quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Andanças de Andrew (Parte 1 de 4)

 

 

 Falo pela primeira vez sobre o pintor realista americano Andrew Wyeth (1917 – 2009). Com altos índices de popularidade, Andrew veio de uma família de artistas. Fez uma carreira de setenta anos. A crítica o considerou controverso. Pertence às coleções de grandes museus nos EUA e Europa e ganhou sete honrarias – uma pelo Governo dos EUA. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, Aquele cavalheiro. Aqui vemos a maestria de Wyeth no jogo entre claro e escuro, na luz solar entrando na cena. O homem é o aguardo, a espera por algo, numa certa expectativa, como esperar ganhar na loteria, no modo como as expectativas são as irmãs da frustração – quanto menos expectativas temos, menos quebramos a cara, no modo como é tão humano construir expectativas. Aqui é uma reserva, num momento privativo de reclusão, como cumprir uma pena, como estar encarnado em alguma vida, esperando pelo glorioso momento de libertação. O homem aqui, sem sapatos, é o conforto do lar, da casa, num momento em que ficam lá fora as exigências sociais, no momento do lar em que a pessoa fica à vontade, sem ter que se aprumar para a interação social, num momento de intimidade, como numa Evita Perón em lua de mel, dizendo a libertação que não é ficar aprumada o tempo todo, num casal num momento de intimidade, comendo de colher da mesma panela de comida, num momento de intimidade. O homem calvo é a experiência de vida, na sabedoria que os anos trazem, na passagem do tempo, num homem com uma história, uma carreira e uma vida, no charme de um homem com traços no rosto da passagem do tempo, ao contrário das exigências sobre uma mulher, a qual é socialmente pressionada a ter uma aparência sempre jovial, sem sinais da passagem do tempo, no mito de Virgem Maria, a mulher sem sexualidade e sem estrada, numa mulher pressionada a ter a aparência a mais jovem possível, com o preconceito em relação a mulheres vividas, como as divas em suas carreiras, num mundo que tolhe sempre a sexualidade feminina, no modo como, não canso de dizer, em um filme pornô apenas ao homem é permitido ter orgasmo, numa mulher pressionada para ser sempre virginal e intocada. As tesouras no quadro revelam ser um barbeiro, talvez esperando pelo próximo cliente, no labor, nas mãos calejadas por tal labor, numa pessoa digna e útil ao Mundo, aplicada em seu labor, no modo como apenas o labor é que pode trazer dignidade a um homem, pois que esperança há fora do trabalho? Como pode ser digno de respeito um homem que vive deitado eternamente em berço esplêndido? É como uma pessoa com ascendência nobre, num momento em que a pessoa tem que provar ter “autonomia de voo”, mostrando que é mais além do que um improdutivo de sangue azul, pois não está iludida a pessoa que acha que obterá respeito sem trabalhar? A porta aqui é a passagem, na transição para um outro plano, no glorioso momento do Desencarne em que os dedos se desfazem dos anéis, pois apenas com humildade se pode entrar em tal plano, no modo como Ayrton sai de cena – as glórias mundanas no Mundo ficam. O homem aqui é negro, na cultura americana na qual há ainda racismo, num país que há pouco tempo segregava os cidadãos em relação à cor, ironicamente nuns EUA que se dizem o paladino baluarte democrático da igualdade e da liberdade – é muita contradição, tio Sam. O homem é a paciência, o aguardo e a esperança, talvez esperando pelos dias em que os EUA seriam governados por um negro, com uma família negra residindo na Casa Branca, num Obama supremo no qual as pessoas depositaram suas esperanças, havendo esta glória na Vida – ser alguém em que as pessoas depositam suas esperanças, em figuras de tanto carisma arrebatador. As mãos calejadas aqui são a dignidade, num homem servindo ao Mundo com seu trabalho, nas palavras de minha querida avó Carmen, a qual, ao mostrar suas velhas mãos, dizia: “Estas mãos foram úteis ao Mundo, pois com elas lavei, passei, cozinhei e costurei!”. O quadro aqui, apesar de ter uma carga de luz solar, é um tanto sombrio, imprevisível, num homem sem poder ver muito no futuro, nas surpresas das esquinas da Vida, pois se soubéssemos como tudo ocorreria, nada ocorreria. O homem que aguarda é a disciplina, esperando pelo momento oportuno para agir.

