quarta-feira, 14 de abril de 2021

De Boa

 

 

Americano nascido em Boston, Blane De St. Croix é conhecido por suas instalações monumentais. Premiadíssimo, levou, por exemplo, o prêmio Guggenheim Fellowship, da célebre rede de museus, sendo um deles em Nova York, numa homenagem reservada somente a artistas excepcionais. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, Chão Furado. Aqui é como um pano Perfex, com seus furinhos que possibilitam que a roupa respire, como poros. Os poros são essa vida leve, sempre permitindo que as coisas venham e vão, num trânsito ininterrupto. É como uma geleira, derretendo com o advento do Verão, no continente polar eternamente branco, inóspito demais para o Ser Humano, tal qual qualquer inóspito planeta de nosso sistema solar – quanto tempo até descobrirmos Vida fora da Terra? Aqui é um processo de degelo, de desconstrução, com excessos sendo abreviados, num processo de esclarecimento, numa crise, numa desilusão, no modo como as crises assinalam um excelente momento de purificação e reinício na vida da pessoa frustrada, no fato de que a Encarnação não tem sentido sem vicissitudes, pois que Vida é esta na qual não crescemos nem evoluímos moralmente como espírito? Coragem, meu irmão. Aqui é o fim de algo e o início de outra coisa na eterna dança da sucessão de estações climáticas, no modo como, depois da Era do Gelo, o Mundo voltou, reerguendo-se, como num Japão ressuscitando como potência mundial décadas após da derrota da II Grande Guerra, numa guinada de Fênix, no patinho feio que descobriu que jamais foi pato. Podemos ouvir aqui o barulhinho da água fluindo discretamente, como numa cachoeira descongelando-se, no processo de descongelamento de uma geladeira, num eterno trabalho de recomeço, como uma pessoa que, ao abandonar um curso universitário, volta atrás e recomeça do zero, numa reconstrução. Aqui é como um romance policial sendo desvendado e esclarecido, na genialidade de uma Agatha Christie, sempre desafiando a inteligência do leitor, desafiando este a descobrir o assassino da história antes de ler o final desta. Aqui é como algo “caindo de podre”, como na queda do Comunismo, atravessando o século XX e desgastando-se no fim deste, frustrando o sonho de pessoas que acreditavam que um estado totalitário e castrador é o ideal para a felicidade humana – ditaduras, meu amigo, baseadas em opressão e terror, num país tão miserável e equivocado como uma ditadura, ou como num regime ditatorial disfarçado de democracia, no canibalismo de homem devorando homem, no termo anticristão: “Devorem uns aos outros”. Aqui pegamos um momento de transição e transformação, e parece que, se revisitarmos a mostra amanhã, tudo já estará derretido, esvaziando a galeria e purificando esta para uma nova mostra. Aqui é o termo popular “Tapar o Sol com a peneira”, numa pessoa que nega um problema achando que, nesta negação, o problema desaparecerá, evitando a verdade, nos três macacos – não ver, não ouvir, não falar. E o Mundo não pertence àqueles que encaram a lida? Que esperança existe fora do Trabalho? Encarnado ou desencarnado, o indivíduo sempre tem que se manter produtivo – é uma lei inegável e inevitável. Dá um certo medo ficar embaixo desta instalação, maravilhosa como qualquer instalação de Blane, pois temos a impressão de que a estrutura cairá, a qualquer momento, sobre nossas cabeças, num cenário de fragilidade. Vemos aqui dois pilares altos, sustentando a estrutura, mas mesmo assim até os pilares parecem ser frágeis, indo se quebrar a qualquer hora, como um magro graveto, como a delicada personagem Tereza do romance O Quatrilho, uma mulher camponesa sensível e sonhadora, com alma de artista, sonhando em morar numa urbe grande e desenvolvida, com cafés, teatros e vida cultural. Esses furos fazem a luz passar, numa atmosfera que não sufoca, ao contrário de densa atmosfera venusiana, provocando um sufocante efeito estufa. E Tao é assim, nunca sufocando, sempre respeitando o Amor e a Liberdade, deixando que o próprio espírito decida quando é hora de aprender e encarar uma nova etapa de depuração espiritual.

