quarta-feira, 25 de março de 2020

Bravo, Baravelli!



O paulistano Luiz Paulo Baravelli, nascido em 1942, chegou a estudar Arquitetura e foi cronista do jornal Folha de São Luiz Paulo, digo, de São Paulo. Apreciador da Pop Art, LPB foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte, tendo exposto na Bienal de Veneza e até em Tóquio. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Banhista. A sensação libertadora de se estar na beiramar. Aqui, temos um enfoque de perspectiva, pois o artista vê de baixo a figura humana. É uma figura bela e atlética, no masculino da Garota de Ipanema, uma menina que conquistou o poeta por ser uma menina fina e discreta. No Céu aqui, tudo limpo, com algumas inofensivas nuvens, no modo como, encarnados, jamais podemos “baixar a guarda” completamente, como, por exemplo, andar na rua nunca achando que absolutamente nada acontecerá, como ouvi recentemente: “Como é que se chama quando tudo está perfeito? Ilusão”. O quadro me remete a um episódio da animação A Pantera Cor de Rosa, quando a pantera está na beira da praia, e no desenho há um homem extremamente atlético, no termo “Tarzan de praia”, numa pessoa para a qual o excelente condicionamento físico é absolutamente capital, numa personalidade atlética. Aqui, a cabeça do homem está diminuída, ínfima, talvez numa castração intelectual, talvez com algo vazio e obtuso. É como numa certa tribo primitiva, que decepada vítimas e fazia com que a cabeça fosse diminuída por alguma técnica. Aqui, o homem parece não saber exatamente o que fazer, talvez numa pessoa perdida e deprimida, sem Norte, inerte em sua dificuldade de agir, de fazer algo da Vida. É como um certo ator, cujo nome não mencionarei, num homem que é um Apolo de atlético, mas uma pessoa medíocre, sem talento ou inteligência – por fora um deus; por dentro uma nulidade. Aqui, é a vida de uma pessoa girando em torno de uma academia, como nos infelizes rapazes cujas vidas é malhar durante a semana e puxar briga em estádios no fim de semana. A Mente tem que estar acima do Corpo. Este homem de Baravelli está cabisbaixo e deprimido, contrastando com a alegria de um dia de praia glorioso, com Sol e um delicioso Mar. O homem está absolutamente pálido, sem tomar uma gota de Sol, como se fosse um pálido londrino, num país em que dias de Sol são raros e concorridos, fazendo com que tais povos, em regiões de pouco calor, tenham a vontade de visitar lugares quentes como o Rio, e, na contramão, cariocas vão a Gramado exatamente para passar frio! É a questão da eterna insatisfação humana: se está liso, quer encrespar; se está crespo, quer alisar. E, como diz Tao, se não estou o tempo todo querendo coisas, posso ter Paz. Aqui, a areia está parte imaculada, parte maculada, como nos sentimentos de uma pessoa, sofrendo por brigar com um ente querido, mas, mesmo assim, preservando uma parte intocada, numa reserva, num retiro, na importância da pessoa ter momentos de solidão, ao contrário de um casal estressado, que convive tanto no Lar quanto no ambiente de Trabalho. Vemos ao fundo dois guardassóis solitários, desocupados. É a reserva, numa pessoa se protegendo dos impiedosos raios de um Sol de verão, no modo como é uma virtude a pessoa desenvolver tal resguardo, protegendo-se, mortificando-se emocionalmente para, assim, ver o Mundo sem ter expectativas, pois quanto mais espero tolamente, mais me frustro. Podemos ouvir aqui o doce som da orla, como adormecer na praia ao som do Mar, com os sonhos embalados pelos doces braços de Iemanjá, a Rainha para a qual todos voltaremos um dia, um belo dia, pois se, quando nasço, eles riem e eu choro, quando parto, eu rio e eles choram! A sedução da orla está neste vazio, pois Tao é isso, é o vazio, é a página branca na qual desenhamos. É a dignidade do espaço vazio, servindo ao Mundo, como num calçadão em um balneário, abrigando crianças com suas bicicletinhas e pessoas saudáveis caminhando e correndo. É como num centro de mesa, o qual tem que estar vazio, para abrigar comida, vida, alegria, como Tao, o provedor, o tal vazio que é circundado por tudo e todos.


