quarta-feira, 20 de maio de 2020

O Pulo da Gata (Parte 2)



Volto a falar sobre a artista plástica paulista Yuli Yamagata. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, A Guy. Temos aqui um rosto triste, com um olho só, numa perplexidade, num abandono, na Vida mostrando toda a sua dureza, no poder que as catarses têm em lavar a alma do artista. A boca aqui parece uma lagarta, planejando dar a volta por cima, transformando-se em uma majestosa e colorida borboleta, numa pessoa que, antes subestimada e considerada um patinho feio, volta e mostra a que veio, na inesquecível frase de uma grande professora: “Não deixe o fracasso lhe subir à cabeça”. A cor rosa aqui é de bebê, e podemos os inevitáveis choros, muitas vezes em plena madrugada, encurtando a noite de sono dos pais que se veem com a enorme responsabilidade de criar uma criança. Podemos sentir aqui o cheirinho de talco, num indivíduo que, desde pequenino, depara-se com os rituais de purificação que são os banhos, como me narrou minha mãe: Quando ela teve minha irmã, o primeiro banho foi tenso, nervoso, inseguro. Depois, quando me teve, o primeiro banho foi mais tranquilo, pois minha mãe já era marinheiro de segunda viagem, pois tudo é oportunidade de se aceitarem desafios, como ingressar num curso universitário e se esforçar para caprichar nos trabalhos exigidos pelos professores, numa oportunidade de crescimento e superação. Uma grande lombriga cruza a obra, discreta, da cor do fundo, como numa esperteza de camaleão, numa malandragem moldada por muitos anos de evolução, de seleção natural – a esperteza instintiva é passada de pai para filho, como numa pessoa que, apesar de não ter tido a oportunidade de estudar, tem um instinto de esperteza muito maior do que muitos garotos ricos que têm acesso a caras instituições de Ensino. O olho aqui está arregalado, sem pálpebra, como no tenso olho de Sauron, o senhor maléfico de Tolkien, o terrível olho onisciente, assustador, malicioso, fascista, esmagador, psicopático. No canto direito superior, vemos um rasgo, um estupro, uma violação, como no ato estuprador de se abrir uma embalagem de produto, no prazer da violação, como entrar na casa de uma pessoa, sentindo ali o hálito do lar, o hálito do anfitrião, no modo como nem todas as pessoas são excelentes anfitriãs, negando um simples cafezinho à visita. O olho aqui é hipnótico, estático, talvez num bebê que está recém abrindo os olhos, conhecendo o Mundo e as pessoas. O rasgo aqui revela um fundo branco, como no acidente de uma sonda em Marte, a qual, por acaso, acabou revelando gelo logo abaixo do solo marciano, numa prova de que os sustos, as falhas e as imprevisibilidades acabam por ajudar, no popular ditado de que Tao escreve certo por linhas tortas, num Pai que, além de amoroso, é muito, muito engraçado, num espírito de palhaço, no modo como é privilegiada a pessoa que aprecia as ironias da Vida em geral. O rosa aqui revela um quarto de menina, pois o indivíduo, mesmo antes de nascer, já é soterrado pelos preconceitos de Mundo, numa imagem de ultrassom da barriga materna, sendo o Mundo um lugar tão duro em relação a tais preconceitos, como num reino inteiro tendo expectativas viris em relação a um príncipe recém nascido, numa pressão esmagadora, num indivíduo que se vê numa cilada terrível, a qual só pode ser vencida com muita força e coragem – nunca deixe o Mundo lhe dizer como você tem que viver, rapaz. A cobra aqui cruza o quadro de ponta a ponta, talvez querendo separar o quadro e organizá-lo, como o que faço aqui, analisando parte por parte para, no final, ter uma visão abrangente, tentando entender o ímpeto do artista por trás da obra. Na porção inferior da obra, vemos um dissidente, um rebelde, uma pessoa querendo avidamente se libertar, como numa pessoa internada psiquiatricamente, contando os minutos para receber alta, como num homem certa vez narrou que, em um sonho, ia entrando num lindo salão, cheio de gente bela, e uma dessas pessoas veio a este homem e disse-lhe que ainda era cedo para o retorno ao Lar, ao apolíneo salão, no modo como temos que cumprir uma certa missão antes de voltar à maravilhosa Dimensão Metafísica, o lugar onde a Vida é mais simples.


