quarta-feira, 19 de agosto de 2020

O Dono de Pedaço

 

 

Falo pela terceira vez sobre o artista plástico americano Donald Judd. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 

Acima, Para Susan Buckwalter. Pias num banheiro público, o lugar onde fica clara a divisão da Humanidade entre homens e mulheres. As pias são as individualidades, no termo popular “cada macaco no seu galho”, ou “cada um com sua cruz”, no sentido de que as pessoas estão aí, tocando suas vidas – não existe encarnação perfeita, pois as imperfeições são agentes do aprimoramento, ao contrário de uma pessoa que perde tempo fazendo fofocas improdutivas. A cor cinza é o siso, a discrição, numa pessoa que aprendeu que o showman, o exibidinho, não obtém o respeito secreto das pessoas, no grande desafio que é a pessoa se impor ao Mundo sem agredir este. Aqui são como caixas de correio na recepção de um prédio, nas demandas diárias, ou numa pessoa carente, que sempre abre sua caixa de correio cheia de expectativas, frustrando-se e se entristecendo com a caixa vazia, numa pessoa que permitiu que a própria vida se empobrecesse vertiginosamente, num terrível sentimento de solidão. Aqui é como se as caixas fossem leves e voláteis, remetendo ao divertido episódio de Chapolin em que um cientista inventa um produto capaz de volatizar objetos pesados, como paredes e móveis. Aqui são como carneiras, túmulos indistintos que sepultam indigentes, pessoas em cujos funerais absolutamente ninguém vai, numa pessoa que, em vida, refratou tudo o que a Vida em Sociedade tem a oferecer. A haste azul aqui é discreta, como uma haste de cotonete, nos rituais diários humanos de purificação, numa pessoa feliz, socialmente inserida, considerando o banho não uma impositiva obrigação, mas um prazer, um deleite. O azul é a discrição de uma pessoa que vive seus dias de forma quieta e produtiva, rechaçando as badalações do mundo das celebridades, sendo este reduzido ao “maravilhoso” mundo de Caras, reduzindo as pessoas a fofocas de salão de beleza, e se tem algo que o Espiritismo despreza é a Fofoca, a qual é maliciosa, perniciosa e fútil, sem propósito. A discrição azul é de um pacato cidadão, que vive seus dias com simplicidade, como se soubesse que é no sossego em que a Vida acontece de fato, na metáfora do Superman e o alterego Clark Kent – seja, dentro de si, um homem pacato e será um super herói, ou no Gato Guerreiro de He-Man, sendo o animal o alterego de Pacato, na recomendação taoista: entenda o poder, a força do Yang, mas seja, dentro de si, mais Yin, mais “lar doce lar”. Essas caixas são as demandas de cargas num aeroporto, ou num porto, com agentes sempre prontos a detectar as infames drogas ilícitas, as quais são essa praga que segue incomodando, de todos os modos, a Sociedade em geral. Aqui temos uma organização, como gavetas num móvel, fazendo metáfora com a organização do pensamento, numa pessoa que, dentro da própria cabeça, coloca cada coisa em um lugar específico, organizando a própria vida, pois como posso ser feliz se minha vida está um caos? Aqui são indistintos tijolos numa parede, na intenção ditatorial em reduzir o cidadão a um indistinto tijolo escravo de um sistema opressor, na genial trilogia Matrix, onde o Ser Humano é escravizado e reduzido a uma pilha alcalina, a serviço de um sistema sem sentido – não interessa se é Fascismo ou Comunismo; é tudo ditadura igual. Aqui são armários num colégio, onde cada estudante coloca sua própria identidade, como uma folha em branco, pronta para ser preenchida pelas particularidades de cada pessoa, pois, se amo, não aprisiono, e é por isso que Tao nos ama, pois ele nos dá o Livre Arbítrio, como anjos livres batendo suas asas, num presidiário para o qual chega o dia de soltura. Aqui são quatro prédios indistintos, prontos para receber o toque pessoal de cada morador, no tesouro que é a diversidade social, cultural etc., como em infinitas estrelas em infinitas galáxias, brilhando como o maior tesouro do Cosmos, numa vastidão tal que é inútil contar e catalogar todas as estrelas do Universo, numa grandiosidade fora de qualquer compreensão humana.

