absolutamente disciplinada, como fazer corrida em um rigoroso dia de Inverno vestindo uma simples camisa regata. É o esforço de uma pessoa que sabe que tem que se doar ao trabalho, mas sem aspirações de workaholic, na tênue linha que separa autoestima de disciplina. Os zeros aqui ficam em evidência frente ao fundo negro, num Almir querendo chamar nossa atenção para algo, no deleito que sente o artista que vê que está recebendo a devida atenção, sendo insuportável ser ignorado. O zero com o texto dentro é mais rico, mais privilegiado, nas regalias sociais em torno de poder e dinheiro, sendo que os “bancos” metafísicos só guardam uma coisa – Amor incondicional, havendo no dinheiro uma cópia brutalmente tosca do Amor, pois o Ser Humano é obcecado em obter mais e mais poder, e nisso se inclui o Dinheiro. O numeral zero sem o texto é mais leve e elevado, como se soubesse do poder do desprendimento, no modo como o Dinheiro pode trazer muita miséria existencial ao homem rico. Aqui, são dois sistemas solares, duas galáxias, só que uma é rica e outra é pobre, nas inevitáveis diferenças sociais, no modo como o Comunismo falhou em tentar dizimar tais diferenças – sim, vivemos em um Mundo desigual, infelizmente. Então, a depuração espiritual se torna necessária para o abrandamento, entrando em cena a Hierarquia Espiritual – os de maior Moralidade regem os de menor, e é só fazer o teste: finja que você deixou cair uma cédula de dinheiro na Rua, e se a pessoa que viu o dinheiro cair não lhe avisar, essa pessoa não tem muito apuro moral. É a seriedade da Encarnação. Aqui, temos uma conta bancária zerada, pobre, no modo como o Desencarne despe a pessoa de todas as suas posses mundanas, havendo no Umbral a pessoa que simplesmente não aceita o Desencarne, o que é um absurdo, pois o desencarnado tem que estar absolutamente feliz com tal libertação – quanto mais mundano sou, mais sofro, como um pobre diabo sociopata, uma pessoa que não vê algo além da Matéria. Aqui, um zero está horizontal e o outro está vertical, como se quisessem se diferenciar um do outro, num esforço para se obter individualidade e identidade, diferenciação, no fato de que não há duas pessoas iguais, pois qual seria o motivo de haver mais de uma pessoa como eu? Um desses zeros é feliz; o outro, nem tanto. Um deles é centrado; o outro, vazio. É como se fossem Yin e Yang, abraçando um ao outro, na tradição social de casais heterossexuais dançando num baile, num momento social de beleza e alegria, nas tentativas do Ser Humano em entender e magia rica da agenda social metafísica, o lugar onde a Beleza é avassaladora e irrefreável. Almir nos coloca opostos aqui, para que possamos ver a contrastante oposição entre significado e a ausência deste.

Referências bibliográficas:

Almir Mavignier. Disponível em <www.bolsadearte.com>. Acesso 28 ago. 2019.
Almir Mavignier. Disponível em <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso 28 ago. 2019.
Almir Mavignier. Disponível em <www.enciclopedia.itaucultural.org.br>. Acesso 28 ago. 2019.
Almir Mavignier. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 28 ago. 2019.

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