quarta-feira, 5 de julho de 2023

Ver Vermeer (Parte 2 de 5)

 

 

Falo pela segunda vez sobre o artista holandês Johannes Vermeer. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!

 


Acima, A aula de música. O piso em xadrez é a ludicidade, no modo como os jogos de tabuleiro exigem da inteligência e do raciocínio, num exercício para manter a mente sã, no modo como é só o labor o que pode manter sã a mente de uma pessoa, pois já li que pessoas ricas só podem se manter sãs se trabalharem, pois os que são considerados felizes na Terra – os ricos – ficam reduzidos a uma miséria espiritual absurda, sofrendo em tal vazio existencial. Como é lindo o pincel de Vermeer, e como é difícil de entender o porquê de tal artista só ter sido reconhecido postumamente, como uma certa popstar, a qual, infelizmente, só será devidamente reconhecida postumamente. A luz natural entra majestosa. A luz é o esclarecimento, na formação das elites intelectuais, pessoas que pensam acima da média e acima de mediocridades, no modo como o saudoso intelectual gaúcho Tatata Pimentel ignorava a inteligência de alunos medíocres. O espelho ao fundo é tal reflexão, num momento talvez de psicoterapia, no momento mágico em que o interior do consultório faz metáfora com o interior da mente do paciente, no momento de entrega e de confiança, no paciente confiando no terapeuta e abrindo para este todas as gavetas da mente de tal paciente, pois a psicoterapia só surte efeitos se o paciente confiar no terapeuta, no modo como pode ser diabólico um terapeuta sociopata, pois nunca devemos dar informações pessoais a um sociopata, pois, do contrário, o sociopata, em sua ardilosa inteligência fria e insensível, começará a brincar com a mente da pessoa, manipulando esta, pois já me disse uma amiga psicóloga: Você vai encontrar sociopatas em qualquer lugar, dentro ou fora do Facebook, por exemplo. Podemos ouvir aqui o doce som de música na sala de aula, num momento de disciplina e atenção, no modo como pode haver professores duros, exigindo o máximo do aluno, daqueles professores que valem cada centavo da mensalidade, marcando o curso do aluno, como uma exigente professora de Filosofia que tive, sendo esta a única cadeira de minha faculdade na qual quase fui reprovado, tendo eu me salvado por ter escrito, na prova de fim de semestre, sobre o Taoismo, num ramo de Filosofia longe da Filosofia Ocidental, grega. Um instrumento está jogado ao chão, descuidado, numa pessoa que não está cuidando de sua própria vida, perdendo tempo com fofocas maliciosas, como uma pessoa fofoqueira que conheço, uma pessoa de uma grande miséria existencial, desocupada ao ponto de ocupar seus dias monitorando a vida dos outros, num caminho de malícia, numa enorme perda de tempo, numa pessoa que, ao desencarnar, notará a perda de tempo que foi sua vida, talvez topando reencarnar num contexto social duro, no qual tal espírito crescerá e depurar-se-á moralmente, pois o apuro é o sentido da Vida – tornar-se uma pessoa melhor. O professor aqui é tal zelo, tal exigência, exigindo disciplina, punindo os alunos bagunceiros e indisciplinados, no modo como eu mesmo, no Ensino Fundamental, fui certa vez suspenso por três dias de aula, pois eu tinha “enlouquecido” minha professora de na cadeira de Religião, quando tal profe me levou ao temido gabinete do supervisor de disciplina, no qual com frequência estavam os alunos mal comportados, que iam deliberadamente mal nos estudos. A toalha na mesa é majestosa, digna de rei, como no majestoso manto de Maria na Pietà de Michelangelo, com vestes de rainha, muito longe da mulher pobre que foi Maria na Terra, no modo como nossos entes queridos desencarnados nos cobrem com tal majestoso manto metafísico, no modo como uma bisavó nos ilumina lá de cima, no mesmo modo como eu amaria o filho de um neto meu – o Amor não conhece barreiras, pois é o infinito, o qual não pode ser mensurado. A aluna está de costas para a cena, alheia, arredia, como numa pessoa discreta, que não quer atrair atenção midiática para si, como na natural exposição pública de um ator, aparecendo em películas pela televisão. A jarra é a pausa, como no recreio no meio de um turno de aulas numa escola, com o professor, o qual, ao término de tal pausa, tem que voltar à sala e voltar à luta.

