quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Claro Talento



O francês Yves Klein (1928 – 1962) nasceu filho de pintores. Pouco antes de falecer, fundou um movimento chamado Novo Realismo. O site de YK é de boa qualidade. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Globo Azul. Parece que o Mundo foi todo inundado, e que sequer sobrou o monte Everest para contar a história. É como na inundação de Noé, quando Deus ficou furioso com a falta de apuro moral do Ser Humano, na ira patriarcal, como num islâmico radical, sem a fineza diplomática para respeitar as diferenças, no eterno e perene talento do Ser Humano para a briga e para o desentendimento. É como na caótica e recente inundação da cidade de Veneza, trazendo caos e desalento, ou como na grande enchente de 1941 que assolou a cidade de Porto Alegre, no modo como a Dimensão Material é exigente na forma como tragédias formam oportunidades para que haja solidariedade, com voluntários que decidem ajudar de alguma forma, no sentido da Caridade, que é ajudar sem ambicionar receber algo em troca. Porém, a gratidão é uma virtude; a ingratidão, um problema. Por exemplo: no ano de 1985, eu cursava a segunda série do Ensino Fundamental. Um coleguinha meu, destro, caiu de um cavalo e quebrou o braço direito, ficando impedido de ir à aula. A cada dia de aula, um coleguinha levava para casa o caderninho do acidentado para transcrever a matéria do dia, e eu fui um dos colegas que fez este ato de amor fraternal. Nove anos depois, em 1994, quando eu era colega desta pessoa no Ensino Médio, este colega me agradece me insultando... Este globo é uma referência ao estudo, à produção de Cultura Erudita, esta ferramenta tão necessária para fazer um país culto, educado e sábio. É a Disciplina, este ingrediente tão fundamental para quem quer fazer algo de destaque benéfico. O globo aqui está respaldado, enaltecido, erguido, reverenciado e destacado, como uma mulher que foi desposada para ser tratada como uma rainha. É a metáfora do salto alto, esta febre permanente entre mulheres, erguendo a mulher a um patamar superior, numa mulher que se dá ao respeito e que quer o melhor, nunca aceitando migalhas, como ser a mera amante extraoficial de um cara. A fita métrica arredondada é o modo humano de medir as distâncias e estabelecer referências organizacionais, na forma de contar o Tempo ou de traçar limites entre terras, enchendo os lugares de nomes e graças, na tarefa de catalogar e classificar uma Natureza tão confusa e caótica. Abaixo do globo, vemos um globinho negro, como se fosse a versão em miniatura, numa metalinguagem – globo falando de globo. É como se fosse a versão sisuda do globo azul, exercendo uma sisuda atração gravitacional, no termo “colocar os pés no chão”. É o juízo, a responsabilidade de adulto, no modo como tenho um amigo alcoólatra, que não se trata e nem quer adquirir responsabilidade sobre sua própria vida. As varetas negras que sustentam toda a estrutura são como patas negras de aranha, amedrontadoras, ameaçadoras, num quadro agudo de aracnofobia. É como uma pessoa que vai chegando devagarzinho, sempre invisível, sempre subestimada, para, enfim, dar o “bote”. E este globo nunca para de girar, nos incessantes dias e noites se revezando, no modo humano de reservar algo apropriado para cada etapa do ciclo rotacional terrestre. Este azul é nobre e discreto, nas majestosas vestes de um rei, ganhando o respeito do povo, sempre agindo de forma minimalista, sempre evitando afetar o pacato dia a dia do cidadão comum, pois o próprio rei tem que viver em simplicidade, nunca supervalorizando o palácio nem subvalorizando a beleza dos campos de seu reino, no modo como elementos da Natureza podem se tornar símbolos de determinados reinos, como na flor de lis ou no lótus. É a necessidade humana de abraçar a Natureza e encontrar beleza e propósito na criação de Tao, o Rei dos reis, numa inevitável hierarquia. A Geografia tenta trazer Lógica ao Caos, demarcando Tempo e Espaço, no ainda imaturo modo humano em compreender algo tão vasto, tão ambicioso.