 

Acima, sem título (1). Vemos uma guitarra verde, remetendo-me a um programa de TV em que um traficante é flagrado com cocaína escondida dentro de um baixo. É uma metalinguagem, pois é arte falando de arte, no modo como as artes estão todas interligadas, produzindo o Humano, na universalidade artística que une os povos da Terra, com um popstar com fãs em cada canto do Mundo. Podemos ouvir aqui os acordes, como no festival caxiense de Blues, o Mississipi Delta Blues Festival, no gênero primo do Jazz, sendo este o meu predileto, apesar de meu respeito pelos Blues. Nesta “guitarra” também podemos ver uma microagulha penetrando num óvulo, talvez numa inseminação artificial, nos avanços tecnológicos humanos, aceitando desafios olímpicos como descobrir a cura da AIDS, por exemplo, nas charadas que permeiam o interesse científico, num Ser Humano que tem que ser autodidata neste sentido. Vemos este retângulo amarelado que é como uma ponte, unificando cidades e países, nos gloriosos empreendimentos de Engenharia que visam imitar a glória fisicamente impossível das urbes metafísicas. Neste quadro vemos brechas como fechaduras, na insinuação sexual da canção pop Open Your Heart: “Eu possuo a fechadura e você possui a chave”, no divertido termo de um filme de Whoody Allen: “Subjetivo é objetivo”, ou seja, a insinuação sutil é claramente desvendada. No topo do quadro vemos uma espécie de colher vazada, furada, ineficiente, na vida inútil de uma pessoa que nada faz, jogando-se num interminável “mimimi” – eu, Gonçalo Mascia, não sou o homem mais rico do Mundo, mas busco não ceder ao pernicioso ócio, pois como pode crescer na Vida uma pessoa que se atirou nas cordas do ringue da Vida? Este retângulo amarelo é como a rocha sendo duramente escavada no Vale dos Reis, no Egito, como cupins cavocando dentro de um móvel, produzindo as sepulturas nas entranhas das colinas pétreas, tão áridas, tão sem Vida, como numa inóspita paisagem marciana, sem qualquer indício de Vida, fazendo com que o Ser Humano entenda como a Terra, apesar de ínfima, é tão singular e preciosa, no inevitável discurso ambiental. Aqui, a mão humana vai transformando a Natureza, e o faraó recebe um túmulo à sua altura de realeza, nos privilégios mundanos que fazem metáfora com a glória metafísica, a dimensão na qual nos sentimos tão ricos, mesmo sem joias de fato ou carteiras abarrotadas de cédulas. A escavação deste túmulo está em progresso, num túmulo impiedosamente selado, rechaçando qualquer ladrão espertinho, no modo como, no referido Vale, a maior parte dos túmulos já foi vítima de saques, na ancestral avidez humana mundana por Ouro, o metal dos reis, no materialismo que tanto inspirou Marx, no modo como a Coroa Portuguesa sugou tanto as riquezas naturais brasileiras, como um escravo sendo explorado, num empregado doméstico que sofre assédio moral – é a exploração do Homem pelo Homem, na insanidade de irmão sacaneando com irmão, na fábula de Caim e Abel, ou no Gollum de Tolkien, matando o próprio amigo para ficar com o maldito Anel do Poder. O retângulo amarelo é o falo do Conhecimento, querendo descobrir mais e mais, havendo na Eternidade o poder imenso que jamais será apreendido pelo Ser Humano, pois este é finito. É no incrível modo como Tao sempre esteve aqui e sempre estará, pois, como eu já disse aqui no blog, sem a Eternidade, qual seria o sentido de tudo? É como um nobre presente sendo dado numa festa de aniversário, um presente bom, de qualidade, que vai durar por muito tempo, quiçá além dos anos de vida do aniversariante. São os domínios de Tao, o grande anfitrião. Aqui é o falo penetrando fundo na vagina, no termo chulo “meter o pau”, que é criticar severamente, ou no gesto de se enfiar a espada em algo, tendo a coragem de Yang, o Marte belicoso que jamais abandona a luta, como num artista com décadas de carreira, sabendo que não pode parar de produzir, como numa canção da Broadway: “Você acha que você vai encontrar a perfeição e, então, parar de produzir? Você tem que ficar o tempo todo tocando a Vida para frente”. É o espírito de guerreiro. Força, rapaz!