 


Acima, A leiteira. O leite é a pureza, como no tradicional leite condensado Moça, com a moçoila jovem e branca, no mito de Nossa Senhora, o qual existe para nos explicar a Imaculada Conceição a qual gerou todos nós, na letra da canção de Lady Gaga, dizendo que Deus nos criou em perfeição: “Sou bela a meu modo, pois Deus não comete erros. Estou no caminho certo. Eu nasci assim”, talvez trazendo alento aos socialmente execrados, no caminho da autoestima, numa pessoa que gosta de si mesma, em atos de autoestima como se perfumar, pois tudo tem que começar com o amor próprio, sem narcisismos sociopáticos. Aqui é o labor diário, nos afazeres domésticos, remetendo a uma mulher que foi minha professora e que, depois disso, começou a trabalhar como bancária e, num terceiro momento, decidiu largar tudo e se tornar mãe, esposa e dona de casa – é uma questão de escolha pessoal, e cabe a mim respeitar tal escolha. Aqui é o corpo de Cristo, no alimento de cada dia, remetendo a um senhor miserável que me abordou na Rua pedindo comida, neste nosso Brasil miserável, com dezenas de milhares de cidadãos passando fome todos os dias, como disse FHC certa vez: O problema é que o Brasil é muito pobre. Aqui é uma casa humilde, proletária, com a dona de casa arrumando tudo e cozinhando, como me disse uma certa senhora, um tanto cansada de cozinhar todos os dias: “Não aguento esta vida de Maria!”. Aqui é a questão da fome, como nos imigrantes italianos que se fixaram na Serra Gaúcha, fugindo da fome e da pobreza na Itália, seduzidos pela perspectiva de ter algo que jamais teriam na Itália – um pedaço de terra, no modo como já ouvi dizer: A Imigração Italiana no Rio Grande do Sul foi uma reforma agrária que deu certo, nessa questão complicada da terra no Brasil, com movimentos sociais reivindicando um pedaço de chão, num Brasil tão vasto, tão rico em terras vastas. Ao fundo no quadro, no chão, vemos uma caixa fechada, secreta, num segredo, em algo que a pessoa guarda para si, talvez só fazendo confidências a uma pessoa em específico, como uma comadre, uma pessoa na qual confiamos, pois já ouvi dizer que o psicoterapeuta é uma comadre bem paga! Podemos ouvir o som do leite sendo derramado, numa mesa não muito farta, não como as fartas mesas de galeteria, numa casa humilde, onde nada de alimento pode ser desperdiçado, num espírito que resolver reencarnar em tal contexto social duro, pobre, repleto de privações, numa vida a qual, em dureza amarga, sofre mortificações majestosas, ao ponto da pessoa crescer e parar de pensar em bobagens fúteis, no remédio amargo que surte doces efeitos. A casa aqui carece de alguma manutenção, e vemos máculas na parede e no chão, como num jogo de Futebol, com o gramado o qual, de longe, parece ser imaculado, mas, de perto, é repleto de máculas, assim, como o mundo das celebridades – se chegarmos perto demais, vamos nos decepcionar. A moça e o leite formam um continuum de pureza, na culpa católica em relação a prazeres como o Sexo, havendo nos pecados capitais grandes prazeres, pois, não canso de dizer, pois da Preguiça que nasceram grandes invenções, como a suprema invenção do Telefone, mais tarde se sofisticando e trazendo a onipresente Internet, pois, hoje, quem está offline é exceção. Aqui é como na fome do proletário na França pré Revolução, num povo que percebeu que tinha um rei alienado, envolto em seus privilégios em Versalhes, no fato de que um líder que se afasta de seu próprio povo deixa de ser líder, assim como na deposição no último czar russo, na força de movimentos sociais, como no contraste entre as Coreias, no modo como o refugiando da do Norte, ao vir à do Sul, tem que passar por uma “faxina” mental e entender que a do Norte é uma terrível e cruel ditadura, nesta capacidade humana em oprimir as pessoas, tudo em nome de um homem que quer poder, poder e mais poder, numa fome napoleônica e insana, num rei que nunca está feliz dentro de seu próprio reino. O fio de leite aqui é mínimo, numa pessoa pobre que quase passa fome, como no nosso pobre Brasil.

