O norueguês Edvard Munch
(1863 – 1944) foi um dos precursores do Expressionismo Alemão, sendo
influenciado por Manet. A partir de 1889, adquiriu várias bolsas de estudo. Em
1892, teve uma mostra cancelada em Parias, pois foi considerado um artista
muito chocante. No ano de 1930, os (sempre medíocres e repulsivos) nazistas
consideraram Munch um degenerado, cancelando as mostras dele na Alemanha. Apesar
disso, o triunfante Munch adquiriu respeito e notoriedade na Inglaterra (a
partir de 1936) e nos EUA (a partir de 1942). Sua obra mais célebre, O Grito, foi vendida por 119 milhões de
dólares a um colecionador. Uau. Os textos e análises semióticas a seguir são
inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, A Criança Doente. 1885 –1886. É um quadro melancólico, num Munch
catarseando um sentimento depressivo, numa época em que Depressão não tinha
diagnóstico nem medicação. A criança está acamada, talvez dando os últimos
suspiros, numa época em que tantas doenças não tinham como ser controladas,
como num processo de quimioterapia, nas vicissitudes da Dimensão Material, um
mundo em que a Saúde é tão frágil, tão suscetível a abalos orgânicos, como numa
Mary Tudor, que tinha crises homéricas de enxaqueca – como somos privilegiados
por vivermos num mundo e numa época em que há analgésicos! As cores deste
quadro são cinzentas e esmaecidas, sem muito cenário para alegria ou diversão.
É um quadro escuro, e a mão da criança é pálida, sem muita vida, abatida, como
numa Evita Perón, a qual foi adoecendo publicamente, até adquiri uma magreza
cadavérica, como nas pobres meninas obcecadas em perder peso, tornando-se o
total oposto da beleza, adquirindo aspecto patológico, muito por causa da
ditadura da magreza, num padrão de beleza semianoréxico. É um quarto fechado,
numa penumbra, sem que a força da luz do Sol possa entrar e iluminar, arejando
a Doença e trazendo a Saúde. Na extrema direita inferior, vemos um copo com um
líquido avermelhado, como vinho, mas o que será? Será algum remédio ou poção de
curandeiro? Talvez seja um remédio, um remédio amargo, como uma água, a qual,
apesar de gelada, é limpa e pode curar, pode purificar, no modo como as
vicissitudes surgem para que a pessoa as supere, fazendo com que a pessoa se
torne mais forte, mais corajosa, e veja mais brilho e alegria na Vida, nos
simples aspectos da Vida, como olhar para um Céu de Brigadeiro e encher os
próprios pulmões de ar – as melhores coisas da Vida são de graça. As cobertas
aqui são pesadas, tentando aplacar a dor febril, nos terríveis calafrios de febre.
Conheço uma pessoa que tem pavor de doenças, e esta pessoa não sabe como lidar
com pessoas que estão doentes, acamadas. Realmente, é triste ver uma pessoa
doente, como numa pessoa que adquiriu Dengue, ficando acamada por duas semanas
inteiras. As doenças são interrupções, um marco divisório, e o importante é que
a pessoa tenha a força em nome da Superação, trazendo uma reviravolta
existencial e dando a volta por cima, como no slogan da primeira propaganda
política de Martha Suplicy – São Paulo
vai dar a volta por cima. E o Povo
se une em torno da figura do rei, que é um médico, uma pessoa que traz saúde ao
reino, no modo como Tao é o grande médico, a força que traz o arejamento de
saúde a todo um povo, fazendo com que este tenha a própria fé sendo conquistada
por tal figura saudável, uma figura benéfica, que almeja apenas o Bem, e, como
somos acostumados desde criança ao ver desenhos animados de super-heróis, o Bem
sempre vence, ao contrário de um professor sociopata que tive, o qual disse que
o Mal é muito mais interessante do que o Bem... É fácil de se observar a
Sociopatia, esses vampiros que existem entre nós. No quadro, a mulher ao lado,
provavelmente a mãe da criança enferma, chora cabisbaixa, pois não suporta ver
a filha sofrendo. É um momento de fundo de poço, a partir do qual a pessoa tem
que fazer um esforço titânico para se reerguer. A mulher parece estar rezando,
e rezar (com coração sincero) é o que o indivíduo deve fazer quando está no
Umbral. Se houver prece honesta, o auxílio surgirá.