 


Acima, Fogos Flutuantes. Aqui temos um cenário pós apocalíptico, num cenário desolador e pobre, como vagar por uma cidade fantasma, sem uma viva alma como companhia, na horrível sensação de solidão do Umbral, o lugar onde duvidamos que temos irmãos e um Pai – sou meu próprio inimigo. É como uma cidade de Gramado num lockdown no início de 2020, um cenário desolador frente a um lugar que, antes do lockdown, “colocava gente pelo bueiro”, ou seja, tinha suas fartas levas de turistas. Aqui são as infames queimadas na Amazônia, na inclinação humana de sugar o máximo os recurso naturais – se Joãozinho não cuida de sua própria casa, que esperança há? É como o povo um tanto relaxado, deixando na beira da praia espigas de milho, latas de cerveja e tocos de cigarro, num cenário repulsivo, insuportável para quem tem o mínimo de civilidade e classe, ou seja, pessoas de elevado apuro moral, as pessoas dignas de respeito, e o Mundo não pertence aos dignos de respeito? São como as queimadas na Califórnia, num cenário semiárido, consumindo casas e bairros inteiros, no eterno perigo de sinistros em prédios de qualquer cidade. Podemos ouvir aqui aqueles estalinhos de madeira queimada, como numa sedutora lareira em um dia úmido e frio de Inverno, com os enamorados tomando vinho à beira do fogo, deixando “lá fora” o Mundo e as exigências deste, na diferença entre fazer Sexo e fazer Amor. Tao é este acalento num dia frio. Aqui são como as fotos de satélite, mostrando as lacunas de queimadas, remetendo-me a um fato de décadas atrás, quando a gigantesca cortina de fumaça de um vulcão chileno em erupção fez com que fossem carregadas cinzas voláteis à atmosfera de Caxias do Sul, no modo como a Terra é um organismo só, como no Corpo Humano, numa totalidade orgânica. Aqui é como um cigarro findado, no vício que faz com que nunca seja o suficiente, e, perdoe-me, não há charme ou sensualidade num vício, na emblemática frase que meu pai me dizia quando eu era criancinha: “A melhor hora para parar de fumar é antes de começar a fumar”, um esforço válido da parte de meu genitor, pois, até hoje, não sou simpatizante do Tabagismo. Aqui temos uma chacina, um genocídio, numa Bomba de Hiroshima, neste talento humano para com a destruição, no subtítulo do arquiinimigo de He-Man, o Esqueleto: “O senhor malévolo da destruição”, como um terrorista. Aqui há veneno, tóxico, nas miseráveis terras do malévolo reino de Mordor, da obra de Tolkien, um lugar insuportável, poluído, fétido, no qual só há privação, fome, frio, ou calor escaldante, num lugar no qual, definitivamente, não nos sentimos muito bem, como na incessante fome humana por Poder: Se o que tenho acho que não basta, então nunca estarei bem. Sentimos aqui o cheiro de queimado, ou como o odor fétido de enxofre do rio Tietê, no modo como é difícil imaginar um mundo urbano sem as vicissitudes poluidoras. Restam aqui alguns laguinhos, só que de água podre, extremamente suja, que não presta para beber, como um cão de rua abandonado, que tem que se contentar com poças de água parada, fazendo com que tais bichos de rua desenvolvam uma grande defesa imunológica, e a Vida não vai nos fazendo mais fortes? Aqui é como um visual de cabelos implantados, para disfarçar a calvície, mas um efeito que não fica natural, podendo ser observada claramente a intervenção cirúrgica, como numa pessoa com um distúrbio de imagem, perdendo-se em meio ao fato de que Beleza e Elegância vêm de dentro, como um mendigo que vi certa vez, um homem que caminhava altivamente como se seu pobre suéter fosse de uma chic e cara grife mundial – nada mais antiestilo do que achar que só posso estar elegante se eu vestir roupas caras. Aqui, os ramos carbonizados são um mero vestígio, como numa múmia egípcia, na tentativa humana em entender que a morte do corpo carnal é uma ilusão, assim como são ilusões as riquezas mundanas. Aqui temos um grande trabalho de regeneração após uma queda. É um cenário de fundo de poço, numa pessoa que, em toda sua vida, nunca esteve tão perdida.