 


Acima, Erva pisada. Aqui é a caminhada existencial, numa carreira, num registro e numa história. Remete à altivez do gaúcho pilchado, ou seja, trajado como manda a tradição gauchesca, na terra da tragédia que foi a Revolução Farroupilha, a tragédia fundadora da tradição do gaúcho, um povo sedento por independência e liberdade, como no herói protagonista de Coração Valente, clamando por liberdade no último suspiro de sua vida, na saudável liberdade do ar livre nos pampas gaúchos, no grito do queroquero, a ave símbolo de tal região do Brasil. Os passos são as etapas do caminho, num caminho sendo traçado instintivamente, como numa Gisele traçando instintivamente seus passos de carreira, no modo como não há livro ou faculdade que nos ensine a viver ou a conquistar as coisas, naquilo que é natural e inerente ao espírito encarnado. Aqui é a liberdade da vida ao ar livre, no cheiro de campo, de bosta de boi, de liberdade, remetendo aos passeios que eu fazia, na minha infância, com minha família pelos campos da Serra Gaúcha, um mundo selvagem extremamente interessante para crianças da cidade como eu, com girinos nos rios e quedas de água, no modo como o Ser Humano, geralmente, admira os palácios mas ignora a glória e a beleza do ar livre, dos campos, no modo como os campos vestem roupas majestosas, lindas, ricas, fartas, fazendo metáfora com exuberantes fantasias carnavalescas, com suas plumas exuberantes, na exuberância tropical de cidades abençoadas como a cidade do Rio de Janeiro, nessa deliciosa mescla entre urbe e natureza, no exótico canto de pássaros, numa cidade tão urbana e ao mesmo tempo tão praiana, remetendo a uma amiga minha carioca surfista, pegando onda nos mares azuis da cidade, na felicidade de um surfista inspirado pelas vicissitudes de um mar cheio de ondas desafiantes, no dom de uma pessoa de Tao, a qual sabe surfar por tais ondas da Vida, ondas que às vezes são areia demais para nosso caminhão, numa onda que se revela demais para um simples menino que ainda não é homem, remetendo a uma onda que peguei certa vez, a qual acabou se revelando demais para mim, quase me engolindo quando quebrou sobre mim! Aqui o pasto é como um luxuoso carpete, numa floresta mágica, limpa, perfumada, numa maravilhosa sala de estar, acolhedora, confortável, convidativa para que um anfitrião fino nos receba com toda cortesia, na energia irresistível de pessoas finas, as quais estão acima das pessoas grossas, numa infalível hierarquia espiritual – o Bem está infinitamente acima do Mal. Aqui podemos sentir a libertadora brisa ao ar livre, na gloriosa sensação de se chegar na praia, tirar os calçados apertados e vestir simples chinelos, no fato de que a Vida é boa quando é simples, como se sentar na grama de um parque e conversar com amigos num belo dia de Sol, em espaços tão acolhedores e espetaculares como o parque portoalegrense do Parcão, numa cidade privilegiada em seus espaços verdes, a cor da Natureza, daquilo que é natural. Aqui é o termo “passos de bebê”, numa pessoa cautelosa, que vai cursando instintivamente seus próprios passos, sabendo que um campeão de Tênis não se faz da noite para o dia, num caminho de lenta progressão, como num espiral de disco de vinil, girando e chegando lentamente ao centro do disco, num caminho de uma pessoa a qual, sendo subestimada, pode agir, como uma Gisele que muito tem que ralar para se manter Gisele, numa mulher que sabe que não pode inexistir o labor, nas palavras da modelo para fãs num set de filmagem de um comercial: “Desculpe, gente, mas tenho que trabalhar!”, e o Mundo não pertence aos laboradores? Que esperança há para alguém que nada mostra ao Mundo? O capim aqui é aquilo que é natural, inevitável, como a vitória de uma pessoa de Tao, sempre subestimada, em deuses como Jô Soares, surpreendendo a todos ao se tornar um monstro entrevistador. O campo é o tesouro da Natureza, com tapetes de flores silvestres na Primavera, brotando espontaneamente sem que precisassem ser cultivadas pela mão humana, na simplicidade de uma simples flor silvestre, singela.

