quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Coroação da Arte (Parte 2)



Volto a falar do genial e ultraextravagante casal de artistas plásticos Christo e Jeanne-Claude. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Pacote de 42,390 Pés Cúbicos. Local: Minneapolis, Minnesota, EUA. É uma larva transparente, revelando o interior de suas entranhas, como se fosse uma negra e horrenda aranha, só que iluminada, revelada e analisada, eliminando a fobia, como Galadriel, nas profundidades uterinas sendo iluminadas e solucionadas. O interior é festivo e doce, como se fossem várias guloseimas, numa colorida festa infantil, cheia de doces deliciosos, enchendo os olhos (e os estômagos) da criançada. O helicóptero ergue a escultura, tornando-a leve e esvoaçante. É uma agradável piscina de bolinhas, convidando a criançada a brincar e divertir-se. O helicóptero é como um inseto gigante, cercando os confeitos e querendo devorá-los, como uvas maduras e doces, cercadas de abelhinhas que querem sugar tal suco precioso. É como se fosse uma grande bolsa de mulher, só que sem segredos, sem esconderijos, como um mistério de Agatha Christie sendo revelado ao fim do livro, trazendo a luz do esclarecimento, expulsando para sempre as sombras de indefinição do Umbral, o lugar mais escuro e sujo que existe. Aqui, é um grande balão respirando, cheio de ar, de vida, respirando a fazendo parte de um ecossistema. É como se fosse uma abelha rainha, pronta para parir muitos ovinhos, num papel simbólico de fertilidade, no modo como a célebre Rainha Victoria se tornou um útero reprodutor, ao ponto da rainha, idosa, sofrer de uma doença relacionada a tantas gestações. As cores celebram a diversidade, num mundo divertido, colorido e diversificado, ao contrário de um sistema opressor, num regime que sequer permite que o cidadão tenha os cabelos da cor que este cidadão desejar. Neste grande útero leve como ar, as bolinhas estão se desenvolvendo lentamente, até que ocupem todo o útero e explodam num parto, como ovas de salmão sendo despejada no rio, no fim de um ciclo, findado com um orgasmo fatal, com os ovos fertilizados correndo rio abaixo, para o reinício cíclico, no modo como a Natureza funciona por meio de ciclos, ao contrário da medição da passagem de Tempo, o qual não é cíclico, mas linear – ano 1, ano 2, ano 3 etc. É a tentativa humana em encontrar sentido e propósito em uma vida que segue esses insanos padrões cíclicos, com ciclos enigmático que se concluem e renascem logo após. Esta gigante larva está se alimentando, e ainda há espaço para muito mais comida, com seres vivos cujo propósito é alimentação e reprodução. Podemos ouvir o furioso som do helicóptero, anunciando esfuziantemente a obra de Arte, num casal que se tornou alterego um do outro, numa simbiose, numa harmonia, num trabalho em equipe, como nos irmãos que conceberam Matrix. CJC nos deixam perplexos, com um poder similar ao de um feiticeiro, de um bruxo de alguma tribo ou sociedade, uma pessoa que tem o dom de inspirar o corpo social e unir as pessoas em torno da celebração da vida. É como uma grande acne prestes a ser espremida, revelando de forma catártica o interior, num descarrego, num alívio, como uma pessoa que, depois de dar “um esporro no Mundo” – desculpe o termo chulo –, sente-se livre, leve e solta, numa sensação de alívio mesmo, de desabafo, no poder terapêutico por trás de uma catarse. É um balão que vive ao sabor do vento, havendo no helicóptero a âncora, a seriedade, a referência, combinando ímpeto com juízo. É como um ninho de Páscoa cheio de ovinhos diversos, na magia da fertilidade, num mágico cesto cheio de coisas que celebram a alegria de viver. Aqui, é um desentendimento sendo elucidado, como amigos que, depois de uma briga, fazem as pazes, no poder do diálogo diplomático, uma força de boa vontade que visa o Bem, sempre. É o resultado de um persistente trabalho de acumulação, ou colecionismo, nas minhas doces lembranças de Infância de minha coleção de brinquedos, colecionados ao decorrer de anos.