Acima, Relief Portrait of Arman. O amarelo e o azul formam um contraste, que chama a atenção do olho. O homem está sem pernas, limitado, impedido de caminhar, como se tivesse sofrido um acidente que acabou fazendo com que as pernas fossem amputadas. São as inevitáveis limitações da Vida, no sentido de que ninguém pode fazer tudinho o que quer, fazendo com que, na “luta”, muitos “anéis” sejam perdidos, deixando os dedos nus ou quase nus. O homem aqui não olha para o espectador, talvez ignorando este. O homem para o Céu, talvez almejando um sonho, um ambicioso projeto, no modo como os projetos de artistas são esses sonhos, essas ambições, no desejo antissimplório de promover comoções, impedindo que a Arte passe despercebida ou ignorada. O fundo amarelo é dourado como o ouro saqueado por ladrões em tumbas de faraós, na avidez de bandidos que roubam até placas de bronze de monumentos públicos. É a obsessão humana por matéria, por coisas, por dinheiro, por referências mundanas, na vulgaridade medíocre de mentes que simplesmente ignoram o que vale, que é o Metafísico. Este amarelo é um reconfortante amanhecer, banhando de ouro campos e parreirais, num momento que nos dá ideia da perene beleza das terras metafísicas, as quais nos esperam após o Desencarne, com entes queridos já falecidos, entes que nos recebem belos e felizes, no meu intenso desejo que conhecer, lá no Céu, meu bisavô Joaquim Pedro Lisboa – um dia encontrar-me-ei com ele, sim. Este tom de azul é representativo nas obras de Calvin Klein, digo, Yves Klein, num tom que traz discrição e nobreza, no deleite que é interagir com uma pessoa que tem polidez no fundo de seu coração, como num fino lustre de cristais, hipnotizando-nos com seus miniarcoíris, numa transparência que faz metáfora com a transparência das intenções de pessoas com crescente apuro moral, ou seja, gente fina, mas não no sentido materialista. Esta obra tem um intencional charme, como se estivesse inacabada, fazendo metáfora com o fato taoista de que tudo é processo, tudo é depuração, tudo é crescimento, e todos somos obras inacabadas, sempre havendo espaço para uma nova lição, num caminho do termo “cada vez melhor”. Este homem é atlético, como num Jesus crucificado, na beleza dos corpos que tanto inspiram artistas, havendo no porte atlético a intenção de saúde e disposição, num Tao que quer o melhor para nós. Este homem não é um gurizote, mas aparenta ser um homem maduro, adulto, apesar do corpo jovial. Ele tem um olhar sério, num homem vislumbrando obstáculos e vicissitudes, nos percalços que vão nos fazendo pessoas melhores, pois qual seria o sentido de uma tediosa vida sem lições ou desafios? Portanto, coragem! Esta nudez é inocente, e não chega a agredir, no modo como a Arte é o caminho antimalícia. Este homem paira no ar, como um fantasma, ou uma aeronave, e ele se sustenta sozinho, sem precisar de um suporte. É como uma alma de consciência tranquila, que sabe que nada fez de Mal, na sensação de desapego e alívio em torno de um coração que não agiu com dolo, pois entre errar sem querer e errar de propósito existe um “abismo”, numa linha divisória muito clara entre espíritos bons e espíritos não tão bons. Este homem está solene, como num busto de algum digníssimo cidadão, enfeitando praças, no modo humano de ver na virtude e no respeito o enfeite para praças materiais que buscam se parecer ao máximo com as praças metafísicas, sendo estas lugares de Paz inabalável. Este homem está aprumado, de cabelo cortado e barba feita, como se estivesse preparado para um momento de interação social, como inaugurar algum monumento ou placa, como num príncipe presidindo algum evento inaugural em seu reino, representando toda a família real, havendo nesta um poder simbólico forte. É engraçado, pois, apesar de estar num evento social solene, o homem está nu, havendo na nudez a metáfora com a Transparência, num cidadão que é visto sem “roupas”, sem “maquiagens”, sem esconderijos, revelando-se digno e respeitável.


