quarta-feira, 22 de julho de 2020

A Identidade Bourne, digo, Berni



O pintor argentino Antonio Berni (1905 – 1981) teve pais de origem italiana, sendo o pai um alfaiate. Berni é tido como mestre do Novo Realismo e do Social Realismo, retratando a pobreza e a industrialização de Buenos Aires. Já foi exposto ao redor do Mundo. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, A Lua e seu Eco. O quadro me remete a quando visitei a praia de Nudismo Galheta, em Florianópolis, na sensação libertadora que é se deitar nu na areia, integrando-se com o ecossistema ao redor, ou nadar nu no mar. Esta mulher tem uma magreza e uma palidez cadavéricas, e está se banhando sob a Lua, na célebre canção: “Tomo um banho de Lua, fico branca como a neve...”. A Lua são os mistérios cíclicos da Natureza, num Universo totalmente enigmático, na vastidão que vai de encontro ao termo islâmico: “Alá é grande”. O Mar aqui é bem plácido, doce, sem revoltosas ondas, e parece ter uma temperatura deliciosa, como uma piscina térmica. Podemos ouvir o sutil requebrar das mínimas ondinhas, num lugar doce e prazeroso. O Mar é a plenitude dos que têm calma, ao contrário de muitas pessoas estressadas que conheço – manter a estabilidade emocional é uma dádiva, no modo como me impressiona o controle emocional dos lutadores profissionais, ao ponto de não levar as pancadas para o lado pessoal, com os lutadores cordialmente se cumprimentando ao final do embate. O Mar é a nossa origem, nos mistérios da Vida que veio da água, no agradável cheiro de Mar nos peixes expostos no supermercado. O Mar é ao sabor da Vida, nas gigantescas levas de veranistas que migram para o Litoral todos os verões, perturbando quem mora o ano inteiro na praia, como Capão, uma cidade que não para durante o ano. Vemos um avião decolando, e podemos ouvir o ruído dos motores, no modo como é sexy um avião voando pela noite, com suas luzes piscando, unindo o Universo numa agradável noite, como esta noite retratada por Berni. O avião é o sucesso, no termo “deslanchar”, na ambição de uma pessoa que, através do trabalho, quer atingir tal ponto de reconhecimento e valorização, no sonho de qualquer artista em ser valorizado, com suas obras bem contadas, expondo ao redor do Mundo, obtendo renome mundial, como uma estrela hollywoodiana, com pessoas que se dão bem e pessoas que se dão mal, como uma pessoa que conheço, que abandonou a carreira de ator para entrar para o ramo do Direito – pode não parecer, mas as frustrações são positivas e libertadoras. O avião é potente, glamoroso e moderno, talvez num quadro pintado numa época em que voar era um programa glamoroso, ao contrário de hoje em dia, com aeromoças distribuindo mínimos saquinhos de salgadinho e um mísero copinho de suco ou refrigerante, na lembrança glamorosa que tenho quando voei em 1985 para o Rio de Janeiro, na então operante Varig. O avião é a vontade de viver e de lutar pelos sonhos, ao contrário de uma pessoa que conheço, uma pessoa com aptidão para a Música mas que, ao chegar o momento de pisar nos palcos e começar a batalhar pela carreira de músico, esta pessoa “se borrou” todinha nas calças, frustrando-se em meio sua própria hesitação – a Vida é dos guerreiros. Esta Lua está perfeita, plena, cheia, e é a beleza de uma cidade sexy banhada por tal luar, na beleza de uma noiva toda de branco abrindo os presentes de casamento, desembrulhando um belo prato de aço inox, no modo como a Lua é assim, uma feminista independente, pouco se importando com a sisudez responsável diária do Sol, o qual nasce invariavelmente. O Mar aqui reflete o luar, na lembrança que tenho de uma Lua cheia sobre o Mar de Capão, fazendo da Lua tal espelho de reflexão, refletindo de forma branda e doce os inclementes sóis diários, numa luz tão dúbia, que nem revela, nem encobre, num limiar entre luz e escuridão, na frase clássica de Aquarela do Brasil: “Nas noites claras de luar”. O avião aqui desafia a Lei da Gravidade, desafiando a Natureza, fazendo desta mulher uma sacerdotisa da batida rítmica desta Lua que nunca se revela totalmente ao Ser Humano.