Acima, Running Fence. Locais: Condados de Sonoma e Marin, Califórnia, EUA. Uma grande muralha da China, só que de tecido. É o estabelecimento de um marco, uma referência, como antes e depois de Cristo, ou antes e depois do 11 de Setembro em Nova York. É o estabelecimento de um limite, de um discernimento, como numa pessoa que aprendeu a julgar de diferenciar as coisas. É como um muro entre dois vizinhos, numa vizinhança que, apesar de pacífica e harmônica, exige lá seus muros, seus claros limites, como num sonho que às vezes tenho de noite, quando meu apartamento está anexado ao de outro vizinho, sem limites ou paredes divisórias... É como um pai enérgico, que impõe limites aos filhos, sabendo da importância de Disciplina, acostumando os filhos com a ideia de que é necessário que se tenha a cabeça no lugar, numa imposição a qual a criança, no fundo, gosta, pois os limites dão a sensação de lar e de proteção. Deus Jesus do Céu, como são grandiosos CJC. Aqui, temos um terreno inóspito, semiárido, perfeito para fazer com que esta muralha se destaque. É como na dúbia fronteira entre EUA e México, num Trump empenhado em construir um muro, um marco claro divisório, com a nobre intenção de inibir o Narcotráfico. Esta paisagem parece com a do planeta Marte, inóspita, e podemos ouvir um som de vento cortante, num cenário solitário, desértico, na sensação de despertencimento de uma pessoa solitária e perdida. As linhas divisórias são a tentativa humana de delimitar, analisar e esclarecer, como na clara divisão entre as especialidades médicas, pegando um organismo inteiro, que é o Corpo Humano, e dissociando as peças de um quebracabeça, como analisar uma obra de Arte. Aqui, é como uma grande serpente branca, imensa, cortando terras e terras, com sua sensual sinuosidade, como no majestoso caminhar de uma supermodelo na passarela, fazendo referência às “deusas” que povoam a imaculada Dimensão Metafísica, a dimensão onde a Juventude, a Beleza, a Inteligência e a Irmandade são eternas. Aqui, é como se as nuvens no Céu estivessem sendo emprestadas para formar tal cerca. É como uma vasta plantação de algodão, um campo que foi devastado, só deixando restar uma magra fileira. É uma cerca voluptuosa que respeita as formosas formações nesta terra; não é uma cerca retilínea, como as retas linhas que dividem vários estados americanos. Estas delimitações de CJC formam particularidades, como nas leis estaduais, as quais mudam de estado para estado, ou de cidade para cidade. Aqui, terras de um majestoso reino se estendem indefinidamente, em vastos domínios, como em feudos medievais, com delimitações as quais devem ser respeitadas, pois, do contrário, os senhores feudais entram em guerra, na eterna insatisfação de um rei, o qual não está feliz em seus próprios domínios, sempre querendo mais e mais, na eterna insatisfação humana, pois a felicidade está no contentamento, e não na ambição. É como na sede de um Napoleão, o rei Leão que nunca estava saciado. É como um Muro de Berlim, com um poderoso papel simbólico, simbolizando a então bipolaridade entre Capitalismo e Comunismo. Então, o muro foi demolido, como numa irmandade, com terras que não precisam ser demarcadas, pois, se irmão respeitar irmão, está tudo certo. É como se esta muralha quisesse conter um vazamento de óleo, ou conter as riquezas de um reino, impedindo que tais riquezas sejam surrupiadas, pois quanto mais tesouros tenho, menos seguro estou... Este muro impõe respeito, e tenho que pedir polidamente por uma permissão para passar, como refugiados que buscam asilo em terras vizinhas, ou terras mais distantes, como barcos de africanos querendo entrar em domínios europeus. Esses tapumes querem ocultar algo, no termo “Cortina de Ferro”. Talvez seja a confidencialidade, impedindo que perigosos segredos escapem e cheguem a ouvidos indesejados. Imagina-se aqui a equipe necessária para montar tal instalação ao ar livre. É como um grande rolo de papel higiênico sendo desenrolado, nos desdobramentos de algum fato ou crise.