 


Acima, Homem, mulher e vinho. Bebida milenar, o vinho tem seus encantos, com a vantagem de que engorda menos do que cerveja. Há o ditado: “No vinho, a verdade!”. O fino cálice é tal fineza e cordialidade, no modo como as famílias de realeza se esforçam em seus papéis representativos, representando toda uma tradição, uma história e uma proveniência: O Brasil, por exemplo, não foi encontrado numa “lata de lixo”, pois o Brasil tem uma história e uma proveniência. O cálice é tal transparência, como num amigo sincero e verdadeiro, o qual nunca vai querer nos enganar, ao contrário do sociopata, que definitivamente carece de apuro moral, num sociopata que mente compulsivamente, construindo gigantescas mentiras, na máxima taoista: Aqueles que mentem acabam desprezados e rejeitados. Vermeer gosta de moda e estilo, pois em seus quadros temos bastante elegância aristocrática, com suntuosas roupas e adereços, como chapéus, neste talento de estilista, como na vitória do filme Drácula de Bram Stoker na categoria Figurinos, no Oscar, num filme cujos figurinos são de fazer cair o queixo do espectador. O nobre vidro na janela assinala de que não se trata de um lar pobre, mas um lar privilegiado, nas cores alegres do vidro na janela, num mágico vitral de igreja, com cores que nos encantam e hipnotizam, fazendo com que retornemos à infância, nesta época colorida da Vida em que nos contentamos com pouco, ao contrário do adulto, o qual tem uma série de exigência e critérios, no modo como a Vida é boa quando é simples, num relacionamento amoroso, o qual nos marca para sempre, em momentos simples como um tomar café da manhã no colo do outro, num relacionamento que, de tão maravilhoso, sobrevive ao término, pois, no pouco que durou, foi uma eternidade, nos versos de Tim Maia: Quando a gente ama, não pensa em dinheiro – só se quer amar. E o dinheiro compra quase tudo, menos o que importa, que é o amor e a entrega existencial, num grande amigo ao qual podemos entregar nossas tristezas, nas inevitáveis dores existenciais. Talvez o homem aqui queira seduzir a moça, no hábito do etilista, apreciando tais bebidas, como num amigo alcoólatra que tenho, o qual bebe desde a adolescência, numa doença que, como doença, tem que ser tratada, numa pessoa que deveria se internar numa clínica psiquiátrica para saber, uma vez na vida, o que é estar limpo. O homem aqui tem uma certa malícia, sabendo que está embriagando a moça para poder se aproveitar dos efeitos do álcool, como no golpe da droga Boa Noite, Cinderela, num sociopata o qual, em sua carência moral, droga pessoas para se aproveitar, roubar, estuprar etc., no modo como a dureza da Vida vai nos mostrando a suma importância de se adquirir apuro moral – aos impuros, o Umbral, a dimensão onde não temos um só amigo – é um horror. No quadro ao fundo do quadro, uma ironia de metalinguagem, pois é César falando de César, ou seja, pintura falando de pintura, e repito: É inacreditável tal artista como Vermeer só ter sido devidamente reconhecido postumamente. A cadeira vazia é uma lacuna, uma carência, uma flor sem uma pétala, no modo como todos estamos no Mundo para tal preenchimento psíquico, preenchendo lacunas, pois não existe encarnação perfeita nem sem vicissitudes, no modo como uma vida sem vicissitudes não teria sentido – se é para tudo ficar do jeito que está, é então melhor sequer reencarnar, num espírito que percebe a necessidade de crescimento, evolução e depuração, sabendo que o Grande Lar Metafísico sempre espera pelo seus filhos em missão na Terra. A mulher aqui está seduzida, no “abismo” que existe entre degustar e embebedar-se, como em memórias de adolescência, em seus porres homéricos, numa época da vida em que não temos lá muito juízo, brios ou sabedoria – não é bom ser jovem demais. Sobre a mesa vemos alguns papéis, que são a erudição e a busca por esclarecimento, na formação de nossas elites intelectuais, pessoas que nos mostram que o Ser Humano é absolutamente universal em suas virtudes e mazelas.