Acima, Sculpture tactile. Aqui, é como um radar, sempre girando para dar conta dos acontecimentos dentro de um vasto reino. São quatro faces, como as quatro estações do ano, ou como os quatro elementos primordiais. É como um ser com quatro olhos, multifacetado, como numa visão de 360 graus de abrangência, num desejo de onisciência, onipotência, como numa casa de Big Brother, repleta de câmeras, microfones e espelhos traiçoeiros, com subcelebridades que, em geral, são completamente esquecidas após o término da temporada do televisivo. Aqui, é como um robô programado para captar tudo, como numa tecnocracia de ficção científica, com estados totalitários nos quais o cidadão é integralmente vigiado e controlado, quando que, na verdade, o cidadão só é feliz se é livre, fazendo com que tantas pessoas queiram morar numa perfeita democracia como os EUA. Aqui, é como se fosse um tacape, uma ferramenta que mete medo e impõe respeito, no falo patriarcal, dizendo para que o cidadão mantenha distância e comporte-se (se este mesmo cidadão quiser evitar ser severamente punido). Aqui, é uma torre de observação, olhando para todos os pontos cardeais, como numa torre de controle num presídio, numa constante vigilância, num olho que nunca dorme, como no terrível olho de Sauron, o grande tirano que quer controlar tudo e todos, pois quanto menos Tao tenho, mais controle desejo obter... Aqui é como uma caixa de correspondência banhada de neve, na magia branca de gramados que amanhecem cobertos de neve, como se fossem feitos de açúcar, na raridade que são as nevadas no Brasil. Aqui, é uma casa com quatro janelas, com cada janela para uma etapa específica do ano, com os encantos de cada época, de cada estação, de cada fase da Vida, no modo como é maravilhoso o fato de que, na Vida, não existe retrocesso, mas apenas progresso, fazendo com que a pessoa se desencante com os meros sinais auspiciosos, adquirindo sobriedade, em oposição a uma pessoa bêbada, a qual faz metáfora com o vício em tais auspícios ilusórios. Este forte pilar sustenta algo, como num altivo pescoço de Nefertiti, na força de um pescoço que tem que sustentar uma pesada coroa, um pesado papel representativo, no peso que cai sobre a cabeça coroada, numa pessoa que, no papel de líder, tem que se colocar sempre por último, pois se sou um autocrata vaidoso e arrogante, como poderei ser bom rei? Aqui, é como uma caixa de passarinhos, só que com várias portinholas de entrada, talvez num ninho compartilhado, com mais de um pai ou uma mãe. Podemos ouvir o som do canto dos pássaros, como num pássaro sazonal, que só traz seu canto em uma época específica do ano, no reconfortante som de bem te vis, trazendo paz a uma vizinhança arborizada com casas bem mantidas, bem cuidadas, bem amadas. Estas “janelas” negras contrastam com a caixa branca. São olhos de pupilas dilatadas, próprias para se ver no escuro, no instinto de um animal que aprendeu a se adaptar à noite, no modo como o Ser Humano tem uma grande capacidade para a adaptação. Na base desta obra de Yves Saint Laurent, digo, Yves Klein, temos o responsável suporte, a base sobre a qual as noções civilizatórias são edificadas, no modo como o caminho da Humanidade é o crescimento, e o advento do Humanismo, a noção de que todos somos filhos legítimos de Tao, só que uma noção que nem sempre é contemplada... E de que adianta eu ir à missa no Domingo se, ao colocar o pé para fora do templo, esqueci de tudo o que o padre disse lá dentro? A Vida é um incessante trabalho de autovigilância, e esta torre de observação está sempre atenta às menores insinuações de malícia e de maldade, como num poderoso antivírus de computador, sempre atento à menor insinuação de vírus digital, vírus programados por mentes brilhantes, mas mentes que não amam o Mundo nem amam seus irmãos, num poder usado para o Mal. E é neste ponto que entra o Coração: se tenho inteligência e bom coração, usarei uso de tal ferramenta para o Bem.