Acima, Os Cais Flutuantes. Local: Lago Iseo, Itália. O laranja dourado contrasta intensamente com o profundo e sisudo azul marinho. Esta instalação desafia as leis da Física, e a ampla e estável passarela recebe as pessoas. É como um grande anfitrião recebendo pomposamente os convidados. As linhas retas e tensas contrastam com as ondulações orgânicas oceânicas, numa tentativa artística em trazer estabilidade ao inevitável caos da Natureza, da Dimensão Material, dos corpos carnais os quais habitamos. Realmente, não há no Mundo trabalhos como os de CJC, e tal grandiosidade recebe os espectador, num “anfitrião” altamente empenhado em não fazer feio, ou seja, em fazer algo realmente inédito, algo de fazer “cair o queixo”, com projetos ousados, dando renome internacional a tais artistas excêntricos. É uma instalação tão grande que, da vista aérea, os visitantes parecem ser pequeninas formigas, múltiplas, anônimas, empenhadas no incessante trabalho de alimentar o formigueiro. Essas linhas são como as enigmáticas linhas de Nazca, num complexo geométrico que só pode ser completamente visto por meio de vistas aéreas, como drones ou aviões. São as pistas aéreas para receber em terra os deuses que vieram do Céu e que tiveram a nobre intenção de colonizar a terra com noções morais, racionais e inteligentes, numa espécie de “empurrãozinho”, em algo que não é duro de se entender: se um dia nós formos a Marte, nós seremos os alienígenas! Aqui é como um grande aeroporto colorido, com sua demanda diária gigantesca de vários voos indo e vindo. A ilha nesta instalação é uma ilha de fato, com uma bela mansão e jardins, numa dupla de artistas que tiveram que convencer o dono do imóvel a tal ambicioso empreendimento. A ilha é circundada, como se fosse servida numa dourada bandeja, servindo fartamente às percepções do espectador. É uma obra que convida a um longo passeio, talvez num piquenique, como uma grandiosa Feira Agroindustrial da Festa da Uva, num momento de celebração da grandiosidade de algo, de uma vida maravilhosa que nos espera após o inevitável Desencarne. O entroncamento de três pistas forma uma flecha, no objetivo quase obsessivo em fazer um projeto e tirar tal projeto do papel, com CJC que, apesar de tão respeitados e consagrados, não puderam concretizar todos os seus sonhos de Artes Plásticas, no modo como, na Vida, não podemos fazer absolutamente tudo o que queremos fazer... É a necessidade de contentamento, como uma criança pobre, contentando-se com um simples brinquedo improvisado. Tais passarelas foram sustentadas por boias, é claro. CJC, definitivamente, desafiam limites, num ímpeto, numa coragem, num estilo que coloca os medíocres em seus devidos lugares, mostrando imaginação e garra para ir atrás de tais sonhos. É uma obra que busca fornecer acesso, caminhos, pontes, querendo unir as pessoas em torno de um projeto, de um conceito, uma ideia, um pensamento. Será que as pessoas por ali passando sentiram alguma espécie de ondulação ou trepidação? O que sentiram as pessoas que por ali passaram? De que forma tal obra mexeu com seus sentidos e percepções? Como deve ser ver, ao vivo e a cores, pessoalmente, contemplar uma obra de CJC? Qual o sentimento que tais obras trazem ao espectador? CJC são fenômenos de popularidade, com as pessoas seduzidas, sugadas para dentro de tais obras, com obras que cumprem o papel da Arte, que é nunca ser ignorada. CJC nos proporcionam um momento de lazer, para uma contemplação calma e longa, como num feriado, num momento em que nos desligamos do ordinário para abraçar o extraordinário, como numa luxuosa sobremesa após um simples feijão com arroz. A função da Arte é fazer a diferença. Aqui, é um entroncamento de ruas, num encontro, como uma grande praça que pode ser acessada de vários modos. É um caminho que propõe escolhas ao transeunte, na deliciosa sensação de Liberdade, numa gaivota livre, leve e solta, como na sensação de alívio na pessoa que recém produziu uma catarse.


