Paulista de 1989, Yuli
Yamagata é formada em
Artes Visuais pela USP e já foi indicada duas vezes ao
prestigiado Prêmio Pipa. Já expôs em Lisboa, na Romênia, em Nova York, no Panamá e,
é claro, no Eixo Rio-São Paulo. Costura lançar mão de costuras e tecidos. Os
textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, Brick Sneakers. Há uma gota caindo, talvez numa lágrima, uma
lágrima negra, cheia de medo e culpa, talvez numa pessoa extrassensível, que
tem que aprender a se proteger da dureza do Mundo, num Mundo que pode ser tão
duro para com os inocentes sonhos de um artista. É uma gota de orvalho negro,
imprevisível, no modo como, quando não é o momento de antevermos algo, não há
Cristo que possa interceder. Parece-se com uma colher, nos afazeres do dia a
dia, talvez numa mãe zelosa e exausta depois de tanto cuidar de uma casa pela
parte da manhã, acordando cedo e enfrentando a Vida, muito distante dos sonhos
belos de um lindo dia de casamento. A colher está dependurada, à disposição,
numa rústica e acolhedora parede de tijolos à vista, no modo como, nesta
semana, pedirei um telentrega de pizza rústica, pois o rústico é despretensioso,
logo, acolhedor, como uma pessoa que conheço, que tem um estilo rústico, sem
frescuras, no prazer de se levar a Vida com simplicidade. No topo da obra vemos
um formoso laço em rosa pink, feminino, na cor do universo da boneca Barbie,
num mundo perfeito, onde não há feiura ou vicissitudes, o que não é verdade,
pois, mesmo na Dimensão Metafísica, temos que continuar tocando a Vida para
frente, na famosa frase popular: “Beleza não põe à mesa”, desculpe a
sinceridade. A fita são os amorosos laços de família, talvez numa família que,
na Terra, tenha passado por espinhosos momentos de desentendimento, mas tudo
tem seu tempo, e a Eternidade é isso mesmo – tempo para tudo, pois os sagrados
laços de família não se dissolvem com o Desencarne, ou seja, toda e qualquer
desavença, todo e qualquer erro de relacionamento, terá um fim, um término,
certamente, pois é Eternidade é mais nobre, forte e duradoura do que qualquer
pedra preciosa da Terra, portanto, de que serve o acúmulo de tesouros? Vemos
aqui um grande estômago amarelo, processando a ordem gastronômica do dia,
talvez numa pessoa que comeu mais do que precisava, na ancestral ambição humana
em acumular mais e mais poder, sequer chegando perto do poder de Tao, o
incompreensível infinito imenso. É da cor do ouro, da vitória, na inesquecível
musiquinha de júbilo de Senna, que saiu de cena de forma épica, tal qual um
ator falecendo em pleno palco, numa pessoa que se fez digna e útil ao Mundo,
embalando os sonhos terrenos de libertação metafísica. Envolvendo o estômago,
um invólucro negro, pesado, na discrição do luto, como numa densa cortina, que
não nos permite saber direitinho tudo o que ocorrerá em nossas encarnações,
pois, se soubéssemos, não aconteceria... Vemos um grão de amendoim da cor da
parede, querendo ser discreto, talvez querendo ser um furo, uma lacuna pela
qual podemos respirar Liberdade, na libertadora sensação de se chegar em casa e
retirar a máscara anticovid. Este grão traz dois bebês azuis, dois meninos,
como Remo e Rômulo, na contundente imagem da loba alimentando os meninos, no
modo como redijo esta crônica a poucos dias do Dia das Mães. Numa
predominância, ao fundo, um verdejante campo fértil, fresco, sustentando tanta
Vida, tão diferente do que qualquer planeta de nosso sistema solar – por que a
Terra é tão singular? O verde é uma salada, com tantas pessoas aderindo ao
Veganismo, numa opção não só alimentar, mas política, na regra de não se
adquirir produtos testados em
animais. O verde é uma bala de menta, ou uma refrescante
pasta de dente, numa boca sempre limpa, sempre fresca, na glória metafísica de
estarmos sempre com a sensação de banho tomado e dentes escovados, como disse a
grande diva Fernanda Montenegro: “Meu tratamento de Beleza é sabonete e pasta
de dente”. O amendoim aqui é um embrião, talvez no famoso Alien assassino do
Cinema, num quadro parasitário, fazendo metáfora com os psicopatas.
