quarta-feira, 28 de abril de 2021

Bove Above (Bove Acima)

 

 

Nascida na Suíça em 1971, Carol Bove está há muito radicada em Nova York. Já fez muitas mostras, incluindo uma na Bienal de Veneza e outra no novaiorquino Museu de Arte Moderna, o fabuloso MOMA. CB é conhecida por suas arrojadas esculturas. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, Cor Caroli. Vemos algo amassado, desprezado, no modo como é importante que não guardemos rancor. Aqui é como uma roupa amassada, usada, sendo tirada do varal para ser passada novamente, no paciente trabalho do lar, da dona de casa, numa briga de casais, com a esposa gritando: “Eu me matando para manter esta casa limpa e organizada!”. Vemos duas rodas, como num carretel, na fase de carretéis pela qual passou o célebre artista Iberê Camargo. Aqui é a bênção que foi a invenção da Roda, esta invenção que nasceu da preguiça de se caminhar ou de se carregar coisas. Aqui é como um tecido muito nobre e fino, esvoaçante, nas maravilhosas roupas metafísicas, vaporosas, de uma sofisticação sem igual em qualquer tecido fino na Terra, no modo como muitas pessoas são apaixonadas por roupas, como em artistas para os quais é de extrema importância escolher o que vestir na hora de pisar no palco, fazendo um paralelo formidável entre Música e Estilo, com pessoas que lançam Moda e tomam conta do Mundo, como no atual paradigma capilar de Gisele Bündchen: cabelos longos ondulados. As rodas aqui são a parte lisa da Vida, como Tao diz: o áspero e o liso são parte do mesmo trabalho. É como um ator que, depois de tanto se esforçar e doar-se a um certo filme, viaja ao redor do Mundo para fazer a doce divulgação, sendo ovacionado ao fim de qualquer projeção da película. É como na metáfora do iceberg: a pontinha acima do nível do Mar é a divulgação; por baixo, há todo um sério e árduo trabalho de produção. Aqui temos uma aquosidade neste tecido ondulante, na delícia de se mergulhar na água, remetendo-nos ao prazer uterino, nosso primeiro lar, nosso lar logo após o Lar Metafísico, esta dimensão maravilhosa na qual não faltam trabalho e diversão, numa vida indescritivelmente maravilhosa, a qual não é possível ser completamente compreendida pela pessoa momentaneamente encarnada, nas palavras de desencarnados: “Se eu pudesse descrever a Vida que há aqui!”. Estas rodas são como dois chifres de boi cortados, numa castração, num bicho castrado para, assim, ser mais dócil para com os donos humanos, havendo em tal castração a metáfora para a pessoa que vai adquirindo apuro moral e vai, passo a passo, desprezando cada vez mais as riquezas mundanas como metais e pedras preciosas, estes sinais auspiciosos da Matéria, na ilusão que é a morte do corpo físico, no modo como os espíritas lidam tão bem com o óbito, ao contrário de outras pessoas, para as quais a Morte é algo absolutamente pavoroso. Estas rodelas são como palmito fatiado, na delícia que é assistir a programas de Culinária, no modo como cozinhar é algo que tanto nos faz humanos, remetendo-me a minha avó materna, a qual era uma deusa na cozinha, em memórias gastronômicas afetivas. Estas duas rodelas estão separadas, dissociadas, como numa Berlim segregada pelo célebre muro, cuja queda foi um símbolo do fim do Comunismo, o qual ainda agoniza, neste talento humano para oprimir as pessoas por meio da Ditadura. Aqui, enquanto uma rodela se revela, outra se esconde, num jogo de gangorra, com os altos e baixos da Vida, no fato de que a Vida é exigente, havendo nos moradores de Rua pessoas que não querem ser incomodadas nem confrontadas pela Sociedade – o mendigo quer se esconder da Vida. Esta obra tem um certo movimento, como num processo se desenrolando, como um aluno passando pelos semestres de uma faculdade, no modo como são tristes as história de Vida de pessoas que abandonaram as respectivas faculdades, havendo no forte rito da Formatura este fechamento de um ciclo. Esta forma sedosa é como um metal sendo derretido, como no Ouro, o qual pode ser reciclado infinitamente, neste apego humano ao palpável, ao produto, à Matéria, havendo nesta a ilusão de que riqueza mundana traz obrigatoriamente a felicidade.