Acima, Os Guardachuvas. Locais: Japão e EUA. Aqui, é como uma polinização, com flores silvestres que não tiveram que ser plantadas para florescer na Primavera, nos tesouros gratuitos que a Natureza é capaz de nos trazer. CJC nos proporcionam momentos especiais, para que paremos e contemplemos. Aqui, é como um grande balneário, com inúmeros guardassóis, os quais aqui estão desabrochando como flores. São como muitas estrelas em uma mesma galáxia, numa pomposa vizinhança, com tantas e tantas estrelas que nos cercam na Via Láctea, com tantos corpos celestes que fica difícil catalogar tudo sob a (ainda) limitada luz do Conhecimento Humano. São como girassóis acompanhando o Sol, na demanda do dia, da jornada, e perguntamo-nos o quanto de tempo e trabalho foram necessários para concretiza tal obra. A obra nos convida a sentar tranquilamente debaixo de um dos guardassóis e curtir este momento doce de férias na “orla” aqui. Este amarelo vibrante contrasta com um terreno pardo, seco, quase inóspito, como na seca superfície de Marte. Os guardassóis parecem respirar, abrindo e fechando, pulsando, exalando vida e perfume, na beleza de um recife de corais, povoando de cor os nossos olhos, na extensa riqueza biológica que habita a Terra. Os guardassóis se estendem até onde a vista pode alcançar, e vemos, ao longe, pequeninas flores amarelas, talvez numa tentativa de trazer mais cor e exuberância a um terreno tão triste e deserto. É claro que andorinha sozinha não faz Verão, e que um único guardassol não geraria tanto impacto perceptivo, na intenção de CJC de jamais, jamais passar despercebidos. A impressão que se tem é a de que, de noite, os guardassóis se fecham para dormir, ressuscitando na manhã seguinte, renascendo para a Vida, para o dourado Sol. É como um mapa digital, cheio de “etiquetas” que assinalam locais, endereços, cidades, como pequenos alfinetes, fincados na Terra para trazer noções de direção, como Norte e Sul. É como uma grande vizinhança, com casinhas padronizadas, talvez no desejo de CJC em jamais se render a padrões limitadores, desafiando ao máximo a Mediocridade, que é o câncer que conspira contra a grandiosidade da Arte, pois esta é, ao lado da Ciência, uma gigantesca prova do Intelecto Humano, como CJC sendo estes gigantes, abrindo proporções antes inimaginadas, num ineditismo, um pioneirismo, como um Freud, desbravando os princípios da Psicanálise. É como a garra e a força dos imigrantes alemães e italianos ao aportar no Brasil. Este mar de sombrinhas traz unidade a um reino, como uma Itália, que rejeitou os limites feudalistas e trouxe unidade ao país da bota. É uma vizinhança a qual, apesar de diversificada, guarda algo em comum, algo importante. É como se cada sombrinha fosse um nobre diplomata de cada país, trabalhando para a bilateralidade e para o diálogo, sempre crendo que o Ser Humano é universal, rejeitando as aparentes diferenças culturais e abraçando a questão espírita – somos todos filhos do mesmo Pai, não importando as raças, por exemplo. É como se uma chuva de ouro tivesse caído aqui. É como se fossem flocos de uma neve dourada, caindo e se depositando, na beleza de se acordar de manhã e ver tudo branco, como na nevada em Caxias do Sul em 1994, num cenário que nos dá uma breve amostra da harmonia metafísica, pois como posso ser feliz numa vizinhança se nesta não tenho Paz? CJC nos convidam a fazer um piquenique à sombra de cada guardachuva, e curtir um momento de lazer e calma. Estas “flores” buscam encher de graças e nomes uma região anônima, uniforme. É o modo humano de nomear os lugares, estabelecendo conhecimento, noções de espaço. É como o serviço de um colonizador ao chegar a um lugar devoluto, tendo que dar nomes a praias, montanhas, rios etc. É o desbravamento. Não rezamos “Ave Maria, cheia de graça”? Pois bem, é a luz do Conhecimento, com terras sendo descobertas e batizadas, como se fosse uma escura toca sendo iluminada pela sede humana por conhecer.