Acima, Dentro. A mulher nua repousa tranquilamente, de costas para Baravelli e para o espectador. Ela parece ser uma escultura, como na escultura em frente ao STF em Brasília, numa Justiça a qual, cega, julga a todos igualmente. Esta musa de LPB é cinzenta, como num dia encoberto, cheio de incertezas encarnatórias, num mundo em que, apesar de termos Fé, nunca temos a absoluta certeza de que somos especiais, uma incerteza que se dissolve na Dimensão Metafísica, onde o cinzento dá lugar a iluminados dias de Sol, com raios que, apesar de poderosos, não ofuscam nossas vistas, pois, em tal nível, não estamos mais conectados a nossos respectivos corpos carnais, os quais são sensíveis ao Calor, ao Frio, ao Sol, à Dor etc. A mulher aqui está com um elegante e disciplinado coque, como Evita, com os cabelos contidos, domesticados, como num cachorro treinado, no modo como é capital o desenvolvimento de Disciplina, em contramão a uma vida desregrada; uma vida sem rumo, Norte ou sentido. Ao lado da mulher vemos uma convidativa piscina azul, num dia de diversões na água. Mas a mulher parece não se importar com a piscina, algo que me remete a uma coleguinha que tive no Ensino Fundamental, uma colega que, em minha festinha de aniversário, caiu propositadamente na minha piscina, ou seja, foi uma loucura de festa para ela, como numa pessoa que sabe aproveitar o dia, aproveitar a Vida e aproveitar as oportunidades. Há aqui uma continuidade cromática, pois o chão também é cinzento, na triste Quarta-Feira de Cinzas, nas reminiscências de uma lareira, com o calor do fogo extinto, num fogo voraz, que devorou a lenha toda, como numa pessoa ambiciosa, que tem sonhos e sonhos, como, por exemplo, merecer o respeito e a apreciação por parte de outrem, por parte da Sociedade como um todo, no grande desafio que é a imposição de Respeito. O Sol banha as costas desta modelo, e é um momento de prazer, na libertadora nudez, no termo “lagartear”, encontrando prazer em atividades simples, como estirar-se ao Sol, no modo como o melhor da Vida é de graça. Esta mulher parece ser feita de uma cerâmica cinzenta, com um artista que imita o esmero de Tao, o grande artesão, um ser produtivo, o qual está sempre trabalhando, no fato de que é só o labor o que dá satisfação a alguém, pois como são desafortunados os que não produzem! De pernas cruzadas, como em posição de índio sentado, as costas da mulher estão relaxadas, e ela não está num momento de tensão ou alarde, como numa pessoa que se mantém tranquila em meio aos histéricos alardes do infame Corona vírus. Neste quadro, há uma boa porção negra, imprevisível, no fato de que ninguém sabe exatamente cada coisa que acontecerá em sua vida, pois, se soubesse, tais coisas não aconteceriam então, pois nem sempre é permitido à pessoa prever com precisão o Futuro. São os desígnios de Tao, o Pai que quer o melhor do melhor para seus filhos, num ato de Amor Eterno, pois se não é eterno, não é Amor, não é Liberdade, não é Prazer. É como no tradicional quadro negro nas escolas de antigamente, num professor empenhado em mostrar com extrema clareza aos alunos, no paciente e persistente trabalho de se lecionar, num trabalho no qual um aluno aplicado dá sentido à vida de um professor, no prazer de ser ver o aluno aprender algo de fato, e não num aluno que simplesmente decora a matéria para, depois, esquecer-se de tudo, como numa exigente professora de Filosofia que tive, a qual exigia provas de que o aluno entendera a matéria; entendera o filósofo estudado. Aqui, temos este túnel negro, sem qualquer luz ali dentro, longe do acalentador termo “uma luz no fim do túnel”, ou seja, longe de alguma esperança, talvez num Baravelli catarseando um sentimento de imprevisibilidade; um sentimento de falta de garantias, pois não há garantias científicas da Vida após o Desencarne... São as limitações da Ciência, num esforço mental que muito ainda tem a galgar. A mulher observa tal perspectiva, calmamente ponderando se entrará ou não em tal desafio, como num espírito desencarnado que está prestes a aceitar uma nova “aventura” na Terra, ou seja, um novo aprendizado, no caminho da depuração moral.