Acima, Color Ovo. Um Céu de Brigadeiro desponta majestosamente, como no céu do televisivo infantil Teletubbies, com uma criancinha alegre e sorridente sendo um Sol radiante, no carisma de uma Zila Turra, uma rainha da Festa da Uva caxiense, uma rainha de simpatia arrebatadora. Este quadro tem certas protuberâncias da mesma cor de azul, como no diabólico Alien do Cinema, saindo dolorosamente do estômago da vítima e rasgando a pele da vítima para sair. É um relevo, uma marca geológica, com tantas colinas e montanhas submarinas, escondidas nos segredos profundos do Mar, a Mãe Iemanjá primordial, como na mãe de Dalí, posando nua num divertido Complexo de Édipo. Aqui, temos a candura de desenhos infantis, como nos trabalhinhos feitos na Escola. Na porção superior, vemos um ovo frito, no modo como muitas pessoas gostam de comer um bife com tal ovo. O ovo é a nutrição, a luta diária pelo pão sagrado. O ovo é o mistério da Vida, como cachorrinhos nascendo numa ninhada, no poder que a Mulher tem em trazer Vida ao Mundo, como diz uma canção cantada por Cher: “É um mundo de homens, mas um mundo que nada seria sem uma mulher ou uma garota”. Então, é constituída a Sociedade Patriarcal, numa espécie de “vingança”, no Homem querendo ser tão poderoso quanto a Mulher. O ovo é a revelação, com a casca sendo desbravada e o interior ser revelado, numa dourada manhã de Páscoa, com os milagrosos ovos surgindo como mágica em uma cesta, como na cesta que carregava uma menina muito bonita em primeiro cortejo alegórico da Festa da Uva, uma menina que, apesar de ter a identidade perdida, foi a inspiração comunitária para a eleição de uma rainha, de uma representante, num momento em que o Masculino se curva perante  Feminino, pois cada sexo tem seus encantos. O ovo é o mau gosto de um trote numa brincadeira estúpida, que só agride. Abaixo do ovo, uma faixa verdejante, em vastos campos, cavalgados, no prazer da Vida ao ar livre, num Ser Humano que, infelizmente, só admira os palácios, ignorando as vestes majestosas e maravilhosas dos campos e das florestas, com a rica seiva sempre fluindo, sempre nutrindo, no modo como Tao é a grande teta que nutre todos os planos do Universo, numa mãe capaz de fazer de tudo pelos filhos, como uma cachorrinha que tive, a qual ficou desnutrida por ter tanto amamentado as crias. No centro do quadro, vemos uma espécie de girafa cor de rosa, nos incertos traços do desenho infantil, numa criança se esforçando para expressar o que lhe vêm à mente. O pescoço é forte e enorme, descomunal. O pescoço é o esforço, o empenho, na lida diária para trazer o alimento à mesa. A cabeça é enorme, desproporcional. A cabeça é o que mais interessa, que é a Inteligência e o Amor, no modo como, se uma pessoa é basicamente boa, tudo o que tem a fazer é expressar Inteligência. A cabeça aqui é um grande olho, ou um balão estressado, pronto para entrar em colapso e explodir, como numa panela de pressão, esquecida no fogo, não mais conseguindo suportar tanta pressão, explodindo impiedosamente, como uma pessoa que está farta de sofrer pressões, como numa Whitney Houston, a infeliz cantora que perdeu a voz pelas drogas, numa artista que passou a sofrer enormes pressões após lançar um dos maiores megahits da História – I Will Always Love You. Se obtenho sucesso, serei cobrado a me manter em tal nível doce de reconhecimento. No entanto, os altos e baixos são inevitáveis. Em um dos cantos do quadro aqui, um elemento que parece ser um pé de meia multicolorido, na inevitável bagunça de um quarto de adolescente, ou numa casa com criança pequena, sempre com brinquedos espalhados pelo chão, numa mãe em um constante trabalho de reorganização. Ao redor desta meia, uma meia maior, dourada, numa taça de campeonato, num momento que se assemelha à Glória Metafísica, uma glória inacessível ao Mundo Material. E em outro canto aqui, uma fagulha rubra, numa vontade incessante de trabalhar e brilhar, ardendo no Céu como a Estrela Rubra dos batalhadores.