Acima, Chat and drinks. Novamente, uma lágrima, na capacidade de um
artista em catarsear inevitáveis sentimentos de tristeza, solidão e carência
afetiva, fazendo da Arte a cura para tais males, assim como a Arte também
liberta o espectador. É uma gota rubra, de sangue, talvez nas dores de cólicas
menstruais, na força que uma mulher precisa ser para ser mulher, sendo mais
tolerante à Dor do que um homem é capaz de ser tolerante à mesma – não é fácil
ser mulher. Neste cenário de YY, uma branca Lua no topo do quadro, na magia das
noites claras de luar, no modo como a Lua, em sua altiva independência
feminista, mal liga para a regularidade masculina solar, em momentos de cólica
que fazem com que a mulher queira declarar guerra até aos EUA, como num certo videoclipe
pop, com mulheres arranhando paredes, em um chão manchado de sangue. A Lua aqui
é pura e idealizada, como se vista de uma elevada varanda, ficando ainda maior
ao olhar do habitante de tal esfera, seduzindo com suas crateras, as cicatrizes
que contam uma história, uma trajetória, no charme de homens com marcas de
expressão, seduzindo as mulheres na feiura da experiência, da carreira, da
caminhada de Vida, como num Tarcísio Meira ou num Sean Connery, seduzindo as
mulheres com essas “tatuagens” que contam um enredo, no preconceito patriarcal,
que acha feia a mulher que tem uma trajetória, uma história, uma caminhada, no
arquétipo de Nossa Senhora, a mulher sem história, nos cruéis padrões de Beleza
que exigem que a mulher não tenha rugas ou quaisquer marcas de expressão. Neste
quadro, o azul marinho é a sedutora noite tropical enluarada, na Lua fazendo
inveja a qualquer outra estrela no Céu, numa arrebatadora Lua Cheia, regendo os
instintos sexuais animais, num prato prateado, num badalar místico, nos
mistérios irrevelados da Natureza, esta Mãe que, após o Desencarne, torna-se
Nossa Senhora, a Fada do Bem que transformou Cinderela, no modo como, desde
cedo, a criança é criada para entender o que é Virtude e o que é Vulgaridade,
num trabalho de discernimento, como no livro de Tao, mostrando-nos que, o que é
suave e sutil, é eterno, ao contrário do carregado, que é finito, ou seja, é a
lição do Desapego. Este quadro é cortado por muitas serpentes, de várias cores.
Vemos uma sisuda serpente negra, discretinha, num ser que não tem as mundanas
ambições de dominar o quadro, na lição da camuflagem discreta – se estou
invisível, não serei pego pelo predador. Vemos duas serpentes de tons
diferentes de verde, numa YY que sabe trabalhar com critério, com o bom gosto
cromático. O verde é a impenetrável Floresta Amazônica, ou no parque Trianon,
no seio da selva de pedra paulistana, ou como no famoso Central Park, num
respiro de Natureza em meio ao concreto duro e cinzento, com furtivos
esquilinhos, adaptados a este “aquário” de exceção que é tal parque, na
verdadeira explosão do Movimento Ambiental Mundial, com as intervenções
radicais e corajosas de movimentos como o Greenpeace, o qual, apesar de
carregar a palavras “paz” em si mesmo, lança mão de recursos e ações um tanto
belicosas, contundentes. Vemos aqui um entrelace de lombrigas rosa pastel, como
numa confusa e labiríntica malha viária, confundindo quem não é de tal cidade,
no modo como a pessoa pode estar tão perdida, sem Norte existencial, não
sabendo o que fazer ou qual medida tomar. Nesta malha rosa, vemos uma fração
branca, na esperança de se obter Paz em seus dias de encarnado. Pelo quadro,
vemos algumas “unhas” de um vermelho profundo, como um útero perfumado, como
acordar em uma confortável cama com lençóis sutilmente perfumados, numa
sensação de lar e proteção, como num condomínio fechado, onde a ordem é
absolutamente inabalável, longe das vicissitudes terrenas de assaltos, roubos
ou agressões. As unhas são a Feminilidade. E vemos uma protuberância no quadro,
como um bebê querendo nascer e aventurar-se pelo Mundo, no modo como filhos são
criados para tal Mundo, pois Tao nos cria para sermos livres.
