quarta-feira, 13 de maio de 2020

O Pulo da Gata



Paulista de 1989, Yuli Yamagata é formada em Artes Visuais pela USP e já foi indicada duas vezes ao prestigiado Prêmio Pipa. Já expôs em Lisboa, na Romênia, em Nova York, no Panamá e, é claro, no Eixo Rio-São Paulo. Costura lançar mão de costuras e tecidos. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Brick Sneakers. Há uma gota caindo, talvez numa lágrima, uma lágrima negra, cheia de medo e culpa, talvez numa pessoa extrassensível, que tem que aprender a se proteger da dureza do Mundo, num Mundo que pode ser tão duro para com os inocentes sonhos de um artista. É uma gota de orvalho negro, imprevisível, no modo como, quando não é o momento de antevermos algo, não há Cristo que possa interceder. Parece-se com uma colher, nos afazeres do dia a dia, talvez numa mãe zelosa e exausta depois de tanto cuidar de uma casa pela parte da manhã, acordando cedo e enfrentando a Vida, muito distante dos sonhos belos de um lindo dia de casamento. A colher está dependurada, à disposição, numa rústica e acolhedora parede de tijolos à vista, no modo como, nesta semana, pedirei um telentrega de pizza rústica, pois o rústico é despretensioso, logo, acolhedor, como uma pessoa que conheço, que tem um estilo rústico, sem frescuras, no prazer de se levar a Vida com simplicidade. No topo da obra vemos um formoso laço em rosa pink, feminino, na cor do universo da boneca Barbie, num mundo perfeito, onde não há feiura ou vicissitudes, o que não é verdade, pois, mesmo na Dimensão Metafísica, temos que continuar tocando a Vida para frente, na famosa frase popular: “Beleza não põe à mesa”, desculpe a sinceridade. A fita são os amorosos laços de família, talvez numa família que, na Terra, tenha passado por espinhosos momentos de desentendimento, mas tudo tem seu tempo, e a Eternidade é isso mesmo – tempo para tudo, pois os sagrados laços de família não se dissolvem com o Desencarne, ou seja, toda e qualquer desavença, todo e qualquer erro de relacionamento, terá um fim, um término, certamente, pois é Eternidade é mais nobre, forte e duradoura do que qualquer pedra preciosa da Terra, portanto, de que serve o acúmulo de tesouros? Vemos aqui um grande estômago amarelo, processando a ordem gastronômica do dia, talvez numa pessoa que comeu mais do que precisava, na ancestral ambição humana em acumular mais e mais poder, sequer chegando perto do poder de Tao, o incompreensível infinito imenso. É da cor do ouro, da vitória, na inesquecível musiquinha de júbilo de Senna, que saiu de cena de forma épica, tal qual um ator falecendo em pleno palco, numa pessoa que se fez digna e útil ao Mundo, embalando os sonhos terrenos de libertação metafísica. Envolvendo o estômago, um invólucro negro, pesado, na discrição do luto, como numa densa cortina, que não nos permite saber direitinho tudo o que ocorrerá em nossas encarnações, pois, se soubéssemos, não aconteceria... Vemos um grão de amendoim da cor da parede, querendo ser discreto, talvez querendo ser um furo, uma lacuna pela qual podemos respirar Liberdade, na libertadora sensação de se chegar em casa e retirar a máscara anticovid. Este grão traz dois bebês azuis, dois meninos, como Remo e Rômulo, na contundente imagem da loba alimentando os meninos, no modo como redijo esta crônica a poucos dias do Dia das Mães. Numa predominância, ao fundo, um verdejante campo fértil, fresco, sustentando tanta Vida, tão diferente do que qualquer planeta de nosso sistema solar – por que a Terra é tão singular? O verde é uma salada, com tantas pessoas aderindo ao Veganismo, numa opção não só alimentar, mas política, na regra de não se adquirir produtos testados em animais. O verde é uma bala de menta, ou uma refrescante pasta de dente, numa boca sempre limpa, sempre fresca, na glória metafísica de estarmos sempre com a sensação de banho tomado e dentes escovados, como disse a grande diva Fernanda Montenegro: “Meu tratamento de Beleza é sabonete e pasta de dente”. O amendoim aqui é um embrião, talvez no famoso Alien assassino do Cinema, num quadro parasitário, fazendo metáfora com os psicopatas.