Acima, Diabo. O Diabo é o mundano, na loucura de uma pessoa que não quer se desapegar de suas cargas materiais, negando-se a deixar para trás, no Desencarne, tudo o que corresponde ao Mundo Físico, num prisioneiro que não que sair da prisão, numa pessoa que não quer a sensação redentora de chegar em casa e retirar de si a máscara higiênica antiviral. O Diabo é um mito, pois não há contraponto de Tao, pois este é absoluto, soberano em quaisquer planos. O Umbral, que os católicos chamam de Inferno, é ausência, é carência de Amor, pois não existe Ódio – somente falta de Amor. O que existe, isto sim, são espíritos que vagam pelo Umbral, maliciosos, sádicos, malévolos, que passaram suas vidas na Terra tentando subjugar seus irmãos de caminhada, num espírito malévolo, que perdeu tempo, muito tempo, numa pessoa que, naquela encarnação, não tinha chance alguma de regeneração, necessitando de muitas encarnações para se purificar e tomar consciência da Virtude e da Irmandade – é uma longa caminhada, num Pai que sempre perdoa, visando o aprimoramento do filho, num Tao que quer ter orgulho de nós. Um dos cornos do diabo extrapola o quadro, numa invasão, numa violação, num estupro, como um rei querendo saquear o reino vizinho, num vizinho que não tem a noção de que qualquer vizinhança boa tem que ter Paz. O diabo aqui tem um rosto todo vermelho, tal qual uma pimenta, numa fascinante comida condimentada, apimentada, numa apimentada Scarlet O’hara, num gênio forte e rebelde, numa personagem que teve que tirar força da fraqueza. É como na sala de estar de uma pessoa que conheci, com uma parede toda pintada em vibrante vermelho, um elemento decorativo que atiçava nos convidados um comportamento apimentado, ousado, às vezes impulsivo, como numa bruja que vi em Porto Alegre, uma vistosa mulher em um vestido vermelho, da cor do sangue, da cor do que nos faz humanos, na beleza eterna da juventude verdejante, abundante, com pulsante seiva rubra, na icônica imagem de uma jovem Marilyn Monroe nua em uma cama com um lençol de seda rosa, ou de algo que o valha, numa artista que tratou de estimular e provocar o espectador, no dever da Arte, que é nunca passar despercebida, sempre atiçando o fogo, sempre trazendo Vida e renovação, sempre com novidades, como numa Paris pulsante, no nervo do Mundo Ocidental, num Louvre inesgotável. Aqui, temos uma máscara, numa fantasia de carnaval veneziano, como na magia de um Halloween, com as pessoas expressando suas fantasias, num ato de diversão, colorido, provocante. O manto deste diabo é de cor vinho, no prazer de, depois de um dia de disciplina e atividade, abrir uma garrafa e apreciar num Sol poente, no dia que morre rubro, tal qual um fatal tango, na cor bordô de um vinho chileno. Este quadro tem uma grande porção negra, da cor do Umbral, sem noção, sem placas, sem referência, num espírito que está deprimido e desnorteado, numa crise que se desdobra em toda a sua seriedade. É um túnel sem luz no final, algo que exige paciência e persistência da pessoa, pois ninguém pode ir de zero a cem em um piscar de olhos, nos longos processos necessários da Vida. Vemos aqui uma porção rosa bebê, numa candura, no cheirinho de talco de bebê, na enorme responsabilidade que é cuidar de um infante, tentando incutir valores morais na mente deste, como meu pai, que sempre dizia: “A melhor hora para parar de fumar é antes de começar a fumar”, por exemplo. Vemos aqui algumas nesgas de verde, num campo de futebol, nas comoções competitivas que levam multidões aos estádios e vendem enormes espaços comerciais pela televisão, na diversão que é a competitividade da Vida em Sociedade, como dois homens num octógono, chegando a sangrar no ringue, tal a dedicação. Vemos uma nesga de Céu de Brigadeiro, na esperança de que, em meio à escuridão umbralina, sempre há um irmão estendendo suas mãos para mim, para que eu saia de tal contexto degradante – os anjos existem, e são nossos irmãos, nossos iguais – só é mendigo quem o quer.