Acima, Chiclet. Aqui, temos um ardoroso beijo de língua, num casal que
atingiu nível máximo de intimidade, estando um muito confortável nos braços do
outro. Talvez sejam duas mulheres, femininas, no fetiche que os homens
heterossexuais têm em ver duas belas mulheres transando num filme pornô, algo
que não corresponde à realidade, pois já ouvi dizer, de uma mulher homossexual,
que tais filmes nada têm a ver com a realidade lésbica, pois as moças desses
filmes são, na realidade, heterossexuais. YY nos traz superfícies macias e
agradáveis ao toque, como num confortável sofá, na rotina de um lar, o lugar
onde nos sentimos tão simples e despretensiosos. Parecem duas ostras, e em uma
delas há, de fato, uma pérola, na magia clássica de colares de pérolas, na
intenção humana de “fazer compras” na Natureza e extrair tais riquezas, havendo
nos adornos a intenção humana de se perseguirem o belo, o fino e o
diferenciado. Noutra boca aqui, a pérola é verde, como um grão de ervilha, como
numa semente de feijão, como na fábula dos grãos mágicos de feijão, que levavam
até um elevado castelo de um gigante, remetendo-me à experiência na Pré Escola
em colocar um grãozinho de feijão num algodão umedecido, e ver tal grão brotar,
na magia da Vida, com seres vivos nascendo milagrosamente, nos mistérios da
Vida, num Ser Humano que está ainda tão, mas tão longe ter a perfeição de Tao,
o grande cientista. A língua aqui é dourada, na sensação dourada de uma pessoa
que se apaixonou, numa sensação maravilhosa de que o Mundo é indefectível e de
que as pessoas são todas repletas de Amor e Gentileza. Aqui, a boca da direita
é o homem, pois sua língua eriçada é o pênis desbravando a vagina, numa
invasão, num estupro, no paladino falo que mergulha nas profundezas e, lá no
fundo, deposita sua semente, garantindo a descendência, como na obsessão de
Henrique VIII em colocar no Mundo um herdeiro homem, nas patetices humanas em
torno de gênero, na ilusão de que homens e mulheres não são a mesma coisa, pois
os anjos, em sua superioridade, não têm sexo, ou seja, ser Homem ou ser Mulher
é passageiro, havendo no cavalheirismo masculino e na delicadeza feminina um
retrato de esperança, como gente elegante num baile de gala, fazendo com que
tais eventos sociais façam menção aos apolíneos e finos eventos sociais
metafísicos, numa agenda social maravilhosa, cheia de elegantes anfitriões em
casas espaçosas e confortáveis, num momento de leveza, luxo e luz. Podemos ver
aqui as gengivas cor de rosa, numa gengiva saudável, no modo como, no frigir
dos ovos, tudo da Terra se resume a Saúde, seja física ou mental. Podemos ouvir
aqui o som do splish splash do beijo, remetendo à canção da Jovem Guarda, ou no
clipe Dont’t Talk, Just Kiss, ou
seja, Não fale; Somente Beije, da
banda disco Right Said Fred, havendo no beijo uma das provas da afetuosidade,
uma força que vai contra a crueldade da insensibilidade – o beijo nos faz
humanos; faz-nos seres mais carinhosos. Aqui, é como a luz num exame de
garganta, na luz da Ciência e da Medicina, lutando para desvendar os segredos
do Homem e do Universo, na grande e divertida charada que Tao nos impõe, como
num exigente professor, que vale cada centavo da mensalidade. O fundo deste
quadro é branco, limpo, como num guardapó de médico, na cor dos rituais de
Umbanda e Candomblé, ou de chefes espíritas, remetendo à farsa revelada de um
certo senhor, que se fazia passar por médium para abusar de desesperadas
mulheres que ele consultavam. O branco é a cor da pureza, da Paz, nos heróicos
esforços diplomáticos em nome da concórdia, numa Terra ainda tão aguerrida e
instável, tão turbulenta nas competitividades de reis que querem invadir o espaço
de outros reis, na falta de garbo e elegância da Guerra, em rubros campos de
batalha, tomados de sangue – não há Beleza na Raiva; somente há Beleza na Paz,
como numa plácida vizinhança, num lugar em que temos a certeza de estarmos
entre irmãos, entre iguais, num mundo onde o Amor é regra, e não exceção.