Acima, No Museu (nº1). Vemos um pedaço de coluna quebrada, caída a chão, como se fosse um remoto vestígio de alguma civilização perdida, como no Egito Antigo, sendo perdida toda a linhagem dos faraós, pois o Tempo passa, as pessoas morrem e os fatos se perdem. É como se um terremoto tivesse acometido este museu de Baravelli. O teto é a céu aberto, azul anil, com estrelas dispostas ordenadamente, longe do caos cósmico, com galáxias jogadas na imensidão como conchinhas à beiramar. É como um vestido de Elizabeth I, com pérolas bordadas, na missão de um líder em dar tranquilidade ao próprio povo, na noção de ordenar o caótico, como num presidente acalmando os temores do povo em relação a alguma pandemia ou epidemia. Na porção esquerda superior, uma fração de um templo egípcio, no modo como a Arquitetura pode ser um aliado que ajuda algum governo a se impor, com templos grandiosos, que tentam imitar a maravilhosa grandiosidade dos lugares metafísicos, lugares estes que cumprem incondicionalmente os sonhos de um arquiteto de mão cheia, talentoso. É no termo “casa grande”, que significa “faraó”, fazendo metáfora com as mansões da Vida Eterna, num Tao empenhado em acolher seus próprios filhos da melhor forma possível, tendo que haver, na Terra, um contentamento, numa pessoa conformada em morar, provisoriamente, em um apartamento regular de dois quartos, quiçá um quarto, numa frase ensinada pelo meu pai: “A maior riqueza é se contentar com pouco”, pois se estou o tempo todo querendo e ambicionando, como posso ter Paz? Na porção inferior do quadro, um princípio de escadaria, com mágicas escadas, fazendo com que plainemos por seus degraus, na deliciosa sensação de leveza e liberdade, como no orgasmo de uma supernova explodindo, como num artista estourando pela TV ou Rádio, na ambição de qualquer pessoa em brilhar como um diamante, uma lição ensinada por Tao, a grande estrela. Esta escadaria também tem aspectos de arquitetura clássica grega, no modo como a Grécia se tornou tal pilar do Mundo Ocidental, dando-nos Democracia, Ciência e Filosofia, por exemplo. Esta escadaria projeta uma sombra no chão, como no asilo de um guardassol em um dia tórrido de Verão, no modo como posso ser inocentemente ofuscado por outra pessoa, ensinando-me uma lição importante, uma lição que nenhum livro pode ensinar... Quase ao centro do quadro, parece haver uma tábua de vidro, na qual está desenhada um par de coxas e um bumbum, como numa deliciosa coxa de frango, talvez harmonizada com um bom vinho branco. É um respeitável corpo atlético, no modo como os espíritos desencarnados têm a graça e a força de corpos muito atléticos, havendo no atleta, aqui na Terra, uma noção estética das intenções de Tao quando este criou o Ser Humano. Não podemos ver aqui se é um corpo masculino ou feminino, como anjos sem sexo, e parece um atleta pronto para dar um elegante e disciplinado salto, no modo como é capital o desenvolvimento de Disciplina, como numa professora de balé que conheci, uma pessoa extremamente séria, exigente e disciplinada, como diz Marília Pêra na ótima peça teatral Master Class, interpretando uma altiva Maria Callas: “Se vocês acham que vão obter sucesso sem se dedicar ao má-x-imo, há! É só isso que tenho a dizer: Há!”, numa metalinguagem, pois é esmagadora estrela falando de esmagadora estrela. O chão deste museu a céu aberto é de um verde desmaiado, discreto, longe de um vibrante verde de um campo de futebol. É como se alguém estivesse fraco, desmaiando, no que me remete a um desmaio que tive certa vez num restaurante, desmaio causado porque fiquei muito tempo virado com a cabeça para trás, pressionando um nervo do pescoço! E, por fim, vemos no fundo um quadro com motivos de artesanato indígena, num bordado com formas geométricas, na claustrofobia de O Iluminado, na fragilidade da mente humana em situações de confinamento, como no estresse inevitável de participantes de um Big Brother.