 


Acima, Gelo Morto. Parecem penas de ave, congeladas, como num freezer, esta excelente invenção que faz com que mantenhamos produtos válidos por muito tempo. O frio é esta desolação, esta privação, num morador de rua morrendo de hipotermia numa noite de Inverno, como num conhecido mendigo de Caxias do Sul, uma pessoa que simplesmente refrata a Vida em Sociedade e que se esconde da Vida de um modo geral, e a Vida não exige que a encaremos? Aqui são como costelas de gado, este prato tão saboroso com sua fartura de gordura, conspirando contra a perda de peso da pessoa que come tal prato, no fabuloso pecadinho da Gula, este pecadinho tão gostoso, num bom doce. Aqui temos uma curva, uma reverência, no modo como Tao exige que sejamos de tal humildade, pois, assim, não nos expomos ao perigo, à degradação. Aqui é como uma divertida rampa num parque infantil, naquela gritaria no intervalo da Escola, no momento de recreio, de Desencarne, numa pessoa que, depois da vida na Terra, tira um bom tempo de descanso para, depois, encarar o fato de que, no Plano Metafísico, permanece a necessidade da pessoa buscar uma ocupação – encarnado ou desencarnado, não existe fugir da Vida. Aqui é como uma neve que vai se sedimentando, na minha doce memória da nevada do ano de 1994 em Caxias do Sul, numa manhã mágica, onde tudo fica branco, na raridade que são as nevadas em território brasileiro. Aqui é este trabalho persistente de Blane De St. Croix, pegando pacientemente cada pedaço de madeira e construindo a estrutura que vemos, como num barco sendo construindo para evitar que a água entre na embarcação, no trabalho artesanal de se construírem barris de vinho, com carvalho francês, dando ao vinho este charmoso sabor amadeirado, num trabalho meticuloso, dedicado, visando a excelência, como ouvi de uma pessoa que respeito: “Faça o que fizer, faça bem feito. É só isso”. Aqui é uma flexão, uma dobra, desafiando a retidão da Disciplina, numa pessoa que resolve passar mais um tempinho na cama, principalmente numa manhã fria de Inverno. Aqui é como uma estrutura construída por indígenas, como nos índios que viveram nos primórdio da Serra Gaúcha, produzindo “anticorpos” para aguentar o frio e a umidade de tenebrosos dias desoladores. Aqui temos um degelo, num processo cíclico, na dança climática do ano, com frentes frias vindo e passando, no modo como as coisas, na Vida, passam, e depois de uma noite escura vem um dia de Sol, na beleza vitoriosa de Eos, a deusa da aurora, num momento mágico em que o Mundo parece ser feito de Ouro e em que não há mais problemas no Mundo, como numa doce terra metafísica que abriga os desencarnados. Aqui é como um túnel cortado ao meio, numa tentativa científica desdobradora, cortando, observando e analisando, criando uma especialidade médica para cada parte do Corpo e da Psique. Aqui é como uma carcaça de animal na Antártida, servindo de banquete para aves carniceiras, na dança da Cadeia Alimentar, com tudo na Natureza se renovando, neste complexo mecanismo autossuficiente que é a Terra, reciclando a si mesma, no modo como, na Estação Espacial Internacional, a urina dos astronautas é convertida e água para estes mesmos cosmonautas! Aqui é um cenário de abandono, como na terrível casa mal assombrada do vilão assassino Freddy Krueger, num retrato do Umbral, num tenebroso lugar onde espíritos filhos de Tao se tornam monstros maliciosos e cruéis, numa enorme degradação de alguém que optou por estar no Umbral, não aceitando a morte do corpo físico, num prisioneiro que, chegando a dia de soltura, não quer sair da prisão! Aqui são como asas, na liberdade conferida pelo Pensamento Racional, esta força que faz com que não nos perdemos em meio a auspiciosas superstições, no esforço dos impopulares professores de Matemática em mostrar para o aluno toda a beleza fria dos números, num cristal tão fino, tão belo, tão superior, havendo na lógica a prova da Inteligência Suprema de Tao, o imortal.