Acima, Milho. O milho simboliza a Vida, a alimentação, as vastas
plantações que nutrem nações. É como os milhos da menina que é escultura de
Dalí, no MoMA, com as formiguinhas andando, no poder avassalador da Vida,
irrefreável, assim como a Beleza e a Paz derrotam o Ódio. São as plantações de
milho devoradas por famintos javalis, na força que as pragas exercem sobre
vinhedos, fazendo da Terra esta grotesca cópia do Mundo Metafísico, como diz a
letra da banda gaúcha Cidadão Quem: “Sonhei que as pessoas eram boas em um mundo
de amor, e acordei neste mundo marginal”. O milho é a Saúde, a Nutrição, num
ninho cheio de filhotes famintos, na obrigação de pai em nutrir o lar, como na
logomarca dos produtos Nestlé. Na porção inferior desta obra, vemos um pedaço
felpudo e macio, amarelo. É a carícia, o toque carinhoso, numa roupa macia,
tratada com amaciante. É a glória dourada do Amor, unindo todos os irmãos ao
redor da criação de Tao, a cola invisível que mantém unidas todas as inúmeras
galáxias do Cosmos, fazendo deste algo indesvendável, mesmo perante o mais
moderno telescópio humano. É o toque, a precaução, como uma mãe vestindo o
filho antes deste sair para um dia frio de Inverno. Na porção superior da obra,
uma esfera irregular rubra, como um com vinho sendo degustado, na
universalidade da birita, com cada civilização tendo suas próprias formas de
bebida alcoólica. É uma gota de sangue em uma película de vidro, para um exame
científico, ou como no altruísmo de uma pessoa que doa regularmente sangue, num
espírito bem intencionado, que se esforça para colaborar para com os bancos de
sangue, ou como voluntárias para um banco de leite materno, como em escravas
negras, amamentando os filhos da senhoria. É um rubro sol japonês, envolto em
alvas brumas, como um prato de ouro, num gongo, nas badaladas de Tao, o disco
solar que nutre a Vida na Terra. É Marte, o planeta vermelho, a esfera mais
provável de ser colonizada pelo Homem, num ponto em que tal Homem ganhará o status
de alienígena... O fundo é negro, como nos confins do Universo, em cantos nunca
desvendados, o que faz com que o Ser Humano se pergunte porque o Cosmos é tão
além da compreensão humana. O preto é a traiçoeira toca de um monstro faminto,
que atrai suas vítimas e as aprisiona numa teia ardilosa, nas armadilhas que
são os submundos, ambientes maliciosos e viciosos, que nada mais fazem do que
intoxicar a mente do indivíduo que vaga por tais esferas nefastas. O preto é a
cor da merda, com o perdão da palavra; com o perdão do desabafo, pois não são
benéficas as catarses? Esta grande espiga de milho é sustentada por uma
discreta bola cinzenta, como um discreto planetinha em um rico sistema solar,
numa atitude sábia de discrição, como no preto velho, quietinho em seu canto,
só observando os egos ascendendo e descendendo, numa testemunha ocular da
História, num saindo de sua despretensiosa posição. As cascas desta espiga
remetem ao jeans, esta peça de roupa que veio para ficar, definitivamente, esta
peça tão jovial, tão simples e resistente, tão corriqueira, tão desprovida de
pernóstica pretensões, pois não é insuportável uma pessoa pernóstica, cheia de
sujas e desnecessárias afetações? Temos em YY uma alma de costureira, tecendo
sua obra e também tecendo a conquista de seu espaço, fazendo do paciente labor
de costura um remédio para os estresses mundanos, os quais giram em torno da
tola ilusão de que há pessoas perfeitas sobre a face da Terra – todos aqui
somos estudantes, aprendendo nossas específicas lições, talvez ajudando na
educação de nossos irmãos, sendo nós também ajudados pelos mesmos. Aqui, o
milho é sexy como num striptease, revelando-se aos poucos, como nas fases
lunares, revelando para, depois, esconder novamente, provocando a imaginação do
espectador. É como no chamado efeito cebola, quando saímos de casa, pela manhã,
bem agasalhados e, durante o dia, vamos tirando as camadas de roupas. O milho
aqui é um tabuleiro de Xadrez, com ruas e avenidas se entrecruzando, num
ambiente frio e técnico, onde cresce o espírito em meio à Moralidade do
Pensamento Racional – não há Beleza na Vulgaridade.