Acima, sem título. A delicada flor se sustenta por um fragilíssimo caule, o qual parece que vai ruir a qualquer momento, na contradição da delicadeza – o delicado se impõe sobre o rude, sobre o grosso, sepultando este. É o discernimento taoista – fraco é forte; forte é fraco. É uma lição que só pode ser entendida intuitivamente, pela mente de pessoas de bom coração, numa doutrina bloqueada para sociopatas, os quais zombam de Tao, do Bem, da Paz, e isso é muito fácil de se observar – o sociopata acha, expressamente, que o Mal é mais interessante. Este caule é sinuoso, como nas curvas de uma topmodel, como na sinuosidade da logomarca da Unisinos, imitando as curvas do Vale dos Sinos, o qual é, quase obviamente, sinuoso. É a sensualidade da serpente, a qual em muitas culturas é associada à Fertilidade, à Fecundidade, seja do solo, seja do útero. É o poder da liquidiscência, impondo-se sobre o que é duro e inflexível. É o frágil e feminino pescoço de Nefertiti, sustentando uma coroa tão descomunal. Esta flor de YK tem um aspecto esponjoso, e é de uma cor que traz um tom tão predileto de Yves. Esta flor parece uma complexa colmeia, e podemos ouvir o zunido das abelhas em incessante labor, como numa pessoa trabalhadora, laboriosa, que sabe que os frutos só vêm com trabalho, numa espécie de alimentação, como um artista, constantemente alimentando o Mundo com Arte. Esta flor está um tanto inacessível, retirada, desafiando alpinistas. É um doce fruto de vitória que só pode ser conquistado por alguém muito competente e persistente, como numa mulher difícil, que impõe vários obstáculos aos vários pretendentes, visando, assim, valorizar-se perante estes, na questão de que não dá para a pessoa se “vender” por um e noventa e nove. O caule é um longo caminho, talvez numa pessoa que trabalhou muito em vida, conquistando uma gorda aposentadoria, como num maratonista chegando, exausto, à linha de chegada, exaurido, quase morto, mas vivo para desfrutar da glória vitoriosa. É uma linha condutora que nos guia em meio a um traiçoeiro labirinto, levando-nos ao centro do labirinto, na resolução de um mistério, num grande desafio, numa pessoa que se vê tão motivada frente a tantos percalços. Este caule é uma fina coluna de fumaça, anunciando algum incêndio, algum sinistro. É como a cordinha que prende um balão volátil. A cordinha é o porto seguro, a âncora, o juízo, no termo “ter os pés no chão”, no fato de que um artista deve, é claro sonhar; mas deve também ser realista na hora de tirar os projetos do papel, no desafio que é a um artista concretizar sonhos de Arte, como nos rabiscos de Christo e Jeanne-Claude, planejando suas majestosas instalações, num casal que, apesar de tantas glórias alcançadas, nunca conseguiu concretizar todos os seus projetos. Esta flor é como uma fumaça azul, numa colorida supernova explodindo, nas vestes oceânicas de azul, remetendo-me à imagem de Iemanjá no calçadão de Capão da Canoa, no modo como os astronautas, na Lua, veem a Terra como uma esfera azul; no modo como, vista do espaço, a Terra é um pontinho azul na escuridão cósmica. Aqui, são como esponjas na tarefa de limpar, no modo como uma boa obra de Arte, como um bom filme, tem a capacidade de dar um banho revigorante na mente do espectador, como naqueles filmes maravilhosos que fazem com que saiamos do Cinema com a alma leve, como uma livre gaivota à beiramar. Este caule, na sua forte finura, busca prender a flor volátil, impedindo que a pessoa viva ao sabor do vento, no modo como é importante que qualquer pessoa não viva tão ao sabor das incertezas, como pessoas que passam suas vidas sem construir algo... Aqui, são como explosões azuis, como numa bomba atômica azul. É como uma couveflor azul, recém extraída da horta, fresquinha, no frescor de renovação que são as escolas de Arte, como no impacto que o Modernismo Brasileiro teve na Sociedade Brasileira, num corajoso e heróico gesto de transgressão, mostrando que a Arte não é um cadáver imutável.