Acima, O Círculo RBK. Temos aqui um nu feminino, só que pós moderno, inusitado. A cabeça é um recorte oval, na magia de um colorido ovo de Páscoa, com seu doce perfume sedutor, num dia de gula e alegria, no modo como é necessário que sempre guardemos dentro de nós mesmos uma porção de tal infância, evitando nos tornar empedernidos demais. Vemos um grande círculo bege abrigando uma pose não ultrajante nem agressiva, como numa pose da revista Playboy brasileira, com um nu de bom gosto, visando o erótico sem o vulgar, ao contrário de outras revistas, as quais tratam o nu de forma estritamente sexual, maliciosa – é uma honra para uma mulher posar para a Playboy brasileira, como numa sessão de autógrafos que fui em Porto Alegre na edição da atriz negra Isabel Fillardis, no modo como seria tsunamicamente bombástica uma Playboy com Maysa. Esta mulher estranha de Baravelli parece estar com os braços atrás da cabeça, como em panfletos de bordéis distribuídos aos transeuntes no centro de Caxias do Sul, na diferença cultural entre Brasil e EUA, onde prostituição é crime, num cidadão que não tem autonomia sobre o próprio corpo – logo nos EUA, que se dizem o paladino baluarte da Liberdade. Aqui, vemos uma vulva tímida, um tanto encoberta, como numa Lua minguante ou crescente, num nu instigante, que nunca se revela por completo, evitando o óbvio, na brincadeira do Erotismo: parece que é o Sexo, a genitália, quando, na verdade, não é! Esta estranha mulher de Baravelli parece usar um tomaraquecaia, escondendo os seios, na beleza de uma mulher com os ombros expostos, como numa provocante Evita almoçando com o Papa, na atriz exibindo um dos ombros, como numa Sharon Stone em uma edição da entrega do Globo de Ouro, com uma das alças do vestido caída, numa provocação tão inocente, como no polêmico livro Sex de Madonna, um livro que, apesar de ter causado tanto frisson, é um livro de nu artístico de extremo bom gosto, sem nus agressivos ou óbvios. Nesta figura, há uma certa porção negra, escura, como num túnel negro, como na horrenda e sombria toca de Laracna de Tolkien, num útero maldito, malfalado, amaldiçoado, longe do iluminado e imaculado útero de Galadriel do mesmo autor, numa escuridão sendo iluminada pelo uso da Razão, do Raciocínio, da Inteligência, pois, já ouvi dizer, tudo o que Joãozinho deve mostrar é a própria inteligência de Joãozinho, na bipolaridade de Disney entre Bem e Mal, dando noções morais para uma criança, no discernimento entre mundano e virtuoso, a lição que o livro de Tao tenta ensinar. As pernas desta modelo são douradas, como no corpo da Garota de Ipanema, havendo no ouro a metáfora com o grande astro rei que rege o sistema solar, a grande e verdadeira pérola sem a qual a Vida não seria possível. Este vestido tem uma faixa verde no busto, num fértil reino regido por um rei que respeita o cidadão, como se fosse um médico, zelando pela saúde e pelo bem estar do povo, curando doenças e conquistando o respeito do povo, pois um líder desrespeitado não pode governar, pois é uma piada; não é levado a sério. Abaixo desta faixa de fértil campo, vemos a cor da sedução e da luxúria, num vermelho, no encanto sensual de uma mulher que veste vermelho, numa maravilhosa Kelly LeBrock em uma comédia dos anos 80, parafraseando Marylin Monroe na cena de um vento levantando a saia da estrela, no talento que certas pessoas têm em flertar com o Público, fazendo da Arte uma inocente e formidável provocação, afetando a atingindo as pessoas, no dever que a Arte tem em mexer com as pessoas, gozando de Liberdade, longe de sistemas ditatoriais, que fazem com que o artista seja uma simples e mera ferramenta de ideologia nacional. Este círculo bege é como uma Lua, perfeitamente redonda, como numa Julia Roberts no pôster do filem Um Lugar Chamado Notting Hill, com a estrela iluminando com a suave luz do luar, na pérola barroca que tem suas próprias regras, ignorando a ordem linear da sucessão de dias e noites, num Sol sisudo, compartimentado, com diz Chico Buarque, na mulher atrapalhando e seduzindo home que está saindo para trabalhar.