Acima, A Morte Assombra em Cada Esquina. A cabeça decepada é a finitude, o inevitável fim que nos espera, no modo como a psique sobrevive à morte do corpo físico, como diz Tao: “Se o seu corpo morrer, não se preocupe”. É o brutal modo de execução, no modo humano de assustar o Povo com a Morte, pois se o povo teme morrer, a pena de Morte pode prevalecer soberana. A cabeça é o discernimento do que é essencial, do que realmente importa, na limpeza minimalista, rejeitando o supérfluo e atendo-se ao primordial, como numa galeteria, quando chega à mesa o que mais importa, que é o galeto, ou como na lembrança de Infância que tenho, numa missa próxima ao Natal, quando o padre disse para cada criança no templo ir ao presépio e levar uma peça do presépio ao altar, e eu fui logo no que interessa, que é o Menino Jesus, no modo como um artista persegue tal nervo, tal coisa importante, no modo de perseguir aquilo que nos dá prazer e realização, no desafio que é o autoencontro, um encontro que tem que acontecer dentro da pessoa, não fora. O homem aqui decepado tem um elegante bigode, talvez numa pessoa com autoestima, querendo impressionar as moçoilas, no momento de interação social onde ocorre o flerte. O grande peso dourado é o modo como as riquezas mundanas podem pesar sobre os ombros da pessoa rica, talvez numa pessoa ambiciosa, que nunca está satisfeita, sempre querendo mais, na citação de Matrix: “O que um homem poderoso quer? Mais poder”. É como o Espiritismo coloca: Você não faz ideia a que estado fica reduzida uma pessoa considerada feliz na Terra, ou seja, uma pessoa rica. Ao contrário de uma feliz pessoa que conheço, uma mulher que tem o ouro, mas o ouro não a tem. Como numa canção de Jazz: “Tudo o que teu dinheiro pode ter dar é um ataque cardíaco”. É a fixação do Tio Patinhas com sua caixaforte, numa pessoa que não nota que está ficando escravizada e aprisionada, pois o melhor da Vida não está à venda. Este peso dourado é como a tradicional bigorna Acme dos desenhos animados, sempre caindo em cima de um desavisado, no modo como a Vida trata de nos jogar essas bigornas esmagadoras, abreviando o supérfluo e nos ensinando a ficar atentos ao essencial, àquilo que o Dinheiro não pode adquirir. Vemos uma grande e elegante letra V, talvez o V da Vitória, o doce momento que, infelizmente, passa, pois, doce ou amarga, esta hora passará, numa pessoa que acorda no outro dia e percebe que a luta continua. Este V é um paladino e impenetrável escudo, numa pessoa que aprendeu a dizer NÃO, pois como posso ser dono de mim mesmo se fico nas mãos de outrem? Este escudo tem a cor de sangue, talvez do sangue do pobre homem executado. Atrás na cena, o Céu é de um majestoso azul profundo, no encanto de belos dias abertos, arejados, secos, numa dona de casa que aproveita a manhã para colocar a casa em ordem, na luta diária contra o Caos e a Desorganização, sendo estes a via de regra no Umbral, a dimensão dos improdutivos, dos fúteis e dos fofoqueiros. Também vemos na cena um prédio de tijolos à vista, no paciente trabalho diário de construção e reconstrução, como num empreiteiro, com a paciência para levar anos até finalizar uma construção, no termo: “Roma não foi construída em um só dia”, ou seja, ficarei ansioso se quiser ir de zero a cem em um piscar de olhos, no termo “passinhos de bebê”, ou seja, fazer de cada dia um discreto passinho de encontro a uma meta, que é a conquista do respeito das pessoas. O prédio é a construção de uma carreira, no persistente trabalhinho de formiga, numa pessoa que sabe que não pode parar, tirando, no máximo, umas férias para, depois do descanso, voltar ao “ringue” da Vida, como me disse uma simpática médium espírita: “Deus não quer que nos atiremos nas cordas”, ou seja, um Pai que quer ter orgulho de nós, como no orgulho de um pai ou uma mãe na cerimônia de formatura universitária do filho. Aqui, a cabeça cortada é um vestígio, talvez um aviso para o cidadão comum, como na exposição do cadáver esquartejado de Tiradentes, amedrontando tal cidadão comum, assustando este com a Morte, ou seja, vale a máxima: “Comporte-se!”.