 

Acima, sem título (2). Um lindo sarcófago dourado, digno de rei em majestoso descanso. O chão pardo desta galeria entra em harmonia cromática, na linda combinação que é pardo com dourado, ou marrom com dourado, na cor de corpos bronzeados, na lembrança que tenho de minha avó, a qual pegava um lindo bronzeado quando em férias na orla. Aqui é como uma caixa de joalheria, numa embalagem que tem que ser digna de algo precioso, no modo material, humano, de projetar virtude na riqueza física, mas não importa quanto tesouro um homem pode ter – tal tesouro não sobrevive ao Desencarne. É como sonhar, de noite, que você ganhou um lindo presente, mas este presente se evanesce quando você acorda na sua cama, numa disparidade entre dimensões, na ancestral lição que o Ser Humano tem que aprender: o Pensamento está acima da Matéria, e como é difícil tal lição ser aprendida. Esta caixa guarda um mistério, talvez sendo um portal interdimensional, no sonho dos cientistas de exercer interferência no Tempo e no Espaço, podendo assim viajar pelo Cosmos num piscar de olhos, nunca dependendo da lentíssima velocidade da Luz, a qual, apesar de dar sete voltas ao redor da Terra em apenas um segundo, é uma lesma de lenta em escalas cósmicas, num Universo ainda tão aquém de ser explorado pelo Homo sapiens sapiens. A caixa por si só é uma joia, e o dourado remete ao estilo Versacce – é assim que se escreve? –, com roupas trazendo muito dourado, talvez aludindo a uma classe social que está ascendendo, no termo “dinheiro novo”, deixando socialmente para trás classes sociais mais tradicionais, já não tão ricas, no modo como a deusa chef inglesa Nigella Lawson, ao adicionar a doces confetes dourados, disse tais confetes serem de uma inspiração Versacce. É o modo humano de se referir ao Metafísico, na glória que, apesar de abrigar-nos em mansões inimagináveis, tem uma carteira paupérrima, sem uma moedinha dentro, no mistério do Desencarne, numa espécie de ganho na Loteria, só que sem dinheiro, num espírito que, ao desencarnar, percebe a necessidade de se manter produtivo, trabalhando, sendo útil ao Mundo, só que numa dimensão superior, nos sonhos apolíneos de arquitetos, na idealização racional de linhas elegantes e depuradas, no modo como a Cultura Clássica invadiu a Europa no Renascimento, colocando a Mente acima do Corpo. Esta caixa está selada, e é difícil abri-la, talvez num sepulcro absolutamente vedado, arisco em relação a ladrões espertinhos, numa espécie de lacre, de bloqueio, no modo de um espírita em bloquear a interferência de espíritos maliciosos e mal intencionados, no termo “distúrbio”, para definir enfermidades psíquicas, no prazer de se ir a um centro espírita e receber o reconfortante passe, sentindo um calorzinho de amor fraternal, no termo inicial de uma espírita ao iniciar os trabalhos no centro: “Viemos aqui com muito amor e respeito”, numa doutrina formidável, que busca entender o plano divino de Tao para conosco, como já ouvi: “Existe uma vida depois da Encarnação, e é uma vida maravilhosa. É tudo”, fazendo da Terra tal lugar de passagem, numa espécie de “mundo adotivo”. Esta caixa tem uma serventia, uma utilidade, como mesa de centro numa elegante sala de estar, no prazer de ser bem recebido por um anfitrião fino, numa sala linda, elegante e agradável, no fascínio que objetos brilhantes e cristalinos exercem sobre as pessoas, como numa certa elegante loja de móveis em Gramado, uma “cidade de bonecas”, com tudo feito para encantar o turista, numa cidade de sinergia que aprendeu a se vender muito bem. Este “túmulo” não quer ser perturbado; não quer ser aberto. Ele quer permanecer em eterna Paz, como numa cidade plácida, repleta de amigos, de gente empática, num lar que faz com que não desejamos estar em qualquer outro lugar do Universo. A caixa excita o arqueólogo, no sexy desbravamento na sepultura do rei Tut, entrando para a História como o maior achado arqueológico de todos os tempos da Humanidade. É o Ser Humano tentando compreender o intangível, o imaterial.