Acima, Ansiedade. 1894. O plano de fundo aqui é semelhante ao de O Grito. A ponte é a travessia
existencial, a jornada de uma vida, contornando as forças da correnteza do rio
abaixo, retornando triunfante ao Lar. A ansiedade é a angústia, um sentimento
incômodo e doloroso, nas inevitáveis dores existenciais, aquelas que arrastamos
para o túmulo, as dores que nos ensinam a viver, a conviver com a dor, e
devemos aprender a não sofrer pelas dores, bem pelo contrário – temos que achar
graça nelas. Aqui, uma mulher lidera este pequeno comitê, e ela é sucedida por
vários cavalheiros, algo muito inusitado na sociedade patriarcal, na qual o
homem é quem deve ter o protagonismo. Os rostos estão sérios e tensos, como se
soubessem que a ponte vai ceder a qualquer segundo, num sentimento de incerteza
e insegurança, um sentimento bem humano, numa pessoa humilde, que sabe que não
é um deus perfeito, e não é arrogante e fraco aquele que se acha um deus? No
pano de fundo, céu e água se mesclam, numa mistura orgânica, como numa panela,
com os ingredientes sendo misturados gradualmente, até no chegar no ponto de clímax,
em que a comida está pronta. Esses movimentos de mescla são os constantes
processos de transformação da Vida, e cada um de nós está em constante processo
de crescimento, fazendo da Eternidade a maior e melhor escola, numa perspectiva
infinita, na qual jamais chegará um fim, e esse é o poder imenso de Tao, o
eterno. Existe algo mais poderoso do que a Eternidade? Ao fundo, vemos humildes
barquinhos flutuando, num papel coadjuvante, sem a ambição de tomar conta do
quadro inteiro. São os persistentes pescadores, tirando da água seu sustento. É
Munch, desbravando seus próprios caminhos, sendo consideravelmente
malcompreendido, triunfando ao final, estabelecendo-se como mestre em sua Arte. É uma espécie
de vingança, como um ator subestimando, que acabou levando um Oscar. E não subestimados
aqueles que nos surpreendem? E Tao é isso, sempre discreto, sempre subestimado,
sempre onipotente, com eterna paciência para com seus filhos imaturos. Aqui, ar
e água fazem uma dança tortuosa, e o quadro é consideravelmente sombrio,
fechado e escuro, imprevisível, nos mistérios da Vida, com surpresas que nos
pegam a cada esquina, exatamente no momento em que acreditamos que nada mais
temos a aprender. Os rostos aqui são apáticos e cadavéricos, sem muito viço nem
cor, como numa pessoa de pele bege, tomando um susto monumental, assim como
tantos um dia consideravam Munch um monstro assustador, havendo no choque um
recurso artístico para chamar a atenção sobre a Arte, pois esta não é só uma
pueril intenção de beleza, mas também uma ferramenta de transformação social,
havendo no artista um poderoso agente de tal transformação; havendo no artista
um verdadeiro feiticeiro transformador. As linhas tortuosas aqui são como
mármore líquido, num trabalho de fluidez orgânica que leva bilhões de anos para
se concluir, no fato de que tudo na Dimensão Material está fadado à
liquiscência, havendo só no Pensamento a garantia de permanência e eternidade,
pois a Dimensão Metafísica é feita de ideias, não de matéria, não de joias – a
Eternidade é a maior joia de todas. Este quadro mostra uma sociedade incerta,
um tanto medrosa, com medo das transformações, das inovações artísticas, na
estranheza que causou a Semana de Arte Moderna no Brasil, na estranheza que
causou o Impressionismo, no modo como Harold Bloom diz – o grande ícone causa,
de início, uma grande estranheza. E temos um Munch que passou por duas guerras
mundiais, havendo nos conflitos um momento de crise global, num Ser Humano
incapaz de optar pelos polidos meios diplomáticos para amenizar as inevitáveis
diferenças. Então, Munch rechaça os nazistas que o rechaçaram, havendo na Arte
o Renascimento da Fênix. Este por do Sol ardente traz uma esperança, a de um
dia mais claro e pacífico, talvez num dia em que a Humanidade possa entender a superioridade do Metafísico. As
pessoas neste quadro usam adornos sobre as cabeças – os adornos são a proteção,
no modo como a Arte protege o Mundo, poupando este da Mediocridade.