 


Acima, Picos Altos. Como são lindas as montanhas sul americanas que abrigam estações de Esqui! Aqui temos uma das especialidades de Blane, que é imitar a Geologia e os acidentes naturais que formam as paisagens. Aqui são pedras irregulares, como na perigosa Catherine Tramel de Instinto Selvagem, a personagem que picava gelos para o uísque com um picador de gelo, que também era usando como arma assassina, no fascínio das coisas rústicas e imperfeitas, acolhedoras, sem afetações ou pretensões, como na simplicidade que se receber amigos no Inverno na beira de uma lareira. Esta irregularidade nos mostra que a Vida não foi feita para ser perfeita, e cada pedra aqui é única, evitando o clichê e a monotonia de uma esteira de fábrica empenhada em fazer produtos perfeitamente iguais. Aqui são como pedras de cascalho, comuns, iguais umas às outras, como na mediocridade da pessoa que quer ser apenas mais um, algo impensável para um artista, o qual quer se destacar o máximo possível, desenvolvendo uma identidade inconfundível e célebre, na luta que é se impor ao Mundo. Estes picos são respaldados por mesinhas tortas, dançantes, e parece que o conjunto todo está prestes a cair, numa vulnerabilidade, numa pessoa sensível que se depara com um Mundo tão duro e insensível, num Mundo que pouco se importa se estou feliz ou infeliz, sendo, assim, necessário, que mostremos ao Mundo o dedo do meio, e não mais ficar satisfazendo as expectativas de outrem. Aqui é como uma cordilheira, uma barreira, um percalço existencial que tem que ser pacientemente vencido, na vitória da elegância olímpica, vencendo barreiras e anunciando a vitória da Beleza sobre a escuridão do Umbral, num espírito que se depara com este enorme desafio – o da reconstrução. Este conjunto dá a impressão de que tudo está caindo ante nossos olhos, e que nós estamos testemunhando tal queda, tal tombo, tal autodestruição, num cenário de fragilidade, como se fosse uma foto tirada exatamente no momento da desmantelação. Aqui é como uma sala de aula depredada, com alunos revoltados ante à necessidade de Disciplina, nos valores de organização que só os alunos dedicados conhecem, até o rebelde se dar conta de que nada mais fez do que atingir a si mesmo – o Mundo não tem culpa. Aqui é como a gélida desolação de Marte, com seus infindáveis desertos, sem uma plantinha de consolo, nada, só pedra e poeira, no retrato do Umbral, esta cidade fantasma pela qual vagamos sem uma única companhia, no equívoco da pessoa que tirou a própria Vida, jogando de volta na cara de Tao o presente que este nos deu, que é a Vida – toda família tem seus rebeldes. Aqui temos um Blane catarseando todo um sentimento de desolação, de perda de rumo, fazendo do Trabalho a única fórmula capaz de aniquilar tal sentimento de despertencimento, de perda de noção existencial. Aqui são como meteoros caídos na Terra, na famosa faca sagrada da múmia de Tutancâmon, um instrumento, que reza a lenda, foi feito de um meteoro que caiu no deserto egípcio, algo que os egípcios de então consideraram ser um presente dos deuses para o famoso rei menino – coisa boa os avanços científicos, aniquilando assim as tolas superstições humanas! Aqui é a dureza da Vida, com rochas difíceis de ser trabalhadas, em eras passadas nas quais o trabalho de trabalho em rocha era tão árduo, tão digno de pobres escravos oprimidos. É o enigma inca, com pedras perfeitamente encaixadas. Aqui é como uma tenebrosa chuva de granizo ou de meteoros, num momento climático inclemente, inspirando o artista em ser isso, essa força natural, invadindo a percepção alheia e sendo compreendido e valorizado pelo Mundo, duro Mundo, duro como estas rochas de Blane – a Vida vai nos fazendo mais fortes, não? Semelhantes, cada uma destas rochas recebe um nome, uma graça, uma distinção, no costume humano de encher de graças mapas vastos e selvagens, sem nome algum em princípio. Aqui é o pavor dos ecologistas em relação ao degelo anormal de calotas polares, num Ser Humano que vai tendo certas noções ambientais, como simplesmente separar o lixo seco do lixo orgânico, numa evolução, numa Humanidade que vai se tornando mais humana.