 


Acima, Inverno. A sombra é a projeção, como na Psiquiatria, que considera que os sonhos noturnos são partes de nós mesmos projetadas. A sombra é a dúvida, num labirinto existencial no qual uma pessoa não consegue tomar decisões ou ações, numa pessoa querendo se encontrar na Vida, decidindo por alguma carreira ou trabalho, na capacidade de um grande amigo em olhar para dentro de nós e perceber que estamos perdidos nesse sentido, num grau de intimidade, ao ponto de ser possível conversar com tal pessoa sem proferir uma palavra, na telepatia, num ponto em que o outro ouve sem ouvir de fato, como no menininho sensível de O Iluminado, pressentindo o surto psicótico do próprio pai, num labirinto claustrofóbico, em grandes diretores que conseguem se expressar tão bem e tão claramente, ganhando respeito de público e crítica, nesse grande desafio que é conquistar o respeito do Mundo, no caminho da dignidade, numa pessoa altiva que ergue a cabeça e trata de ser digna de respeito. Neste quadro temos uma fuga, algo sendo evitado, numa verdade muito dolorosa, talvez num pai fugindo da responsabilidade de ter um filho, como uma mulher que conheço, a qual teve filhos com homens que simplesmente fugiram de toda e qualquer responsabilidade, em palavras sábias que já ouvi: Se você quiser continuar com sua vida do jeito que está, não tenha filhos, pois por mais que um dia estes se tornem adultos e lhes deem netos, sua vida jamais será a mesma, portando, pense muito antes de colocar filhos no Mundo! Aqui é uma paisagem desolada de Inverno, como no gélido deserto morto que é Marte, pois, sem querer eu ser blasé, não há algo de muito interessante para se fazer em tal planeta inóspito, fazendo da Terra esta esfera tão pequena e tão grandiosa ao mesmo tempo, no fato de que a Humanidade não tem para onde fugir, dando aqui razão aos apelos ecologistas de preservação ambiental, em futuros de caos climático como em Blade Runner, numa Los Angeles varrida por chuvas torrenciais, em filmes os quais, no momento do lançamento, decepcionam o estúdio, mas filmes os quais, com o passar do tempo, tornam-se cult e são considerados extremamente interessantes, numa espécie de reconhecimento tardio, no modo como a passagem do tempo vai “colocando os pingos nos is”. Vemos aqui um resquício de neve, algo mínimo e discreto, numa pessoa comedida, frugal, moderada, a qual sabe que qualquer coisa em excesso é prejudicial, no discernimento taoista: Comer é algo prazeroso e necessário, mas vai matar você se você comer demais! O rapaz aqui é a solidão, num Umbral árido e desprovido de hospitabilidade, numa desolação, num espírito perdido, que não sabe nem como entrou e nem como sairá, tendo que ajoelhar e rezar para ser respaldado por algum anjo, que são espíritos felizes, racionais e caridosos, empenhados em ajudar os seus irmãos, anjos que sabem que somos todos príncipes, filhos do mesmo Rei, e que um brilhante futuro nos espera no Reino dos Céus, o reino o qual é um paraíso para os que gostam de se manter produtivos. O chapéu aqui é o resguardo e a proteção, como numa sólida estrutura de lar, de invólucro, com pais impondo regras e limites dentro de casa, limites disciplinantes os quais dão à criança a sensação de segurança e pertencimento, como um pai impondo horários para a criança ir se deitar e acordar no dia seguinte, nesse grande desafio que é criar um infante. No detalhe do quadro vemos uma cerca, que são os limites e o discernimento, nas noções moralizantes dos Dez Mandamentos, os quais nos proíbem de cobiçar a grama do vizinho. A cerca é a delimitação, no discernimento entre a minha casa e a caso do outro, no respeito que deve haver entre os reinos, num Ser Humano cruel e ambicioso, o qual quer sempre anexar os territórios vizinhos pelo meio da estupidez forçada, como num Putin insano e napoleônico, pois tudo o que a Guerra faz é deixar rastros de fome e destruição. O rapaz aqui está agasalhado, protegido, sabendo que é nocivo ser uma pessoa que não faz algo de nobre dos seus dias aqui na Terra, num espírito que se arrependerá por não ver a seriedade de uma encarnação.