 


Acima, Moça com copo de vinho. Ao fundo, um homem alheio, numa renúncia, talvez numa pessoa cansada de tolos sinais auspiciosos, num caminho de depuração, numa pessoa que está crescendo e deixando de ser alienada e superficial, como em personagens que crescem, como Oscar Schindler, um playboy fútil que acabou se compadecendo com o sofrimento do Mundo, tecendo a famosa lista que salvou várias vidas numa guerra cujo epicentro foi o maior sociopata da História de Humanidade, num bandido que alicia hoje neonazistas, como um professor sociopata que tive, o qual insinuava simpatia por Hitler – Jesus, que horror. O vestido da moça é uma suntuosidade, no modo como tem que ser grandiosa uma Festa da Uva, numa comunidade se unindo em torno da rainha, num momento áureo de manifestação de Cultura Popular Brasileira, com lojistas enfeitando tematicamente suas vitrines, no modo como me orgulho de ser bisneto do homem que foi a semente inicial de tal festividade. Aqui temos uma tentativa de sedução, como um rapaz que conheci certa vez, o qual quis me aliciar para a Cocaína, com o rapaz me convidando para um festim de drogadição, dizendo-me: “Tu vais conhecer a nata!”, na capacidade de tal droga em dar uma euforia passageira ao usuário, fazendo com que este se sinta no topo do Mundo, como um grande mega astro, e que amigo é este o qual tenta destruir minha vida? Será que um amigo verdadeiro tentaria me aliciar para a Droga? É como num senhor que conheci, uma pessoa de nobre coração, mas numa vida destroçada pela Droga, sem chance qualquer de reconstrução. A mulher aqui está alegre e embriagada, olhando para o espectador, como se quisesse convidar este para uma festa de queijos e vinhos, como no tradicional Festiqueijo no município de Carlos Barbosa, na Serra Gaúcha, com queijos e vinhos à vontade, remetendo a uma lembrança minha em tal festa, com adolescentes absolutamente embriagados, jogados no chão – é degradante, na prova de que nem tudo é beleza, como numa urbe como São Paulo, reunindo o Primeiro e o Quarto Mundo. A janela aberta é tal arejamento, como numa pessoa de cabeça arejada e esclarecida, tendo a fria noção científica de que Homossexualidade não é doença, remetendo a eras mais ignorantes, num acordo implícito: Se é gay tem que ser padre; se é lésbica tem que ser freira. O cálice é tal momento de brinde, numa confraternização, numa mesa farta de ceia de Natal, com cada um da família levando um prato, num engajamento, com crianças esfuziantes, destroçando papéis de presente para ganhar tal regalo de Papai Noel. A moça está aprumada, com laços impecáveis, como uma coleguinha que tive no Ensino Fundamental, uma menina que ia muito bem nos estudos, impecavelmente aprumada pela mãe na hora de se preparar para a escola, mas uma menina que, no fundo, não se identificava com aquilo de menina dourada, numa menina que, mais tarde, na adolescência, queria se libertar e viver sexualmente. Numa bandeja, repousam frutas perecíveis, que são a finitude do corpo carnal, o qual fica para trás tal qual uma cobra troca de pele, no modo como, num centro espírita, temos que entrar com fé, pois, do contrário, o passe espírita não surtirá efeitos. Sob a jarra vemos um pano branco, que é a pureza, talvez na ingenuidade da moça aqui, talvez sem perceber que o rapaz quer embriagá-la, remetendo aos porres de adolescência, em atitudes infelizes como misturar bebida fermentada com bebida destilada, numa ressaca que faz o jovem jurar para si mesmo que nunca mais tomará tal porre, no caminho do crescimento e da aquisição de responsabilidade. Talvez aqui seja a primeira vez da vida da moça em que esta bebe, remetendo à Roma Antiga, na qual uma mulher não podia beber em público, na história extensão do Patriarcado, no qual mulher pode nada; homem pode tudo. É um horror de preconceito, enfurecendo as feministas. O quadro ao fundo é a dignidade e o caráter, valores deixando de lado no momento passageiro de festa e de drinques, como num happy hour – ninguém é de ferro!