 


Acima, Flying V. Aqui temos um contraste entre algo novo e algo velho, como na pirâmide pós moderna do Louvre; como no restauro do belo casarão de pedras em Flores da Cunha, RS, casa construída por meu tataravô imigrante italiano Felice Veronese, numa obra que juntou o antigo nostálgico com o arrojamento de modernidade, como num intelectual que conheço, que se diz com “dois olhos”: um moderno e o outro tradicional. Aqui temos um aspecto de oxidação, de passagem do Tempo, tendo acima algo mais novo, sem sinal de Tempo, como um neto no colo do avô, na sucessão de gerações, com as pessoas morrendo e outras vindo, nessa dança de “sucessão de cadeiras”, como numa família real, na linha de sucessão, com um príncipe que passou a vida inteira esperando que o rei ou a rainha morressem, nesta avidez humana por Poder, na sombria metáfora do Anel de Tolkien, a joia que tanto corrompe até o maior caráter. Aqui é como um toco de cigarro consumido, amassado, neste vício no qual nunca se pode fumar o suficiente de cigarros, na paciência de uma pessoa não fumante em aturar um cônjuge fumante. Aqui é como uma roupa sendo dobrada, num trabalho de organização, dando a deliciosa sensação de ordem e limpeza numa casa, fazendo com que as casas terrenas, materiais, assemelhem-se ao máximo com as impecáveis residências metafísicas, nas quais há sequer uma única bactéria, como na limpeza futurista da casa de Os Jetsons, no fascínio que o Futuro exerce sobre a Humanidade, com a Ciência sempre trazendo progressos imensuráveis, como a cura do Câncer. Esta tira amarela contorcida é o discernimento taoista de Humildade, pois se quero dominar algo, tenho que, antes de tudo, curvar-me e aceitar a carga do trabalho, no caminho humilde de eu não me achar um deus apolíneo, pois existe algo mais insuportável do que uma pessoa arrogante, que se diz dona e senhora do Mundo? Esta dobra é uma mudança de planos, de direção, como numa pessoa que abandonou uma faculdade para abraçar outra, no direito que todos temos em nos equivocar, pois nada mais humano do que recomeçar do Zero. Este metal oxidado tem diversos furos, como se submetido a um fuzilamento, ressuscitando após, no cânone cristão da Ressurreição, que nada mais é do que o Desencarne – a beleza do sonho sobrevive, e a Virtude acaba por decepar a Malícia. Esses furos são como poros que nos permitem respirar, num organismo saudável, vivo, sempre pulsando, sempre inventando e criando, havendo em Tao tal inventor impecável, dono de obras perfeitas e indefectíveis, inspirando o Ser Humano a se aproximar mais de Tao, o Grande Professor. Aqui o velho traz o novo, e o casulo se abre e revela uma linda borboleta, num casulo tão feio, tão subestimado, na vitória da pessoa subestimada, a qual a todos surpreende, no patinho feio que dá a volta por cima e se revela o que sempre fora, numa sábia frase que ouvi recentemente: “Não se torne; seja”. Este metal oxidado nos dá a vontade de usar um produto polidor e fazer uma renovação estética, como um bom banho depois de um dia de suor e fuligem da Rua, no divertido modo como no estado da Bahia é perfeitamente normal tomar de dois a três banhos por dia, algo diferente no Rio Grande do Sul, no qual um banho só já é o suficiente. Aqui temos uma Carol Bove empenhada em unir, em associar, na tarefa plástica de combinar elementos até então dissociados. Também temos aqui um bom contraste cromático, numa cor tão sisuda e discreta embasando um elemento de cor tão viva e alegre, no discernimento de que, apesar de ser necessário ter senso de humor, a Vida é um troço sério, pois é um galgar de depuração moral. A faixa amarela é como um satélite, um telescópio apontando para os confins do Universo, esta enigmática e vastíssima estrutura que nos cerca, fazendo da Terra algo tão ínfimo em escalas cósmicas, num Universo que rejeita as medidas humanas de Tempo e Espaço, como nos relógios derretidos de Dalí, num Universo onde não há nem Norte nem hoje, ontem ou amanhã. Aqui é a feiúra subestimada, como conhecer uma pessoa e encontrar dentro desta uma pessoa bondosa, misericordiosa e honesta.