Acima, Pneu. Uma bala furando um corpo, num tiro à queima roupa, na
agressividade do termo em Inglês hit,
ou seja, agressão, golpe de sucesso e penetração. Aqui, temos um Sol exótico,
colorido, como um Sol de alguma exoplaneta, ou seja, em algum outro sistema
solar. É como um planeta sendo cortado ao meio, revelando suas camadas, suas
fatias geológicas, contando uma história, um processo geológico que durou bilhões
de anos, na insuficiente maneira humana em medir o tempo cósmico a partir dos
dias, meses e anos deste nosso planeta pequeno. É uma explosão, no desejo de um
artista em estourar, em obter sucesso e reconhecimento, neste mundo duro em que
vivemos, com tantos e tantos sonhos sendo frustrados todos os dias, na forte
tendência humana em construir expectativas, pois quem não tem expectativa, não
se frustra, e é por isso que Tao nunca se frustra, pois Tao observa tudo sem
expectativa, sempre perdoando seus filhos, numa mãe zelosa, que quer ver seu
filho homem feito. Aqui, é como uma semente cortada ao meio, servindo de
alimento, como o famoso pinhão brasileiro, a semente que cai do Pinus araucaria, numa árvore que é
símbolo da região sul do Brasil, num hábito gastronômico que me remete a
Inverno e a aconchego. Aqui, é como um embrião se desenvolvendo no útero
materno, num processo paciente, que leva meses para se desdobrar por completo,
no modo como já disse uma famosa mãe: “A gravidez e o parto são uma grande
piada de Deus”. Então, a barriga vai crescendo, e o milagre da Vida vai se
revelando, no termo “gestação” para descrever o tempo que um artista leva para
conceber uma obra, como num escritor, que leva meses, quiçá anos para finalizar
um romance, num processo paciente e disciplinado, numa pessoa que sabe que Roma
não foi construída em um só dia. Aqui, é como um olho, com contorno e
sobrancelha, numa mulher se maquiando e se aprumando, sabendo que os momentos
de interação social são especiais, como numa professora que tive no Ensino
Médio, uma mulher que, às sete e meia da manhã, estava completamente maquiada e
aprumada, e imagino com que antecedência ela deveria acordar todas as manhãs
para se aprumar tanto, num ato de autoestima, ao contrário de outra professora
que tive, uma mulher que, hoje, largou-se por completo, e não mais se arruma
nem se gosta muito, saindo de cada com qualquer aparência – amar a si próprio é
importante, pois a primeira pessoa que tem que gostar de mim sou eu mesmo.
Aqui, é a magia de um ovo de Páscoa sendo aberto, com o perfume de chocolate,
em embalagens coloridas, na magia de um domingo colorido, fazendo metáfora com
a Paz Metafísica, a Paz que faz com que as Guerras sejam uma sombra
desprezível, pois Tao não inventou a Discórdia, sendo que o Ódio é fruto do
talento humano para o Mal e para a Desolação. Aqui é um olho aberto e
consciente, numa pessoa que tem a total noção de que desencarnou, aceitando a
morte do corpo físico, como nos olhos abertos de máscaras mortuárias egípcias,
num espírito que acordou de um sono e que, finalmente, pode abraçar uma vida
mais simples e muito mais rica, numa dimensão plácida e iluminada, onde
Pensamento é tudo, desprezando a Matéria, ao contrário de um espírito mundano,
o qual simplesmente não aceita o próprio óbito, querendo voltar para uma
prisão, mesmo já tendo chegado seu dia de soltura... O branco aqui é a camada
mais profunda deste grão, desta semente, na esperança de que tudo será melhor e
menos sofrido, no modo como as dores são inevitáveis na Terra – o que muda é se
me permito ou não sofrer por tal dor. Aqui, é como a água rolando ralo abaixo,
como numa galáxia girando, nas demandas gravitacionais do Cosmos, nos pólos
magnéticos, na revolução humana que foi a invenção da bússola, guiando
navegadores pro aventuras em terras virgens e selvagens, na curiosidade da
Europa em ver tais mundos exóticos. Aqui, o pneu roda, na grande invenção que
foi a Roda, algo tão simples e tão genial, num Ser Humano evolutivo, sempre
buscando aprimoramento, havendo estagnação na vida de uma pessoa que se acha
perfeita.