Acima, French Kiss. Yuli adora beijos, e de língua, como na lasciva personagem Perséfone de Matrix, sempre querendo beijar na boca para ter experiências sensoriais. Aqui, vemos um escorpião, perigoso, venenoso, e temos que manter distância desta “ponta de faca”, deixando a faca lá, quietinha no canto dela. É a força da Natureza, servindo de almoço para predadores resistentes a tal tóxico, na grande piada que é a Cadeia Alimentar, num ciclo que se fecha com perfeição, tal qual um intrincado enredo policial. O escorpião é aqui um intruso, como numa grande e peluda aranha que vi, ameaçadora, amedrontadora, perversa, num bichinho que causa tanto medo, como no inocente fantasma Gasparzinho, sempre assustando pessoas das quais queria ser amigo, num personagem triste e melancólico, que fala sobre preconceito e estigma, como no estigma que acompanha os ciganos, por exemplo, no estigma que cobre quem circula por algum submundo, algum gueto. Neste quadro vemos listras aristocráticas, disciplinadas, no modo como Evita, que tanto odiava a Aristocracia Argentina, imitava o estilo das damas ricas daquele país, numa relação de Amor e Ódio, como num certa artista, a qual, inconscientemente, ama e odeia uma certa estrela mais famosa e mais bem sucedida, pois Raiva e Admiração andam juntas. Vemos aqui gotas, como lágrimas, como uma pessoa saindo de um redentor banho depois de um dia de sujeira, bactérias e poeira. É como na imagem do palhaço que, apesar de trazer alegria ao Mundo, chora por dentro, numa carência afetiva, numa melancolia existencial, deparando-se com a inevitável dureza de tal existência. Aqui, a boca negra beija a boca verde, num relacionamento feliz, com o casal tomando café da manhã juntos, com um sentado no colo do outro, trocando beijinhos, pois a riqueza da Vida está em simples aspectos, e não em castelos de ouro maciço – você não precisa ser dono de meio Mundo para ser feliz. O fundo deste quadro tem uma cor incerta, no termo divertido “cor de burro quando foge”. É um rosa bebê acinzentado, numa cor incerta como bege, neutra, nunca revelando completamente o que quer ser, numa pessoa reservada, que nunca entrega o jogo, agindo silenciosamente, cuidadosamente, nos bastidores, num processo longo que se desdobra discretamente, pois como posso surpreender se não sou subestimado? É como Jô Soares, que surpreendeu a todos tornando-se um exímio entrevistador, sacudindo a poeira em sua vida, reinventando-se – Vida é uma hecatombe nuclear da qual precisamos sair vivos. Aqui, há algo mútuo entre estes namorados, pois um se entrega nos braços do outro, como na obra de um certo artista plástico, com duas figuras humanas em gesso, em tamanho natural, com uma se jogando dos braços da outra, numa rendição bela e cálida. Vemos aqui uma gotinha prateada, no termo silver screen para designar o Cinema, no modo como a Arte tem essa capacidade de fazer com que as pessoas sonhem, pois a Vida não é só carpir um lote; é também sonhar em atingir níveis desafiadores, ao contrário de uma pessoa que é somente dona de casa – ninguém precisa ficar o dia inteiro cuidando de uma casa, como numa Grace Kelly, que largou uma carreira brilhante, e largou tudo por um caralho coroado, desculpe o termo chulo. Entre essas bocas desses amantes, uma faixa cor pêssego, perfumada, no modo como os perfumes finos vendidos em lojas fazem metáfora, giram em torno do que importa, que é o perfume existencial da bondade, da virtude, pois de que adianta eu ser um assassino malévolo cheirando a um carésimo perfume Versace? Os dentes de uma boca são azuis, no modo como o Céu Metafísico parece ser mais vibrante do que o Céu Material, quando, na verdade, têm a mesma intensidade – tudo depende de um estado mental. E vemos uma discreta faixinha bordô, numa espécie de Barbie séria, adulta, consciente das carências e das feiuras do Mundo, como numa linda psiquiatra que conheci, um mulherão balzaquiano.