 


Acima, Do Sol para Zurique. Esta espiral me remete à cadeira de Teoria da Comunicação de minha faculdade, na teoria espiralada na qual há duas pessoas se comunicando, com informações sendo trocadas como num ciclo, mas um assunto que vai se desenvolvendo, nunca voltando ao ponto inicial, mas crescendo numa espiral. Aqui é como a espiral de cadernos, esta invenção que facilita a vida de um estudante. Aqui é como uma lombriga se desenvolvendo num intestino, maliciosa, sugando Vida, tal qual um vampiro sociopata, uma pessoa de má índole, que leva vida dupla, num horrível monstro malicioso disfarçado de anjo. Aqui é como se Carol Bove tivesse tido que ter uma superforça de Mulher Maravilha, pegando uma haste reta e contorcendo o material, na função plástica de manipular coisas, associá-las e produzir algo novo. Aqui é como uma onda se desenrolando, desdobrando-se como um processo, como algo sendo aos poucos esclarecido na cabeça da pessoa, numa espécie de aurora psíquica, com fatos existenciais sendo esclarecidos, no modo como tudo é processo, na poderosa ideia da Vida Eterna, pois não há poder maior do que o fato de que jamais findaremos, algo que mostra o infindável e imensurável poder de Tao, na incapacidade humana em entender tal poder, tal infinitude. Aqui é como um parquinho de diversões, e podemos ouvir os gritos ensandecidos das crianças se divertindo, na pobre infância de Michael Jackson, um homem que não teve infância, sendo obrigado por um pai tirano a trabalhar exaustivamente, num Michael criança que, ao ver crianças brincando num parquinho, não podia ir lá se divertir com os amiguinhos, neste grande sacrifício que Jackson fez em nome da carreira, no modo como tudo tem seu preço. Aqui é como o jogo de se percorrer esta “lombriga” com um círculo de ferro magnetizado, desafiando o jogador a nunca tocar o metal segurado com o metal da “lombriga”, num trabalho de atenção e paciência. Aqui é como um intestino, um itinerário existencial, numa pessoa que tem que passar por muitas coisas até se descobrir cisne, e não pato, numa maravilhosa frase que ouvi recentemente: Agradeça se um pleno der errado, pois seria pior se ele tivesse dado certo. É a questão do desapego, numa pessoa que parou de sonhar obsessivamente com sucesso mundano, fazendo de tais obsessões um flagelo cruel, o qual ataca diretamente a autoestima do sonhador. Aqui é um embaralho, uma confusão, um labirinto, num organismo enigmático, misterioso, desafiando-nos a encontrar um caminho, uma lógica. Aqui temos saúde, e o ar circula livremente pela obra, respirando, sempre vivo, convidando-nos à interação, para que passemos, fazendo do artista tal anfitrião, uma pessoa que nos traz para dentro de sua própria mente, num artista construindo uma identidade, um estilo, no desafio da diferenciação, como num bem sucedido Andy Warhol, na dádiva que é um artista ser devidamente reconhecido ainda em vida, com tantos talentos que só foram devidamente valorizados só após o óbito do autor, como na triste história de Heath Ledger, o Coringa que simplesmente não conseguiu ir ao Oscar para ganhar seu merecido troféu. Aqui é como uma cobra se contorcendo, ardendo, com um desejo forte, um tesão pela Vida, na dádiva que é uma pessoa viver seus dias com tesão, com vontade de viver, abraçando olimpicamente os desafios, ao contrário de uma pessoa em Depressão, um paciente que simplesmente está amplamente prostrado com a Vida em geral, numa pessoa apática, sem vida, sem vontade de sair da cama. Aqui temos um aspecto mole, numa aquosidade, na beleza e na força da Vida, como se fosse um tubo contorcido, num túnel, num processo de desdobramento, no modo como é difícil detectar os modos da Divina Providência, esta força divina que nos guia por nossos dias duros na Terra, num Mundo que, se não fosse, duro, não teria sentido nem causaria crescimento ao espírito. Aqui é uma estrutura complexa de canos, numa urbe vibrante, cheia de demandas, num prefeito carinhoso, administrando tal cidade com amor, como Tao, o Grande Prefeito.