 


Acima, Pilar em Colapso. Como se fosse uma torre de panquecas, deliciosas, cobertas de mel. É como várias camadas de sabor num prato, deixando este irresistível. É uma sedimentação, numa pessoa com uma carreira galgada, sempre ativa, sempre se aprimorando, como numa cobra trocando de pele, depurando-se moralmente, no caminho de crescimento, que é o sentido da Vida – a Vida não tem razão sem vicissitudes, pois estas são positivas, ocasionando a desilusão, a qual renova a cabeça do indivíduo que se frustra. Aqui é uma escadaria irregular, com vários estágios, numa montanha desafiando um escalador, um alpinista, num aluno que entra com tesão numa faculdade, esforçando-se para caprichar nos trabalhos exigidos pelos professores, deixando estes orgulhosos e realizados mediante um aluno brilhante. Aqui várias varetas ajudam a sustentar a estrutura, como ossos sustentando um ser vertebrado, numa carreira que vai se sedimentando ao passar dos anos, com tantas pessoas se frustrando e abandonando carreiras, como uma pessoa que conheci, que se frustrou como ator e tornou-se advogado – tomos temos o direito de sonhar com uma vida melhor, de dar uma “sacudida na poeira” e dar uma guinada existencial. Aqui é uma árvore de Natal pós moderna, estranha, longe dos balagandãs de enfeites coloridos, numa árvore sóbria, estranha, disposta a transgredir tradições, no poder renovador das transgressões, as quais renovam sociedades inteiras. Aqui são como camadas de poeira que vão se sedimentando com o passar do tempo, como numa casa imunda, que não é limpa há décadas, como numa pessoa que guarda ressentimentos, fazendo com que estes se tornem pesos dos quais temos que nos livrar. Aqui é um galgar difícil e complicado, cheio de etapas traiçoeiras, desafiando o alpinista, na decepção de um surfista se deparando com um mar sem ondas, pois feliz daqueles que se deliciam com os obstáculos, como um toureiro vencendo a força brutal do touro, na vitoria do garbo e da elegância sobre a animalidade bruta. Aqui é como um parque de diversões, nas crianças abraçando o desafio de “vencer” os brinquedos, como fazer o esforço de subir numa escadinha para depois deslizar pelo escorregador – tudo tem sua parte amarga e sua parte doce, pois se digo que algo é belo, é porque conheço o oposto, que é feio, numa criança adquirindo o discernimento entre liso e áspero, como diz Tao: “A facilidade e a dificuldade fazem parte de qualquer trabalho”. Aqui temos uma certa organização, com as pedras menores acima das maiores, nas tentativas humanas em impor Ordem ao Caos, dando graças e nomes a indistintos recantos da Natureza, buscando, assim, esclarecer esta aranha negra e se deparar com a Galadriel de Tolkien, uma aranha branca, pura e cristalina, revelada e iluminada, numa Virgem Maria que inspira os Homens a ser o melhor que puderem ser, numa Elizabeth I, conquistando a fé dos próprios súditos, numa líder feminista que construiu um divisor de águas na História da Inglaterra. Esta estrutura não é perfeitinha, e tem um aspecto frágil, parecendo que vai desabar a qualquer momento, frágil e suscetível a um simples sopro, no modo como a Paz é frágil neste aguerrido Mundo humano, num Ser Humano que definitivamente subestima Tao; subestima a classe e a elegância. Estas pedras aqui são cinzentas e opacas, discretas, no modo como a Vida é boa quando é simples, como sentar num gramado num parque ensolarado, curtindo um por do Sol, na simplicidade de parar um pouco e contemplar a beleza que nos cerca. Aqui é como uma árvore de pedras, como um fóssil petrificado, numa sisudez discreta, sofisticada, na ambição de Blane em fazer instalações que deixem o espectador boquiaberto. Esta escalada é um desafio, como no esforço em se fazer um bom trabalho, bem feito, bem depurado. Esta escalada é como um esforço para se formar numa faculdade, num aluno que fez um longo percurso até o sonhado diploma enrolado, no falo de obelisco do Pensamento Racional.