 

Acima, sem título (3). O interior de algum motor, com seu jogo complexo de cilindros, válvulas, etc., fazendo metáfora com os “engenhos” do Corpo Humano, a máquina orgânica que tanto atiçou a curiosidade de da Vinci, numa época em que o exame de cadáveres era um ato mal visto pelo Corpo Social. Aqui temos metais com lustros, novos em folha, como talheres novos, os quais, depois de muitos usos e lavagens, vão se tornando opacos. É como um sistema de ar condicionado central, alimentando prédios inteiros, na invenção formidável humana em contornar os desconfortos dos extremos climáticos, fazendo da Dimensão Metafísica, tal mundo ideal, com dias agradáveis e noites amenas, num plano em que o espírito não mais está linkado ao próprio corpo carnal, o qual é sensível a temperaturas. Aqui é como um cubo cortado em várias partes, num trabalho de análise, de desconstrução, na tentativa de se compreender tal engenho, como cadáveres sendo dissecados, no modo humano em segmentar e encontrar uma função específica para cada fração, como a função dos rins e a função do fígado, nos avanços científicos que buscam compreender a aperfeiçoar o Corpo Humano. O lustro aqui traz beleza, como peças sendo fabricadas, recém saídas da fábrica, da barriga da mãe, como na imaculada pele de bebê, desafiando as mulheres em encontrar inúmeras formas de tratamento de Beleza, como na atual vogue do botox, uma substância a qual, convenhamos, não deixa natural o rosto da mulher – mulheres, vocês são lindas; vocês não precisam de botox. Aqui é como uma carne de açougue sendo cortada, gerando o subproduto dos ossos, que são a alegria da cachorrada. Essa manipulação de subprodutos remete ao talento químico de meu bisavô, que foi um respeitado químico industrial, dando utilidade a um subproduto do processo de vinificação, trazendo à minha família uma certa tradição na atuação de Indústria Química. Aqui é como no filme A Cela, com uma Direção de Arte fantástica, na cena onírica em que um cavalo é cortado em várias fatias de forma abrupta, como num raio x, buscando ver o que não é visto, como desmontar um relógio para ver como este funciona. Aqui é como um conjunto de túneis, numa urbe vibrante, como faraônicas obras de Engenharia, buscando desenvolver uma Sociedade, talvez num país rico, com muitos recursos, ou numa universidade como a de Caxias do Sul, a UCS, a qual reinveste em si mesma todas as receitas, num caminho de crescimento e desenvolvimento, fazendo jus ao lema positivista da Bandeira Nacional Brasileira. Aqui é como uma passagem de fases, como num videogame, como momentos de luz e momentos de escuridão, como num buquê de flores, só que com alguns talos sem flor, no modo como a Encarnação não foi feita para ser perfeita, bem pelo contrário – a Vida não tem sentido sem vicissitudes. Aqui temos um respiro entre coberto e descoberto, nos altos e baixos da Vida, fazendo metáfora aquosa e liquidiscente, com ondas subindo e descendo, proporcionando uma experiência que faz com que a pessoa conheça o farto e o miserável, pois ninguém está o tempo todo no topo, nem mesmo as milionárias celebridades – não há deuses; há seres humanos. Este cilindro cortado faz o jogo de striptease entre mostrar e esconder, provocando uma plateia, atiçando-a antes e gelando-a depois. O interior dessas “grutas” é de um laranja cítrico e vibrante que contrasta com o metal discreto. O laranja é o calor de um lar, ou de um amor tórrido, com os amantes entre quatro paredes, deixando o Mundo todo lá fora, a parte. O laranja é a lenha queimando, coruscante, trazendo calor em meio um Inverno tão impiedoso, com pessoas refratárias, moradoras de Rua, que rechaçaram tudo o que a Vida em Sociedade tem a oferecer. O laranja é um vitral em âmbar, trazendo o Ouro da Aurora, na famosa ária de Ópera: “A Aurora venceu”, ou seja, o Desencarne é tal Aurora, na prova da avassaladora Beleza Metafísica, o lugar onde não há qualquer grão de poeira ou sujeira. É como um caixão sendo aberto, recebendo a luz de uma nova manhã. Bem vindo de volta!