Acima, Madona. 1894 –1895. A posição dos braços da modelo forma um sinal
de ciclo, nos ciclos da Natureza, como Yin e Yang abraçando um ao outro, no
modo como a Vida de uma pessoa é repleta de ciclos, de fases, com um
surgimento, um crescimento, um ápice, uma decadência e um fim, tal qual me
explicou uma professora de Marketing, a qual disse que os produtos têm um certo
ciclo de vida. É claro que Munch foi um artista polêmico, dando o nome “Madona”
a uma mulher nua, a uma mulher pouco santa, mas uma mulher livre, com seios à
mostra. Sobre sua cabeça há um adorno, talvez um chapéu, e é da cor rubra, da
cor do pecado, da tentação, da cor da maçã do Éden. Esta pose cíclica é como um
redemoinho, um furacão avançando sobre uma cidade, como água indo ralo abaixo,
como uma galáxia girando, na brincadeira infantil de roda, na qual todos são
agentes sociais, e cada um tem um papel importante na rede de relacionamentos.
A Madona está de olhos fechados, como se estivesse dormindo, entregue aos
misteriosos códigos oníricos, com sonhos tão estranhos, tão sem nexo. Ela está
dormente, inconsciente, entregue ao sono, deitada em uma cama muito
reconfortante, no prazer da preguiça, na violação de um pecado, numa mulher
querendo se desligar um pouco da impiedosa disciplina do Mundo lá fora. Com as
mãos ocultadas atrás das costas, esta mulher parece estar ocultando algo, numa
surpresa, nos mistérios da Vida, com esquinas imprevisíveis. Não é um quadro
esclarecedor, mas obscuro, ao contrário da imagem idealizada de Nossa Senhora,
a qual é uma mulher iluminada, absolutamente desprovida de mistérios, como um
ser iluminado pelas luzes científicas, numa Ciência empenhada em desvendar os
segredos do Universo, numa constante sede por conhecimento, por esclarecimento.
Aqui, Munch tenta desvendar tais segredos, mas falha, acabando sendo engolido
por tais dúvidas. Esta Madona é como uma voluptuosa sereia, e seus cabelos são
como algas marinhas, no cheiro de mar, de oceano, no hálito da Natureza, no
modo como a Vida na Terra surgiu da água, o líquido da Vida, num Ser Humano
sedento em descobrir se há Vida nos outros planetas do nosso sistema solar. É
uma sereia, com seus cabelos sedutores, com o agradável cheiro de peixe
fresquinho, como numa feira de peixe vivo na Páscoa, na continuidade etimológica
entre os termos mar, mãe e Maria, no fascínio de Iemanjá, a Dona dos Mares,
sempre presenteando seus filhos com redes cheias de peixes, na cornucópia
divina, como num reino pacífico e próspero, com um regente sábio, que sabe que
fora da Paz não há sossego... É o sábio taoista, um líder excessivamente
polido, que sabe que os meios diplomáticos são os mais confiáveis. Esta Madona
se impõe, no termo “colocar o pau na mesa”, como na Viúva Porcina de Betty
Faria, na versão censurada da novela Roque
Santeiro, uma Porcina imponente, que assustou os censores, numa época em
que os brasileiros descontentes tinham que se exilar. Os cabelos dessa Madona
são desordenados, descabelados, como se ela estivesse recém acordando de uma
noite de sono tranquilo. Parece que ela está se espreguiçando na cama, com as
energias renovadas, pronta para uma nova jornada, como num Munch pronto para
produzir e chocar, no termo “colocar os dedos na tomada”, na capacidade que
certos artistas têm em chocar as percepções do espectador. Só podemos ver meio
corpo aqui, e a genitália da modelo está oculta. Seu quadril é generoso e
sedutor, como num quadril de supermodelo, requebrando nas passarelas do Mundo,
encantando as pessoas e construindo mitos, como o de Gisele, numa modelo que
entra na passarela para ser a melhor, numa modelo com agressividade neste
sentido, não se contentando em ser apenas mais uma. A posição dos braços desta
Madona remete ao símbolo da Reciclagem, no modo como, na Natureza, tudo tem uma
razão para existir, numa cadeia inclusiva, assim como a Sociedade tenta ser
mais inclusiva, num artista querendo descobrir seu papel no Mundo.