Acima, Paisagem com Dois Personagens Poderosos. Aqui, temos um emaranhado de linhas retas e tortuosas, numa suruba.  Vemos uma mesa farta, digna de rei, na fartura de uma galeteria, assustando o turista, que não está acostumado com tal opulência gastronômica. É a mesa farta com a qual o imigrante italiano da Serra Gaúcha sonhava, no duro início da vida do imigrante no Rio Grande do Sul. Vemos um volumoso peixe em uma travessa ricamente guarnecida, remetendo ao milagre de Jesus da multiplicação dos peixes, numa interferência sobrenatural, no poder da dimensão acima da nossa aqui na Terra, no modo como, em hierarquia, tudo na Dimensão Física gira em torno da Dimensão Metafísica, e uma das provas disso é o atual surto de Coronavírus – são as cidades daqui, da Terra, que tentam desesperadamente imitar a cidades de lá, do Céu. Vemos aqui muitas frutas, numa granja farta, remetendo-me a uma querida vizinha, a qual sempre visitava o vizinho levando algo de seu próprio pomar, num ato de generosidade, no prazer de presentear alguém, num coração generoso, algo distante do egoísmo sociopático, numa base de comparação, pois se digo que algo é belo, é porque conheço o oposto, que é feio, ou seja, esta é a função do Mal – delinear, reconhecer e valorizar o Bem. Essas linhas retas cortam o quadro da esquerda para a direita e de cima para baixo, como numa cidade como Manhattan, num kilt, com linhas se encontrando, como pessoas passando umas pelas vidas das outras, como certa vez conheci um amigo, e ambos estávamos passando por um momento devastador, só que cada um de um modo, nas perfeitas teias da Divina Providência, numa forma de poder tão sutil que mal pode ser vista, havendo no homem sábio, na Terra, um representante de tal poder benevolente. Neste quadro, temos um jogo complexo de contraste, e porções brancas contrastam com pardo, vermelho e azul marinho. É como se o quadro tivesse sido cortado impiedosamente por um estilete, como nas garras agressivas do carismático herói Wolverine, no ato de um artista deixando sua marca no Mundo, provocando cicatrizes psíquicas, na capacidade de algumas pessoas em marcar épocas, com artistas que se tornam figuras emblemáticas de suas próprias épocas, fazendo da Arte tal instrumento impositivo. Na porção esquerda superior, vemos um cesto com vários ovos, numa granja fértil, na magia de um farto ninho de Páscoa, ou no desenho de Pica Pau, com o esfomeado personagem comendo tudo o que vem à sua frente. Os ovos simbolizam a Vida, na força misteriosa que traz seres vivos ao Mundo, pois a Vida é um grande mistério, pois qual é o “combustível” que faz um coração bater? Ao olharmos para esta farta mesa de Baravelli, podemos ouvir o burburinho do interior de um restaurante, e podemos ouvir o tilintar dos talheres tocando nos pratos, no ritual polido que existe numa refeição, numa pessoa polida, usando os talheres elegantemente, havendo na alimentação o ato mais elementar da Vida. A travessa oval é um planeta circundando uma estrela, no poder das forças gravitacionais, no modo como algumas pessoas pensam que a Terra é plana... Neste quadro de natureza morta, podemos sentir o cheiro de um peixe fresquinho, num urso esfomeado capturando um salmão na correnteza de um rio, na tarefa diária de se partir em busca do sagrado alimento, no ato de se rezar e agradecer pela comida, antes de cada refeição, havendo na gratidão uma gigantesca virtude, como num filho, eternamente grato por sua mãe, no maravilhoso fato de que os vínculos de família não se desfazem com o Desencarne, ou seja, qualquer desentendimento de família terá término, e a harmonia sempre virá e impor-se-á. Estas porções brancas deste quadro remetem à magia de um dia que amanhece nevado, na beleza de uma terra branca e imaculada, havendo na Beleza a promessa de um mundo melhor, muito além na pequenez dos conflitos terrenos – o Mundo não mudará, mas poderá haver promessas de uma dimensão melhor.