 


Acima, Arlequim. É como uma cesta de lixo, esperando para ser cheia de lixo e, assim, tornar-se digna e útil ao Mundo, no caminho da Dignidade, numa pessoa que, de certa forma, vê-se útil, pertinente, pertencente a algo. Aqui temos uma transparência, uma clareza, uma autenticidade de um velho amigo, aquela pessoa íntima a qual conhecemos muito bem, nas grandes amizades que, apesar de fazer décadas que não falamos com tais pessoas, parece que a última vez que as vimos foi ontem, ao contrário de amizades frívolas, as quais ficam para trás. Aqui é como um tecido de algodão, deixando a transpiração passar, nunca bloqueando, nunca retendo algo para si, num ambiente de trabalho saudável e arejado, no qual as pessoas se respeitam mutuamente, num ambiente de muito prazer no dia a dia de labor, pois que ambiente de trabalho é este o qual se transforma em sofrimento? Aqui é algo que nos revela, que nos permite ver, num esclarecimento de fatos, com dois cavalheiros conversando polidamente para, assim, encontrar um áureo ponto de concórdia, numa comunhão, como reinos vizinhos que não ambicionam um ao outro. Aqui temos uma leveza, algo leve, fácil de ser levado, como numa pessoa polida e agradável, leve como uma pluma, num anfitrião que faz com que nos sintamos tão confortáveis e tão agradados. Aqui é como um prédio de vidros espelhados, dando um aspecto leve, como se fosse feito de ar, no talento fotogênico de um competente modelo, no talento de “devorar” as câmeras e encarnar a Beleza de Tao, o primordial, o limpo, o inesquecível. Aqui é como uma colmeia ou um formigueiro, com sua complexa estrutura interna, sempre vivendo, no fascínio que o Mel exerce sobre a Humanidade, em insetos tão laboriosos, incessantes e incansáveis, como numa pessoa que chegou à conclusão de que, fora do Trabalho, não há salvação, ao contrário de uma pessoa improdutiva, para a qual, miseravelmente, tudo o que resta é fazer fofoca e cuidar da vida de outrem, numa maliciosa miséria existencial. Esta fragilidade é como uma pessoa sensível, a qual observa quando uma brincadeira é de mau gosto, detectando brincadeiras que são agressivas demais. É a leveza das linhas de Niemeyer em Brasília, com formas que parece que serão levadas pelo vento, e parece que qualquer sopro derrubará esta obra de Carol Bove. É uma transparência que nos permite ver, ao contrário de vidros opacos, leitosos, que pouquíssimo podem revelar, no modo como há coisas as quais não podemos antever, pois se pudéssemos antever, não aconteceriam, ou seja, nada de errando em não conseguir ver algo antes do tempo, na delícia que é uma certa imprevisibilidade, em lances de grande senso de humor em Tao, o irônico, o bem humorado. Esta lixeira nos permite ver o que há dentro, sinalizando quando está na hora de esvaziá-la e chamar o caminhão de lixo. É como no famoso ensaio fotográfico da escandalosa e maravilhosa Marilyn Monroe, com a deusa nua ocultando-se em tecidos transparentes, no sensual jogo de revelar e esconder, na sensualidade do luar, uma luz que ilumina mas que, ao mesmo tempo, conserva mistério, naquele limiar do dia em que não é nem noite, nem dia, como na canção famosa de Britney Spears: Nem menina, nem mulher. Aqui é um tecido fino e sofisticado, vaporoso, como uma toalha debaixo da água, fluidia, sensual, agradável, com véus que, antes ocultando, vão sendo removidos num processo cognitivo, até a Aurora vir e mostrar algo antes oculto, como na resolução de um mistério policial, com o assassino sendo revelado e o caso resolvido, na vitória da Ordem sobre o caos, na Terra Sagrada da Estrela da Manhã, um lugar em que temos a sensação de absolutamente tudo estar em ordem e no seu devido lugar, num sentimento de Paz, muita Paz, esta força tão subestimada pelo aguerrido Ser Humano, o qual é viciado em guerras, deixando Tao de lado, ou seja, subestimando o criador de tudo. Aqui temos a sensualidade do vazio, do nada, num vão, como num calçadão, abrigando as pessoas, com criancinhas andando de bicicleta – a Sensualidade reside, precisamente, no espaço vazio.