Acima, O Muro – Muro Romano Empacotado – Via Veneto e Villa Borghese. Local: Roma, Itália. Parece que fantasmas apareceram para assombrar esta antiguidade romana. É como se um véu muito leve tivesse caído sobre a estrutura. É como se fosse uma construção em obras, pudorosamente coberta para que a feiura da obra não seja revelada. CJC adoram empacotar coisas. É como se fossem várias compras de supermercado, em sacolinhas de plástico. É como uma formação rochosa, moldada por muitos e muitos anos de erosão, exposta a um processo corrosivo, transformativo. Os fortes cabos impedem que o vento romano leve embora tais véus plásticos. As cordas são o juízo, o siso, a responsabilidade, como uma pessoa que, depois de um certo processo existencial, aprendeu o valor da cautela, da precaução. É uma âncora, que impede que o mar furioso leve a embarcação embora. São as amarras psíquicas, estas grandes inimigas da inspiração artística, com CJC sempre empenhados em não deixar que as próprias mentes sofram este dano, este retardo, numa guerra entre genialidade e mediocridade. Os típicos arcos romanos aqui ficam visíveis, como um vestido sensual, de um tecido fino e leve, sobre uma mulher elegante. É como se tais arcos estivessem acumulado muito pó e teias de aranha, como numa casa malassombrada. É como uma veste cobrindo um corpo nu, num ato de recato e vergonha. É o fascínio da moda de vestuário, na diversão que é vestir uma roupa, como um ator, incorporando um personagem. Podemos ouvir o som dos carros, furiosos, um tanto indiferentes, acometidos pelo estresse diário, no modo como, dirigindo no trânsito, o Ser Humano mostra sua face mais patética e aguerrida. É como se estas vestes de CJC fossem uma proteção, um resguardo, talvez impedindo o acúmulo de pó, ou como uma mãe zelosa, que besunta o próprio filho com protetor solar. É o modo como a obra é como uma filha do artista, na sensação de tristeza e vazio quando chega o momento de desmontar tal ambiciosa instalação, na metáfora do circo levantando a lona e indo embora – por mais belo que seja, o circo, em um dado momento, levantará a lona e irá embora. A Vida é isso; é a beleza do circo indo embora, como numa dura Quarta-feira de Cinzas, ou num melancólico final de Domingo, numa Vida que exige o desenvolvimento de Disciplina. Aqui, são como ratoeiras, e os arcos têm este aspecto de ratoeiras, como nos inesquecíveis desenhos de Tom & Jerry. É algo que me remete à casa onde cresci em Caxias do Sul, uma casa com arcos similares aos romanos, ou aos arcos de MC Escher, nos seus ardilosos jogos de ilusão de ótica. As cordas ao redor desta instalação são como teias de aranha, moldadas por algum tempo, como num bioma próspero, com várias espécies de Fauna e Flora convivendo. Aqui, temos um aspecto de como esta muralha estivesse derretendo, talvez numa bomba atômica, ou talvez no calor de um planeta como Vênus. São como os relógios de Dali derretendo, no fato de que os modos humanos de Tempo e Espaço nada valem frente à infinitude do Cosmos. É como um cadáver sepultado, com a pele morta caindo como se fosse um véu – desculpem pela morbidez. São como as finas vestes de um anjo, na sua simplicidade elegante, com pés descalços, com suas asas batendo, desfrutando da liberdade de desencarnado. Estas cordas são uma precaução, mostrando-se necessárias, mas com uma influência mínima no resultado final – é a Discrição. É como se um fino lenço estivesse se esvoaçando, caindo acidentalmente sobre esses arcos, no perfume fino de uma mulher elegante, inebriante. É como um presente empacotado, como de CJC quisessem nos presentear, dando-nos tal muralha. É o prazer de violação, quando abrimos um presente, com crianças afoitas na noite de Natal, rasgando avidamente os papéis para que o mimo seja revelado. Aqui, é como um eletrodoméstico embalado, no estoque de uma loja, pronto para ser vendido e revelado na casa do cliente. E as vias de Roma respiram, com CJC nos trazendo tamanho frescor, jovialidade e competência, pois quem não tem esta, perece.