Acima, Chat and drinks. Novamente, uma lágrima, na capacidade de um artista em catarsear inevitáveis sentimentos de tristeza, solidão e carência afetiva, fazendo da Arte a cura para tais males, assim como a Arte também liberta o espectador. É uma gota rubra, de sangue, talvez nas dores de cólicas menstruais, na força que uma mulher precisa ser para ser mulher, sendo mais tolerante à Dor do que um homem é capaz de ser tolerante à mesma – não é fácil ser mulher. Neste cenário de YY, uma branca Lua no topo do quadro, na magia das noites claras de luar, no modo como a Lua, em sua altiva independência feminista, mal liga para a regularidade masculina solar, em momentos de cólica que fazem com que a mulher queira declarar guerra até aos EUA, como num certo videoclipe pop, com mulheres arranhando paredes, em um chão manchado de sangue. A Lua aqui é pura e idealizada, como se vista de uma elevada varanda, ficando ainda maior ao olhar do habitante de tal esfera, seduzindo com suas crateras, as cicatrizes que contam uma história, uma trajetória, no charme de homens com marcas de expressão, seduzindo as mulheres na feiura da experiência, da carreira, da caminhada de Vida, como num Tarcísio Meira ou num Sean Connery, seduzindo as mulheres com essas “tatuagens” que contam um enredo, no preconceito patriarcal, que acha feia a mulher que tem uma trajetória, uma história, uma caminhada, no arquétipo de Nossa Senhora, a mulher sem história, nos cruéis padrões de Beleza que exigem que a mulher não tenha rugas ou quaisquer marcas de expressão. Neste quadro, o azul marinho é a sedutora noite tropical enluarada, na Lua fazendo inveja a qualquer outra estrela no Céu, numa arrebatadora Lua Cheia, regendo os instintos sexuais animais, num prato prateado, num badalar místico, nos mistérios irrevelados da Natureza, esta Mãe que, após o Desencarne, torna-se Nossa Senhora, a Fada do Bem que transformou Cinderela, no modo como, desde cedo, a criança é criada para entender o que é Virtude e o que é Vulgaridade, num trabalho de discernimento, como no livro de Tao, mostrando-nos que, o que é suave e sutil, é eterno, ao contrário do carregado, que é finito, ou seja, é a lição do Desapego. Este quadro é cortado por muitas serpentes, de várias cores. Vemos uma sisuda serpente negra, discretinha, num ser que não tem as mundanas ambições de dominar o quadro, na lição da camuflagem discreta – se estou invisível, não serei pego pelo predador. Vemos duas serpentes de tons diferentes de verde, numa YY que sabe trabalhar com critério, com o bom gosto cromático. O verde é a impenetrável Floresta Amazônica, ou no parque Trianon, no seio da selva de pedra paulistana, ou como no famoso Central Park, num respiro de Natureza em meio ao concreto duro e cinzento, com furtivos esquilinhos, adaptados a este “aquário” de exceção que é tal parque, na verdadeira explosão do Movimento Ambiental Mundial, com as intervenções radicais e corajosas de movimentos como o Greenpeace, o qual, apesar de carregar a palavras “paz” em si mesmo, lança mão de recursos e ações um tanto belicosas, contundentes. Vemos aqui um entrelace de lombrigas rosa pastel, como numa confusa e labiríntica malha viária, confundindo quem não é de tal cidade, no modo como a pessoa pode estar tão perdida, sem Norte existencial, não sabendo o que fazer ou qual medida tomar. Nesta malha rosa, vemos uma fração branca, na esperança de se obter Paz em seus dias de encarnado. Pelo quadro, vemos algumas “unhas” de um vermelho profundo, como um útero perfumado, como acordar em uma confortável cama com lençóis sutilmente perfumados, numa sensação de lar e proteção, como num condomínio fechado, onde a ordem é absolutamente inabalável, longe das vicissitudes terrenas de assaltos, roubos ou agressões. As unhas são a Feminilidade. E vemos uma protuberância no quadro, como um bebê querendo nascer e aventurar-se pelo Mundo, no modo como filhos são criados para tal Mundo, pois Tao nos cria para sermos livres.