Acima, sem título. Escadas que levam ao nada, como numa vida sem sentido, de uma pessoa que, existencialmente vazia e improdutiva, passa seus dias fazendo fofocas, numa atitude desinteressante. Esses degraus parecem ter brotado da parede. São como barba ou pelos crescendo, brotando de uma raiz forte, como as fortes raízes de uma árvore que manteem esta fixa ao solo. São como goteiras na parede, com gotas pingando incessantemente, como numa mente artística, sempre elaborando, sempre inventando, no modo como Tao é assim, um criador incessante, sempre criando com sua Suprema Inteligência, deixando-nos perplexos ante tanta fertilidade genial, perfeita. Aqui, são como cabides, na sua serventia de dependurar roupas, no modo como todos temos que ser “varais”, “cabides”, tornando-nos úteis ao Mundo, o qual só acolhe aquele que contribui de alguma forma. Portanto, como diz a letra de uma canção de Macy Gray: “Levante-se; faça algo. Como você vai vencer se você nem tenta?”. Aqui, são como tijolos rebeldes, que querem se subtrair do sistema vigente, querendo se libertar da parede, da prisão, num espírito que, no fundo, está louco para desencarnar, mas tendo que aceitar que ainda não é a hora... É como um prisioneiro marcando na parede da cela quanto de tempo falta para a tão esperada libertação. Portanto, temos que fazer algo desses nossos dias de “presidiários”, como dizia minha querida vó Nelly: “Sem a Poesia, faria eu o que desta tarde brumosa?”. Esses tijolos azuis rebeldes são como refugiados, fugindo de sistemas opressores, temendo morrer se forem enviados de volta ao país de origem. É como se o vizinho ao lado estivesse pregando na parede pregos muito longos e grossos, invadindo minha casa, violando meu lar, no modo como um artista nunca deve ser narcisista para se achar o melhor de todos, ou seja, o trabalho de outrem sempre tem que ser respeitado, como no relacionamento entre dois atores: um ator é famoso; o outro, nem tanto. Aqui, são como tachões na pista da estrada, querendo chamar atenção do condutor, visando a integridade deste. Esta combinação entre branco e azul traz algo de mediterrâneo, grego, na beleza de casas brancas em meio a um oceano azul. É como no aspecto limpo como uma estampa listrada, como listras brancas e azuis. Esta parede é como uma esteira de produção, e os produtos são os tijolos, incessantemente fabricados, numa demanda enorme, num país de mercado consumidor amplo, com sua demanda titânica, como na exportação de carne brasileira ao Exterior, nos vínculos de Mercado que unem o Mundo, na utopia (improvável) de Adam Smith – os estados devem deixar de existir? É como nas rotas de Comércio entre sistema solares na saga Star Wars – o Materialismo é inevitável. Esses tijolos de YK são como treinamento de alpinistas, trepando em paredes que simulam as vicissitudes de uma escalada, numa pessoa que vai instintivamente desbravando seu caminho, num instinto que não pode ser ensinado em um livro ou em uma faculdade, na necessidade de, alguma forma, sermos autodidatas. Aqui, são como espinhos, grades, que têm a função de impor respeito, distância. É como uma pessoa que quer ser respeitada – eu tento respeitar todos, sempre. Por exemplo, em nunca piso nas mercadorias de ambulantes nas calçadas da Rua. Aqui, são como prateleiras vazias, prontas para exercer seu papel útil, sua serventia, na sensualidade do Vazio – a beleza está, exatamente, nos espaços vazios, pois estes são úteis, sempre prestando ao Mundo de alguma forma, pois como posso usar um copo que não tem uma boca aberta para o uso? Tao é assim, o subestimado Vazio, sempre útil, sempre servindo. Aqui, são como arestas prontas para ser aparadas, num diário trabalho de limpeza e manutenção. São como as farpas da madeira sendo lixadas para evitar que nos firam. Aqui, são como cinco grandes arranhacéus, só que dispostos de uma forma assimétrica, um tanto aleatória. São como prédios planejados, como na Esplanada dos Ministérios em Brasília.