Acima, A Sesta e seu Sonho. Vemos um solitário farol vermelho, talvez sangrando, ardendo em sua vida de lobo solitário, até chegar um ponto em que a pessoa não mais aguenta tal vida. O mar aqui é revoltoso – é a rebeldia, a irreverência, na virtude de uma pessoa que tem senso de humor e que não leva a si tão a sério, ao ponto de aceitar uma inocente brincadeira em relação à sua roupa, por exemplo, pois a pessoa que leva a si a sério de mais fica fria, amarga e rançosa, tal qual chantilly rançoso. Podemos ouvir a fúria marítima aqui, como no mar inóspito do filmão A Ilha do Medo, numa ilha de insanidade, em que o protagonista acaba por ser desnudado em sua loucura, revelando-se inapto para lidar e contornar tal distúrbio, um filme que se passa em uma época em que não havia os milagrosos medicamentos psiquiátricos de hoje em dia. O farol é uma pessoa carente, obcecada em ter um namoro, talvez sobrecarregando de expectativas tais relacionamentos. Vemos um carro verde, que é a autonomia, a independência, no modo como foi da Preguiça que se originou esta máquina que abrevia distâncias e poupa as pernas da pessoa que passeia dentro de tal veículo. O carro é a modernidade, o avanço tecnológico, fazendo com que os cavalos se tornassem símbolos elegantes e belos de uma era que ficou para trás, na Era da Cavalaria. O carro é de um charme retrô, vintage, no modo como dá gosto de ver na rua um carro antigo bem mantido, bem cuidado, fruto de um dono carinhoso, que sabe cuidar daquilo que ama, no modo como dá gosto de ver um jardim bem cuidado, com buchinhos devidamente “esculpidos”, na beleza da Disciplina, esta força que faz com que saiamos da cama depois de passadas as oito horas necessárias de sono. O carro é o paradoxo, pois ao mesmo tempo que é tão útil, polui... As ondas requebram em rochedos, como numa Elis Regina possessa de ciúmes, jogando no Mar a coleção de vinis raros do marido, numa Elis tão pequenina e tão expressiva. O rochedo é a firmeza, a ponte firme que dá a sensação de segurança, como numa pessoa que decidiu colocar a própria vida em ordem, disciplinando-se e tratando de ficar produtiva, mesmo em tempos de isolamento social. A rocha é a inevitável dureza da Vida, no tesão de uma pessoa forte, que aprendeu a lidar com tal dureza, no desafio atlético que é encarar tal ringue, numa pessoa que viu que precisa ser produtiva e ativa, nunca esperando pelo príncipe encantado, este montado num cavalo branco – pare de esperar por tal príncipe. No centro do quadro, vemos uma estrutura metálica estranha – desculpe-me por eu não saber o que é exatamente. Apesar de ter formas orgânicas e tortuosas, é de duro metal, como a flor metálica de Buenos Aires, homenageando as vítimas no conflito, na infelicidade bélica, com irmão tirando a vida de irmão; com príncipe tirando a vida de príncipe. Vemos também um pequeno castelinho amarelo, só que deserto, desabitado – é a desolação de uma vida solitária, num lento, gradual e imperceptível processo de empobrecimento existencial, numa pessoa que foi perdendo a virtude, o chão, a noção, perdendo-se num labirinto cheio de traiçoeiros sinais auspiciosos, num Minotauro pronto para devorar tal vítima, como uma mosca numa teia de aranha, no gigantesco desafio que é uma pessoa se reerguer, como na parlamentar gaúcha Nega Diaba, que erguia a cabeça, indo à propaganda política se dizendo ex prostituta e ex presidiária, ou seja, venceu a vicissitude, desencarnou e voltou à maravilhosa e única vida plena espiritual. A casa aqui é a firme referência do lar, num lugar cheio de cuidados e amor, numa mãe zelosa mantendo a casa em ordem, com um pai trabalhando de Sol a Sol para garantir um excelente sustento às crianças e à esposa. O céu aqui não é de escuridão nem de dúbio cinza, mas um céu consideravelmente azul, dando esperança em meio a tantas tempestades feias. Não canso de dizer que interpretar sonhos num consultório de Psicologia é uma análise semiótica, com códigos sendo decifrados, buscando trazer clareza à mente do paciente.