Acima, Chiclet. Aqui, temos um ardoroso beijo de língua, num casal que atingiu nível máximo de intimidade, estando um muito confortável nos braços do outro. Talvez sejam duas mulheres, femininas, no fetiche que os homens heterossexuais têm em ver duas belas mulheres transando num filme pornô, algo que não corresponde à realidade, pois já ouvi dizer, de uma mulher homossexual, que tais filmes nada têm a ver com a realidade lésbica, pois as moças desses filmes são, na realidade, heterossexuais. YY nos traz superfícies macias e agradáveis ao toque, como num confortável sofá, na rotina de um lar, o lugar onde nos sentimos tão simples e despretensiosos. Parecem duas ostras, e em uma delas há, de fato, uma pérola, na magia clássica de colares de pérolas, na intenção humana de “fazer compras” na Natureza e extrair tais riquezas, havendo nos adornos a intenção humana de se perseguirem o belo, o fino e o diferenciado. Noutra boca aqui, a pérola é verde, como um grão de ervilha, como numa semente de feijão, como na fábula dos grãos mágicos de feijão, que levavam até um elevado castelo de um gigante, remetendo-me à experiência na Pré Escola em colocar um grãozinho de feijão num algodão umedecido, e ver tal grão brotar, na magia da Vida, com seres vivos nascendo milagrosamente, nos mistérios da Vida, num Ser Humano que está ainda tão, mas tão longe ter a perfeição de Tao, o grande cientista. A língua aqui é dourada, na sensação dourada de uma pessoa que se apaixonou, numa sensação maravilhosa de que o Mundo é indefectível e de que as pessoas são todas repletas de Amor e Gentileza. Aqui, a boca da direita é o homem, pois sua língua eriçada é o pênis desbravando a vagina, numa invasão, num estupro, no paladino falo que mergulha nas profundezas e, lá no fundo, deposita sua semente, garantindo a descendência, como na obsessão de Henrique VIII em colocar no Mundo um herdeiro homem, nas patetices humanas em torno de gênero, na ilusão de que homens e mulheres não são a mesma coisa, pois os anjos, em sua superioridade, não têm sexo, ou seja, ser Homem ou ser Mulher é passageiro, havendo no cavalheirismo masculino e na delicadeza feminina um retrato de esperança, como gente elegante num baile de gala, fazendo com que tais eventos sociais façam menção aos apolíneos e finos eventos sociais metafísicos, numa agenda social maravilhosa, cheia de elegantes anfitriões em casas espaçosas e confortáveis, num momento de leveza, luxo e luz. Podemos ver aqui as gengivas cor de rosa, numa gengiva saudável, no modo como, no frigir dos ovos, tudo da Terra se resume a Saúde, seja física ou mental. Podemos ouvir aqui o som do splish splash do beijo, remetendo à canção da Jovem Guarda, ou no clipe Dont’t Talk, Just Kiss, ou seja, Não fale; Somente Beije, da banda disco Right Said Fred, havendo no beijo uma das provas da afetuosidade, uma força que vai contra a crueldade da insensibilidade – o beijo nos faz humanos; faz-nos seres mais carinhosos. Aqui, é como a luz num exame de garganta, na luz da Ciência e da Medicina, lutando para desvendar os segredos do Homem e do Universo, na grande e divertida charada que Tao nos impõe, como num exigente professor, que vale cada centavo da mensalidade. O fundo deste quadro é branco, limpo, como num guardapó de médico, na cor dos rituais de Umbanda e Candomblé, ou de chefes espíritas, remetendo à farsa revelada de um certo senhor, que se fazia passar por médium para abusar de desesperadas mulheres que ele consultavam. O branco é a cor da pureza, da Paz, nos heróicos esforços diplomáticos em nome da concórdia, numa Terra ainda tão aguerrida e instável, tão turbulenta nas competitividades de reis que querem invadir o espaço de outros reis, na falta de garbo e elegância da Guerra, em rubros campos de batalha, tomados de sangue – não há Beleza na Raiva; somente há Beleza na Paz, como numa plácida vizinhança, num lugar em que temos a certeza de estarmos entre irmãos, entre iguais, num mundo onde o Amor é regra, e não exceção.