 


Acima, Ícone. Um efeito sedoso, como num tecido luxuoso. O verde é a Natureza, no modo como Tao diz que os campos e florestas vestem roupas majestosas, mas num Ser Humano que admira só os palácios, ignorando as maravilhas naturais. O verde é a imaturidade, numa pessoa ainda muito jovem e inexperiente, uma pessoa um tanto arrogante, que ainda não tomou muitos tufos da Vida, numa pessoa que crê que os percalços são só para os outros. Aqui temos o efeito de raros e exímios escultores, numa técnica maravilhosa e deslumbrante, fazendo com que um pedaço duro de pedra se assemelhe a um fino véu esvoaçante, como na técnica imortal de Michelangelo, simplesmente trazendo Vida a um pedaço inanimado de pedra. Aqui é algo se contorcendo, como uma pessoa com uma grave cólica, como numa gata no cio, contorcendo-se, louca para fazer sexo, no modo como as influências da Matéria afetam em cheio o Ser Humano, como nos hormônios do desejo sexual, remetendo-me ao que ouvi de uma idosa, sobre a perda da libido: “Você não sente mais desejo na ‘periquita’. É uma libertação”. Aqui é como uma coberta sendo dobrada, num ato de disciplina e arrumação, numa pessoa colocando uma casa em ordem, numa pessoa adquirindo disciplina para organizar a própria vida, tendo horário e tarefas, ao contrário de uma pessoa em situação de Rua, numa pessoa que se esconde do Mundo, não querendo saber de disciplina nem de cobranças – há pessoas que fogem da seriedade da Vida, pagando um preço alto, que é a degradante situação de mendicância, aceitando esmolas e refugiando-se numa vida sem regras nem objetivos, numa miséria física e metafísica. Aqui temos um organismo vivo, num ser vivendo e respirando, lutando para viver, reconhecendo o ambiente ao redor, num trabalho cognitivo, como num bicho colocado num zoológico, tendo que se relacionar com os outros na mesma jaula, como num presídio, no qual temos que nos relacionar com as pessoas em volta, mesmo se não gostarmos muito de tais pessoas; é como num submundo de amizades frívolas, no qual nos relacionamos com pessoas pelas quais, no fundo, não morremos de amor. Aqui é como um disco de vinil esquecido acidentalmente sob a luz do Sol, estragando o produto, numa tecnologia analógica que nada quer dizer para a gurizada que vem aí, uma geração nascida em plena Era Digital, não fazendo ideia do que era levantar do sofá para trocar de canal, num aparelho com no máximo sete canais de TV aberta, numa certa nostalgia ao relembramo-nos de tais fatos cotidianos de outrora. O sinal verde é a oportunidade, a permissão para passar, como num ano letivo chegando ao fim, com o aluno abraçando os doces meses de férias, num breve recreio, pois a maior parte da Vida é feita de labor e dedicação. Aqui temos um objeto em transição, em transformação, numa pessoa tomando consciência de algo, como no processo autocognitivo do patinho feio, numa pessoa que, no fundo da luta para se encontrar, acaba encontrando a beleza em si mesma, numa pessoa que passa a gostar de ser quem é, num processo que pode ser longo, com tantas e tantas pessoas que não amam muito a si mesmas – como posso ser feliz se não me curto? Este grande círculo é como um grande olho que nos fita, um olho grande, apreendendo e aprendendo muito, um olho faminto, descobrindo maravilhas ao redor de si, como num potente Hubble desbravando os confins de galáxias e de vastidões infinitas. Aqui é como uma cobra se movendo, explorando a selva ao redor, farejando presas, num bicho rico em instinto, como no instinto autodidata de uma pessoa que passa a brilhar e a ser respeitada por outrem, como um homem que conheço, uma pessoa de um respeitável cavalheirismo e polidez. Vemos aqui uma pequena gruta escura de mistérios, desafiando-nos a pegar uma lanterna e explorar o inexplorado, como na sede de um arqueólogo descobrindo os milhares de tesouros da tumba do rei Tut.