 


Acima, O Mundo de Cristina. A moça assiste a tudo com distância e reserva, como se não quisesse interferir pessoalmente, numa medida de precaução. Aqui remete às vastas terras da paisagem sulista dos EUA, no universo de ...E o vento levou, na mocinha mimada a qual, em meio às durezas e às privações da Guerra de Secessão, adquire maturidade e força para tocar a vida para frente, num processo de reerguimento existencial, numa pessoa que beijou um fundo de poço na vida, indo mais fundo do que qualquer outro momento seu, tendo que empreender um esforço descomunal para reorganizar sua vida, no desafio da reconstrução, como na Festa da Uva de Caxias do Sul, a qual “hibernou” durante os duros momentos da II Guerra Mundial, ressurgindo nos anos 1950 num pacto de reconstrução, no modo como o amor, a beleza e a dignidade vencem toda a qualquer força do Mal, na altivez de uma coroa de rainha da Festa, simbolizando a beleza, a pujança e a riqueza de uma terra, numa Festa que inspirou as festas de outros municípios do RS. A moça aqui está abatida e confrontada com algum fato, como se deus dedos espirituais tivessem sido colocados na tomada elétrica, num choque de realidade. A moça é a feminilidade tentando sobreviver a um Mundo tão duro e patriarcal, no qual a sexualidade feminina é tão tolhida, fazendo da moça virgem o símbolo do Útero Imaculado que a todos nós gerou, no mito de Maria, a mulher sem estrada e sem máculas, numa Maria Madalena sendo perdoada de seus pecadinhos mundanos, no mito de Cinderela, na moça pobre e vulgar que encontrou um príncipe que a ergueu a um alto patamar, na metáfora do sapato feminino, o qual é o suporte e o respaldo do Yang, talvez numa mulher que se decepcionou ao ver que seu marido passou a faltar com o romantismo e com o cavalheirismo, numa relação que esfriou, fazendo do Sexo, antes manso e gostoso, algo mecânico e sem sentimento de ternura. A moça aqui sofreu um grande abalo, um choque, numa verdade que se impôs de uma forma muito repentina, como numa pessoa sofrendo um acidente de carro, vendo tudo mudar num piscar de olhos, tendo que encarar a nova e dura realidade. As casas ao fundo são como uma cidade fantasma desolada, como uma pessoa que viu o doce Verão passar, encarando dias mais frios e chuvosos, numa orla deserta, erma, desolada, solitária, com um vento cortante e uivante – é muito deprimente. Os campos aqui são a excitação da vida ao ar livre, como crianças da cidade encantadas com tais pastagens vastas, como se fosse um grande tapete, um carpete natural, numa gigantesca sala de estar, numa Humanidade que precisa aprender a apreciar os campos e florestas, e não admirar apenas os palácios, que não obras de Tao, mas obras dos Homens, os quais tentam imitar a majestade de Tao, nosso Pai infinitamente paciente e amoroso, no incrível presente que é a Vida Eterna, na Vida que não tem prazo de validade, fazendo da Eternidade tempo para a resolução de qualquer desavença, em desentendimentos que acabam solucionados, com espíritos toscos que evoluirão e tornar-se-ão espíritos de luz e verdade, pois a depuração é o caminho natural, numa dureza que vai fazendo de nós pessoas melhores. A moça aqui pondera, e não ousa chegar muito perto, sem querer fazer errôneas interferências, como na figura folclórica do Preto Velho, um senhor quietinho no seu canto, sem interferir, assistindo aos egos ascendendo e descendendo, nas danças das fogueiras de vaidades humanas, na arrogância de um espírito que se acha Deus, ou seja, no caminho da loucura. O cabelo da moça está caótico e desarrumado, num momento em que não há espaço para delicadezas femininas, como no filme Cold Mountain, num contexto bélico em que a pessoa tem que se brutalizar se quiser sobreviver aos duros golpes da Vida, produzindo uma mulher viril, “macha”, por assim dizer, numa mulher esfregando com vontade um chão, produzindo gotas de suor. A moça aqui é fina e delgada, bela, jovem, mas está muito abatida e atordoada, no famoso ditado ao frigir dos ovos: Beleza não põe à mesa.