Acima, Milho. O milho simboliza a Vida, a alimentação, as vastas plantações que nutrem nações. É como os milhos da menina que é escultura de Dalí, no MoMA, com as formiguinhas andando, no poder avassalador da Vida, irrefreável, assim como a Beleza e a Paz derrotam o Ódio. São as plantações de milho devoradas por famintos javalis, na força que as pragas exercem sobre vinhedos, fazendo da Terra esta grotesca cópia do Mundo Metafísico, como diz a letra da banda gaúcha Cidadão Quem: “Sonhei que as pessoas eram boas em um mundo de amor, e acordei neste mundo marginal”. O milho é a Saúde, a Nutrição, num ninho cheio de filhotes famintos, na obrigação de pai em nutrir o lar, como na logomarca dos produtos Nestlé. Na porção inferior desta obra, vemos um pedaço felpudo e macio, amarelo. É a carícia, o toque carinhoso, numa roupa macia, tratada com amaciante. É a glória dourada do Amor, unindo todos os irmãos ao redor da criação de Tao, a cola invisível que mantém unidas todas as inúmeras galáxias do Cosmos, fazendo deste algo indesvendável, mesmo perante o mais moderno telescópio humano. É o toque, a precaução, como uma mãe vestindo o filho antes deste sair para um dia frio de Inverno. Na porção superior da obra, uma esfera irregular rubra, como um com vinho sendo degustado, na universalidade da birita, com cada civilização tendo suas próprias formas de bebida alcoólica. É uma gota de sangue em uma película de vidro, para um exame científico, ou como no altruísmo de uma pessoa que doa regularmente sangue, num espírito bem intencionado, que se esforça para colaborar para com os bancos de sangue, ou como voluntárias para um banco de leite materno, como em escravas negras, amamentando os filhos da senhoria. É um rubro sol japonês, envolto em alvas brumas, como um prato de ouro, num gongo, nas badaladas de Tao, o disco solar que nutre a Vida na Terra. É Marte, o planeta vermelho, a esfera mais provável de ser colonizada pelo Homem, num ponto em que tal Homem ganhará o status de alienígena... O fundo é negro, como nos confins do Universo, em cantos nunca desvendados, o que faz com que o Ser Humano se pergunte porque o Cosmos é tão além da compreensão humana. O preto é a traiçoeira toca de um monstro faminto, que atrai suas vítimas e as aprisiona numa teia ardilosa, nas armadilhas que são os submundos, ambientes maliciosos e viciosos, que nada mais fazem do que intoxicar a mente do indivíduo que vaga por tais esferas nefastas. O preto é a cor da merda, com o perdão da palavra; com o perdão do desabafo, pois não são benéficas as catarses? Esta grande espiga de milho é sustentada por uma discreta bola cinzenta, como um discreto planetinha em um rico sistema solar, numa atitude sábia de discrição, como no preto velho, quietinho em seu canto, só observando os egos ascendendo e descendendo, numa testemunha ocular da História, num saindo de sua despretensiosa posição. As cascas desta espiga remetem ao jeans, esta peça de roupa que veio para ficar, definitivamente, esta peça tão jovial, tão simples e resistente, tão corriqueira, tão desprovida de pernóstica pretensões, pois não é insuportável uma pessoa pernóstica, cheia de sujas e desnecessárias afetações? Temos em YY uma alma de costureira, tecendo sua obra e também tecendo a conquista de seu espaço, fazendo do paciente labor de costura um remédio para os estresses mundanos, os quais giram em torno da tola ilusão de que há pessoas perfeitas sobre a face da Terra – todos aqui somos estudantes, aprendendo nossas específicas lições, talvez ajudando na educação de nossos irmãos, sendo nós também ajudados pelos mesmos. Aqui, o milho é sexy como num striptease, revelando-se aos poucos, como nas fases lunares, revelando para, depois, esconder novamente, provocando a imaginação do espectador. É como no chamado efeito cebola, quando saímos de casa, pela manhã, bem agasalhados e, durante o dia, vamos tirando as camadas de roupas. O milho aqui é um tabuleiro de Xadrez, com ruas e avenidas se entrecruzando, num ambiente frio e técnico, onde cresce o espírito em meio à Moralidade do Pensamento Racional – não há Beleza na Vulgaridade.