Acima, Desocupados. Temos aqui um entorpecimento, como no sonolento ou sedado Marte de Botticelli, como na sesta após a refeição no filme Comer, Rezar, Amar, na gloriosa sensação de, depois de uma boa refeição, afrouxar o cinto da calça e deitar para um cochilo, no modo como desde pequeninho me acostumei a ver meus pais sesteando depois do almoço. Aqui, é como no divertido episódio de Chaves, quando este acidentalmente misturou calmante com sucos, com as pessoas tomando tais sucos e caindo no sono em plena Rua. Podemos ouvir o ronco, como uma pessoa que conheço, a qual simplesmente nega que ronca, o que não é verdade, pois esta pessoa ronca sim! Aqui são os ricos códigos oníricos do clipe Bedtime Story de Madonna, com esta sedada e entregue às tempestades dos sonhos, com códigos tão enigmáticos e misteriosos, prontos para uma decodificação psíquica. É como no filme de ficção científica A Cela, com uma terapeuta, sedada, entrando na mente do paciente, também sedado, numa espécie de sonho consciente, na terapeuta que sabe que está lidando com códigos do Inconsciente, esta jaula cheia de “monstros”, medos e excitações, como no calabouço do brinquedo Castelo de Grayskull, com seres horríveis e selvagens contidos pelas grades do Pensamento Racional, da Ordem, da Clareza, da Saúde. Podemos ouvir aqui um ronco coletivo, numa espécie de orquestra. Aqui, é o pecadinho da Preguiça, pois esta pode estar aliada ao Essencialismo, ao Minimalismo, à Limpeza de ações, numa pessoa que sabe do poder da Simplicidade, com o essencial impondo-se sobre a desnecessidade suja das frescuras e das afetações frívolas, como num machão Clint Eastwood, atento ao que realmente importa, sem frescuras. Aqui, os chapéus são a segurança do Lar, como um telhado sobre uma casa, no modo como uma mãe protege o filho ao máximo, quase o castrando. Aqui, é como um albergue para pessoas em situação de Rua, dando cobertas e um teto para que a pessoa não durma ao cruel relento, apesar de ser tão sedutora a indisciplina desregrada do mendigo atirado numa calçada, pedindo dinheiro – por que tenho que trabalhar se me dão dinheiro de graça? Aqui, temos rochedos ao fundo, na lembrança que tenho de Infância de observar o pescoço envelhecido de minha tia avó, parecendo-se com tais sinais erosivos de encostas terrosas, ou como um pescoço de tartaruga, na mais plena noção de discernimento de que temos que respeitar os mais velhos, pois um dia serei um idoso, espero que nunca perdendo o senso de humor... Aqui, parece o cansaço depois de um árduo dia de labor, ou como pessoas num aeroporto brasileiro pedindo refúgio, fugindo de países governados por algo que Tao chama de direção tortuosa, ou seja, governos que pouco se importam se seu próprio povo tem saneamento básico, assistência de Saúde, comida etc. Vemos uma senhora com uma criança de colo – é o zelo maternal, numa mãe que quer uma vida melhor para o filho, sem tanta privação, querendo ver o filho saudável e bem alimentado. Aqui, podem ser judeus mortos numa câmara de gás, nos incompreensíveis genocídios dos quais o Ser Humano é capaz, numa crueldade de fazer inveja a Freddy Krueger, o vilão assassino dos pesadelos. Aqui é como uma longa lista de espera numa unidade de Saúde para a retirada de medicamentos gratuitos, com senhas sendo distribuídas e horas passando até que a pessoa seja atendida finalmente. Aqui, é como uma quarentena, com pessoa que foram involuntariamente isoladas para evitar um caos epidêmico, como na terrível Gripe Espanhola. Aqui são como imigrantes italianos chegados à América, no sonho de ter terra própria e de enriquecer, num imigrante sonhando com uma farta mesa de galeteria, como nos pobres imigrantes negros atuais em Caxias do Sul, pessoas que levam uma vida muito, muito dura. Aqui, é o sono se impondo impiedosamente, ao contrário da plenitude metafísica, na qual não há fadiga. São desempregados querendo um trabalho apenas, numa longa fila, no Desemprego Brasileiro.