 


Acima, Moça com pichel de água. A janela sendo aberta é um descobrimento, uma revelação, como nas devolutas terras americanas sendo exploradas pelos europeus, num senso de aventura, como na atual exposição de fotos da fotógrafa caxiense Silvana Moreira, com várias fotos de bichos africanos, num trabalho que deve ter sido uma verdadeira aventura, num trabalho de esforço e dedicação. A água é a Vida, como Tao: sem cor, sem gosto, sem odor. Se você compara Tao com um restaurante chic, claro que Tao parecerá menos interessante, só que Tao é melhor, pois é eterno, como comer um pinhão no inverno, sem qualquer adição de especiarias ou sal à semente do pinheiro de araucária, a árvore altiva que se ergue para o céu, na altivez da Revolução Farroupilha, com os farrapos sendo esmagados pelo poder imperial, numa tragédia que acabou fundando o orgulho gaúcho, no modo como um país tão vasto como o Brasil é feito de pequenos Brasis, no modo como o estado da Bahia, por exemplo, é um país à parte, em traços culturais próprios, como tomar de dois a três banhos por dia, ao contrário do padrão gaúcho, que é um banho diário somente. A moça aqui parece ser uma criada, uma empregada, talvez nas mãos de uma patroa complicada, que dificulta a vida da criada, como no filme Uma Secretária de Futuro, com a personagem Tess, ao fim da película, tratando com extremo respeito sua secretária pessoal, remetendo a pessoas grossas e deselegantes, como, por exemplo, não andar de elevador ao lado de um humilde porteiro – o que é isso, Jesus? A cintura da moça é delgada, numa moça bela, na prova de que beleza não tem classe social, nesta proximidade de Vermeer com a criadagem, num homem simples, como passar respeitosamente na Rua por pessoas humildes que aguardam seus ônibus. Vermeer gosta de toalhas e tapetes suntuosos, contemplando residências finas e ricas, em épocas em que só os ricos tinham acesso ao contrato de artistas retratistas, no choque que foi o advento da Fotografia, libertando a Arte da função retratista, remetendo a um certo artista plástico portoalegrense, o qual tira uma foto em estúdio da pessoa e a partir da foto faz uma pintura a óleo, num apelo tradicionalista e poético, fazendo retratos como eram feitos antigamente, como no antiglamour da tampa rosca de garrafas de vinho, sendo estas práticas, porém ainda derrotadas pela tradicional rolha de cortiça, embalando como era feito há séculos. A toalha aqui é o poder transformador da mão humana, no paciente trabalho de tecelão, tecendo tecidos com fios, no terapêutico trabalho de tricô, numa avó zelosa fazendo meias de lã para os netos não passarem frio no inverno, nos zelos maternais os quais nos fazem falta a partir do momento em que saímos de casa e vamos morar sozinhos, num processo de “desmame”, por assim dizer, como me disse minha falecida avó: “Aprendeste a morar sozinho!”, no Pequeno Príncipe em seu mundinho, numa casa na qual tudo é do jeito da pessoa que ali mora – é uma delícia. A moça está com um semblante absolutamente plácido e sereno, abraçando tranquilamente as tarefas do dia, na dádiva que é a pessoa encontrar paz nos seus dias na Terra, pois a Vida não é um inferno quando estamos sem paz? A paz não é maior do que a raiva? A moça aqui é pura como a água, como na carinha de santa da ex prostituta Bruna Surfistinha; como na cara de santa de Evita Perón, numa cara de lata de Leite Moça, numa mulher que obteve tanto poder e influência num mundo de homens, no qual a mulher é aprisionada a três termos machistas patriarcais: Bela, recatada e do lar, na mulher passiva, que vai direto das mãos do pai para as mãos do marido, enfurecendo feministas. O tecido sobre a cabeça é tal recato, como no hábito de monges e monjas, num caminho de retiro e disciplina, vivendo uma vida pacata, sossegada, deixando lá, do lado de fora, as “loucuras” do Mundo. Este quadro é uma das provas do talento de Vermeer, usando majestosamente a luz natural, a melhor luz que existe, nas cadeiras de dentista posicionadas em direção à luz natural que vem da janela.