 


Acima, Tríptico Alquimista. Aqui é claro o pódio olímpico, com Ouro, Prata e Bronze, na glória da vitória, num atleta que se dedicou ao máximo para obter o respeito do Mundo, nas medalhas tão ambicionadas, com tantos atletas que se frustram e sequer pisam no pódio, numa carnificina como concursos de beleza, com moças frustradas as quais, apesar de lindas, sentem-se um lixo. Aqui são cones cortados em fatias, na grande invenção que é o pão fatiado, na embalagem plástica, nas intervenções industriais que intencionam adivinhar o desejo dos consumidores, no trabalho de um marqueteiro em adivinhar os anseios do mercado consumidor. Estas fatias remetem à abertura pós moderna do televisivo Fantástico, nos anos 1980, com raios laser representando a tecnologia de ponta da época, com dançarinos dançando em pirâmides e montes de exatidão de computação gráfica, traduzindo os anseios estéticos da tal década, nessa intenção humana de se aderir ao que está sendo no momento ao redor do Mundo, com todos dançando um só ritmo, com o vaivém das modas, como na moda atual dos jeans detonados, com modas que, séculos depois, são vistas como de mau gosto, como no paradigma capilar dos anos 1980, marcando uma época, uma sinergia num momento em que tudo combinou com tudo, englobando Arte, Estilo, Tecnologia etc., em épocas que passam, no maravilhoso modo como as coisas vão passando na vida do indivíduo, num trabalho de cura. Junto a essas fatias de Blane, vemos vários gravetos retilíneos aglomerados, no paradigma estético contemporâneo, com linhas tensas oblíquas, fazendo metáfora com o Mundo Digital, com pessoas interligadas no Globo inteiro, numa tensão, numa velocidade crescente, com linhas interligando e abreviando obstáculos, como conversar em tempo real com uma pessoa que está do outro lado do Globo, deixando para trás a época em que uma carta levava tempos para cruzar tal distância, no frenético galgar tecnológico, na depuração humana que visa libertar o indivíduo e facilitar a vida deste, no modo como a Preguiça é a mãe de brilhantes invenções – por que mandar um pedaço de papel escrito se posso acessar o Facebook? Então aqui temos um “duelo” entre circular e retilíneo, com a tensão se relacionando com o relaxamento, como numa Vênus seduzindo Marte, jogando este a um sono tão profundo, na delícia que é confiar numa pessoa e jogar-se existencialmente nu nos braços desta, num momento de entrega e intimidade que dinheiro nenhum é capaz de comprar, pois grana compra tudo, menos o que importa, que é Amor, e nada mais triste do que alguém que acha que pode vender ou comprar o invendável e o incomprável. Estas “medalhas” de Blane são como estalagmites se sedimentando ao longo de milênios, formando esculturas geológicas, lentamente moldadas, pacientemente, num lento trabalho de sedimentação, como num disco vinil, numa grande espiral que vai lentamente se aproximando do centro, aproximando-se do que importa, do vazio central do disco, que é Tao, aquele que faz com que o disco possa ser tocado, no termo “comer pelas bordas”, num galgar lento, pé por pé, de alguém subestimando, cuja trajetória de conquista só é percebida quando este homem subestimado chega ao ponto central, surpreendendo a todos – se podem ver onde quero chegar, é porque não estou sendo sábio. Aqui são como chifres, como troféus de caça, remetendo a uma era em que a caça predatória não causava comoções de ativistas ambientais, fazendo dos ecologistas esta cara do Terceiro Milênio. Aqui são como três pontudos dentes, de vampiro, dessas pessoas que buscam fazer um maligno nó fenomenal em nossas cabeças – duvide do caráter de um sociopata; não duvide da inteligência de um sociopata. Aqui são espirais, como num sacarrolha, penetrando aos poucos na rolha com sensuais movimentos circulares, nessas grandes invenções que são instrumentos assim. Aqui estas formas dançam como minhocas contorcidas, sensuais, no movimento da Vida, da vontade de viver, num artista que quer ter tal tesão.

 

Referências bibliográficas:

 

Biography. Disponível em: <www.blanedestcroix.com>. Acesso em: 7 abr. 2021.

Blane De St. Croix. Disponível em: <www.br.pinterest.com>. Acesso em: 7 abr. 2021.

Blane De St. Croix. Disponível em: <www.vimeo.com>. Acesso em: 7 abr. 2021.

CONNER, Jill. A Conversation with Blane De St. Croix: Uneven. Disponível em: <www.sculpturemagazine.art>. Acesso em: 7 abr. 2021.

Projects. Disponível em: <www.blanedestcroix.com>. Acesso em: 7 abr. 2021.

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