Acima, O Cavalinho. Um doce registro de Infância, talvez autobiográfico, com Berni retratando os doces dias de menino, numa época simples, muito longe das sisudas exigências adultas, numa época em que a criança se contenta com pouco, na inocência herdada de um espírito que recém saiu da Dimensão Metafísica para reencarnar. O cavalinho é a força motriz, a vontade de viver, numa pessoa que está centrada, dedicando energia e esmero para realizar algum trabalho, pois a vida dos ociosos é insuportável, no fato de que, assim que desencarna, a pessoa percebe a necessidade de procurar um emprego, algo para fazer, a exemplo de Tao, que está sempre criando, como um maravilhoso popstar, enchendo de expectativas os fãs que esperam por um novo álbum da estrela – Tao, o brilhante. A camisa listrada do menino é o discernimento entre dia e noite, entre Amor e Ódio, com linhas em chamativo contraste, como um farol, guiando de longe os marinheiros, impondo um pouco de ordem e referência a um Mar tão caótico, tão entregue às intempéries materiais. Montar neste cavalinho é como ingressar num curso universitário, na deliciosa sensação de se esforçar para caprichar nos trabalhos exigidos pelos professores, no catatau de tarefas que o estudante precisa fazer para se formar, no modo como são tristes as histórias de vida de pessoas que abandonaram a faculdade no meio do curso, não finalizando o que começaram, como numa transa sem orgasmo – volte para a Universidade e forme-se, rapaz! O plano de fundo é de feminino e encantador floral, numa praça muito bem cuidada. As flores são o lado belo da Vida, o perfume, as coisas finas e delicadas que acabam por derrotar o brutal e o grosseiro, em povos tão polidos como os ingleses e os japoneses, dando ao Mundo um exemplo civilizatório, talvez querendo colonizar outros povos, impondo valores de sofisticação e polidez. O chapéu branco do menino é esta sensação de Paz neste parque, como narrou uma pessoa que, em coma, teve uma experiência extracorporal, e ficou por um templo numa praça da Dimensão Metafísica, acompanhada de sua avó, num lugar com muita, muita Paz, podendo sentir a respiração de tal avó, num momento em que as “tempestades” mundanas se dissipam, dando espaço à intenção primordial de Tao, o apaziguador, o conciliador, o unificador, o agregador, como um patriarca ou uma matriarca, unindo a família numa noite da Natal. O menino aqui tem um sorriso muito, muito brando, quase imperceptível, e seu semblante plácido traz um pouco desta Paz, num momento tranquilo, em que tudo o que a pessoa tem a fazer é respirar e curtir tal momento singular de Paz e contentamento. O chão aqui tem uma estampa colorida, vibrante e elegante, no esmero de um arquiteto em fazer um ambiente da forma mais conveniente e bela possível, seguindo os moldes da sofisticadíssima Arquitetura Metafísica, remetendo a lugares oníricos como a argentina Ciudad de los Niños, Gramado ou um parque da Disney. Temos aqui uma pincelada renascentista de Berni, projetando no chão uma sombra muito discreta, feita por quem entende do riscado, ironicamente falando do filho de um alfaiate. As rédeas rubras são, é claro, o controle emocional, os brios, o juízo de adulto, num pai que sabe que tem que zelar por um filho, sabendo que as crianças estão o tempo todo perigando fazer bobagens que podem resultar em eventos desagradáveis, quiçá terríveis. As rédeas são os vínculos de sangue numa família, no modo como os vínculos de família na se dissolvem com o Desencarne, fazendo da Eternidade esta oportunidade para que sejam resolvidas todas as desavenças, como uma pessoa que conheço, uma pessoa que se magoou comigo, mas é claro que reatarei com essa pessoa, antes ou depois do Desencarne, pois o Perdão é eterno, e o poder supremo de Tao reside no fato de que passaremos a Eternidade tentando, sem êxito, compreender tal poder imensurável.