 

Acima, sem título (4). Soldados voltando da batalha, mortos, com os caixões espalhados pelo hangar de um aeroporto, numa dramática volta ao lar, com muitas famílias enlutadas. Aqui, não há sincronia, pois algumas caixas estão abertas; outras, fechadas. É o modo como pessoas estão em etapas diferentes em suas próprias vidas, como na matrícula de uma faculdade, com alunos cursando diferentes cadeiras, cada um atendendo às próprias necessidades e carências, no modo como uma encarnação na Terra é uma grande faculdade, numa existência que faz com que o espírito cresça enormemente. Aqui é como a regra para frutos do Mar em conchas: antes do cozimento, devem ser descartadas as conchas abertas; após o cozimento, as que permaneceram fechadas. Aqui são como cargas que estão sendo inspecionadas por cachorros farejadores, para encontrar drogas ilícitas, no modo como a droga tem a capacidade de destruir a vida da pessoa, sem chance alguma de reconstrução, como um senhor que conheço, o qual está condenado a passar o resto de seus dias numa clínica psiquiátrica, ou como uma certa famosa cantora, cuja voz ficou destroçada, devastada pela droga. Aqui são como mesas de um restaurante inoperante, sem cadeiras, como em tempos de Lockdown, transformando cidades antes pujantes em cidades fantasmas, num cenário de guerra, de caos, infelizmente semelhante ao caos do Umbral, a cidade fantasma pela qual vagamos sem encontrar outra alma além de nós mesmos, como ficar perdido no meio do Saara, delirando e vendo oásis que não existem. Aqui é como uma feira, com as barracas vendendo os produtos, no modo como a Sociedade delega naturalmente às mulheres a tarefa de fazer compras, como as índias coletoras da Amazônia, na universalidade do Ser Humano, como as galerias do novaiorquino Met, atendendo a toda forma de Arte, de muitas civilizações diferentes, desde o rebuscado europeu ao mágico africano. Aqui é uma espécie de labirinto desvendado, desmitificado, como dúvidas sendo esclarecidas, no termo latino que diz que “A Verdade é a filha do Tempo”, ou seja, o termo “A Verdade vem à tona”, e a sepultura se abre para o renascer. Aqui, as paredes traiçoeiras e ilusórias foram destruídas, e o labirinto está desvendado e esclarecido, na conclusão de um processo existencial no qual a pessoa enfrentou o fundo de poço e retornou triunfante, ciente de que, realmente, o Trabalho é fundamental, como já disse Leonardo DiCaprio. Aqui, as caixas foram dissociadas para uma análise científica, e antes formavam um bloco só. É o método científico de análise, como uma parede sendo desconstruída tijolo por tijolo, como uma casa que é desmontada para ser remontada em outro lugar, no tesão que é desvendar mistérios, como nas novelas de Agatha Christie, fazendo um desafio à inteligência do leitor, numa escritora brincalhona, a qual dava pistas falsas para ludibriar o leitor! Aqui é como na franquia Alien, na ficção científica em que cada astronauta hibernava numa caixa, despertando anos depois em outros confins do Sistema Solar, com cada um acordando na hora que podia acordar, cada um em seu tempo, no modo como cada pessoa tem seu tempo, e estamos aqui para aprender lições diferentes, talvez fazendo com que irmão ensine algo a outro irmão, e viceversa. Aqui, há caixas abertas e fechadas, e apenas uma está entreaberta – é a dúvida, a hesitação, num defunto que não sabe se quer sair do caixão ou voltar a este, num espírito um tanto mundano, apegados às sensações físicas, carnais. Aqui, há os que se foram e há os que ainda estão aqui, num trânsito ininterrupto de vaivém, como num movimentado campus universitário, com o mais novo slogan da UCS: “Pessoas em movimento”. É um formigueiro, com cada formiga tocando o próprio dia de afazeres, no termo latino “Aproveite o dia”, ou seja, só há felicidade na produtividade, pois a pessoa ociosa encara uma vida excruciante, com o tempo passando devagar, com cada minuto parecendo um século. Aqui, há mistério e revelação, com as caixas respirando, cada uma no seu próprio ritmo.