 


Acima, Vista de Delft. O rio espelhado é a reflexão, numa pessoa refletindo sobre a vida, buscando um sentido na existência, em doenças terríveis como a Depressão, na qual a pessoa sequer vê sentido em tomar um banho ou conversar com alguém, numa doença psíquica que somatiza, deixando a pessoa fisicamente abatida, como se estivesse no meio de uma virose gripal. O rio aqui é tal importância, como no Lago Guaíba em Porto Alegre, conectando a capital ao Mundo por meio da água, no modo como Salvador e Rio de Janeiro, sendo litorâneas, tiveram tal sentido na construção de cidades importantes, sendo ironicamente superadas por São Paulo, a megalópole que não é à beiramar. O rio aqui é tal placidez, numa pessoa privilegiada, que está encontrando paz e sossego em seus dias na Terra, na recomendação taoista: Entenda a força e a garantia do Yang, mas seja mais pacato e Yin dentro de si mesmo, como na última cena da trilogia majestosa O Senhor dos Anéis, com Sam voltando para seu humilde e caloroso lar, no modo como tudo acaba sendo reduzido à “livelyhood”, ou seja, a uma vidinha pacata, produtiva, discreta e simples, num líder que sabe que não pode interferir no dia a dia pacato do cidadão, num caminho de respeito para com o súdito e cidadão, pois se não me oponho ao povo, por este não serei deposto, como na deposição de líderes que se afastaram de seu próprio povo, o qual percebe quando seu regente é insensível. O céu aqui é dúbio, podendo ser aberto; podendo ser fechado. As nuvens cinzas trazem tal alerta, na exposição humana às intempéries, como conviver com um patrão complicado, difícil de se conduzir, no modo como já tive um patrão extremamente complicado, o qual tinha crises homéricas de mau humor, uma pessoa um tanto frustrada, a qual acabou fechando as portas da empresa a qual tinha fundado uma década antes. As torres aqui são altivas e belas, imponentes, como na etérea Cidade das Crianças, na Argentina, o lugar que inspirou Walt Disney a construir o onírico parque da Disneylândia na Califórnia, num lugar no qual todos voltamos a ser crianças, com pais se divertindo com os filhos, como no deslumbrante complexo de parques temáticos na cidade de Orlando, nessa riqueza norteamericana, remetendo a países mais pobres como o Brasil, o qual tem uma pequena Orlando, que é a acolhedora cidade de Gramado, na qual se tornou muito bem sucedida uma loja que faz bichos de pelúcia customizados, uma cidade que, de certa forma, faz com que nos sintamos crianças, apesar de ser uma cidade de custos financeiros tão altos. O barco aqui é tal conexão, na revolução das naus descobridoras, as quais eram o último grito de tecnologia na época, numa época de paradigma monárquico, numa época em que não se conceberia a forma democrática de governo, no voto na urna a qual nos faz iguais, ignorando sexo, raça, cor, classe social etc. As pessoas aqui são pequeninas como formigas, no modo como uma pequena formiga pode mudar o curso das coisas, como na transgressão protestante, desafiando o todo poderoso Vaticano, resultando na Contrarreforma, em cruéis execuções de protestantes queimados vivos em fogueiras – é muita estupidez cruel, meus amigos. A cidade aqui é tal traço civilizatório, em avanços como nas cidades de civilizações pré colombianas, nos enigmas de construções nas quais há um encaixe perfeito entre as pedras na obra, instigando-nos até hoje: Como diabos isso foi feito? A orla aqui é tal sedutor vazio de Tao, no modo de uma pessoa em decorar uma casa – a sensualidade reside, exatamente, nos espaços vazios, na dignidade de utilidade, como num copo servindo como recipiente, ou como no enorme largo vazio na beiramar de Capão da Canoa, no espaço público para ser desfrutado pelo veranista. É como num centro de mesa vazio, receptivo a uma travessa de comida, num astro rei nutrindo um sistema solar, havendo Tao no centro de tudo, e Tao é este nada, pois a Eternidade sobre a qual podemos falar não é a verdadeira Eternidade. Aqui é a vitória da civilização sobre o caos.

 

Referências bibliográficas:

Johannes Vermeer. Disponível em: <www.en.wikipedia.org>. Acesso em: 21 jun. 2023.

Johannes Vermeer. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 21 jun. 2023.

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