 


Acima, Um corvo voou. Aqui é um retiro e uma reserva, numa aposentadoria, a qual pode ser nociva, pois ninguém pode deixar de fazer algum trabalho nobre, na dureza de uma vida de gari. Darei um exemplo: O senhor meu bisavô, em um dado momento de sua vida, aposentou-se, e, depois isso, entrou em depressão, pois é excruciante a sensação de indolência, como num detento, numa vida vazia, na qual a pessoa só come e dorme, ou como numa reclusão compulsória numa clínica psiquiátrica, havendo a áurea necessidade de uma terapia ocupacional. O senhor aqui é bem idoso, nos últimos tempos de sua vida, talvez esperando pela morte, o que é um equívoco, pois o espírito, após o Desencarne e o retorno à Casa Espiritual Eterna, observa a necessidade de se manter ocupado, procurando trabalho em tal plano metafísico, à imagem e semelhança de Tao, o ente que sempre está criando, na gloriosa sensação de uma pessoa em se colocar para o Mundo, servindo e brindando este. As roupas dependuradas são a reserva e a pausa, como num processo de Desencarne, como uma roupa sendo tirada e devolvida, como uma cobra trocando de pele, na gloriosa sensação de um banho bem tomado após um dia de fuligem, suor e bactérias, num ritual que faz com que nos aproximemos da limpeza suprema metafísica, na qual sequer uma única bactéria pode entrar, no prazer de se estar numa casa recém limpa e perfumada, no perfume metafísico de uma pessoa nobre e sofisticada, cordata, civilizada, evoluída, uma pessoa que não fica perdendo tempo em fofocas improdutivas, como uma senhora que conheço, uma pessoa que é rica e, ao mesmo tempo, espiritualmente miserável, pois é uma pessoa que nada faz para se ocupar de forma nobre, restando-lhe apenas o trabalho ilusório de cuidar da vida dos outros, tal a vida desinteressante de tal senhora, nas palavras de uma amiga minha psicóloga: É tão desinteressante uma pessoa que só é dona de casa! A cadeira é o retiro e o descanso, numa pausa, numas férias, num recreio nos deslumbrantes salões metafísicos, fazendo inveja a qualquer salão suntuoso sobre a face da Terra. Aqui é um ambiente humilde e rústico, no acolhimento do que é rústico, numa ausência de pretensões ou afetações pernósticas, num ambiente simples que faz com que nos sintamos à vontade, na metáfora de Tolkien: Os maus têm boa aparência mas nos causam uma sensação ruim; os de má aparência nos dão uma sensação boa. É como um certo senhor sociopata, cujo nome não mencionarei, um homem que ganhou a confiança do povo exatamente porque era um senhor de uma aparência impecável, sem um fio de cabelo fora do lugar, no modo como, na vida pública, a aparência da pessoa é tão importante, mas tal senhor sociopata, como todo mentiroso, acabou desmascarado e destituído de seu cargo, nessa capacidade de um sociopata em manipular meio Mundo. O senhor aqui tem um olhar triste, em tristezas existenciais, como num nível de intimidade num casal, num relacionamento em que um fala de suas tristezas ao outro, num caminho de acalentadora intimidade, um nível de proximidade temido por aqueles que têm medo de se entregar a um relacionamento profundo e sério. O rosto do senhor é imperfeito e assimétrico, como numa assimetria de Mondrian, num equilíbrio não tão óbvio como a simetria clássica, num caminho de equilíbrio, de algo igual em ambas as extremidades, numa pessoa em busca de tal equilíbrio na Vida, numa questão simples: Quem é Yang, tem que partir em busca de seu Yin interior; quem é Yin, tem que partir em busca de seu Yang interior. É como numa rainha Elizabeth I, a qual levava muito a sério a aparência, a elegância e a beleza feminina, numa regente que, ao mesmo tempo, era rígida e durona como o mais viril dos homens, numa complementação que ganhou a admiração do povo inglês, fazendo de uma mulher um ponto crucial na história de tal nação, num verdadeiro ícone feminista. A casa aqui é humilde, numa simplicidade que não busca os ilusórios apelos auspiciosos, como numa tediosa e desinteressante ala vip de boates.