 

Acima, sem título (5). Temos aqui um conjunto e subconjuntos, como luas circundando um planeta e este circundando uma estrela, com estrelas circundando um centro galáctico, numa espécie de hierarquia gravitacional. Aqui são gavetas absolutamente organizadas, no sentimento de uma pessoa que colocou em ordem a própria vida, encontrando-se consigo mesma, encontrando algo de nobre e produtivo para fazer, não vendo o trabalho como obrigação, mas como um agente de Saúde Mental, como a Arte. Aqui temos formatos de cruzes, como na bandeira suíça, no modo como as mais belas bandeiras são as mais simples, como a japonesa, no conceito de limpeza taoista em que menos é mais, numa amostra do senso de humor de Tao, o divertido contraditório. Aqui parecem caixas de bombons com diversos sabores, no prazer de se abrir uma caixa de bombons e sentir o olor de chocolate, na sedução das glamorosas chocolaterias gramadenses, atiçando, fisgando o turista pelo paladar. As caixas aqui não são idênticas, e apesar de todas trazerem o formato de cruz, cada cruz é um caso. É como no grupo Spice Girls, em que cada integrante tem uma particularidade, um estilo próprio, mas, em conjunto, todas seguem pelo mesmo caminho do Girl Power, ou seja, o poder feminino. O interior das caixas parece ser gelatinoso, lustroso, no prazer de se ver um chão devidamente encerando, espalhando pela sala o perfume do produto de limpeza, no modo como as salas metafísicas estão sempre limpas e perfumadas, como se houvesse um robô para manter tudo em ordem. Aqui é como um Mondrian dissociado e relido, como dar uma roupagem moderna a uma velha canção de Cole Porter, como as fabulosas releituras de U2 e Dionne Warwick, com Cole vivendo para sempre, de smoking e cabelo aprumado com goma, espiando, lá do Céu, o que é feito com o legado Porter, no modo como no Céu há televisores nos quais a vida dos encarnados pode ser acompanhada, como uma vó, que quer ver se os netos estão bem. Podemos sentir aqui o cheiro de madeira nova, de casa nova, numa casa que ainda não adquiriu os inevitáveis odores dos moradores. Aqui é uma cidade com ruas perfeitamente quadriculares, indo de Norte a Sul e de Leste a Oeste, numa cidade organizada, muito diferente do caos material, cidades que cheiram a trabalho e produtividade, como aproveitar o dia para fazer coisas relevantes, como serviço de banco, compras de super e atividades que alimentem um sonho na pessoa, pois que miserável é a vida de quem não sonha em brilhar! Aqui são como casas parecidas em um loteamento, num arquiteto que quer mostrar que, apesar de não idênticas, formam uma só família, um só caminho, no modo como Tao é este caminho, como caminhos diferentes que levam ao mesmo ponto, ou seja, cada um tem sua forma de ser Tao, nas inevitáveis e saudáveis diferenças entre as pessoas. Nesta cidade a ordem impera, e a quietude também. Aqui, os carros não poluem, nem fazem barulho. Na crença espírita há, nas colônias espirituais, o aerobus, um transporte aéreo que desliza docemente no ar, sem fazer barulho ou poluição, no sonho de engenharia de qualquer fabricante de meios de transporte – o Físico gira em torno do Metafísico, numa hierarquia. Aqui são apartamentos duplex com sacadas, em simples linhas retas modernistas, quebrando com a Cultura Clássica e trazendo ventos joviais de renovação, pois que Mundo é este no qual nada respira? Aqui podem ser lustres no teto, num arquiteto de mão cheia, que sabe ter estilo, diferenciação, na eterna busca humana em se sobressair, no sonho de se destacar e de conquistar o respeito de outrem, pois que vida é esta na qual não sou levado a sério? Nesta “cidade” de Judd, a trânsito é extremamente simples, e não há engarrafamentos, dando ao indivíduo a sensação clara de Tempo e Espaço, ao contrário do Umbral, o plano em que a pessoa perde tais noções espaçotemporais, como numa pessoa encarnada sem Norte, presa num labirinto de autolamentação.

 

Referência bibliográfica:

 

Art. Disponível em: <www.juddfoundation.org>. Acesso em: 5 ago. 2020.

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