Acima, Pneu. Uma bala furando um corpo, num tiro à queima roupa, na agressividade do termo em Inglês hit, ou seja, agressão, golpe de sucesso e penetração. Aqui, temos um Sol exótico, colorido, como um Sol de alguma exoplaneta, ou seja, em algum outro sistema solar. É como um planeta sendo cortado ao meio, revelando suas camadas, suas fatias geológicas, contando uma história, um processo geológico que durou bilhões de anos, na insuficiente maneira humana em medir o tempo cósmico a partir dos dias, meses e anos deste nosso planeta pequeno. É uma explosão, no desejo de um artista em estourar, em obter sucesso e reconhecimento, neste mundo duro em que vivemos, com tantos e tantos sonhos sendo frustrados todos os dias, na forte tendência humana em construir expectativas, pois quem não tem expectativa, não se frustra, e é por isso que Tao nunca se frustra, pois Tao observa tudo sem expectativa, sempre perdoando seus filhos, numa mãe zelosa, que quer ver seu filho homem feito. Aqui, é como uma semente cortada ao meio, servindo de alimento, como o famoso pinhão brasileiro, a semente que cai do Pinus araucaria, numa árvore que é símbolo da região sul do Brasil, num hábito gastronômico que me remete a Inverno e a aconchego. Aqui, é como um embrião se desenvolvendo no útero materno, num processo paciente, que leva meses para se desdobrar por completo, no modo como já disse uma famosa mãe: “A gravidez e o parto são uma grande piada de Deus”. Então, a barriga vai crescendo, e o milagre da Vida vai se revelando, no termo “gestação” para descrever o tempo que um artista leva para conceber uma obra, como num escritor, que leva meses, quiçá anos para finalizar um romance, num processo paciente e disciplinado, numa pessoa que sabe que Roma não foi construída em um só dia. Aqui, é como um olho, com contorno e sobrancelha, numa mulher se maquiando e se aprumando, sabendo que os momentos de interação social são especiais, como numa professora que tive no Ensino Médio, uma mulher que, às sete e meia da manhã, estava completamente maquiada e aprumada, e imagino com que antecedência ela deveria acordar todas as manhãs para se aprumar tanto, num ato de autoestima, ao contrário de outra professora que tive, uma mulher que, hoje, largou-se por completo, e não mais se arruma nem se gosta muito, saindo de cada com qualquer aparência – amar a si próprio é importante, pois a primeira pessoa que tem que gostar de mim sou eu mesmo. Aqui, é a magia de um ovo de Páscoa sendo aberto, com o perfume de chocolate, em embalagens coloridas, na magia de um domingo colorido, fazendo metáfora com a Paz Metafísica, a Paz que faz com que as Guerras sejam uma sombra desprezível, pois Tao não inventou a Discórdia, sendo que o Ódio é fruto do talento humano para o Mal e para a Desolação. Aqui é um olho aberto e consciente, numa pessoa que tem a total noção de que desencarnou, aceitando a morte do corpo físico, como nos olhos abertos de máscaras mortuárias egípcias, num espírito que acordou de um sono e que, finalmente, pode abraçar uma vida mais simples e muito mais rica, numa dimensão plácida e iluminada, onde Pensamento é tudo, desprezando a Matéria, ao contrário de um espírito mundano, o qual simplesmente não aceita o próprio óbito, querendo voltar para uma prisão, mesmo já tendo chegado seu dia de soltura... O branco aqui é a camada mais profunda deste grão, desta semente, na esperança de que tudo será melhor e menos sofrido, no modo como as dores são inevitáveis na Terra – o que muda é se me permito ou não sofrer por tal dor. Aqui, é como a água rolando ralo abaixo, como numa galáxia girando, nas demandas gravitacionais do Cosmos, nos pólos magnéticos, na revolução humana que foi a invenção da bússola, guiando navegadores pro aventuras em terras virgens e selvagens, na curiosidade da Europa em ver tais mundos exóticos. Aqui, o pneu roda, na grande invenção que foi a Roda, algo tão simples e tão genial, num Ser Humano evolutivo, sempre buscando aprimoramento, havendo estagnação na vida de uma pessoa que se acha perfeita.