Acima, Língua Dobrada. Parece um intestino, processando a comida, nos processos da Vida, os quais levam seu tempo para um desdobramento. É como na impactante cena de guerra de um filme de Spielberg, com soldados feridos, com suas tripas para fora, desesperados, recolhendo suas tripas e buscando recolocá-las na barriga. Aqui, é como uma grande linguiça, no divertido termo “encher linguiça”, que é quando alguém faz algo para ludibriar o espectador, no termo “embromar” ou “enrolar”. É como uma grande serpente, quando vi certa vez, no asfalto de uma estrada, uma agonizante cobra atropelada, quase partida em duas. É a magia das serpentes, movimentando-se como água escorrendo, no modo como em certas culturas as serpentes são seres de fertilidade e fluidez, quando que, em outras culturas, as serpentes são linkadas ao Mal, como na maliciosa serpente do Éden, seduzindo o Ser Humano e conduzindo este para o descaminho, na misoginia que coloca uma mulher como a causadora de todas as desgraças da Humanidade, tendo o Homem como o sexo perfeito, o sexo primordial, no infeliz modo como as próprias mulheres são machistas... Yuli adora bocas, e aqui temos uma bocona aberta, como num consultório de dentista. O fundo da boca é negro e misterioso, sem revelar o que há por trás, nos mistérios da Fé, exigindo que acreditemos na Vida pós Morte mesmo não tendo provas científicas de que a Vida na Terra é sucedida por uma Vida desprendida e gloriosa, no grande plano divino para conosco, num Pai que quer o melhor para seus filhos, seus adorados príncipes – somos todos especiais, todos fruto de uma divina concepção, mas o problema é que, na Terra, há uma dúvida cinzenta, entre Céu e Inferno, num fechado e misterioso dia nublado, encoberto, cinzento, numa fria tarde de Inverno, na qual tudo o que queremos é entrar debaixo de uma coberta e comer um pinhão quentinho, nos prazeres simples do aconchego, da despretensão, no prazer de se deparar com uma lareira em uma fria e úmida tarde de sábado invernal – a maravilha da Vida está na Simplicidade. Aqui, temos uma descomunal língua, numa língua de serpente, farejando presas, ratos desavisados, no modo como a pessoa tem que tomar cuidado para não se tornar uma presa de psicopatas ardilosos e manipuladores, pois os “vampiros” estão entre nós... Aqui, os dentes são amarelados, dourados, talvez num implante de dente de ouro, nos tesouros de um túmulo faraônico, nas tentativas humanas em compreender o Desencarne, pois, na Vida, nada mais natural e inevitável do que a Morte, na dificuldade que um psiquiatra – com todo o respeito que tenho pela Psiquiatria – tem em ter Fé para esperar uma vida leve, produtiva e maravilhosa, reencontrando-se com entes queridos, no fato de que os vínculos de família não se desfazem com o Desencarne, fazendo com que sejamos eternamente gratos a nossas próprias mães, essas pessoas sem as quais nossa encarnação não teria sido possível, numa espécie de ponte, que nos transporta entre uma fase anterior e uma fase posterior. Aqui, é como uma criança sapeca mostrando a língua, na simplicidade da cabeça da criança, na responsabilidade que é incutir na cabeça infantil os princípios de virtude, causando discernimento entre Bem e Mal; entre o que vale a pena e o que não vale, numa criança que, desde cedo, nota a necessidade do aprimoramento moral, sendo instruída a mentir o mínimo possível. Aqui, a boca está aberta e receptiva, como num generoso anfitrião, fornecendo música e bebida aos convidados, no prazer de se fazer uma bela festa de aniversário, nas festas metafísicas de retorno, quando, depois do Desencarne, deparamo-nos com os entes queridos que deixaram a Terra antes de nós, pois nada teria sentido sem a Eternidade – é uma questão de pura lógica matemática, como num quebracabeça sendo pacientemente montado. Delgados fios sustentam esta obra, no sentido de que a grosseria é fraca e a fineza é fortíssima.