Acima, Melancolia. 1892. O homem está prostrado, decepcionado com a Vida,
deparando-se com o fato de que sua Vida se tornou uma fábrica de frustrações,
talvez num Munch catarseando um sentimento prostrante, como na canção
jazzística Boulevard of Broken Dreams,
ou seja, Rua dos Sonhos Despedaçados,
na pessoa sonhadora que ri hoje e chora amanhã, numa alegria efêmera, que logo
cessa e se esgota. Ele está pensativo como O
Pensador de Rodin, imaginando se algum dia terá alguma realização, algum
sucesso, num Munch muito censurado e incompreendido, pois é difícil imaginar
frustração maior do que ter uma de suas obras censuradas, surradas pela crítica
tradicional, no modo como a Arte vai se movendo como um tsunami, invadindo
terras e lavando percepções, pois a Arte vem da Inteligência Emocional, num
artista que tem o instinto de chocar e desbravar caminhos nunca antes
trilhados, como um colono italiano, desbravando as terras gaúchas. É claro que
o semblante do homem aqui é triste, numa pessoa que se depara com a completa
devastação existencial, como um lugar destruído por uma bomba atômica, como
numa vida devastada pelas drogas, como cocaína, numa vida destruída, num
terreno inóspito e infértil, como uma horta na qual nada prospera, como numa
pessoa vagando intermitentemente por uma cidade deserta, hostil,
desconfortável, num implacável sentimento de solidão e despertencimento, como o
que leva uma pessoa ao suicídio. Aqui, vemos uma orla escura e triste, e não um
dia de indubitável Sol dourado. Podemos ouvir o solitário barulho das ondas
requebrando, como numa praia fora do período de Verão, num terreno deprimente,
vazio. Aqui, as águas são cinzentas e turvas, muito longe de águas
transparentes e translúcidas, e o Céu também, aqui, traz incerteza, sem espaço
para cores alegres e carnavalescas. Vemos um barquinho solitário e vazio, sem
pescador nem peixes, num momento de empobrecimento existencial, em que a pessoa
nada vê na própria Vida. Vemos uma plataforma com algumas pessoas pequeninas,
pequenas demais para fazer com que o homem se sinta acompanhado ou cercado por
amigos, na saudade que bate ao nos lembrarmos dos momentos de riso e diversão
com velhos amigos, no sentimento de saudade. Talvez este homem esteja com
saudades de outros momentos de sua Vida, momentos em que ele tinha a vida nos
trilhos, objetivada, no sentimento de interrupção de ciclo que acomete aquele
que, por exemplo, abandona um curso universitário, não terminando algo que
começou, no sentimento de realização que cobre uma pessoa que se forma na
faculdade, pegando o diploma e encerrando uma fase de sua vida, no sentimento
de missão cumprida. Esta praia é praticamente deserta e inóspita, como numa
terra tóxica, na qual nada nasce. O homem está totalmente vestido de preto,
talvez num momento de luto, de reclusão, como uma pessoa que passa anos de sua
vida reclusa, mal querendo se relacionar com o Mundo lá fora, recusando
convites de amigos para sair e se divertir, numa pessoa que não mais encontra
prazer em coisas que antes lhe eram prazerosas. É um Munch catarseando um
sentimento de solidão, sentindo-se tão sozinho e tão sem amigos nos momentos em
que foi censurado, não observando algum amigo para lhe defender do cortes da
censura. O preto é a cor dos confins do Universo, com galáxias tão distantes
que suas luzes sequer chegaram às nossas retinas aqui na Terra. O cabelo do
homem também é preto como a asa da graúna, como um urubu agourento, sondando
uma presa. O preto é a cor da discrição respeitosa, e ao fundo vemos formas
enegrecidas, num fim de tarde melancólico, com as sombras avançando sobre uma
alma, trazendo a cor escura da crise, do momento específico em que a pessoa
simplesmente não sabe o que fazer, mas me disse uma psicóloga: “As crises são
positivas”. Então, eis que a noite é sucedida por um amanhecer, e as dúvidas se
dissipam na Terra da Estrela da Manhã. E um anjo perfumado nos guia por tais
terras douradas. Ao lado do homem há formas incertas e estranhas, numa pessoa
que está com uma espécie de miopia mental.