Acima, Árvores Empacotadas (Projeto para a Fundação Beyeler). Local: Riehen, Suíça. Grandes pulmões translúcidos. Na Natureza, há uma relação de continuidade e semelhança entre a estrutura de galhos, de veias e artérias e de raios de tempestade, ou até num rio se dividindo em vários dutos numa foz. Esta instalação de CJC dá um efeito de leveza, e parece que tais árvores estão prestes a se esvoaçar, perdendo-se no ar como balões de festa infantil. É como se as raízes das árvores aqui não existissem. É como um balão de gás, levitando pelo ar. São como sacos de plásticos perdidos ao vento, sendo levados para onde o vento ordenar, como uma pessoa depressiva, a qual não sabe qual é seu próprio lugar no Mundo, numa sensação de ausência de âncora, de um porto seguro, de uma referência, como uma pessoa perdida em um labiríntico submundo. Podemos ouvir o farfalhar desses véus de CJC ao vento, como se as árvores estivessem respirando, citando eu aqui, novamente, a forma de pulmões. É como se fosse um raio x, revelando o interior que não pode ser visto a olho nu. É como uma pessoa se mostrando por inteiro a um(a) namorado(a), no bonito momento de entrega, em que um mostra suas tristezas para o outro, no modo como o Amor, realmente, não está à venda, no modo como o cínico acha que Amor está numa vitrine de loja, pois dinheiro compra tudo, menos Amor, como numa pessoa que sustenta um(a) prostituto(a), esperando, assim, comprar e vender algo inegociável. Aqui, são como as imensidões cósmicas, com suas supernovas explodindo, no orgasmo cósmico que forma as galáxias e os corpos celestes. É como se as árvores estivessem pegando fogo, com seus galhos sendo expostos, fazendo metáfora com o conhecer uma pessoa de perto, conhecendo de fato, construindo um relacionamento e uma cumplicidade, como um casal feliz, que convive prazerosamente, com um enxergando o outro por dentro. Parece que uma luz brota de dentro de tais estruturas. Esses leves véus são como um certo ensaio fotográfico feito por Marilyn Monroe, com a estrela nua, vestida com véus transparentes, no sensual e provocativo gesto de mostrar/esconder, numa artista tão genial, como um certo professor meu da faculdade disse em aula: Monroe era um escândalo. E CJC também são um escândalo, entrando em harmonia com a frase de Dalí: “Feliz daquele que provoca o escândalo”. Aqui, são como várias galáxias vizinhas, talvez exercendo força gravitacional umas sobre as outras, numa eterna dança cósmica, com forças invisíveis exercendo hierarquia entre as esferas, no modo como os artistas inspiram uns aos outros; no modo como imaginamos que foi a simbiose entre o casal CJC, atiçando nossa curiosidade para sabermos como exatamente eles agiam em dupla, em equipe. É como se estas árvores estivessem vestidas para um pomposo baile de gala, com finos perfumes e músicas contagiantes, num momento em que a interação social na Terra busca compreender os finos bailes metafísicos, onde nossos antepassados vivem lindos como em sua juventude, com pessoas emolduradas por uma luz fina, deslumbrante, leve, numa pessoa radiante, a qual é feliz e sabe disso. Então, estes pulmões de CJC respiram, na festa da Vida, com artistas que têm muito tesão pela Vida, pelo labor, pelo esforço para se fazer compreendido, com os espectadores embarcando nesta viagem a bordo da imaginação do artista, como um anfitrião recebendo seus convidados. São como águas vivas translúcidas, nadando levemente, ao sabor das correntes marinhas, mostrando toda a exuberância da Vida na Terra. Então, essa água viva nos queima e nos provoca, convidando-nos a olhar o Mundo de uma forma nova, como nas esmagadoras ondas de movimentos de vanguarda, como o Modernismo Brasileiro, ou como a transgressão impressionista, com as novidades sempre vindo, cabendo ao artista respirar e fazermo-nos respirar também. É o poder da Arte em unir.

Referência bibliográfica:

Artworks/Realized Projects. Disponível em <www.christojeanneclaude.net>. Acesso 30 out. 2019.

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