 


Acima, La Luce. Esta obra remete a um recente comercial televisivo de amaciante de roupas, no qual uma bela mulher desfila com um vestido esvoaçante lilás, espalhando inebriante perfume e encantos femininos, seduzindo o Mundo com encantos de delicadeza e sutileza, gentileza, na vitória do Fino sobre o Grosso; da virtude de Tao sobre a vulgaridade; da cabeça sobre a bunda. Bove gosta desses efeitos esvoaçantes e fluidios, com todo um processo intestinal, nos alimentos sendo absorvidos e assimilados, numa pessoa assimilando fatos e crescendo como pessoa, no caminho divino da depuração moral, numa pessoa que passa a rechaçar os auspícios da Matéria, do palpável, vendo que as pedras preciosas são ilusões, pois, sendo Matéria, estão danadas à ruína, como num Jesus ressuscitando e deixando para trás tudo de mundano, abraçando Tao, o sensual vazio. É como a Galadriel de Tolkien rejeitando o sedutor Anel do Poder, rejeitando a sedução de Sauron, o senhor destrutivo das ambições mundanas, seduzindo reis e degradando estes moralmente. Aqui é como uma água turva que vai se tornando translúcida, revelando lentamente as coisas, como num dia que vai amanhecendo, como no processo de aprendizagem, na criança passando por vários anos escolares, na importância capital para uma nação que é a formação de cidadãos letrados e eruditos, como em nações apolíneas como a Suécia. Aqui é como a brincadeira de massinha de modelar, fazendo com que a criança crie o que quiser criar, obtendo intimidade com o material, nesta tarefa do artista plástico de ter mãos transformadoras, que criam coisas novas. Bove gosta também desses círculos, que são olhos que fitam o espectador, num momento em que artista e espectador interagem, conhecendo um ao outro, na importância que um artista tem em saber como sua obra entrou na mente do espectador, recebendo um feedback, um retorno. O círculo é a perfeição ultrapolida da Divina Providência, esta forma de governo que, de tão poderosa, mal é captada por nós na Terra, num governo que faz com que passemos uns pelas vidas dos outros, construindo relacionamentos e promovendo trocas de experiências, pois o que seria de tudo sem nossos amigos e irmãos, tão filhos de Tao quanto eu mesmo sou filho de Tao? No fim das contas tudo se resume a Amor, sem pieguice, numa pessoa que tem a sensibilidade de “se colocar nos sapatos do outro”, entendendo como este se sente, ao contrário do sociopata, uma pessoa fria que, definitivamente, não sabe nem quer saber como o outro se sente, no caminho arrogante da insensibilidade, num sociopata que não sabe o que é comiseração, empatia, compartilhamento. Este círculo é como um disco de virtude que gravita acima de mediocridades. É como o disco solar do faraó Aquenáton, o herege que rejeitou milênios de tradição religiosa egípcia politeísta pagã, num ato corajoso de ruptura, no modo como o Monoteísmo ganhou o Mundo. O círculo é um ponto de ponderação sobre meandros complexos, procurando manter a simplicidade, a desconstrução, a simplificação, como num presidente que, numa reunião, desconstrói os assuntos, simplificando-os ao máximo, pois a Vida é boa quando é simples, sem afetações pretensiosas, ou seja, sem frescuras, na limpa elegância minimalista. Aqui temos ordem e desordem, como no desafio de um professor em impor disciplina e silêncio numa sala de aula cheia de crianças alvoroçadas, no desafio de acalmar os ânimos e chamar a atenção para o que importa, que é a lição dia. Aqui é como um chiclete sendo mastigado, num hábito que se tornou tão comum. É um alimento sendo mastigado e digerido, remetendo às radicais cirurgias bariátricas, tolhendo uma parte do estômago do paciente obeso. Este círculo está se equilibrando em cima deste alvoroço, na busca de um designer por equilíbrio em suas concepções gráficas, no grande desafio publicitário, que é vender um produto ou serviço, procurando sempre atiçar o desejo que já preexiste dentro da mente do consumidor. Temos aqui um papel amassado e desprezado frente ao círculo intacto, num trabalho de discernimento de se observar o dispensável e o indispensável.

 

Referências bibliográficas:

 

Carol Bove. Disponível em: <www.en.wikipedia.org>. Acesso em: 21 abr. 2021.

Carol Bove. Disponível em: <www.mcachicago.org>. Acesso em: 21 abr. 2021.

Carol Bove. Disponível em: <www.ocula.com>. Acesso em: 21 abr. 2021.

Carol Bove. Disponível em: <www.thecontemporaryaustin.org>. Acesso em: 21 abr. 2021.

Carol Bove. Disponível em: <www.timeout.com>. Acesso em: 21 abr. 2021.

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