Acima, Pizza. A comida que veio da Itália para o Mundo, na universalidade da Gastronomia, na sensação agradável de se receber uma pizza quentinha por telentrega, podendo sentir, antes de abrir a caixa larga, o aroma dos condimento, do queijo e do pepperoni – cozinhar nos faz humanos, no modo como as especiarias orientais ganharam a Europa das Navegações. Aqui, não temos uma pizza de perfeição geométrica, mas uma pizza deliberadamente imperfeita, no modo como a Vida é naturalmente imperfeita, fazendo das irônicas imperfeições o senso de humor divino, na virtude de uma pessoa que, mesmo envelhecendo, permanece brincalhona e jovial, como na divertidíssima entrevistadora americana Ellen, cujo passatempo preferido é pregar peças e assustar equipe, plateia e convidados, na divertida reação da pessoa que é vítima do susto. Aqui, temos uma pizza estranha, com cores que normalmente não vemos em pizzas. A borda é marrom, talvez de chocolate, talvez dourada no calor do forno, num delicioso queijo gratinado, no engraçado episódio de uma prima minha que, ao pedir uma pizza por telefone, solicitou a pizza sem recheio na borda, mas o atendente entendeu que ela queria a pizza sem qualquer borda, apenas com a parte interior da pizza, entregando uma pizza debilitada! Esta pizza gira como uma roda, uma mandala, como água abaixo pelo ralo, ou como uma galáxia girando, nos mistérios da Cosmos – O que diabos há no centro de uma galáxia? O que faz tudo isso funcionar? Aqui, a pizza é fatiada irregularmente, de forma extremamente assimétrica, talvez numa partilha de herança, num irmão querendo passar o outro para trás, nas patéticas guerras humanas em torno de poder e dinheiro, num Ser Humano que, normalmente, e infelizmente, identifica-se sempre com a Matéria, e nunca com o Espírito, no indagamento taoista – O que vale mais para você: ser feliz ou só parecer ser feliz? Então, um infeliz mundinho de aparências fúteis se constitui, e a pessoa se vê refém das expectativas do Mundo – ninguém diz a você como viver, mas, mesmo assim, á uma armadilha. Portanto, mostre o dedo do meio para o Mundo, pois que vida é esta, na qual sou um prisioneiro? Esta pizza roda como uma roda, na vogue dos rodízios de pizza, na fartura interminável. Vemos aqui gotas brancas, talvez de marshmallow. São gotas puras, de Paz, ilhas de bem estar em meio a um Mundo tão instável e aguerrido, tão raivoso, tão desprezando o cocidadão. São como manchas de Vitiligo, num espírito que, na marra, tem que aprender a se desprender das vaidades mundanas, como se soubesse que, no Mundo Real, ou seja, a nível metafísico, a Beleza é eterna e inabalável, fazendo da Terra tal lar provisório, no qual Beleza não põe à mesa – é um terreno de guerra, onde temos que ter espírito de coragem. Estas manchas brancas são como roupas carcomidas por traças, nas imperfeições da Natureza, num Mundo em que as imperfeitas traças são inevitáveis, como gramíneas espontaneamente brotando das rachaduras em calçadas, no contraste entre canteiros bem cuidados e canteiros mal cuidados; no contraste entre Amor e a ausência deste. Esta pizza tem uma predominância rosa, feminina, no sabor tuttifrutti  de chicletes na Infância, a época simples em que só temos que estudar e brincar. Esta pizza é divertida, dinâmica, e parece ter vida própria. É como numa piscina, na qual o movimento da água distorce as linhas retas dos azulejos, na liquidiscente sensação gloriosa de prazer e libertação que é a Experiência Extracorporal, quando o espírito se desprende provisoriamente do corpo carnal, numa sensação de Paz, na qual percebemos a necessidade de aprimoramento técnico do espírito, num Pai que não quer que entremos em estagnação. Aqui, é como um clã de leões partilhando uma gazela que foi capturada, no processo de crescimento de um filhote que começa a se desinteressar pelas mamas da mãe e passa a achar interessante a carne banhada de sangue, num processo de crescimento, numa criança que se desinteressa naturalmente pelos brinquedos.

Referências bibliográficas:

Works. Disponível em: <www.yuliyamagata.com>. Acesso em: 9 mai. 2020.

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