 


Acima, Vento do mar. Podemos sentir em nossos rostos a doce brisa de libertação, como na cena inicial de O Leopardo, com a cálida brisa do verão italiano agitando docemente uma cortina rendada. A janela é tal vislumbre de possibilidades, num jovem escolhendo um curso universitário dentre um leque de cursos, numa pessoa tão jovem tendo que fazer uma escolha tão séria e adulta, no sentido da pessoa adquirir o controle sobre sua própria vida, não mais permitindo que o Mundo lhe diga como deve viver, como um amigo meu, o qual, desde cedo na Vida, foi pressionado a cursar Medicina, num rapaz o qual, ao se ver muito infeliz em tal curso, mostrou ao Mundo o dedo do meio e foi ser feliz, prestando vestibular para Jornalismo – adquira o controle sobre sua própria vida, meu irmão! Aqui é o puro traço realista de Wyeth, num quadro que parece ser uma fotografia, como um certo artista plástico portoalegrense, o qual tira de você uma foto em estúdio e, a partir da foto, faz uma pintura a óleo, no modo como o advento da Fotografia libertou a Arte da pura função retratista, nas marés do tempo que vão trazendo sopros de renovação, como no Modernismo Brasileiro, o ato de transgressão que partiu em busca de uma identidade brasileira, no enorme desafio do Cinema Brasileiro, que é adquirir identidade própria, rompendo com paradigmas hollywoodianos. A cortina esvoaçante é tal suave feminilidade, numa carícia, como em tecidos nobres como seda e veludo, fazendo metáfora com o que importa, que é a polidez do espírito, numa pessoa agradável, que faz com que nos sintamos à vontade, no talento de um psicoterapeuta em fazer com que nos sintamos aliviados, na frieza do olho clínico, mostrando-nos a Mundo do jeitinho que este é, sem interferência de emoções traiçoeiras, na questão da pessoa começar a ouvir a mente – seu coração enganou você e, se continuar o ouvindo, enganará você de novo! A janela arejando é a liberdade do ar puro, numa casa sendo arejada e limpa, num serviço tão essencial que é a limpeza, numa vida dura de diarista, passando seus dias limpando a casa de outrem. No quadro vemos uma estrada singela, que é o rumo existencial, na capacidade de certas pessoas em se tornar tais guias nacionais, numa Elis, guiando nosso caminho pelo tocafitas de um carro, em Tao, o caminho natural das coisas, na sabedoria popular que diz que a carga se ajeita com o galgar do caminhão, no caminho natural da pessoa tomar jeito na Vida, abraçando os gloriosos tempos de maturidade, numa pessoa que pertence a si mesma. A estrada é tal ponte, tal travessia, num trajeto à nossa frente, numa missão aqui na Terra, esta grande faculdade a qual, por meio de seus percalços duros, vai fazendo de nós pessoas de grande apuro moral, pessoas que passam a odiar mentir, nesta água gélida e pura que é a verdade, num xarope amargo que cura a tosse. Ao fundo vemos o Mar, a orla, que é o destino, a libertação num ato final. O Mar é o receptáculo, o destino, com os rios desembocando neste, na Mãe Primordial que trouxe Vida à Terra, no libertador olor de Mar na beira da praia, num veraneio tão delicioso, na simplicidade praiana: Precisa sair de casa? Apenas coloque um chinelo e saia! E a Vida é boa quando é simples, meu amigo. Bem ao fundo vemos florestas, que vestem suas majestosas roupas, inspirando as exuberantes fantasias carnavalescas, fazendo menção à exuberância tropical das paisagens cariocas, no berço da Bossa Nova, num Jobim sendo um dos maiores brasileiros de todos os tempos, num talento e num bom gosto capaz de transformar a percepção do brasileiro, num estilo musical que tanto ganhou o Mundo, no fascínio que os exóticos trópicos exercem sobre países de clima mais frio e cinzento. As cortinas aqui são tal leveza, pois são translúcidas, e nunca reprimem ou sufocam, sempre nos deixando respirar, sempre nos deixando ver através delas, na leveza de Tao, na hierarquia espiritual, a qual jamais é imposta por meio da força. As cortinas são essa capacidade áurea de ver o Mundo do jeitinho que este é, sem maquiagens emotivas, no poder curador da Verdade, o único caminho que existe.

 

Referências bibliográficas:

 

Andrew Wyeth. Disponível em: <www.en.wikipedia.org>. Acesso em: 31 ago. 2022.

Andrew Wyeth. Disponível em: <www.museum-exhibitions.colby.edu>. Acesso em: 31 ago. 2022.

Andrew Wyeth. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 31 ago. 2022.

Andrew Wyeth, april wind. Disponível em: <www.thewadsworth.org>. Acesso em: 31 ago. 2022.

Andrew Wyeth obras. Disponível em: <www.google.com>. Acesso em: 31 ago. 2022.

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