Acima, sem título. Tiros sendo dados, como numa parede sendo alvejada, talvez num atentado terrível, no alvejamento da casa de uma pessoa, como nas ameaças de um traficante ou um mafioso. É como na famosa cena de Odete Reutman, vivida por Beatriz Segall, sendo assassinada com vários tiros, no mistério da telenovela: Quem matou Odete Reutman? Aqui, é como um vândalo danificando alguma parede na raiva que existe no coração de um vândalo, o qual é uma pessoa magoada que, de alguma forma, se sente rejeitada pelo Corpo Social. Então, as pichações pingam, como sangue sendo derramado, ou como gelo derretendo, pingando. É como se uma grande onda de calor estivesse atuando, castigando com suas temperaturas tão extenuantes. São como os relógios de Dalí derretendo, mostrando com é insignificante o modo humano de medir Tempo e Espaço. A tinta preta luta com a tinta rosa, como se fossem oponentes num octógono, decidindo, de forma muito agressiva, qual dos dois é o melhor, ou como num concurso de beleza, numa “carnificina”, sepultando tantos e tantos sonhos, como numa menina que, desde pequenina, sonha sem ser Rainha da Festa da Uva. O fundo aqui é pardo, no papel pardo, cuja fabricação polui menos do que o papel branquinho, no modo como a mentalidade humana está em franca transformação, na noção de sustentabilidade. O pardo é o ouro, pois é uma linda combinação embrulhar um pacote com papel pardo e enrolá-lo em uma fita dourada, numa questão de simples harmonia cromática, numa pessoa que sabe o que senta e o que não senta com determinada cor, num trabalho de sofisticação, de elegância, na elegância que nos diferencia dos demais símios, num espírito que, desencarnado, nada tem de símio, mas sangue estelar. Esta parede alvejada nos permite ver além dela, e vemos pelos buracos uma imensidão negra, como no Cosmos, numa vastidão que dá uma ideia de como Tao, definitivamente, não é simplório ou tolo. Aqui, são como gotas em um dia de chuva, sobre um vidro, no modo como tantas pessoas se sentem um tanto tristes em dias chuvosos. Essas gotas são os estalos criativos na mente do artista, numa pessoa que vai seguindo certo raciocínio, certa lógica, resultando assim em um trabalho único, inconfundível, como nas bolas e círculos de Yayoi Kusama, ou como nos gordinhos de Bottero, ou como nas cândidas cores de Romero Britto, com marcas registradas que fazem com que o público reconheça tal “impressão digital”. Estes pontos negros são como aranhas, tecendo silenciosamente suas teias, como num incorporador, construindo aos poucos um prédio, sabendo que os processos levam um tempo, nunca querendo acelerar etapas, num papel paciente, numa pessoa sábia que sabe que o Tempo deve passar. Aqui, são como gotas de “lágrimas” de uma vela, numa vela que, a partir de seu desgaste, revela sua idade e seu tempo de serviço, como no chocalho de uma cascavel, narrando uma carreira, uma trajetória, uma proveniência, uma linha condutora, a qual, quanto mais longa, mais perceptível, como num artista que foi, durante décadas, construindo uma carreira, pois os fracos não têm a capacidade de persistir, de continuar lutando, pois o Mundo não é dos fortes? Aqui, são arbustos num jardim, num sonho de paisagista. É um jardim plácido, muito pacífico, só havendo Beleza e Prazer na Paz, pois a Guerra não deixa tudo devastado e destruído? São como estrelas num mesmo “berçário”, numa mesma proveniência, como irmãos de sangue iguais, que foram criados sob os mesmos valores. Aqui, são como fantasmas negros, no modo a Depressão é tida como “o fantasma do meio-dia”. Esta tábua está toda perfurada, talvez no coração de uma pessoa que passou por algumas decepções, talvez decepções amorosas, tendo que se reerguer e retomar e boa e velha rotina, sempre crendo na regeneração espontânea dos sentimentos. Aqui, são como fogos de artifício estourando ruidosamente numa virada de ano, numa agressão sonora, que marca um momento de passagem e transição, como jogar arroz em nubentes.


Acima, o cara.

Referências bibliográficas:

Works. Disponível em <www.yvesklein.com>. Acesso 13 nov. 2019.
Yves Klein. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 13 nov. 2019.

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