Acima, sem título. Mais uma
vez, um beijo de língua, como cálices de vinho sendo brindados, e podemos ouvir
o tilintar dos cristais, num momento de celebração, de interação social, num
ato de tradição, no modo como é tão tradicional a bebida feita de mosto de
uvas. As línguas aqui são marrons, sujas, talvez numa pessoa desbocada, sem
muitos brios na boca, como numa divertida Dercy Gonçalves, uma pessoa que
construiu a reputação por ser desbocada, algo que ficou ainda mais engraçado a
partir do momento em que a atriz foi ficando idosa – as pessoas não mudam. O
fundo aqui é um sisudo azul profundo, numa seriedade formal, contrastando com
os dois amantes se curtindo entre quatro paredes, como uma professora que tive,
a qual, ao ir a um baile de gala, ficou escandalizada com os beijos de língua
no salão, pois se os casais fazem isso em público, o que resta para fazer entre
quatro paredes? Esta obra luta para ter uma certa simetria, como uma concha
sendo aberta, revelando se expandir tanto para sul quanto para norte, no modo
como tantos seres vivos, ou a maioria deles, ou quase todos, ou todos eles são
simétricos, na prova do talento de designer de Tao, aquele que nunca para de
criar, inspirando-nos para termos uma vida produtiva, proveitosa, na sensação
de vazio de uma pessoa a qual, ao desencarnar, vê que nada construiu em vida –
não dá para viver ao sabor do vento, e o siso, os pés no chão, são altamente
capitais em qualquer encarnação. Aqui, as línguas são como fezes, como numa
pessoa improdutiva, a qual produz o quê? Fezes... Temos aqui porções negras,
como numa necrose, num organismo morrendo, sendo decomposto, no avanço negro e
pestilento do Submundo, aprisionando mentes e escravizando pessoas, numa vida
empobrecida, sem norte existencial, pois como pode ser feliz uma pessoa sem
juízo? Vemos aqui porções cor de rosa, como chiclete de morango, na magia
infantil das guloseimas, no modo como as crianças têm o talento para se
alimentar mal! Então, a disciplina alimentar começa a se mostrar tão
necessária, em medidas radicais, como aderir ao Veganismo. Vemos aqui porções
em branco, como nuvens, num glorioso dia ensolarado, longe de um melancólico
dia brumoso, um dia incerto, com a dúvida cinzenta: Existe ou não existe a Dimensão
Metafísica? Existe ou não existe o Umbral? É uma questão de Fé, não de Ciência,
pois Tao está além de qualquer ciência humana. Quase no meio da obra, um
triângulo verde, num sedutor gramado de verão, na magia de um dia de calor à
beira da piscina, nas diversões com os amigos, em doces lembranças infantis, numa
época simples, em que só havia estudo e diversão, fazendo ironia comparativa
com a Paz Inabalável Metafísica, numa delícia plácida, veranil, o paraíso para
quem gosta de ser produtivo. Neste quadro, vemos uma pequena pepita de Ouro,
como um dente implantado, na avidez humana em extrair riqueza da Natureza, na
ancestral obsessão humana pelo material, pelo tangível, num Ser Humano que
compra a ilusão de que Amor pode ser vendido ou comprado – na Vida, vende-se
tudo, menos o que mais importa. É como a triste história de um ganhador da
Loteria, uma pessoa que passou a ser cercada de amigos por interesse, e não por
amigos amorosos. A pequena pepita é a pequenez humana frente ao mundano, na
ilusão de que a Matéria é eterna, pois Tao é assim mesmo, subestimado.
Portanto, não tenha medo de ser subestimado, pois só quem é subestimado pode
surpreender... É como um colega de faculdade que tive, uma pessoa que, em um primeiro
momento, eu subestimei e, depois, vi o erro que cometi. É como uma pessoa que
angaria as forças para dar uma volta por cima, no modo como o Pai Tao quer que
sejamos forte e que não desistamos. É como a popstar Alanis Morrisette, a qual,
em um primeiro momento, fracassou e, depois, retornando à lida, revelou-se uma
grande estrela. É uma vingança, mas uma vingança do Bem. Aqui, as bocas são o
diálogo e a concórdia, no hábito russo de homens se beijando na boca, num ato
que, naquela cultura, é considerado perfeitamente viril.
Referências bibliográficas:
Yuli Yamagata.
Disponível em: <www.premiopipa.com/artistas/yuli-yamagata/>. Acesso em: 2
mai. 2020.
Yuli Yamagata.
Disponível em: <www.yuliyamagata.com/about>. Acesso em: 2 mai. 2020.
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