Acima, sem título. Temos aqui silhuetas de mulheres formosas, numa dança erótica que tanto esconde quanto revela, provocando a imaginação do público, na famosa cena da vulva de Sharon Stone, nunca revelando tudo por completo, no cruzar de pernas mais famoso do Cinema, caindo nas graças do finado crítico Rubens Ewald Filho. Aqui, é como um papiro, no papel do papel na História da Humanidade, havendo na Escrita o que trouxe o Ser Humano à Civilização. No centro da cena, uma figura que remete a um Oscar, na cobiça que move o Ser Humano, na obsessão por sucesso, fama e dinheiro, havendo um fetiche materialista no troféu mais famoso do Mundo, num mundo onde tudo gira em torno de quem está por cima no momento, na gangorra da Vida, pois ninguém está por cima o tempo todo, pois, já disse e repito, o Sucesso é um amante infiel. Este papiro é leve, muito leve, quando o fino se sobrepõe ao grosso, ou seja, é a vitória da polidez sobre a estupidez, havendo no homem de Tao o líder extremamente polido, representando dignamente todo um povo, toda uma civilização, na arte de bem receber e bem acolher, no modo como dá gosto sentar e conversar com uma pessoa educada e humilde, uma pessoa que sabe que não é o centro do Universo, e é exatamente esta humildade o que torna tal homem o dono do Mundo, na divertida contradição taoista. Este papiro é dividido entre antes de depois, num marco, na passagem de Jesus pela Terra, numa pessoa que tem o dom de inclinar o Ser Humano a um patamar mais alto e mais nobre, como num esforçado professor, empenhado em ensinar o que é válido e correto, num trabalho de muita paciência, pois o Ser Humano está o tempo todo sendo seduzido pelos atalhos traiçoeiros da arrogância, confundindo esta com altivez, no modo como pode ser difícil ensinar tal discernimento. O papiro é ladeado por duas figuras femininas, com amplos quadris, numa mulher fértil, como numa rainha Victoria, trazendo filhos e mais filhos ao Mundo, no modo como o Patriarcado infelizmente vê a mulher como tal instrumento de produção, no incrível machismo que irrita profundamente qualquer feminista. Uma dessas mulheres é branca; a outra, negra. É como num desfile de Moda com Naomi Campbell e Claudia Schiffer, no discernimento de Yin e Yang, onde tudo carrega em si sua própria contradição, ou seja, no Cosmos, nada mais natural do que a sombra projetada pela luz. A mulher negra posa com as mãos atrás da cabeça, num ato de entrega, numa mulher apaixonada, entregando-se por completo, sabendo, pela primeira na vida, a diferença entre fazer sexo e fazer amor, num ato de rendição, numa pessoa abrindo o seu coração e os seus sentimentos a outra pessoa, num momento mágico de confiança, fazendo que com o cônjuge saiba das tristezas do companheiro, num lindo momento de confidência, no modo como tudo pode ser comprado, menos Amor, num filme que vi quando criança, quando um homem, atendido por um gênio da lâmpada, podia dar tudo para uma pretendente, menos Amor... Já, a mulher branca está com as mãos nas ancas, dançando numa liquidiscência, como num rio tortuoso, circundando terras como uma fértil serpente, na letra de uma canção brega (e fascinante): “Um animal que ronda no véu do luar”. Aqui, temos uma dança de striptease, e podemos ouvir o som vibrante de batidas, como no filme em que Demi Moore, no auge de sua forma física, interpreta uma stripper, arrastando seus seios sobre a passarela de um clube de strippers. É como uma chama em uma vela, sensível, deixando-se levar por qualquer pequena corrente de ar, dançando ao sabor do vento, como diz a canção célebre: “A mulher se move como o vento”. É como uma sacola de plástico voando ao léu, como um surfista surfando sobre uma onda, na capacidade de uma pessoa em saber surfar em tais “ondas”, buscando carona nas oportunidades, numa pessoa pegando carona em um cipó, como no cavalinho branco, que é montado no momento exato. Aqui, o vermelho quebra a sisudez preta e branca, na cor dos bordéis, cheirando a Sexo, ou cheirando à erótica marca Victoria’s Secret.

Referências bibliográficas:

Luiz Paulo Baravelli. Disponível em: <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso em: 18 mar. 2020.
Luiz Paulo Baravelli. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 18 mar. 2020.

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