Acima, O Grito. 1893. Tudo aqui parece estar derretendo, na inevitável
danação da Matéria, e o grito de desespero deve ser por causa de tal
condenação, num ato de desespero, de desesperança. O grito é de alguém
abandonado e desesperançoso, pedindo por socorro, por um auxílio para sair de
tal situação. Rio, Mar e Céu se mesclam num continuum, no modo como a Vida na
Terra foi engenhosamente pensada para compor um quadro geral, no qual o todo é
formado por partes, como numa peça teatral, na qual cada personagem tem um
papel e uma influência. O Mar ao fundo reflete o por do Sol, e o grito deve ser
porque a escuridão vem chegando, e pouca esperança resta àquele que quer ter algum
consolo na luz e no esclarecimento. O único elemento retilíneo no quadro é a
ponte, que é a travessia existencial, a jornada de uma vida, de uma encarnação,
no modo como Ser Humano não tem a certeza científica de que a Mente sobrevive à
morte do Corpo. Talvez o grito seja de perplexidade frente ao Infinito, ao que
jamais cessará, numa pessoa que se dá conta da infinidade, havendo na
Eternidade o único caminho de lógica. A danação da Matéria é uma grande ilusão,
e a morte e a putrefação do corpo é outra ilusão, como se Tao estivesse
testando nossa fé, pois tudo se resume a Fé, ao acreditarmos em algo que a
Ciência é totalmente incapaz de provar, fazendo do pensamento humano algo
limitado e pequeno demais, no modo como o Ser Humano, ao tentar imitar Tao,
falha redondamente – é como uma planta artificial querer ser uma planta de
verdade. É claro que aqui podemos ouvir o grito em si. É como a famosa imagem
de Macauly Culkin em Esqueceram de Mim,
no menininho em desespero, sabendo que cabe só a ele a defesa do lar, num
pesado senso de responsabilidade, no modo como ser adulto é assumir as
responsabilidades, como um alcoólatra, que percebe que tem que controlar a
dependência química, como uma pessoa que conheço, uma pessoa de muita força de
vontade, que é alcoólatra e está há décadas sem colocar uma gota de álcool na
boca. A travessia desta ponte é um grande desafio, no grande desafio que é
viver e se tornar adulto, tornar-se uma pessoa boa e honesta, que tenha
virtude, que tenha classe, que tenha Tao. Ao fundo na ponte, vemos dois
senhores de chapéu, pessoas alheias ao desespero da pessoa berrando, como se
soubessem que o desespero em nada ajuda, mantendo-se calmos. O grito é um
manifesto de solidão, na incerteza do que nos espera após o Desencarne. O grito
é o imprevisível, a incapacidade de vislumbrar alguma perspectiva, alguma
possibilidade, como num momento de crise, em que a pessoa grita por não saber
que ações tomar. É um momento de indefinição, de perda de rumo, como uma pessoa
que abandonou algo no meio do caminho. O grito se depara com uma sensação
desoladora de vazio, e tudo no quadro derrete como um fondue de queijo, em que
os elementos perdem sua definição e assumem uma identidade geral, coletiva. É
como o mortífero calor de uma bomba atômica, num Munch que morreu pouco antes
da tragédia de Hiroshima. É um dia de intenso e implacável calor desolador, e
certamente não é um momento de lazer ou distração de entretenimento. Não é uma
comédia hilária, mas um drama avassalador. Enquanto o grito é paralisante e
inibidor, os homens ao fundo atravessam calmamente a ponte, dando um exemplo de
calma e serenidade. O rio abaixo da ponte ameaça se levantar e engolir a pessoa
gritante, num momento de colapso, em que a pessoa, de um momento para o outro,
encara um quadro de instabilidade e devastação, dizendo para si mesma: “Calma.
Você vai se reerguer. Você vai dar a volta por cima”. E não é a Vida a arte de
cair e levantar, sacudindo a poeira e tocando para frente? Os barquinhos bem ao
fundo flutuam calmamente, alheios ao grito de desolação. O grito está perplexo
com as loucuras brutais do Mundo, um lugar tão injusto e duro, tão hostil a
artistas que querem, de alguma forma, fazer sucesso. É um momento de choque e
pânico, num Mundo chocado com as ousadias de Munch.
Acima, uma charge que vi na
Internet. É uma tira ecológica, pois o cortador de árvores é confrontado com a
imagem de O Grito, uma face assustada
com o que a Humanidade faz ao Meioambiente. Lembro-me também de uma cena no
seriado The Nanny, quando a babá toma
um susto com a bagunça das crianças, e quando a babá leva as mãos ao rosto tal
e qual na pintura de Munch, ao lado da atriz há um pequeno totem inflado da
pintura, vendido como souvenir em uma loja de presentes de algum museu. O
grande artista é assim – deixa-nos perplexos.
Referências bibliográficas:
Edvard Munch. Disponível em <www.culturagenial.com/obras-edvard-munch>.
Acesso 17 mai. 2019.
Edvard Munch. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>.
Acesso 17 mai. 2019.
Edvard Munch. Disponível em <www.todamateria.com.br>.
Acesso 17 mai. 2019.
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