Acima, Primeiros Passos. Temos aqui uma perspectiva renascentista, num movimento que sepultou de vez os moldes medievais de Arte. A costureira entediada é a frustração, num sentimento depressivo de se “quebrar a cara”, no modo como as frustrações são inevitáveis e partir do momento em que a pessoa tece expectativas, pois tecer estas é uma tendência bem humana, bem comum, bem corriqueira. Podemos ouvir o som da máquina de costura, numa pessoa que não está muito absorvida pelo trabalho, talvez infeliz, irrealizada, como numa pessoa que conheci, uma pessoa que abandonou a carreira de ator para abraçar uma carreira de advogado, no modo como todos temos o direito de sonhar com uma vida melhor, no modo como são comuns as trocas de carreira, como Ronald Reagan, um ator que entrou para a Política, ou vários colegas meus de faculdade, que não seguiram a profissão pela qual fizeram tal curso, pois o autoencontro é este grande desafio, na pessoa olhando para si mesma, querendo saber qual é o Norte, a noção para que se saia deste labirinto que é a vida de uma pessoa perdida. Aqui, a mente da costureira está bem longe, do outro lado do Mundo – é uma pessoa perdida, entediada em tais meandros traiçoeiros deste labirinto, fazendo com que o ofício de costurar não lhe traga tesão, vontade ou sentido. Ao lado, vemos uma menina magérrima – é a elegância, o minimalismo preguiçoso e maravilhoso de Tao, o limpo, o puro, o perfumando, o essencial. A menina dança, feliz com o que faz, em contraste com a costureira prostrada. A menina é a felicidade de uma pessoa que gosta de viver seus dias na Terra, numa pessoa que encontrou Disciplina, percebendo que a Dança é um trabalho como qualquer outro, exigindo dedicação e esmero. A costureira frustrada tem a ilusão de que existe, em algum lugar, um trabalho maravilhoso, o que não existe, pois, como disse Silvio Santos: “Televisão é um trabalho como qualquer outro”, na dignidade de uma pessoa que pega numa enxada e vai carpir um lote. Porém, a pessoa não pode ficar tão empedernida, e deve permitir a si mesma sonhar, fazendo algum trabalho que lhe traga tal realização. Aqui, temos um arejamento, pois porta e janela estão abertas – é a Vida, a respiração, a vontade de viver, numa pessoa que, apesar de produtiva e disciplinada, quer curtir os gostosos pecadinhos capitais, ao contrário de uma pessoa que conheço, uma pessoa que simplesmente não se permite ter tais prazeres, pois a Vida não é só labor disciplinado. A moça dançarina delgada é a delicadeza de cristal de uma bailarina, com pés tão frágeis que parecem que vão quebrar, na dádiva que é a Dança, como dançar até suar numa pista de Dança, num momento em que a pessoa expressa a si mesma, como dançar num baile de gala até o amanhecer. A moça joga as mãos para o Céu como que em gratidão, talvez agradecendo por ter Saúde para dançar, no modo como, no frigir dos ovos, tudo se resume a Saúde, havendo na Dimensão Metafísica tal incondicional Saúde, numa dimensão em que as doenças orgânicas ou psíquicas perdem a força totalmente, e a pessoa se depara com uma vida simples, jovem e bela, podendo se dedicar integralmente a algum trabalho, algum emprego, na construção técnica da carreira espiritual, num lugar onde nos sentimos verdadeiras estrelas, havendo nas estrelas mundanas uma mera cópia grotesca da glória metafísica – tudo no Mundo Físico gira em torno da dimensão acima, e isso inclui as dinastias nobres mundanas, apesar de ser difícil acreditar nisso que falo. Ao fundo na cena, algumas garrafas numa prateleira – as garrafas são o invólucro, o envoltório protetor do Lar, num lugar onde nos sentimos tão seguros, tão pertencentes a um lugar repleto de pessoas boas, num lugar onde a Criminalidade nada significa. As garrafas remetem ao seriado Jennie é um Gênio, no qual a mulher se refugiava em seu mundinho dentro da garrafa, deixando lá fora todas as preocupações diárias da Vida, no modo como todos precisamos desses momentos de solitude, de reserva, como num casal saudável, no qual há tais momentos pertinentes de solitude, pois como não vou cansar de uma pessoa a qual vejo vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana?

Referências bibliográficas:

Antonio Berni. Disponível em: <www.en.wikipedia.org>. Acesso em: 1 jul. 2020.
Antonio Berni. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 1 jul. 2020.
Antonio Berni. Disponível em: <www.wikiart.org>. Acesso em: 1 jul. 2020.
Antonio Berni Obras. Disponível em: <www.google.com>. Acesso em: 1 jul. 2020.

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