Acima, sem título. Mais uma vez, um beijo de língua, como cálices de vinho sendo brindados, e podemos ouvir o tilintar dos cristais, num momento de celebração, de interação social, num ato de tradição, no modo como é tão tradicional a bebida feita de mosto de uvas. As línguas aqui são marrons, sujas, talvez numa pessoa desbocada, sem muitos brios na boca, como numa divertida Dercy Gonçalves, uma pessoa que construiu a reputação por ser desbocada, algo que ficou ainda mais engraçado a partir do momento em que a atriz foi ficando idosa – as pessoas não mudam. O fundo aqui é um sisudo azul profundo, numa seriedade formal, contrastando com os dois amantes se curtindo entre quatro paredes, como uma professora que tive, a qual, ao ir a um baile de gala, ficou escandalizada com os beijos de língua no salão, pois se os casais fazem isso em público, o que resta para fazer entre quatro paredes? Esta obra luta para ter uma certa simetria, como uma concha sendo aberta, revelando se expandir tanto para sul quanto para norte, no modo como tantos seres vivos, ou a maioria deles, ou quase todos, ou todos eles são simétricos, na prova do talento de designer de Tao, aquele que nunca para de criar, inspirando-nos para termos uma vida produtiva, proveitosa, na sensação de vazio de uma pessoa a qual, ao desencarnar, vê que nada construiu em vida – não dá para viver ao sabor do vento, e o siso, os pés no chão, são altamente capitais em qualquer encarnação. Aqui, as línguas são como fezes, como numa pessoa improdutiva, a qual produz o quê? Fezes... Temos aqui porções negras, como numa necrose, num organismo morrendo, sendo decomposto, no avanço negro e pestilento do Submundo, aprisionando mentes e escravizando pessoas, numa vida empobrecida, sem norte existencial, pois como pode ser feliz uma pessoa sem juízo? Vemos aqui porções cor de rosa, como chiclete de morango, na magia infantil das guloseimas, no modo como as crianças têm o talento para se alimentar mal! Então, a disciplina alimentar começa a se mostrar tão necessária, em medidas radicais, como aderir ao Veganismo. Vemos aqui porções em branco, como nuvens, num glorioso dia ensolarado, longe de um melancólico dia brumoso, um dia incerto, com a dúvida cinzenta: Existe ou não existe a Dimensão Metafísica? Existe ou não existe o Umbral? É uma questão de Fé, não de Ciência, pois Tao está além de qualquer ciência humana. Quase no meio da obra, um triângulo verde, num sedutor gramado de verão, na magia de um dia de calor à beira da piscina, nas diversões com os amigos, em doces lembranças infantis, numa época simples, em que só havia estudo e diversão, fazendo ironia comparativa com a Paz Inabalável Metafísica, numa delícia plácida, veranil, o paraíso para quem gosta de ser produtivo. Neste quadro, vemos uma pequena pepita de Ouro, como um dente implantado, na avidez humana em extrair riqueza da Natureza, na ancestral obsessão humana pelo material, pelo tangível, num Ser Humano que compra a ilusão de que Amor pode ser vendido ou comprado – na Vida, vende-se tudo, menos o que mais importa. É como a triste história de um ganhador da Loteria, uma pessoa que passou a ser cercada de amigos por interesse, e não por amigos amorosos. A pequena pepita é a pequenez humana frente ao mundano, na ilusão de que a Matéria é eterna, pois Tao é assim mesmo, subestimado. Portanto, não tenha medo de ser subestimado, pois só quem é subestimado pode surpreender... É como um colega de faculdade que tive, uma pessoa que, em um primeiro momento, eu subestimei e, depois, vi o erro que cometi. É como uma pessoa que angaria as forças para dar uma volta por cima, no modo como o Pai Tao quer que sejamos forte e que não desistamos. É como a popstar Alanis Morrisette, a qual, em um primeiro momento, fracassou e, depois, retornando à lida, revelou-se uma grande estrela. É uma vingança, mas uma vingança do Bem. Aqui, as bocas são o diálogo e a concórdia, no hábito russo de homens se beijando na boca, num ato que, naquela cultura, é considerado perfeitamente viril.

Referências bibliográficas:

Yuli Yamagata. Disponível em: <www.premiopipa.com/artistas/yuli-yamagata/>. Acesso em: 2 mai. 2020.
Yuli Yamagata. Disponível em: <www.yuliyamagata.com/about>. Acesso em: 2 mai. 2020.

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